Deborah Secco estreia como apresentadora à frente do reality show “Terceira Metade”, que celebra todas as formas de amor

Deborah Secco estreia como apresentadora à frente do reality show “Terceira Metade”, que celebra todas as formas de amor

Aclamada por suas transformações físicas para interpretar papéis marcantes na TV e no cinema, Deborah Secco se reinventa profissionalmente e aposta também em outras facetas, como apresentadora de reality show e empresária de sucesso

Deborah Secco tem uma habilidade única de se transformar. Em 37 anos de carreira, já deu vida a dezenas de personagens marcantes e é conhecida por se entregar de corpo e alma aos seus trabalhos na TV e no cinema. Desde mudar a cor e o corte do cabelo, até emagrecer ou engordar significativamente, ela já fez de tudo.

Em 2014, por exemplo, foi elogiada por seu papel como a soropositiva Judite, no longa “Boa Sorte”, para o qual perdeu mais de 10 quilos. “Acho que o ator é uma tela em branco e tem que estar disponível para possíveis transformações”, afirma a carioca de 45 anos, que agora se prepara para viver novamente Bruna Surfistinha nas telonas e a caminhoneira Maura, no filme “Sob o Céu do Tocantins”, para o qual pretende retirar as próteses de silicone dos seios para trazer mais verdade à personagem assexuada. 

 

foto Lucas Mennezes

 

Por falar em transformações, a mais recente é a sua estreia como apresentadora no reality de relacionamento “Terceira Metade”, do Globoplay. Sob a temática inédita da poligamia, o programa confinou em uma casa à beira-mar na Bahia quatro casais dispostos a incluir um terceiro parceiro na relação – e pessoas solteiras que desejam se envolver com eles, formando “trisais”. Com a participação da psicanalista e escritora Regina Navarro Lins, o objetivo é ampliar o conhecimento das pessoas sobre outras possíveis relações amorosas. “Nunca tivemos um reality para todas as formas de amar, tanto na homossexualidade quanto na bissexualidade. Falar sobre isso é necessário, porque se mostra cada vez mais presente na nossa sociedade”, explica Deborah. 

Sempre se reinventando, ela é também uma empresária de sucesso, sendo sócia das marcas Espaço Facial, Mais Cabello, Aceleraí, Is Bikini, Peça Rara e da recém-lançada Deb Cosméticos. Em entrevista exclusiva à 29HORAS, Deborah Secco compartilha sua visão sobre relacionamentos, conta como lida com as transformações radicais para dar vida a personagens únicas e ressalta seu lado empresária. Confira os principais trechos desta conversa nas próximas páginas.

Você estreou agora em julho como apresentadora do programa “Terceira Metade”, do Globoplay. Que tal essa nova tarefa de comandar um reality?
Eu venho flertando com essa faceta de apresentadora há alguns anos e é uma área que me interessa. Depois de 37 anos atuando, a dramaturgia já é algo muito controlado e familiar para mim. Então, quando eu me proponho a fazer algo diferente, me agrada muito. Na gravidez da Maria Flor, fiz um programa para o Gshow chamado ‘Deborah Secco Apresenta’, com perguntas sobre maternidade. Depois, na Copa do Mundo de 2022, fiz o ‘Tá Na Copa’ no SportTV, que também foi incrível. Eu sou uma espectadora assídua de reality há muitos anos, quando ainda não era moda assistir ao BBB. Sou uma apaixonada por esse formato! Ter um reality para chamar de meu é realmente uma grande realização!

E o que você achou da ideia de abordar a poligamia?
Achei fenomenal! Nós já temos alguns realities de relacionamento com essa temática da pegação e uma temperatura mais quente. Mas nunca tivemos um para essas formas alternativas de amar, tanto a homossexualidade como a bissexualidade. O formato da poligamia não é padrão, existem muitos modelos. Falar sobre isso é necessário, porque se mostra cada vez mais presente na nossa sociedade.

