Empresário Luiz Calainho traz de volta à Urca os antológicos shows do Noites Cariocas

Empresário Luiz Calainho traz de volta à Urca os antológicos shows do Noites Cariocas

Calainho é um dos responsáveis pela organização do Tim Music Noites Cariocas, festival que apresenta até o dia 9 shows com grandes nomes da música num palco armado em uma locação mágica – o topo do morro da Urca

Da janela de seu apartamento no Alto Leblon, Luiz Calainho admira o Morro dos Dois Irmãos e parte da Floresta da Tijuca. É em meio a essa natureza exuberante que ele formata seus projetos ligados à Economia Criativa. Apaixonado pela cultura e pelas artes, ele é um dos realizadores da edição 2022 do festival Tim Music Noites Cariocas, cuja programação mistura medalhões como Ney Matogrosso, Baby e Pepeu a revelações como Iza e Baiana System em extraordinárias apresentações no palco montado no alto do Morro da Urca – cenário de antológicos shows desde os anos 1980.

 

Luiz Calainho | Foto Vera Donato

 

Nesta entrevista à 29HORAS ele fala de sua ligação com a música, dos efeitos na pandemia no showbiz e das perspectivas para o futuro do setor de entretenimento. Veja a seguir os principais trechos dessa conversa:

Para “começar pelo começo”, você nasceu na Suíça, mas logo veio para o Rio. O que você tem de suíço? E qual o seu traço mais carioca?

Meu pai era comandante da Swissair e, durante alguns anos, ele morou com minha mãe em Zurique. Foi nesse período que eu nasci. Hoje não tenho mais nada de suíço, definitivamente. O único traço europeu que eu tenho é um remoto DNA italiano, pois meu bisavô era italiano. Vim para o Rio com 3 aninhos e, como todo bom carioca, sou um apaixonado pela natureza, pela música, pelas artes, pelo lado bom da vida. Esta é uma cidade que estimula isso. Outras também proporcionam essa comunhão, mas aqui eu sinto que existe uma energia especial, e por cauda disso o casamento de mar, sol, floresta e cultura é algo único.

 

Noites Cariocas no ano de 2009 em Píer Mauá | Fotos Acervo Pessoal

 

 

 

No início da sua carreira profissional, você trabalhou em agências de publicidade, no marketing da Brahma e na Sony Music. Qual foi o “turning point”da sua trajetória? Em qual momento você descobriu que tinha o talento e a capacidade necessários para se tornar um empresário em voo solo, um homem de comunicação?

Eu acredito em caminhos disruptivos, em maneiras diferentes de fazer o que já foi feito. Explico bem isso no livro “Reinventando a Si Mesmo – Uma Provocação Autobiográfica”, que eu lancei em 2013 pela Editora Agir. Comecei minha vida profissional na agência Standard e em meados dos anos 80 fui para Brahma. Lá, vivenciei uma fase muito efervescente da empresa, que passou a ser administrada pelo Jorge Paulo Lemann, pelo Marcel Telles e pelo Beto Sicupira. Um dia, recebi um convite para me transferir para a Sony Music e não consegui resistir. Minha paixão pelas artes falou mais alto e troquei na hora o negócio de cervejas e refrigerantes pelo universo da música e do showbiz. Em pouco tempo, me tornei vice-presidente da gravadora. Esse foi o primeiro “turning point’” da minha carreira, como você falou. O segundo veio logo depois, quando a indústria da música foi devastada pela revolução digital. As gravadoras ficaram para trás, vendo tudo desmoronar, sem fazer nada. Foi aí que eu encontrei um outro momento para me reinventar e partir para um voo solo, unindo a minha experiência no mundo corporativo com meu conhecimento do setor cultural. Assim nasceu, em 2000, a holding L21, que tem ramificações em vários segmentos da economia criativa, como o teatro, a música, o rádio e a internet.

Quando jovem, você frequentou a primeira edição do Noites Cariocas, nos anos 1980? Que lembrança tem daqueles tempos?

