Pela primeira vez num monólogo, atriz Débora Falabella encena versão brasileira de peça de grande repercussãointernacional que discute a violência contra a mulher
Desde a sua estreia em Londres, em 2022, “Prima Facie” seguiu uma trajetória meteórica. Escrito por Suzie Miller, o texto conquistou a Broadway e o West End inglês, virou objeto de disputa entre produtores e inspirou debates e esforços para mudar leis britânicas envolvendo crimes de abuso e agressão sexual. Neste mês de maio, a peça faz sua estreia no Brasil, no Teatro Adolpho Bloch, na Glória.
A montagem é estrelada por Débora Falabella, que assume o desafio de encenar o primeiro solo de sua carreira. No palco carioca, ela explora uma forma autêntica de dar vida a uma personagem que ganhou adaptações em países como Alemanha, Austrália, Nova Zelândia e Turquia. No papel da advogada Tessa – que tem acusados de violência sexual entre seus clientes – a atriz faz ainda uma imersão nas complexidades do sistema judiciário. “Acredito que o resultado e a sensação de estar em cena serão completamente diferentes, para mim e para o público”, revela.
foto Jorge Bispo
Mineira e filha de artistas, Débora se diz tímida e afirma que foi em sua profissão que encontrou uma maneira para se expressar. Em entrevista à 29HORAS, ela também reflete sobre a fama e o equilíbrio necessário na atuação, destaca montagens importantes para sua trajetória no teatro e antecipa novos e desafiadores projetos.
“Prima Facie” é o seu primeiro monólogo. Como foi a preparação para estar sozinha no palco diante do público? Nunca tinha sentido a vontade de fazer um monólogo, porque sempre entendi o teatro como uma troca com o outro em cena. Mas, recentemente, esse desejo surgiu em mim, impulsionado pela curiosidade de me arriscar em algo novo. Foi assim que decidi me aventurar nessa experiência e buscar um projeto que me desafiasse. E encontrei o texto de ‘Prima Facie’, que me encantou profundamente. A preparação para um monólogo vai muito além do momento solitário em que estou no palco. É um esforço colaborativo que envolve uma equipe talentosa e dedicada, incluindo uma diretora experiente, profissionais de voz, corpo, direção, cenografia, figurino e iluminação. A construção desse trabalho exige uma preparação minuciosa e um alinhamento preciso de todos os elementos envolvidos.
Por mais que a sensação seja de estar sozinha em cena, sei que tenho o respaldo de uma equipe sólida e comprometida. Isso me dá uma tranquilidade grande! A preparação para esse solo acabou não sendo muito diferente dos outros espetáculos que já participei. Mas acredito que o resultado e a sensação de estar em cena serão completamente diferentes, para mim e para o público.
Débora Falabella como advogada Tessa, na peça “Prima Facie” – foto Jorge Bispo
A peça ganhou montagens em diversos países e foi estrelada por Jodie Comer, na Broadway. Quais são as especificidades da montagem brasileira? Quando se compra os direitos de uma obra, um mundo de possibilidades criativas se abre para a montagem da peça. Penso que cada equipe artística traz sua própria visão e sensibilidade para o palco, resultando em interpretações únicas. Desde a direção até a interpretação dos atores, cada montagem reflete a singularidade e criatividade do grupo envolvido. Eu acho muito bonito observar como a mesma obra pode ser interpretada de maneiras tão diversas, ampliando seu impacto e relevância em diferentes contextos. Por aqui não será diferente, vamos imprimir algo singular nesse texto.
Por que trazer essa peça ao Brasil? A questão da violência contra a mulher e a agressão sexual é sensível e muito recorrente em diversos países. No caso do Brasil, essas questões são especialmente impactantes, porque os números relacionados a esses crimes são mesmo alarmantes! Na peça, além de falarmos de um tema de extrema importância, também podemos provocar reflexões e debates sobre como lidamos com essas questões em nosso país.
O que mais chamou a sua atenção na atuação de Jodie Comer? E como foram seus estudos para fazer a imersão na personagem? Confesso que evitei assistir às montagens anteriores da peça para não ser influenciada. Já tinha visto pequenos trechos e conhecia o texto. Mas preferi desenvolver a personagem a partir das minhas próprias experiências, porque acredito que cada atriz tem sua essência e abordagem única para os papéis. Depois da estreia, pretendo assistir às outras montagens. Mas claro que fico super curiosa! Quero muito assistir à maravilhosa Jodie Comer dando um show! Sou fã!