 

Deborah Secco com Regina Navarro Lins, no programa “Terceira Metade” – foto Maurício Fidalgo

 

Qual é a expectativa de retorno do público em conversas e debates?
Penso que é esse olhar para a aceitação de uma sociedade mais plural, em que existem muitas formas de amar e que elas não são feias nem erradas, são apenas diferentes e todas merecem respeito. Evoluímos muito, viemos daquele modelo monogâmico não-fiel, em que os casamentos eram arranjados pelos pais, as mulheres ficavam em casa, os homens trabalhavam e geralmente não eram fiéis. Aí chegamos no amor romântico, que a Regina Navarro Lins, minha companheira no programa, tanto fala, no qual socialmente se criou essa estrutura ficcional em que as relações entre duas pessoas se bastam por completo, uma pessoa será a salvação da outra. E a gente foi vendo na prática que não é tão perfeito quanto parece nos filmes. Na vida real, esse amor romântico tem questões geradas pela nossa vida cotidiana. E aí surge essa possibilidade da não-monogamia, de relacionamentos conversados e combinados de formas diferentes.

Qual foi seu maior aprendizado com o “Terceira Metade”? Mudou a sua percepção sobre relacionamentos?
Confesso que cheguei lá achando que eu era uma pessoa supermoderna, e saí achando que sou super careta, porque existem muitas possibilidades dentro da não-monogamia. Toda vez que me perguntam ‘você tem um relacionamento aberto?’, eu respondo ‘não, eu tenho um relacionamento vivo’. Hoje vivo um relacionamento monogâmico, mas ele é vivo. A pessoa que eu era dez anos atrás é completamente diferente da mulher que eu sou hoje, e será completamente diferente da que serei amanhã. Eu acredito em relacionamentos com combinados. E o que o programa me apresentou é que relacionamentos não-monogâmicos ou poligâmicos vivem de combinados. E acho que assim se constroem relações muito mais honestas e potentes.

Há planos de uma segunda temporada?
A gente adoraria! Tem muitos casais e solteiros disponíveis a essa estrutura, que me param e me perguntam sobre a segunda temporada. Desejo há, de todas as partes. Enquanto isso, em breve teremos também a ‘lavação de roupa suja’, que será um reencontro com todos os participantes para saber como eles estão um ano depois.

Ainda este ano, você deve começar a gravar “Bruna Surfistinha 2”. Qual será a história desse segundo filme?
Eu não posso adiantar muito, pois ainda não finalizamos o roteiro. Como no primeiro filme, é uma história ficcional, mas devemos trazê-la mais para o tempo atual, a Bruna já com as duas filhas. Se filmarmos no fim deste ano, talvez a estreia seja no fim de 2026.

 

Deborah no filme “Bruna Surfistinha” – foto divulgação

 

Além da Bruna, você está se preparando para interpretar uma caminhoneira no longa “Sob o Céu do Tocantins”, e declarou recentemente que pretende retirar o silicone dos seios para dar vida à personagem Maura. Em 2014, no filme “Boa Sorte”, você também passou por uma mudança física, em que perdeu mais de 10 quilos para viver uma soropositiva. Vale tudo pelo personagem?
Adoro fazer transformações, é uma parte do trabalho de atriz que eu gosto muito. Acho que o ator é uma tela em branco e tem que estar disponível para possíveis mudanças. A Judite, de ‘Boa Sorte’, era uma personagem à beira da morte, mas com muita vida. Eu precisava, em algum lugar, trazer essa fragilidade dela, e consegui fazer isso através do físico. Logo depois, fiz um filme [‘Entrando numa Roubada’, de 2015] em que eu engordei 20 kg para interpretar uma atriz em fim de carreira. Sobre a Maura, de ‘Sob o Céu do Tocantins’, eu acho que o meu seio entrega muito que é de silicone, não parece natural e acredito que a personagem não teria. Então, faria essa intervenção só pela falta de naturalidade mesmo.