Fui lá sim, claro! Eu ainda tinha apenas uns 15 anos ou um pouco mais, mas vi shows inesquecíveis por lá: Barão Vermelho, Paralamas… Estive em todas edições do Noites Cariocas. Na primeira, que foi organizada pelo Nelson Motta, participei como espectador. Na segunda encarnação do Festival, entre 2004 e 2011 – de início, também na Urca e, posteriormente, na região do Porto, fui um dos organizadores do evento, assim como agora. Sinto que tenho uma ligação espiritual com o Noites Cariocas, que é simplesmente o mais longevo festival de música pop do país ainda em atividade. O Rock in Rio só surgiu em 1985 e teve em seu line-up vários artistas que foram revelados justamente naquelas loucas noites da Urca.

 

Noites Cariocas banda Skank, no ano de 2007 | Foto Acervo Pessoal

 

O que este revival terá de melhor do que as edições anteriores?

Trazer o festival de volta para o Morro da Urca já vai deixá-lo especial. Além da vista maravilhosa, aquela pedra é mágica, tem uma vibração poderosa e peculiar. Mas o mais importante é que o Tim Music Noites Cariocas está sendo um marco da retomada. É o primeiro festival de música que acontece após os lockdowns e quarentenas. O Lollapalooza rolou em São Paulo uma semana depois de nós darmos início à nossa programação. As pessoas estavam sem se encontrar há anos. As emoções estavam represadas, assim como a vontade de curtir um bom show, com uma galera animada e um a stral bacana.

 

Alexandre Accioly, Leo Jaime Luiz Calainho – Noites Cariocas no ano de 2022 | Fotos Acervo Pessoal

 

A programação deste ano está meio nostálgica…

O line-up é uma celebração dos 42 anos do Noites Cariocas. Temos shows de atrações que fizeram história no festival e seguem na ativa, como Ney Matogrosso, Paulo Ricardo, Paralamas, Leo Jaime, Capital Inicial e Baby & Pepeu; temos nomes da nova geração, como Iza, Baiana System, Fernando Rosa, Ana Vitória e Diogo Nogueira; e temos também pocket shows com tributos a grandes estrelas da música que brilharam nas edições anteriores do Noites Cariocas, mas infelizmente não estão mais entre nós, como Tim Maia, Cazuza e Cássia Eller.

Podemos esperar que o projeto se eternize e tenha outras edições nos próximos anos?

Essa é a ideia, mas esses tempos bicudos ainda não permitem que a gente garanta que isso vá acontecer, infelizmente. A edição 2022 tem o luxuoso apoio da Tim, que é uma empresa tradicionalmente muito ligada à música, ao entretenimento e à economia criativa.

 

Noites Cariocas show da banda Paralamas do Sucesso | Foto Divulgação

 

Por falar em entretenimento, como foi a sua vida nesses últimos anos, com a paralisação total do setor de shows e eventos?

Pois é, nós trabalhamos com aglomeração, com a reunião das pessoas. Nosso setor foi um dos primeiros a fechar e está sendo um dos últimos a voltar. A pandemia caiu como uma bomba em nosso negócio. Esses últimos dois anos foram um período de muita introspecção, de recolhimento – fiquei muito mais próximo da minha mulher e dos meus filhos, de desaceleração e de reflexão. Intensifiquei o meu mergulho na disrupção e pude pensar em novas formas de trabalhar. Pode parecer bizarro, mas acredito que, apesar e talvez por causa de todo o sofrimento que nos foi imposto, hoje estamos mais fortes do que antes da Covid.

O que mais a L21 está preparando para este 2022 de retomada?

Estamos com vários projetos saindo do forno neste momento. No meio do ano, a Aventura Entretenimento vai estrear na Cidade das Artes um espetáculo musical celebrando os 25 anos dos estúdios Pixar, com personagens de ‘Procurando Nemo’, ‘Toy Story’, ‘Monstros S.A.’, ‘Up’, ‘Carros’ e ‘Os Incríveis’. No segundo semestre, a Musickeria vai gravar o Samba Book com canções de Beth Carvalho interpretadas por outros artistas, assim como fizemos há alguns anos com a obra de Zeca Pagodinho, Dona Ivone Lara, Jorge Aragão e João Nogueira. E tem muito mais coisa vindo por aí…

O Blue Note Rio vai voltar? Já cogitou produzir um festival Blue Note lá no alto da Urca?

