À frente do Babbo, restaurante italiano em Ipanema, chef Elia Schramm se destaca pela simpatia e por suas receitas ítalo-cariocas
Chef Elia Schramm é quem comanda o Babbo, restaurante que faz um enorme sucesso em ipanema com sua comida pop e seu serviço feliz
Uma tonelada e meia de gnocchi, outra tonelada e centenas de quilos de filé mignon, 280 quilos de pappardelle e mais 450 de tagliollini (ou paglia e fieno verde e amarelo) frescos. Quase cem quilos de arroz exclusivamente cozinhados para virarem arancini, mais de mil carne crudas, de dois mil pratos com burrata e de 10 mil clientes por mês. O Babbo Osteria só tem nove meses de vida, mas já fala e anda sozinho. No comando, o chef Elia Schramm sorri à toa.
Efeito colateral da pandemia, há pouco mais de um ano, Elia se deparou com um casarão da virada do século 19 para o 20. Detalhe: em plena Ipanema e, não só vago, como “pagável”. O espaço já tinha abrigado um restaurante, o Salitre, e pedia um bom “trato”, nada mais. Como todo “trato” que envolve empreiteiros, pedreiros e arquitetos, o lugar levou mais tempo do que o imaginado, mas hoje abriga o maior case gastronômico do bairro da garota mais famosa da Bossa Nova.
“Quando a obra começou, eu sabia que ia dar certo, que ia encher, mas está 50% acima de todas as expectativas”, revela o chef. O grande mérito? Comida pop porn comfort e hospitalidade incondicional. Em seu restaurante ítalo-carioca, o cozinheiro de 39 anos sente-se mais acolhedor do que nunca: “Você pode sair da praia e ir sem camisa, a pessoa não se intimida de ir ao Babbo, apesar de ele concentrar o PIB do Rio, porque ele tem uma ambiance especial, um clima feliz”.
Bauletti de cordeiro com cogumelos, polpettone recheado com mozzarella de búfala e tagliolini na manteiga de sálvia e “uova pepenara” (um tagliolini de cacio e pepe com bacon e ovo mollet) à parte, Elia está convencido que “o serviço do Babbo é o melhor da cidade. “Para você ver como mudei. Quando que um chef de cozinha vai falar que a melhor coisa do seu restaurante é o serviço?”.
Fase ainda melhor
Suíço de nascimento, com passagens pelos franceses Le Pré Catelan e Terèze, no Rio, e pelos estrelados Le Taillevent e Le Violon d’Ingres, em Paris, o chef conquistou sua própria estrela no Laguiole: “Ali foram três anos, fiquei conhecido no meio, ganhei prêmios, estrela, foi uma fase maravilhosa”. Até então, sua melhor fase. Ao que tudo indica, sua osteria é o anúncio de uma etapa igualmente, senão mais, impactante.
Para começo de conversa, funciona às mil maravilhas como business, a comida lhe dá orgulho e o RH também. “O Babbo é muito mais do que um restaurante, é a síntese de 18 anos de profissão, é onde tento reproduzir tudo aquilo que aprendi da maneira mais simples e genuína, principalmente em termos de relações humanas”, justifica ele.
Para comprovar a tese, divide as arquibancadas do Maracanã com o sócio, o sub-chef e a parte flamenguista da brigada, compartilha pizza ao final do serviço de sábado com toda a equipe e, vira e mexe, paga as rodadas subsequentes de cerveja madrugada adentro no Galeto Sat’s, instituição da boemia carioca.
“Restaurante é um lugar de assédio brabo, moral, sexual, de todo tipo. É cheio de escândalo: o cara que bateu em não sei quem, na Alemanha, na China, no Japão. No mundo inteiro cozinha é treta, além de se trabalhar muito e de se ganhar mal”, avalia Elia. “Quero virar a persona da gastronomia que vai contra isso, que cuida de gente e para quem o RH é mais importante do que a estrela Michelin”, complementa.
Uma mão lava a outra
Socialismo gastronômico em alta conta, sim, mas empreendedorismo também. Enquanto assiste às filas de espera formando-se de segunda a segunda na porta do Babbo, seu patrono já “desenrola” um restaurante mediterrâneo e outro asiático. O primeiro deve dar as caras antes do final do ano, o segundo deve chegar no começo de 2023. Fosse pouco, agora em agosto mesmo, ele abre uma escola de formação e um serviço de catering.