Olhando para a sua trajetória nesses 37 anos de carreira, quais foram os momentos mais memoráveis?
O primeiro momento muito memorável foi o ‘Confissões de Adolescente’, na TV Cultura, que eu fiz aos 12 anos. Com ele, ganhei o Prêmio APCA de Atriz Revelação e tenho um fã clube fiel até hoje. Na Globo, o primeiro trabalho muito bom que eu fiz foi em ‘Laços de Família’, com a Íris. A Darlene, de ‘Celebridade’, também foi uma grande personagem e marcou o início da minha parceria com Gilberto Braga, que eu falo que é o meu autor, fizemos muitas coisas incríveis juntos. Ele me credibilizava tanto como atriz, que eu acabava acreditando (risos). Em ‘América’, fiz minha primeira protagonista de novela das oito, a Sol. E destaco também meus papéis no cinema, como a Bruna Surfistinha e a Judite. E, claro, agora esse papel de apresentadora!

Além de atriz e apresentadora, você também é empresária e está à frente de vários CNPJs. Como despertou para esse universo?
Eu comecei a me ver empresária nos filmes ‘Bruna Surfistinha’ e ‘Boa Sorte’, em que eu fui coprodutora. Fui entendendo que Deborah Secco era mais que uma pessoa, era uma marca, e virei a CEO da minha empresa. Fui gostando dessa parte burocrática  da administração de empresas e abri meu primeiro negócio, a Singu, de serviços de beleza e bem-estar em casa. Com o tempo, estudei possibilidades que faziam sentido para mim. Eu gosto de coisas reais, sou uma pessoa muito sincera para vender o que não uso.
Hoje, sou sócia de empresas como a Espaço Facial, uma clínica de procedimentos  estéticos; a Mais Cabello, de transplante e tratamento capilar, que eu já era cliente por causa da minha alopecia androgenética; e a Aceleraí, uma plataforma de democratização da publicidade – que tem como sócios também Cauã Reymond, Rodrigo Faro, Glória Pires, Murilo Benício e Giovanna Antonelli –, em que vendemos publicidades de grandes artistas para negócios fora das capitais. Temos um banco de imagens com frases gravadas como, por exemplo, ‘o menor preço’ e ‘vem pra cá’, que uma hamburgueria ou uma floricultura do interior pode usar para alavancar os negócios.

 

Deborah como a soropositiva Judite, no filme “Boa Sorte” – foto Imagem Filmes / divulgação

 

Outra empresa da qual é sócia é o Peça Rara, um brechó que vende desde roupas até itens para pet e objetos para casa. Ela mudou a sua forma de consumo?
Mudou muito, hoje o meu armário é quase 90% de peças de segunda mão e entendo o consumo de forma mais consciente. É uma empresa em que eu acredito muito, porque ajudamos a salvar o planeta, trazemos para as pessoas possibilidades de usarem marcas que não conseguiriam comprar nas lojas de origem, e oferecemos uma renda extra para quem precisa. Nós temos um processo de curadoria enorme. As peças que não passam na nossa avaliação podem ser doadas para os bazares que fazemos em nossas lojas, em que todo o valor arrecadado é destinado ao nosso Instituto Eu sou Peça Rara, que realiza ações sociais.

Você tem muita afinidade com o universo de beleza e bem-estar. É parceira da Intt – loja de cosméticos sensuais e produtos eróticos – e acaba de lançar a Deb Cosméticos…
Sim, tenho uma linha de produtos íntimos – com  gel lubrificante, sabonete, clareador, desodorante e perfume – e vibradores em parceria com a Intt, em que também participei de todo o processo de desenvolvimento, desde os cheiros até as embalagens. Fico muito feliz com essa parceria, porque eu sempre fui consumidora desse tipo de produto fora do Brasil e aqui ainda não existia esse mercado. E agora acabamos de introduzir nas farmácias a Deb Cosméticos, voltada para o público mais jovem, e o nosso primeiro lançamento são os Body Splashes.