Na série “Aruanas” – foto Maurício | Globo
A peça tem uma temática sensível, em que a sua personagem, a advogada Tessa, defende acusados de violência sexual. Como mulher e atriz, como é vivenciar esse tema em um trabalho? Como mulher e atriz, interpretar o papel da advogada Tessa é uma experiência desafiadora e muito impactante. Tessa é uma advogada criminalista que acredita firmemente no princípio fundamental de que toda pessoa tem direito à defesa, independentemente da culpa do acusado. Ela não escolhe seus clientes e aceita os casos que chegam ao seu escritório, o que muitas vezes a leva a defender pessoas que enfrentaram situações complicadas, como casos de agressão sexual.
Ao longo da peça, Tessa passa por uma transformação pessoal ao questionar e repensar o sistema jurídico em que trabalha. Essa descoberta representa um ponto crucial na trama, em que ela começa a enxergar as complexidades e injustiças do sistema legal, é realmente interessante!
A peça desencadeou discussões e debates mundo afora. Como você espera que seja a recepção e repercussão entre o público brasileiro? Imagino que a repercussão será bem semelhante. Temos muito o que discutir ainda quando o tema é agressão sexual e como o sistema jurídico na maioria das vezes lida com isso. Conquistamos muitos avanços, mas é preciso ir além. A mulher continua sofrendo mesmo quando ela é vítima!
A versão brasileira tem Yara de Novaes na direção, que foi sua parceira no Grupo 3 de Teatro e em outros projetos. Como são as suas trocas? Yara é uma parceira de longa data com quem eu queria trabalhar novamente como diretora, confio plenamente nela e no seu processo criativo. Ela sempre foi meu farol e minha inspiração! Para esse projeto, senti que não havia ninguém melhor para dirigir do que a Yara, alguém em quem confio totalmente e que eu sabia que faria o processo ser não apenas bom e prazeroso, mas também significativo, considerando toda a nossa história nos últimos anos.
Débora em cena com Yara de Novaes, em peça do Grupo 3 de Teatro – foto divulgação
O que o Grupo 3 de Teatro significa para você? Quais foram as montagens teatrais que mais te marcaram desde o começo do grupo? O Grupo 3 de Teatro foi meu primeiro e único grupo teatral até hoje. Ao longo dessa trajetória, participei de diversas montagens. Entre as que mais me marcaram desde o início, destaco “Love Love Love”, “Contrações” e “Neste Mundo Louco Nessa Noite Brilhante”. Esses espetáculos foram especialmente importantes do ponto de vista artístico e de identificação com as mensagens que eu queria transmitir. O Grupo 3 de Teatro é cheio de significado para mim! Foi onde construí minha história no teatro e o lugar onde pude me expressar e fazer escolhas importantes na minha carreira.
Voltando um pouco no tempo, você cresceu em um ambiente que incentivava a arte. Como as atuações de sua mãe (Maria Olympia Falabella), no coral lírico, e de seu pai (Rogério Falabella), como ator e diretor, te impactavam quando você era criança? Quando você decidiu também trilhar o caminho artístico? O ambiente em que cresci teve mesmo uma influência enorme sobre a escolha de seguir na minha profissão. Com minha mãe atuando no coral lírico e meu pai ator e diretor, fui exposta desde cedo a esse mundo. Mas a decisão de trilhar esse caminho não foi diretamente influenciada por eles. Acredito que meu interesse pelo teatro foi despertado pela minha irmã Cynthia, que também começou a estudar artes cênicas. Observando sua trajetória, percebi que o teatro poderia me oferecer uma forma de expressão, uma voz que eu talvez não conseguisse encontrar em minha comunicação cotidiana. Sempre fui uma pessoa mais tímida, quieta, e vi no teatro uma oportunidade de me expressar de maneira diferente, de explorar novas formas de comunicação e interação.
A atriz na novela “O Clone” – foto Globo | divulgação
Houve um desejo de se distanciar dos estilos e marcas dos trabalhos de seus pais? Em quem você também buscava inspiração e referências? Muito pelo contrário! Meu pai foi ator de TV na época da TV ao vivo e também atua no teatro. Ele sempre foi uma grande referência para mim. Mas é claro que fui encontrando a minha turma! Tenho muitas referências mineiras, de onde eu venho. Atores, grupos de teatro… No teatro, cada um encontra seu estilo e sua turma, o que considero um processo natural e importante para descobrir sua identidade como artista. Mas minha família seguiu me influenciando. Minha mãe, que era cantora lírica, me inspirou com sua abordagem à profissão, assim como meu pai, que sempre foi muito dedicado e respeitoso com seu trabalho. A reverência que ele tinha pela profissão certamente deixou uma marca em mim, e sinto um grande respeito por seguir seus passos!