O Blue Note Rio vai voltar, sim! Nossa expectativa é que a casa seja reaberta no final deste ano. Não vai ser no antigo endereço, na Lagoa. Estamos negociando outro imóvel para abrigar esse templo do jazz e da música instrumental.

Por fim, quais são as suas perspectivas para o negócio do entretenimento?

As perspectivas são as melhores. Se teve uma coisa que ficou muito clara durante a pandemia é que a arte e a cultura são artigos de primeira necessidade. E o patrocínio de festivais, exposições, shows e espetáculos é uma maneira gentil, positiva e eficiente de estreitar a conexão entre marcas e pessoas, de explicitar seus posicionamentos. Tenho visto muita gente cheia de projetos e de entusiasmo nessa retomada. Produtores animados, artistas motivados, público sedento: o ecossistema do setor de entretenimento e eventos está carregado de energia. Vamo que vamo!

 

Programação de abril do Tim Music Noites Cariocas

DIA 1 (SEXTA)
22h – Pocket Musical Tributo a Cazuza
24h – BaianaSystem

DIA 2 (SÁBADO)
23h – Ney Matogrosso

DIA 8 (SEXTA)
22h – Pocket Musical Tributo a Cássia Eller
24h – Anavitória

DIA 9 (SÁBADO)
23h – Baby & Pepeu 140 Graus
Tim Music Noites Cariocas
Praça General Tibúrcio, Praia Vermelha.
Ingressos a partir de R$ 120.

Amanda Pinto, empresária à frente da N.OVO, marca plant based brasileira, é um dos rostos da promissora indústria de alimentos do futuro

Amanda Pinto, empresária à frente da N.OVO, marca plant based brasileira, é um dos rostos da promissora indústria de alimentos do futuro

Criadora de marca de ovos plant based, Amanda Pinto, expande portfólio e aproveita momento favorável de aposta global nesses produtos

Alternativas às proteínas animais estão em um momento de grande ascensão e expansão. Puxados por consumidores “flexitarianos” – aqueles que não são veganos ou vegetarianos, mas que apostam na redução da alimentação à base de carne –, produtos “plant based” encontram terreno fértil no Brasil, assim como em diversos países. De acordo com The Good Food Institute Brasil, o ano de 2021 foi de investimento recorde no ecossistema dessas empresas.

Nesse setor estão incluídas não apenas marcas de proteína vegetal, mas também as de carne cultivada e de fermentação – aquelas desenvolvidas em laboratórios, por meio de uma tecnologia chamada “cultivo celular”, e as opções que são feitas a partir de microrganismos, como fungos e bactérias, respectivamente. Desde 2020, foram investidos quase US$ 11 bilhões – sendo US$ 8 bilhões (73%) após o início da pandemia e a consequente disrupção dos mercados globais.

Bem recebidas pelo público, as empresas de carne, frutos do mar, ovos e laticínios vegetais receberam US$ 1,9 bilhão em investimentos em 2021, quase três vezes os US$ 693 milhões arrecadados em 2019. A startup brasileira N.ovo, com escritório em São Paulo e fábricas espalhadas pelo país, está inserida nesse mercado e amplia gradualmente seu portfólio desde sua criação, em 2019. “Hoje vemos novos players, uma maior concorrência, os brasileiros estão receptivos ao plant based, graças à comunicação amigável que aplicamos para uma maior conscientização entre as pessoas. Não estamos mais falando de produtos para um nicho, mas, sim, para todos”, afirma Amanda Pinto, fundadora e head do business da empresa.