Com tantos negócios consolidados em diversas áreas e filmes engatilhados, existem planos de voltar às novelas?
Hoje, para eu fazer uma novela, teria que ser uma personagem que valha muito a pena, como a Tieta, que é o meu grande sonho. A Maria, minha filha, está crescendo e estou começando a valorizar o tempo. Novela realmente é um trabalho que não caberia na minha rotina, com tudo isso que eu tenho para administrar. Se for para fazer, terei que reformular toda a minha vida, então tem que ser muito especial.  

 

A atriz com Lázaro Ramos em “Elas por Elas”, sua última novela – foto divulgação / Globo

Movimento “Nossa Língua” posiciona a língua portuguesa como um eixo vivo da economia criativa global

Movimento “Nossa Língua” posiciona a língua portuguesa como um eixo vivo da economia criativa global

Projetos culturais que envolvem a língua portuguesa e suas histórias celebram a potência criativa na literatura, no cinema e na oralidade

Percebi nas redes sociais que imagens publicadas por fotógrafos e artistas dos países falantes da língua portuguesa revelavam pontos de contato profundos entre culturas separadas por oceanos. Os contextos eram diversos, mas havia ritmos visuais, afetos, estéticas e histórias que se entrelaçavam. A pergunta veio em seguida: como transformar essa sintonia em algo concreto? 

Assim nasceu o “Nossa Língua” – um movimento de intercâmbio social, cultural e econômico capaz de estimular alianças reais entre países que compartilham um idioma — e desafios, soluções e desejos de futuro. Unindo Brasil, Angola, Moçambique, Guiné-Bissau, Portugal, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe, Timor-Leste e Guiné Equatorial, além de comunidades como Macau (China), Goa (Índia) e Galícia (Espanha), ativamos redes de criação, circulação e colaboração em todas essas regiões.

 

Exposição “Nossa Língua” – foto divulgação

 

O propósito é posicionar a língua portuguesa como um eixo vivo da economia criativa global, que pode, e deve, ser vetor de desenvolvimento e protagonismo entre as culturas. Estamos presentes nos quatro continentes e somos a quarta língua mais falada na internet – 250 milhões de falantes espalhados pelo mundo!

O projeto conecta pessoas, territórios e oportunidades. Já se desdobrou em livro de arte, galeria virtual, exposição coletiva e documentário feito por iPhones – selecionado para o Festival de Cannes em 2016. E em plena pandemia, tivemos a primeira edição do Nossa Língua Festival, no formato online, reunindo artistas e pensadores como Kalaf Epalanga, Ondjaki, Valter Hugo Mãe e Jards Macalé.

Este ano, em que o Rio de Janeiro é reconhecido como Capital Mundial do Livro pela Unesco, acontecerá a 2ª edição do festival, dessa vez presencial, em novembro, no Museu de Arte do Rio (MAR) – celebrando a potência da língua portuguesa nas artes, na literatura, no cinema e na oralidade, mostrando que a diversidade cultural se apresenta como uma força de conexão, não de separação.

Essa vocação para a escuta, a imagem e a palavra também norteia o trabalho da Núcleo da Ideia, agência da qual sou sócia-diretora. Nossos projetos são pensados sob a ótica da cultura como ferramenta de transformação e do entretenimento como linguagem acessível e mobilizadora. Olhar para o outro com interesse genuíno é o que move nossas ideias criativas. “Nossa Língua” não é só nosso: é de quem quiser construir esse futuro com a gente.

*Luciane Araújo é idealizadora do projeto Nossa Língua e sócia-diretora da Núcleo da Ideia.