Sua carreira na TV, em novelas e séries, é bastante extensa e diversificada, tendo interpretado protagonistas e personagens de destaque em produções como “O Clone” e “Avenida Brasil”. Como você lidava com a fama e a enorme repercussão entre o público na época? E hoje, o que a fama representa para você? Penso que depender unicamente da fama pode ser perigoso, porque estar constantemente sob os holofotes pode ser cansativo e muito invasivo. É importante encontrar momentos de descanso e privacidade. Por outro lado, a fama também pode proporcionar oportunidades incríveis. Por exemplo, ela me permite levar meu trabalho para o teatro, onde muitos fãs que me acompanharam na TV têm a chance de me ver atuar ao vivo. Acho essencial saber utilizar a fama a seu favor, sem depender exclusivamente dela e sem deixar que ela nos sobrecarregue emocionalmente.
Como a personagem Nina, em “Avenida Brasil” – foto Alex Carvalho | Globo
Atualmente, como você escolhe seus projetos? O que você busca nos seus trabalhos? Hoje, ao escolher os projetos em que me envolvo, busco oportunidades que me permitam explorar novas formas de contar histórias, é o que mais valorizo! Além disso, estou escrevendo meu primeiro longa-metragem, que pretendo dirigir, e estou muito animada com essa possibilidade que está se desenhando para mim em breve.
A Rádio Fluminense, dedicada ao rock, foi uma das pioneiras contra a caretice vigente nos anos posteriores ao fim da Ditadura Militar
“Aumenta Que É Rock’N Roll”, longa dirigido por Tomás Portella e protagonizado por Johnny Massaro, chega aos cinemas no dia 25 de abril. O filme narra o surgimento da Rádio Fluminense FM, criada em 1982 pelo jornalista Luiz Antonio Mello (Massaro), com o apoio do amigo Samuel Wainer Filho (George Sauma). O roteiro é baseado no livro “A Onda Maldita”, escrito por Luiz Antonio Mello. A trama acompanha o dia a dia de um grupo de jovens sonhadores – produtores, repórteres e locutores – que toparam ir contra a caretice que ditava o padrão das rádios da época e deram origem à primeira rádio brasileira dedicada exclusivamente ao rock. Em uma das cenas mais icônicas, tendo como cenário o Rock in Rio de 1985, Luiz Antônio e sua amada Alice (Marina Provenzzano) selam seus destinos ao som de Cazuza, à frente do Barão Vermelho.
“Aumenta Que É Rock’n’Roll” revela a euforia vivida durante a redemocratização do país, quando o rock nacional invadiu as ruas e as vitrolas trazendo muito mais do que boa música, mas incendiando os costumes e revolucionando o jeito de se vestir, pensar, dançar e se expressar.
Após o sucesso da turnê “Titãs – Encontro”, músico e ator Paulo Miklos acaba de lançar “Paulo Miklos ao Vivo” e está em cartaz nos cinemas como o protagonista do filme “Saudosa Maloca”
Após rodar o mundo com a turnê “Titãs – Encontro”, Paulo Miklos não quer saber de descanso e, pelo contrário, pisa no acelerador! Ele acaba de lançar “Paulo Miklos ao Vivo”, registro unicamente em formato digital de uma apresentação no Blue Note São Paulo em março de 2023, na qual interpretou faixas de seus dois álbuns mais recentes de estúdio, “A Gente Mora no Agora” e “Do Amor Não Vai Sobrar Ninguém”, além de arranjos especiais para hits dos Titãs, como “Flores”, “Comida” e “Sonífera Ilha”. “Fiz também uma homenagem ao rapper Sabotage, morto há 20 anos”, completa o músico.
O primeiro single, “Todo Esse Querer”, já disponível nas plataformas de streaming de música, celebra o amor a partir do estado alterado dos sentidos que vivenciamos quando estamos apaixonados. “As cores se mostram vibrantes, os sabores acentuados, a poesia invade nossas vidas, para sempre ou só por uma noite”, elucubra.
Paulo Miklos como Adoniran Barbosa – foto João Oliveira
Mas o talento do inquieto artista não se limita à música. Desde o final de março, ele está em cartaz nos cinemas como o protagonista do filme “Saudosa Maloca”, no papel de Adoniran Barbosa. Dirigido por Pedro Serrano, o longa é inspirado em um dos maiores sucessos do sambista autor de “Trem das Onze” – aquela música sobre o filho único que mora láááá no Jaçanã.
Na trama, Adoniran narra ao jovem garçom de um bar as histórias de uma São Paulo de outrora, lembrando dos amigos Matogrosso (Gero Camilo) e Joca (Gustavo Machado), vivendo em uma maloca, ambos apaixonados por Iracema (Leilah Moreno). Enquanto ela dá duro como balconista, os dois fazem de tudo para fugir do batente e “viver forgadamente”. Às custas do samba, Adoniran, Joca e Matogrosso sobrevivem à pobreza e à fome, mas têm seu modo de vida ameaçado quando o “pogréssio” começa a transformar o bairro do Bixiga, engolindo nossos simpáticos malandros.