 

Amanda Pinto | Foto Léo Braga

 

A N.ovo oferece treze produtos: a N.ovo Receitas, um substituto vegetal para ovos, em pó, para aplicação em receitas, como bolo e massas; o N.ovo Mexido, que é uma alternativa vegetal para ovos mexidos e omeletes; a linha de maioneses veganas e a linha de frangos vegetais – feitos à base de ervilha e fibra de broto de bambu, apresentados em forma de filé de peito à milanesa, empanadinhos (nuggets), coxinha, filé de peito e cubinhos, que replicam as características do produto animal. “Pensar alternativas ao consumo de carne e derivados é um assunto de todos! É insustentável alimentar quase 8 bilhões de pessoas da forma como se faz hoje em larga escala, com a destinação da maior parte dos grãos para animais.”

A empreendedora criou a startup enquanto trabalhava na empresa da família como gerente de inovação e marketing, e lançou no mercado ovos veganos em pó. Amanda é filha de Leandro Pinto, presidente do Grupo Mantiqueira. “Claro que no início não foi fácil falar disso dentro do grupo, que é líder no segmento da avicultura na América do Sul. Mas a empresa entendeu a proposta de produzir alimentos à base de plantas, que já se apresentava como uma tendência global.”

Gôndolas brasileiras

O mercado brasileiro de proteínas alternativas conta atualmente com cerca de 100 empresas e exporta produtos para mais de 25 países. O primeiro hambúrguer vegetal do Brasil foi lançado pela startup Fazenda Futuro, que iniciou suas atividades em maio de 2019. Rapidamente o setor também acolheu os grandes players, como as gigantes da alimentação nacional Marfrig (Plant Plus), a JBS (linha Incrível Seara) e a BRF (Sadia Veg & Tal), que aumentaram seu portfólio com produtos à base de proteínas vegetais.

Segundo dados da agência Euromonitor, nos últimos cinco anos o Brasil registrou um crescimento anual de 11% nas vendas de produtos substitutos da carne animal. Para 2025, a projeção é atingir US$ 131,8 milhões (R$ 666,5 milhões). “Para criar a N.ovo, viajei ao Vale do Silício para colher referências, já era perceptível que as gigantes do setor de alimentos nos
Estados Unidos começavam a investir em plantbased para não perder fatia de mercado”, lembra Amanda.

Por suas pesquisas para chegar às fórmulas dos produtos, a empresária entrou na lista dos 35 principais inovadores da América Latina com menos de 35 anos, pelo Instituto de Tecnolo
gia de Massachusetts (MIT). “Foi uma honra, o Brasil é um grande exportador de proteínas animais e acredito que também se tornará um exportador de proteínas alternativas”, diz ela.

 

Hambúrguer plant based | Fotos Divulgação

 

Ainda de acordo com a The Good Food Institute, 50% da população do país afirma já ter diminuído o consumo de carne em 2020, um crescimento de 73% em relação a 2018, quando
a população de flexitarianos era de 29%. A saúde é o principal motivador para essa mudança de comportamento entre os brasileiros.

Além da conquista de hábitos mais saudáveis, a sustentabilidade é outro fator que se destaca. Um estudo realizado pela Beyond Meat em parceria com a Universidade de Michigan mostra que, em comparação à produção de um bife animal, a carne vegetal emite 90% menos gases de efeito estufa e usa até 99% menos água, 93% menos terra e 46% menos energia.

Mas, apesar da demanda promissora, a oferta de produtos plant based enfrenta desafios tecnológicos no Brasil. Em uma pesquisa feita em 2021 com 21 empresas do setor de alimentos feitos de plantas, foram apontados sete temas cruciais para o desenvolvimento do setor. Entre eles, 84% das empresas afirmaram que sentem falta de mais matérias primas nacionais. “Usamos ainda tecnologia estrangeira e grande parte da nossa equipe, neste ano com 25 pessoas, agora está focada em inovação.”

Uma das barreiras, exemplifica Amanda, é que o Brasil não tem tecnologia de processamento dos ingredientes. Como a soja, que é plantada aqui, exportada, mas retorna processada para servir de matéria-prima para a indústria de alimentos. “A nossa meta é entrar na briga e alcançar todo mundo, uma vez que basta as pessoas experimentarem os produtos plant based para aderir. Com tecnologia brasileira, isso acontecerá.”