Dira Paes celebra seus 40 anos de carreira, é homenageada em Paris e faz sua estreia como diretora

Dira Paes celebra seus 40 anos de carreira, é homenageada em Paris e faz sua estreia como diretora

Atriz, diretora e ativista social e ambiental, Dira Paes celebra quatro décadas de carreira com muita versatilidade e é aclamada pela crítica e pelo público

Para colher bons frutos, é preciso semear com carinho, consciência e dedicação. Neste ano, Dira Paes colhe os frutos mais raros e especiais de sua semeadura, como ela mesma se refere à celebração de seus 40 anos de carreira. E a “coroação” dessa trajetória aconteceu em maio, com uma merecida homenagem no Festival de Cinema Brasileiro de Paris. “É um orgulho observar que são quatro décadas, mais de 40 filmes e tantas novelas, séries e peças de teatro. É uma sensação de que eu caibo no mundo inteiro”, comemora a atriz de 56 anos.

Maio também foi o mês de estreia nos cinemas de “Manas”, dirigido por Marianna Brennand e que já acumula mais de 20 prêmios internacionais, inclusive nos festivais de Veneza e de Cannes. O filme conta a história de uma jovem moradora da Ilha de Marajó, no Pará, inserida em um ambiente de violência, e Dira interpreta Aretha, delegada que atua na defesa dos direitos das mulheres e no combate à violência sexual na região. Para completar o mês de sucesso, viu ainda lançada a série cômica “Pablo e Luisão”, do Globoplay, criada por Paulo Vieira, na qual da vida à Conceição, mãe de Paulo. A personagem marca seu retorno ao humor, “adormecido” desde seu último papel cômico como Solineuza, no seriado de sucesso “A Diarista” (2004-2007).

 

foto Renan Oliveira

 

Multifacetada, recentemente Dira se aventurou como diretora, no filme “Pasárgada”, do qual também é protagonista, que expõe o tráfico de pássaros silvestres e a relação do ser humano com a ancestralidade e a natureza, temas tão caros à atriz paraense, que é ativista social e ambiental há mais de 25 anos.

Em entrevista exclusiva à 29HORAS, Dira Paes reflete sobre sua trajetória como artista e mulher amazônica, discute seu engajamento em causas sociais e ambientais – já de olho na COP 30, que acontece em novembro, em Belém – e adianta quais são seus próximos projetos, incluindo a protagonista da próxima novela das 21h, “Três Graças”, de Aguinaldo Silva, prevista para outubro. Confira os principais trechos desta conversa nas próximas páginas.

Em maio, você foi homenageada no Festival de Cinema Brasileiro de Paris e recebeu um prêmio pelo conjunto de sua obra. Como é ver seus trabalhos alcançando públicos internacionais?
É um sonho realizado! Fui surpreendida com esse convite muito antes de ser anunciado o Ano Cultural Brasil-França 2025 e a COP 30 em Belém, então houve uma convergência astral. Foi um presente dos deuses do teatro, dos deuses do Olimpo, aquele momento em que você tem a oportunidade de olhar para si como observadora da sua própria existência. E é um orgulho observar que são 40 anos, mais de 40 filmes e tantas novelas, séries e peças de teatro. É uma sensação de que eu caibo no mundo inteiro. Quando um filme viaja além-fronteiras, a gente vê que cabe em qualquer lugar. Tenho o desejo de que as coproduções sejam mais corriqueiras, que a gente possa sair um pouco da caixa do português e interagir com outras línguas. Esse é um caminho natural dos novos tempos.

O cinema brasileiro vive um ótimo momento, também no cenário internacional. Você acha que esse reconhecimento vem mais de fora? Enxerga uma evolução aqui no Brasil?
É um ano muito próspero, mas eu, pessoalmente, acredito que o cinema brasileiro é bem-sucedido há muito tempo. Temos que reverenciar nossos antepassados e lembrar que a primeira estrela dos musicais no mundo é brasileira e se chama Carmen Miranda. Desde a retomada do cinema brasileiro, na década de 1990, tivemos um investimento muito grande no audiovisual de Pernambuco, que frutificou em um cinema que vem contribuindo há mais de 30 anos para o cenário internacional. E eu sou fruto desses movimentos.
O público se sente atraído pelo cinema brasileiro, mas muitas vezes não pode pagar o ingresso e, com isso, a plateia não se renova. Pelo fato de os cinemas não estarem mais nas beiras das ruas, eles se tornaram muito caros. Temos que ter algum tipo de política que popularize cada vez mais as sessões para o público. Se tivermos esse incentivo, triplicamos rapidamente o alcance!