O filme embute uma crítica à especulação imobiliária que cria uma paisagem cada vez mais desigual na metrópole. Combinando drama e fantasia, o longa resgata a São Paulo lírica do passado que ficou imortalizada nas composições de Adoniran Barbosa. “Foi um grande desafio, porque o Adoniran é um personagem com voz e dialeto bem característicos”, conta Miklos, que já teve atuações elogiadas e premiadas em filmes como “O Invasor”, “Estômago” e “É Proibido Fumar”.
O ator e diretor Selton Mello narra sua trajetória em livro recheado de memórias e lança em dezembro a sequência do longa que conquistou enorme sucesso há 25 anos
Aos 51 anos, Selton Mello já acumula incríveis quatro décadas de carreira. Isso porque ele começou cedo, ainda criança na TV. Vivenciou logo o sucesso, mas também o fracasso, e hoje se tornou um jovem veterano. “É como se eu começasse a virar o rumo do meu barco, sempre trabalhei muito, agora quero encontrar a praia”, reflete sobre seu novo momento. Hoje, Selton está sintonizado na frequência da maturidade, que espelha outra característica aflorada – ser criterioso.
O ator e diretor escolhe a dedo projetos, algo que conseguiu depois de muita dedicação e trabalho. Ele protagoniza “Ainda Estou Aqui”, filme dirigido pelo premiado Walter Salles (de “Central do Brasil”) ao lado de Fernanda Torres e Fernanda Montenegro, com estreia programada ainda neste ano. E, para a alegria do público, roda a sequência de “O Auto da Compadecida”, longa que conquistou enorme sucesso há 25 anos e consagrou a dupla Chicó e João Grilo, formada por Selton e seu parceirão Matheus Nachtergaele. A estreia está marcada para o dia 25 de dezembro.
foto Maurício Nahas
Para coroar os atuais feitos e celebrar ainda mais sua vida dedicada à arte, Selton Mello lança a autobiografia “Eu Me Lembro”. A trajetória é narrada em primeira pessoa, em resposta a uma série de perguntas feitas por 40 amigos – também estrelas da TV, teatro, cinema e literatura. “Foi uma ideia singela, mas uma boa ideia”, define. Ele conversou com a 29HORAS sobre vida, arte, memória e projetos. Confira a seguir os principais trechos:
No livro, você diz se considerar uma pessoa que está em constante mudança, com muitos projetos. Afinal, você é mais mutável ou um típico capricorniano, um cara estável e centrado?
O capricorniano não é previsível, sou uma mistura. Tento traçar um caminho – sou capricórnio com virgem, então é muito foco, com organização e planilha. É muito exaustivo ser eu, não recomendo (risos). Mas gosto de me mover, adoro as várias áreas das expressões artísticas. Às vezes curto atuar, outras vezes me enfio por detrás das câmeras e me dedico à direção, como foi no começo de ‘Sessão de Terapia’, em que dirigi todos os episódios das primeiras temporadas. Isso significa uma novela, foi abissal o mergulho!
E apesar do livro que lancei, não me considero um escritor. Para mim, é um balanço dos 40 anos de carreira. O livro passou a fazer sentido quando descobri que estava na hora de falar sobre a doença da minha mãe, que tem Alzheimer. Foi quando me dei conta de que era importante escrever sobre memória. Sou filho de uma mulher fabulosa que perdeu a memória. Seja na atuação, na direção ou no livro, no fundo espero que as mensagens cheguem a um bom lugar, são garrafas jogadas ao mar.
Foto da infância de Selton, ao lado de sua mãe e do irmão, o também ator Danton Mello, compartilhadas em seu livro – foto acervo pessoal
Em resposta a Rodrigo Santoro, você diz que “o ator é uma antena” e que tudo pode servir de alimento a ele. Do que você tem se alimentado? E em que sintonia está a sua frequência?
A gente deve ficar ligado em tudo, mesmo! Desde referências refinadas até o que for muito popular. Tenho um cuidado de não me fechar em uma bolha, de alargar as possibilidades dos meus conhecimentos. Quero assistir a programas de calouros do SBT, ler Chico Bento, Proust, quero ver filme da Mubi (streaming de filmes de arte), quero assistir a comédias do Adam Sandler, também consumo memes, quero tudo! E a minha frequência, hoje em dia, é a da maturidade. Apesar da minha mente ser agitada, encontrei uma calma muito boa agora com 51 anos, estou gostando muito! Grande parte da minha vida passei tentando agradar aos outros, não faço mais isso. É como se eu começasse a virar o rumo do meu barco, sempre trabalhei muito, agora quero encontrar a praia…quero dicas de viagem que vocês possam me dar! Estou mais interessado nisso! É cansativo começar criança, sou um jovem velho ou jovem veterano, já vi muita coisa.