Tendências do setor

Com as gôndolas mais repletas de opções de origem vegetal, algumas lacunas tendem a ser preenchidas nos próximos anos. O The Good Food Institute identifica que o desenvolvimento
de produtos para lanches rápidos, como coxinha e empadinhas, estão em alta a curto prazo, além de opções de produtos com preços acessíveis e competitivos. Há ainda a abertura para “smart products”, ou seja, produtos com mais de uma funcionalidade, como pasta de leite de castanha da marca Nice Foods, que vira leite, creme culinário e pode ser usado em receitas.

 

Hambúrguer plant based da Marfrig, vendido no Outback | Foto Ricardo de Vicq De Cumptich

 

Há ainda, segundo pesquisa realizada pelo BHB Foods e Suplementos, plataforma da consultoria Equilibrium Latam, e pela Decode, braço de inteligência de dados do grupo BTG Pactual, uma procura crescente por alimentos clean label – que significa “rótulo limpo”, ou seja, produtos com menos ingredientes, sem aditivos como corantes e conservantes –, além de uma maior preferência pela proteína como ingrediente e o uso de suplementos. Tudo tende a se agregar cada vez mais ao plant based.

“Acredito que as mudanças estão acontecendo porque somos empáticos à potência do agronegócio. Vim de uma família que está no setor há gerações, até brinco que a minha primeira palavra foi ovo (risos)! Reconheço o trabalho daqueles que levantam cedo todos os dias para que a comida chegue ao prato!”, reflete a empresária. “Por essa aproximação toda, por eu ter crescido na Granja Mantiqueira (em Itanhandu, MG), vejo que vamos conseguir equilibrar e diversificar a indústria alimentícia com diálogo e inovação, agregando todos”, finaliza.

Gloria Groove reverencia a periferia paulistana em álbum “Lady Leste” e se firma como uma das artistas brasileiras mais ouvidas no mundo

Gloria Groove reverencia a periferia paulistana em álbum “Lady Leste” e se firma como uma das artistas brasileiras mais ouvidas no mundo

No álbum “Lady Leste”, a cantora Gloria Groove reverencia a Zona Leste paulistana e celebra seus 20 anos de carreira

Foi em meio aos muros grafitados e às batalhas de rap da Vila Formosa que, aos 17 anos, Daniel Garcia se descobriu Gloria Groove. Pegou maquiagem e roupas emprestadas da mãe, Gina Garcia, e fez seu primeiro show como drag queen na Zona Leste de São Paulo. “Filho de cantora, eu entrei para o show business muito cedo. Aos 7 anos já cantava com a galera do Balão Mágico, fazia teatro musical e dublava profissionalmente. Mas minha revolução artística só veio com a Gloria”, conta o multiartista de personalidade híbrida e identidade fluida, que se refere a si mesmo ora no masculino, ora no feminino. “Gloria é uma extensão do Daniel, ela o potencializa de forma que não sei mais dizer onde termina um e começa outro.”

A consciência de si e a energia criativa talvez expliquem a ascensão recente e estrondosa daquela que já é considerada uma das maiores vozes de sua geração. Em outubro de 2021, Gloria ganhou a boca do povo quando armou um circo em um videoclipe para expor os horrores da cultura do cancelamento em “A Queda” – hit que já ultrapassa a marca de 100 milhões de visualizações no YouTube. Mais tarde, no mesmo ano, denunciou a gourmetização da arte popular na música “Leilão” e ainda saiu vencedora do Show dos Famosos, quadro performático do “Domingão com Huck”, no qual emprestou sua pele, seu corpo e sua voz a personalidades como Jennifer Lopez, Justin Timberlake e Marília Mendonça.

Agora aproveita os holofotes conquistados para trazer luz à cultura de sua quebrada. Nas 13 faixas carregadas de mensagens que compõem o álbum “Lady Leste” – lançado em fevereiro e já no Top 10 da Billboard –, ela homenageia o funk de MC Daleste e os ritmos e sotaques das ruas que a criaram. Em entrevista à 29HORAS, Gloria Groove celebra as conquistas dessa nova era, comenta seu passado e seu presente na “ZL” e reflete sobre a representatividade drag na cena pop atual.