 

Dira Paes nas gravações da série de comédia “Pablo e Luisão”, do Globoplay – foto Léo Rosário / Globo

 

Você está no ar com a série de comédia “Pablo e Luisão”, criada por Paulo Vieira. O que te levou a aceitar o papel?
Paulo Vieira é uma renovação dos nossos votos com esse país, ele é aquele brasileiro que a gente tem orgulho que existe. Um belo dia, após o término da novela ‘Pantanal’, eu estava no Círio de Nazaré, conheci o Paulo e ele falou ‘eu quero que você faça a minha mãe numa série’. Fiquei feliz, porque eu já o admirava, e falei ‘quero fazer’. Mas também disse para ele: ‘Paulo, preciso ter um argumento forte para ser a escolhida para a série e não outra atriz’. E ele respondeu: ‘minha mãe queria que você fizesse ela’. É muito bom habitar o inconsciente criativo das pessoas e ser uma referência.

Na vida real, você é mãe de dois meninos. A maternidade transformou a sua forma de ver e fazer arte?
A maternidade trouxe um lado que eu não tinha, que é a vontade de voltar correndo para casa. Antes eu era mais frágil e, depois de ter filho, fiquei mais forte e hoje choro com menos facilidade. Tento ser mais salomônica, não permitindo que as emoções sejam donas de mim. Antes era muito mais voluntariosa, por causa da liberdade de estar sozinha. Você aprende a lidar com o cotidiano de uma maneira mais producente, mais rica, com propósito. Quero sempre fazer valer o dia. Minha pior sensação é a de que eu saí de casa, fiquei longe dos meus filhos e não valeu a pena, porque eles são a melhor coisa da minha vida.

Como é fazer comédia hoje no Brasil? É muito diferente do início dos anos 2000, quando fez a Solineuza?
O humor é urgente, é necessidade vital e sem ele a gente não sobrevive nesse mundo. No final do ano passado eu fiz um filme com o Pedroca Monteiro e o Marcus Majella, que deve sair esse ano e estou muito feliz de estar fazendo as pessoas felizes. Quero poder ter essa capacidade de transitar nesses mundos. Quando saiu ‘2 Filhos de Francisco’, eu estava bombando com a Solineuza. Agora estou no ar com ‘Pablo e Luisão’ e com ‘Manas’ nos cinemas. As pessoas não correlacionam esses personagens e isso me faz muito feliz, porque é uma atriz saindo do seu lugar de conforto. A Solineuza é muito atual, tanto é que foi uma comoção agora no show dos 60 anos da Globo. Eu fiquei 1 minuto e meio no ar, e nunca esperava que fosse ser do jeito que foi, com amor, com saudade. As pessoas são muito gratas quando a gente faz a família rir. E isso é muito bom de sentir.

 

Como Solineuza em um episódio da série de televisão “Encantado’s” deste ano – foto Fábio Rocha / Globo

 

Ano passado você estreou como diretora, no filme “Pasárgada”, em que também é a protagonista. Como foi atuar do outro lado da câmera?
Queria experimentar uma transgressão da minha própria existência, colocar à prova meus olhares, meu faro, minha capacidade de criação. E a pandemia deu tempo e autonomia e trouxe um existencialismo para nós. Eu preciso assumir e reconhecer que o fato de ser casada com um diretor de fotografia [Pablo Baião] facilita, então era um sonho possível. Quando começou a ideia de filmar, estávamos fazendo naquele momento 15 anos de casados e nos olhamos um dia e falamos ‘vamos fazer um filme?’. Eu queria assumir todos os riscos da experiência cinematográfica e me propus essa trajetória de criação da ideia original do roteiro, negociação com Globo Filmes, filmagem, montagem, direção e interpretação.