Verdade seja dita, ao longo de quatro anos no posto de chef executivo do Grupo 14zero3 – com sete restaurantes, entre eles os italianos Pici e Posì –, o cozinheiro exercitou a própria capacidade de gestão e, sim, despertou um gostinho todo especial pela abertura de novos negócios, talento que ele nem desconfiava ter.
No que tange à Scuola, o projeto ocupará um casarão na Rua General Polidoro, em Botafogo, e oferecerá durante o dia cursos de capacitação para a área de serviços em restaurantes de forma gratuita para moradores das comunidades próximas, como a Ladeira dos Tabajaras e o Morro Dona Marta. A formação básica levará seis semanas e as turmas terão até 15 alunos, que passarão pelas quatro grandes áreas: cozinha, administrativo, salão e bar.
“A ideia é que os alunos sejam absorvidos rapidamente pelo mercado, porque não faz sentido termos mais de 25 milhões de desempregados e ficar escutando meus colegas de profissão reclamarem que não encontram mão de obra. É um contrassenso bizarro”, constata Elia. Vai daí que, como sua escola-startup, buscará atender necessidades reais – tanto de um restaurante, quanto de um funcionário.
O corpo docente contará com ele, sim, mas também com Mari Buriti (sua head mixologista “super didática”), com Lucas Lemos (seu sub-chef, que fará a introdução às massas) e com Paulo Henrique Paiva (seu maître, responsável pelo treinamento da hospitalidade), e adentrará a seara comportamental para apoiar os formandos a enfrentarem entrevistas de emprego, o ritmo de trabalho e situações extremas, como incêndio ou de falta d’água, por exemplo.
Para bancar essas classes, durante o período noturno, a Scuola sediará aulas livres com degustação, que contarão com chefs famosos do Rio, entre os quais Katia Barbosa, Thomas Troisgros e João Diamante, assim como de outras partes do Brasil, caso de Fabrício Lemos (do Origem, Ori e Omí, em Salvador) e de Onildo Rocha (paraibano à frente do Notiê e do Abaru, no Espaço Priceless, em São Paulo).
Além disso, visto a efervescência do mercado de eventos, o mesmo centro cultural de saberes gastronômico abrigará um buffet, de maneira que casamentos de todos os tamanhos e encontros corporativos serão essenciais no financiamento dos cursos de capacitação. É uma mão que lava a outra, é a confirmação de um storytelling.
Cozinha madura
Elia cresceu chamando de babbo o seu pai, um professor da Universidade de Genebra, e ganhando livro de aniversário. Natural que aprendizados e ensinamentos ganhem destaque em sua trajetória. Dentre eles, o de controlar a própria ansiedade: “Saí do Grupo 14zero3 e passei a pandemia duro para caramba. Agora voltei a ganhar dinheiro e ter prazer em sair para comer e postar o trabalho dos meus colegas”.
Mais do que uma confissão de taurino guloso, fato é que o revés profissional lhe trouxe uma dose generosa de maturidade. “Se eu saísse do Laguiole com a estrela debaixo do braço e abrisse meu restaurante, a probabilidade de me ferrar era imensa, 95%”, assume. Sem investidores em 2014, o chef engoliu em seco, mas aprendeu a criar marcas gastronômicas vendáveis e a respeitar todo tipo de empreitada gastronômica.
“Eu era um cara que tinha conseguido estrela e cozinhado com Virgílio Martinez (chef do peruano Central, um dos dez melhores restaurantes do mundo), no Refettorio Gastromotiva. Saí de uma linha in da galerinha e virei um pária que servia azeite trufado. Eu tinha vergonha, não era convidado para nada, nem podia fazer a minha cozinha afetiva”, confessa ele.
Hoje no comando do italiano mais “sexy” de Ipanema, cedeu a uma “salsa tartufatta” nos gnochhi, mas resistiu a incluir Nutella nas sobremesas: “Agora tenho um restaurante pé no chão e os melhores chefs me visitam. Só o Rafa Costa e Silva (chef do Lasai) já veio cinco vezes. Perdi o pudor e a minha insegurança. Eu achava que a gastronomia só valia se fosse haute cuisine, mas quem não gosta de macarrão com molho de tomate bem-feito?”. Quem Elia, quem?.
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