Faltou alguém no livro?
A ideia foi trazer 40 pessoas que compartilharam questões sobre os meus 40 anos de carreira. Chamei pessoas que admiro, algumas com quem trabalhei, outros com quem ainda não trabalhei. Faltaram pessoas, sim! Vamos ver se vivo mais algumas décadas, assim aumento o projeto, faço novos volumes. Também fiz questão de não trocar as pessoas, algumas não estão mais aqui, partiram e não puderam ler a resposta. Mas quis manter suas indagações, não gosto de deixar alguém sem resposta, como Paulo José, Pedro Paulo Rangel, Rolando Boldrin, pessoas que foram fundamentais na minha vida.
Por que foi necessário que amigos e colegas trouxessem perguntas para compor a sua autobiografia? Seus questionamentos a você mesmo também tiveram espaço?
Meus questionamentos tiveram todo o espaço. Foi mais fácil que eles perguntassem, sinceramente. Mas foi uma forma de comemorar esse tempo todo carreira, algo que fiz pouco na vida. Sempre trabalhei muito, mas não parei para celebrar os resultados. Então, comemore! Quero deixar isso registrado nesta entrevista para quem nos lê… Se você passou em uma prova, celebre que deu certo! Se seu negócio está indo bem, comemore! Esse livro é uma forma de celebrar os meus 40 anos na arte, que marcaram a vida de muitos brasileiros, me fizeram bem e ao público também. Teria dificuldade de escrever sozinho, esse formato me ajudou na elaboração de tudo.
O ator em cena em “O Filme da Minha Vida – foto Vania Catani
Você escreve que morou em Nova York recentemente. O que mais te surpreendeu nessa experiência?
Morar fora do país era um dos tópicos daquelas listas de desejos. Foi incrível! Adorei Nova York, cheia de estímulos por todos os lados. O artista precisa do tempo de abastecimento, caso contrário replicamos coisas velhas e muito autorreferentes. Precisamos saber parar, escolher, é uma arte. A viagem foi boa, mas também para ter tempo de olhar para as feridas, para as dores.
Você lembra no livro que a atuação começou ainda na infância. E como foi se tornar diretor? Você se sentiu um menino de novo?
Fiquei com os olhos brilhando, de ter a possibilidade de criar de forma mais ampla. Quando você dirige, é criador da engrenagem, tudo vem de você, é muito estimulante. Adoro dirigir! Hoje em dia, talvez goste mais de dirigir do que atuar. Mas estou indo devagar. Mais do que nunca me tornei uma pessoa criteriosa. Escolho a dedo os projetos, trabalhei muito para poder ter esse momento, para poder ser profeta da minha própria história, como digo no filme ‘Lavoura Arcaica’, dirigido pelo Luiz Fernando Carvalho.
Selton na versão diretor – foto Vania Catani
Falando em direção, você protagoniza “Ainda Estou Aqui”, dirigido por Walter Salles e que estreia neste ano. Como é dividir esse filme com Fernanda Montenegro e Fernanda Torres?
Esse filme foi o máximo! Amei trabalhar com o Walter, é um dos maiores diretores do mundo, não apenas do Brasil. Em qualquer lugar do mundo, todos o respeitam. Tive a chance de fazer o Rubens Paiva, pai do Marcelo Rubens Paiva, com roteiro baseado no livro dele, foi uma super responsabilidade. É a história do homem que foi levado para dar um depoimento durante a Ditadura Militar e nunca mais voltou, e os filhos nunca mais souberam do pai. Meu trabalho foi com a Fernanda Torres, minha amiga, uma grande atriz, não tive a sorte de atuar com a Fernanda Montenegro, pois elas dividem o mesmo papel, mas nos encontramos nas leituras.
Quem são os melhores diretores brasileiros, na sua opinião?
Olha, tem muita gente! Sou muito fã do Kleber Mendonça Filho, é um cara especial, gosto muito do jeito que ele pensa, não apenas o cinema, mas a vida. Gosto do humor dele! Adoro o Karim Ainouz, acho brilhante, desde ‘Madame Satã’, venho assistindo aos seus filmes com muita admiração. Ele tem a capacidade de fazer longas muito distintos. Sou fã de Gabriela Amaral Almeida, que é craque no mundo do terror, gênero que conheci recentemente em ‘Enterre Seus Mortos’, em parceria com Marco Dutra, outro grande diretor brasileiro. Também admiro o Gabriel Martins, que dirigiu ‘Marte Um’, que me emocionou bastante.