Por que escolheu essa história para a sua estreia como diretora?
Eu queria partir desse sentimento da solidão provocada pela pandemia. E isso combinava também com a minha idade, meu momento, com uma solidão da maturidade, quando você reconhece que amadureceu e se pergunta ‘quem é essa jovem mulher madura?’. Queria experimentar o avesso do olhar que as pessoas têm sobre mim e trazer essa mulher que não tem o apelo do sorriso – eu sei que meu sorriso é muito largo! Então, fui tateando esses vácuos dentro de mim e me peguei também com aquela sensação de ‘vou-me embora pra Pasárgada’, eu queria um paraíso para chamar de meu e achamos uma fazenda na região serrana do Rio onde ficamos reclusos e eu pude observar a liberdade dos pássaros. Quando fui pesquisar mais sobre eles e os animais silvestres, me deparei com o terceiro maior tráfico internacional do mundo – e aí eu achei o mote para o meu roteiro: a mulher solitária desconectada do paraíso, que está seca e entra na mata para ficar úmida de novo.

 

Dira e Humberto Carrão em “Pasárgada” – foto divulgação

 

Como você falou, o filme expõe a questão do tráfico de pássaros silvestres e você é muito envolvida com causas sociais e ambientais. Como uma mulher do norte do país e amazônica, quando e como você despertou para o ativismo?
A vida é troca e eu tive esse despertar muito cedo, aos 13 anos, na campanha ‘Ação da cidadania contra a fome’. Foi a minha comunhão com os direitos humanos e quando compreendi, como amazônida, o quanto há um equívoco de relação com esse bioma. Todo mundo olha pra Amazônia com o intuito de ter algo dela, nem que seja um ar puro. Mas o que você faz por ela? Com os indígenas, é impossível dar um presente e não receber alguma coisa em troca. Se ele te dá um colar de presente, você tira a sua camiseta e dá para ele. Mas as pessoas ainda tratam com exotismo uma das filosofias mais refinadas do mundo. Os indígenas não construíram templos verticais para alcançar o céu, os costumes são todos biodegradáveis, a alimentação é sem glúten, sem açúcar e praticamente sem sal, baseada em mandioca, caça, fruta e semente. Onde há problemas de propriedade rural, há todas as infrações humanitárias. O Pará tem um dos piores IDHs do país e essa equação eu não admito, não vou me calar nunca. Não podemos ser apáticos. Quem não mexe uma palha para ajudar alguém, está morto em vida.

Por falar em questões ambientais, a COP 30 será em Belém, no Pará, em novembro, seu estado natal. Você participará? Por que é tão importante ter um evento deste porte no Pará?
Estarei nas gravações da novela ‘Três Graças’ durante a COP e ainda não sei se conseguirei participar, mas já me sinto nela. O grande segredo dessa COP é que é um convite para conhecerem a Amazônia como ela é, que sustenta um povo e uma cultura originária há séculos. Não podem falar que nós somos atrasados, porque, na verdade, somos um estado altamente explorado, com uma sequência de descuido humanitário e social. E, mesmo assim, conseguimos manter nossas riquezas, nossos costumes únicos e nossa identidade regional. O Brasil não conhece o Brasil, temos um olhar americanizado, desejamos um país que não é o nosso. Temos que reconhecer a nossa sabedoria ancestral de preservar um lugar como esse há tantos séculos, apesar de toda a destruição. Temos que ouvir o que os amazônidas propõem em relação ao maior bioma tropical do mundo. Espero poder ver transformações verdadeiras acontecendo e não promoções.