 

Gloria Groove | Foto Rodolfo Magalhães

Gloria Groove | Foto Rodolfo Magalhães

 

Hoje, desfrutando do título de uma das maiores cantoras da sua geração, você continua morando na Vila Formosa, em uma casa próxima à que vivia, quando criança, com sua mãe, sua tia e seus primos. O que a fez permanecer ali?

A Vila Formosa é um grande símbolo. É minha infância, minha adolescência e minha vida adulta sintetizadas. Apesar de já ter vivido em vários cantos de São Paulo muitas vezes de favor, debaixo do braço da minha mãe, que tinha uma carreira instável como cantora da noite –, a Vila me abrigou dos zero aos quatro anos de idade e, a partir dos doze, me proporcionou meus melhores anos, em colégios como Sagrado Coração e o José Marques da Cruz. A ZL foi o palco dos meus primeiros rolezinhos de shopping, das minhas primeiras quermesses e festinhas, do meu primeiro beijo. Sinto que continuar aqui hoje é como decolar e ainda ter a possibilidade de manter os pés no chão.

 

Você acaba de lançar um álbum que é praticamente uma ode à periferia paulistana. Por que se intitular Lady Leste e por que em um álbum tão cheio de parcerias, convidados especiais e homenagens?

Esse álbum é um compilado das referências que colhi desde o início da minha carreira. Me nomeio “Lady” em homenagem a todas as mulheres que me criaram artista e me apresentaram ao poder do meu feminino (de Gaga à minha mãe), e “Leste” em honra às minhas raízes periféricas. Minha arte não se fez sozinha e, por isso, agrego tantos nessa nova era. Na presente Lady Leste, a ideia é apontar para o meu futuro dos sonhos, a partir de vozes que ajudam a contar o meu passado.

 

Gloria Groove | Foto Arthur Wolkovier

Gloria Groove | Foto Arthur Wolkovier

 

Existe toda uma aura de glamour no universo drag, mas você traz um contraponto a essa narrativa: tem um estilo muito próprio, que mescla o luxo ao visual urbano, despojado, da rua. Como você construiu essa identidade?

Sempre estive no meio dessa tensão visual. Vivi imerso em dois mundos muito diferentes, de noite assistia à minha mãe cantando um jazz no Terraço Itália e, na manhã seguinte, estava dançando um funk 34 CAPA proibidão no intervalo da escola. Ambas as experiências me levavam a uma sensação muito forte de pertencimento. Minha identidade é híbrida, e acho que isso fala muito alto a minha estética artística também.

 

Além de trazer uma urbanidade latente, sua música expõe questões sociais, da LBGTfobia aos linchamentos virtuais. O público ainda se surpreende quando o pop ou o funk carrega mensagens profundas?

Sem dúvida. Esse estereótipo da arte popular como uma arte menor ainda resiste. Mas a verdade é que, quanto mais mainstream uma obra for, maior a sua potência de propagar mensagens e gerar mudanças. É extremamente possível ser dançante e incisivo, chiclete e engajado, divertido e crítico, simultaneamente. Quando usamos a popularidade de um som para reivindicar transformações sociais, estamos fazendo arte popular na sua mais profunda essência.

 

Gloria Groove | Foto Rodolfo Magalhães

Gloria Groove | Foto Rodolfo Magalhães

 

Mas, muito além do funk, você desbrava diversos estilos musicais. Vai do gospel ao pagode, do trap ao R&B. De onde vêm todas essas referências? E, no meio de tantas possibilidades, como unificar o “fator Gloria Groove”?

Tive a sorte de me alimentar de referências musicais das mais variadas procedências. Me apropriei do blues que minha mãe ouvia, da Broadway que meus amigos do teatro amavam, do samba no karaokê com a minha tia… Gosto de explorar vários estilos porque isso garante que o processo nunca seja monótono. Além disso, para mim, uma das coisas que mais torna icônico o trabalho de um artista é o poder de se reinventar, sem perder sua essência e originalidade vocal. É nisso que eu miro. Quero que a marca da GG seja sua voz e sua potência. O estilo musical é apenas um veículo.