Cena do filme “O Palhaço” – foto Vania Catani
Você enfatizou em outras entrevistas e no seu livro que Marjorie Estiano é uma das melhores atrizes no Brasil. Vocês dois estão em “Enterre Seus Mortos”, que deve estrear no ano que vem. Como é atuar com Marjorie? Para você, o que se revelou nesse novo trabalho conjunto?
O filme é baseado no livro de Ana Paula Maia e já considero um dos meus melhores personagens, foi uma experiência impressionante, nunca tinha feito um filme de terror. A Marjorie é a nossa Cate Blanchett, ela é genial, uma mulher inteligente, nós rimos e nos emocionamos juntos, a bola que a gente troca é muito boa! É uma alegria encontrar com a Marjorie, na vida e na arte.
No seu livro, você é bastante elogioso ao trabalho de amigos. E qual é o seu melhor trabalho até hoje? Qual é a sua maior qualidade como ator?
Aproveitei para enaltecer muita gente, alguns que ainda estão no jogo e outros que não estão mais. É uma profissão cruel, porque uma hora você está em evidência e em outros momentos é esquecido. São altos e baixos, então enalteci meus colegas, que sobrevivem ao fracasso e ao sucesso. É muito difícil responder qual é meu melhor trabalho até hoje, é como perguntar qual é o filho favorito. Mas minha maior qualidade como ator é não ter perdido a pureza do ator menino, procuro manter essa criança viva, quero permanecer com frescor, tento me livrar das técnicas e das certezas.
Após 25 anos, você volta ao filme “O Auto da Compadecida”, que em breve ganhará uma sequência nos cinemas. Os amigos Chicó e João Grilo mudaram?
Foi muito louca essa experiência, muito divertida e assustadora, porque mexemos em um clássico, mas fizemos isso com muita propriedade e maturidade. Nesse tempo, passei a dirigir, o Matheus Nachtergaele também dirigiu um filme. É uma moçada muito mais preparada, não somos apenas atores, agora ajudamos a pensar o roteiro, a montagem, a linguagem… Foi mágico! Botei a roupa e virei o Chicó de novo e olhava para o Matheus, via o João Grilo novamente. A equipe toda ficou chocada, de queixo caído! Eu e Matheus não trabalhamos muito juntos nesses 25 anos, e isso foi ótimo para a dupla, os amigos ficaram preservados!
Selton Mello e Matheus Nachtergaele em “O Auto da Compadecida 2”, que estreia em dezembro nos cinemas – foto Laura Campanella
O filme foi um grande sucesso na época e fonte de bordões que reverberam muito entre o público até hoje. Por que houve essa identificação tão grande?
Vou dar a resposta do Chicó: ‘Não sei, só sei que foi assim’ (risos). As pessoas amam o filme porque é puro e sofisticado na sua simplicidade. É o Nordeste, a representação da nossa cultura solar e rica, que veio do sertão. São dois personagens humildes tentando sobreviver. É um amor por esses dois palhaços, entramos no coração dos brasileiros.
“O Auto da Compadecida 2” marca dez anos da morte de Ariano Suassuna. Qual aspecto da obra do autor você mais admira? Você gostaria de trabalhar com textos de quais outros escritores brasileiros?
Ariano Suassuna é um mestre, é o nosso Cervantes, nosso Shakespeare, um homem de uma sabedoria absurda e um humor muito próprio. Amo ver as entrevistas dele, adoro tudo o que ele escreveu e pensava. E tenho desejo de levar Machado de Assis para as telas, é uma vontade antiga e espero realizar em breve. Mas é como diz Raduan Nassar, ‘o segredo é botar um olho nos livros e um olhão na vida’, ou seja, as referências artísticas sempre vão existir, mas é importante olhar ao redor.
A atriz Sophie Charlotte celebra período intenso e frutífero de sua trajetória profissional, coroado por atuação em filme biográfico de Gal Costa, que chega aos cinemas neste mês
Honrar Gal Costa, uma das maiores artistas da música popular brasileira, é uma missão, no mínimo, bonita e desafiadora. A atriz Sophie Charlotte, nascida na Alemanha e criada no Brasil – entre as ruas e as maravilhas de Niterói – assumiu esse feito protagonizando o filme “Meu Nome É Gal”, das diretoras Dandara Ferreira e Lô Politi, que estreia no dia 12 de outubro nos cinemas do país.
foto Bob Wolfenson
“Foi uma grande responsabilidade e um enorme privilégio”, define. Com 57 anos de carreira musical, Gal somou mais de 30 álbuns e diversos prêmios, entre eles o Grammy Latino à Excelência Musical, recebido pelo conjunto de sua obra. A cantora nos deixou há quase um ano, em São Paulo, no dia 9 de novembro de 2022. Seus sucessos atemporais compõem a trilha sonora do longa. “Meu Nome é Gal” – canção composta por Erasmo e Roberto Carlos e a preferida de Sophie Charlotte –, “Baby”, “Aquarela do Brasil” e “Divino Maravilhoso” embalam a produção. O filme destaca ainda “Eu Vim da Bahia”, “Alegria, Alegria”, “Coração Vagabundo”, “Mamãe, Coragem”, “Vaca Profana” e “Festa do Interior”.