 

Outra característica marcante de suas produções é o primor pela estética audiovisual. São videoclipes muito bem produzidos, com roteiros refinados. Um exemplo é “A Queda”, com visual macabro digno de Hollywood. Quem está por trás desses filmes?

Como boa adolescente fã da MTV, eu era apaixonada por videoclipes. Sempre acreditei que o audiovisual é capaz de complementar a mensagem musical, torná-la mais potente e palpável, e é por isso que invisto tanto, financeira e simbolicamente, nesse tipo de produção. Quero que tudo na minha arte comunique e atravesse as pessoas. Para isso, tenho ao meu lado diretores geniais como João Monteiro, Felipe Sassi e Belle de Melo, mas sempre estou 100% envolvido no processo, do roteiro à seleção de cenas para o corte final.

 

Depois de 20 anos de carreira, dez deles como drag queen, você acredita que tenha atingido, só agora, o auge? Daí do alto, o que você vê? Qual é o próximo passo?

É engraçado porque, como trabalho com música desde sempre, não consigo processar a ideia de estar “no auge”. Eu ainda me sinto no meio do caminho, tanto quanto há quatro anos, ou dez. Tenho muito mais a trilhar, muito mais a dizer, muito mais gente a alcançar. Mesmo que meu trabalho agora ocupe uma vitrine mais abrangente, tenho certeza de que ainda posso ir além. Enquanto houver como me reinventar, seguirei inquieta e criando.

 

Antes de se lançar como drag queen, você estudou teatro musical e foi dubladora. O que, dessa bagagem, você traz para a sua arte hoje?

Dublagem e teatro são minhas eternas escolas. Emprestar minha voz e meu corpo a um personagem é uma espécie de estudo social para mim. Dublar, assim como atuar, é se colocar no lugar de outros. Acredito que isso me ajudou muito, por exemplo, no Show dos Famosos, uma competição que exige que você viva outro alguém em todas as suas nuances. Isso e, claro, a habilidade de conciliar canto, dança e atuação, sem ficar maluca (risos) – o que, com certeza, veio com o estudo de teatro musical.

 

Gloria Groove | Foto Arthur Wolkovier

Gloria Groove | Foto Arthur Wolkovier

 

Em tempos de Gloria Groove no topo do Spotify, de Pabllo Vittar fazendo sucesso internacional, e de ‘Ru Paul’s Drag Race’ agregando fãs brasileiros, é possível dizer que a arte drag encontrou terreno seguro para se difundir pelo Brasil?

Os últimos dez anos mudaram drasticamente o jeito como a arte drag é experienciada pelo grande público. Hoje existem referências globais do que é ser uma drag queen de sucesso. Criaram-se espelhos para nós e exemplos para eles. E isso tem impacto direto na forma como a sociedade aborda a cultura drag que reside nos palcos e nas boates mundo afora. Estamos atingindo um espaço de reconhecimento e respeito profissional que, há algum tempo, parecia inimaginável em um futuro tão próximo. No Brasil, essa evolução se escancara com o sucesso de drags como Pabllo, eu, e tantas outras.

 

Aliás, como explicar um país ainda tão preconceituoso capaz de tornar drag queens tão famosas?

O Brasil é mesmo paradoxal. Afinal, estamos falando do país que mais mata pessoas trans no mundo e, ao mesmo tempo, o que mais consome pornografia envolvendo pessoas trans, por exemplo. Só com esses dados já é possível identificar o comportamento hipócrita e nocivo que se estabelece quando um país naturalmente diverso e multicultural é vítima de uma moral retrógrada e conservadora. É um lugar perigoso para a gente, mas estamos chegando no topo mesmo assim. E eu acredito muito que isso acontece porque a cultura brasileira é poderosa, colorida e plural, assim como as nossas drag queens. No final, a cara do Brasil “é nóis” e não eles.

 

Revista Online: Edição 147 – VCP

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