Em sintonia com tamanha potência que ecoa da imortal artista baiana, Sophie vive fase efervescente de sua carreira. Além de protagonizar a novela “Todas as Flores”, exibida na TV Globo, ela também atua em “O Assasino”, novo filme do cineasta norte-americano David Fincher – o mesmo de “Clube da Luta” e “A Rede Social” – que estreia em novembro na Netflix. Ainda nos streamings, a atriz estrela o longa “Rio Desejo”, do diretor Sérgio Machado, já disponível no Globoplay. Por essa atuação, recebeu menção honrosa como Melhor Atriz, no Festival Internacional de Cinema de Punta del Este (Cinepunta), no Uruguai.
Em meio ao sucesso, Sophie Charlotte diz que exerce a profissão com afeto. “É que amo muito ser atriz! Então, seja no Brasil ou no exterior, em novelas ou séries, o que importa é o propósito de contar histórias”, festeja.
Em entrevista à 29HORAS, a atriz compartilha detalhes de sua imersão na mente, na pele e na arte de Gal Costa e antecipa seus próximos projetos. Confira nas páginas a seguir o que mais ela revelou.
Pôster do filme “Meu Nome É Gal” – foto divulgação
Você é protagonista do filme “Meu Nome é Gal”, que estreia neste mês nos cinemas. Como foi interpretar uma figura tão forte e potente para a cultura brasileira?
Ter a honra e o privilégio de viver Gal Costa no nosso filme ‘Meu Nome é Gal’ foi uma grande responsabilidade. Porque admiro e respeito imensamente a Gal e sua obra. Sua história e sua trajetória musical são tão especiais para mim e para tanta gente, que coloquei todo meu coração nessa jornada, foi realmente desafiador e bonito.
Sophie Charlotte em cena no longa – foto Stella Carvalho
Como foi seu processo imersivo em Gal Costa?
Foi muito profundo e longo – entrei no projeto antes de ter roteiro e, do convite até a estreia, já se vão cinco anos! Ouvi obsessiva e apaixonadamente a discografia, os shows que encontrava na internet, e assisti muitas vezes à série documental da Dandara Ferreira, uma das diretoras do nosso filme: ‘O Nome Dela é Gal’. Mas ninguém faz nada sozinho! Eu contei com a ajuda de muita gente! Dandara me passou todo seu material de pesquisa e mostrou Gal com tanto amor que nunca vou esquecer! Ela e a Lô Politi (também diretora e roteirista do filme) me apresentaram Salvador, que é a cidade natal de Dandara – e de Gal, Caetano, Gil, Bethânia –, o Gantois… passamos um verão inesquecível na Bahia.
O que mais você leu e ouviu? Quem mais ajudou? Também tive a ajuda do Claudio Leal, jornalista formidável, que encontrava matérias, entrevistas e histórias sobre Gal e aquele tempo, que me guiaram muito no processo; ele me apresentou ainda Jorge Salomão (irmão de Wally e amigo da turma que manteve a energia do desbunde a vida toda!), Cézar Mendes, que me ensina violão até hoje, não toco bem, mas ele é um grande mestre. Encontrei também com Regina Boni, que foi responsável pelo figurino que Gal usou no Festival de 1968, quando cantou ‘Divino Maravilhoso’, e Fernando Barros, fotógrafo que era muito amigo de todos da turma e, hoje, também chamo de amigo!
Contamos com a preparação maravilhosa da Amanda Gabriel; ela e o diretor de arte Thales Junqueira me estimularam a fazer uma pesquisa iconográfica e encontrar nas fotografias a evolução do corpo de Gal. Tive preparação vocal com Mirna Rubim e depois Tatiana Parra. E quando chegou a caracterização da Tayce Vale e o figurino de Gabriella Marra, tudo encaixou. Então, construir a evolução da Gracinha tímida até a Gal das dunas do barato foi formidável! E te digo que não valeria de nada sem meus parceiros de cena, meus amigos geniais! Rodrigo Lelis, Dan Ferreira, Camila Márdila, Luis Lobianco, Claudio Leal, Dandara Ferreira, Elen Clarice, Chica Carelli, Caio Scot, Pedro Meirelles, Barroso e George Sauma. Nossa amizade se firmou na preparação e sinto muito amor por todos. E eu preciso agradecer ao diretor de fotografia, José Pedro Sotero: foi uma parceria tão linda e forte, foi uma dança mesmo! Vivi a nossa Gal, minha e de todas essas pessoas e muitas outras que não vou conseguir citar aqui.
Sophie na pele de Gal Costa – foto Stella Carvalho
Muitas pessoas carregam uma admiração pela cantora. Como equilibrar todo esse afeto e ter um olhar crítico e aprofundado à vida de Gal?
Na verdade, escolhi não separar todo o afeto e a importância de Gal Costa para as pessoas e para o Brasil no processo, porque isso é a realidade, seria impossível! Não busquei ter uma visão crítica com relação à Gal, busquei, sim, ter um entendimento humano sobre ela e esse recorte de sua história.
Quais passagens da vida de Gal Costa mais te marcaram nesse processo de interpretação? O que você não sabia sobre ela que acabou descobrindo graças ao filme? Acho que o que mais me impressiona nesse momento da Gal, que está no filme, é o rasgo que ela viveu da própria timidez para dar o grito por e para toda uma geração! ‘É preciso estar atento e forte! Não temos tempo de temer a morte!’, como cantou. A plenos pulmões, em um palco, televisionado, em plena ditadura militar! Era um grito, foi um ato revolucionário de liberdade! Descobri muito sobre Gal no processo, mas há muito ainda por conhecer. Até hoje me surpreendo com histórias que não conhecia, os fã clubes de Gal são maravilhosos. Tenho um amor e interesse inesgotável por tudo de belo que ela colocou no mundo, toda sua obra imensurável.
Sophie como Gal Costa – foto Stella Carvalho
A sua carreira começou em novelas na TV Globo, como foi transitar entre formatos e atuar em filmes e séries? Há um formato preferido?
Eu comecei meu caminho como atriz no teatro e fazendo novelas, sou imensamente grata a todas as oportunidades que recebo da TV Globo, aprendi meu ofício nos estúdios com cada funcionário, cada colega de cena, cada diretor, cada câmera. O cinema me arrebatou! A verdade é que amo muito ser atriz! Então, seja no Brasil ou no exterior, em português, inglês ou alemão, no cinema, em novelas ou séries, o que importa é o propósito de contar histórias! De me reinventar, de me divertir e desafiar cada vez mais.
A atriz contracenando com as colegas Letícia Colin e Regina Casé, em “Todas As Flores” – foto Globo | stevam Avellar
Quem são os diretores, roteiristas e atores com quem você ainda deseja trabalhar?
Tem muitos diretores com os quais gostaria de trabalhar … vou realizar um sonho agora com o Jorge Furtado, que admiro muito! Mas quem sabe um dia trabalhe com Kleber Mendonça, Carolina Markowicz, Karim Aïnouz, Lírio Ferreira, Matheus Nachtergaele, Walter Salles, Vera Egito, tanta gente! E, com certeza, trabalhar novamente com José Pedro Sotero, diretor de fotografia do nosso longa ‘Meu Nome é Gal’.
Quais projetos você desenha para um futuro próximo?
Agora estou lançando ‘Meu Nome é Gal’ e posso dizer que estou feliz da vida! Mas já estou me preparando para o longa ‘Virgínia e Adelaide’, dirigido por Jorge Furtado e Yasmin Thayná; estou muito animada para contar essa história ao lado da atriz Gabriela Corrêa. As filmagens serão ainda neste ano, em novembro. E depois sigo para as gravações da novela ‘Renascer’, na qual vou viver Eliana, que foi interpretada pela genial Patricia Pillar na primeira versão, uma atriz que admiro imensamente. Gostaria de gravar um disco também! E fazer mais teatro… é muito sonho!
Você nasceu na Alemanha e veio ao Brasil ainda criança. Como essa infância e família internacional influenciaram a sua vontade de se tornar atriz? Em que isso ainda te atravessa?
Minha família incentivou meu sonho desde cedo, meus pais me possibilitaram uma formação maravilhosa e acesso à cultura. Ter uma família com culturas tão distintas me possibilitou entender as diferenças e buscar o meu jeito de navegar os ritos e os ritmos à minha maneira. Sou uma mistura de Belém do Pará com Hamburgo, criada na Alemanha até os 8 anos e depois em Niterói, no Rio de Janeiro. Minha família é muito unida e sempre será muito importante para mim!
Cena do filme “Rio Desejo”, disponível no Globoplay – divulgação
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