O filme “Manas” também traz como cenário o Pará e questões das comunidades ribeirinhas da Ilha de Marajó, como a violência contra menores. Como conseguiram abordar um tema tão difícil de forma delicada?
Todo mundo tinha que correr para o cinema para assistir a esse filme, que aborda a violência, a falta de oportunidade, a falta de diálogo, a solidão, o Brasil gigante em terras descontínuas, onde temos comunidades a 20 horas de barquinho de capitais. Tudo o que o filme retrata acontece em qualquer lugar do mundo. Não é um assunto amazônico, é um assunto universal, urgente. A arte é pioneira em quebrar fronteiras, silêncios e ciclos. Falar divide a dor, tanto é que foi criado o manifesto ‘Manas Apoiam Manas’ e é importante ter atitudes pós-filme.

 

Cena do filme “Manas” – foto divulgação

 

O que pode adiantar sobre seus próximos projetos? Quais papéis Dira vai interpretar ainda este ano?
Deve estrear o filme ‘Agentes Especiais’, com o Majella e o Pedroca. Em outubro começa a novela ‘Três Graças’, que trará uma história de sobrevivência e resistência nesse universo feminino da família brasileira. Eu serei Lígia, mãe de Gerluce (Sophie Charlotte) e avó de Joélly (Alana Cabral). Fiz agora o filme ‘Sedução’, dirigido pelo Zelito Viana e pelo Marcos Palmeira, contracenando com o Marquinhos. Deve lançar ano que vem e é também a estreia do Marcos Palmeira na direção. Eu me senti testemunha de um momento muito especial no cinema brasileiro, que é ver o pai e o filho dirigindo um filme. São os bons ventos, uma boa onda. Temos que surfar, né? Mas com a responsabilidade que isso tudo traz.

Um roteiro gastronômico para curtir Pinheiros após uma “sessão pipoca” no Cinesala

Um roteiro gastronômico para curtir Pinheiros após uma “sessão pipoca” no Cinesala

Clássico de Pinheiros, o Cinesala é um cinema de rua que foge do óbvio e tem uma programação diversificada. E a região é cheia de opções gastronômicas para depois da “sessão pipoca”

Cinesala
“Cinema de rua desde 1962” – este é o lema do Cinesala que, antes de ganhar esse nome em 2014, já foi o Cine Fiammetta (1962) e a Sala Cinemateca (1989), que exibia filmes clássicos e raros. Hoje repaginado, mas mantendo sua essência, projeta longas populares e alternativos em uma sala confortável com poltronas e sofás espaçosos. Para completar a experiência, há o Barouche Pipoca, que vai além da pipoca e oferece delícias como hot dog, croissant, pão de queijo e bolos, além de vinhos e coquetéis. Rua Fradique Coutinho, 361, Pinheiros.

 

foto Fran Parente

 

Tan Tan
Em um casamento perfeito entre coquetelaria premiada e culinária oriental, o bar-restaurante Tan Tan, comandado pelo chef Thiago Bañares, completa 10 anos e é a única casa do Brasil na lista do World’s 50 Best Bars Awards desde 2021. Sua carta autoral lista 14 drinques, classificados em cinco famílias: Cooler e Highballs, Daisy & Sours, Martinis, Aperitivos e Mocktails. Destaque para o best-seller Curupira, mais herbal, com borbulhante de cambuci, hortelã e cumaru com base de gim Tanqueray dry. Rua Fradique Coutinho, 153, Pinheiros. Tel. 2373-3587.

 

foto Tati Frison

 

Fresta
Primeiro restaurante-bar da chef gaúcha Carol Albuquerque – com passagens pelo Maní, Chez Claude, Clos, Taraz e Refúgio –, o Fresta tem atmosfera casual e descontraída, com cozinha aberta para o salão. O menu se divide em duas categorias: “do nosso bar”, com pedidas mais descomplicadas como o caldinho de siri; e “da nossa cozinha”, com pratos principais como o Pissaladière, massa folhada com cebolas caramelizadas, tomates assados e anchova. Rua Rua Simão Álvares, 447, Pinheiros. Tel. 95590-8761.

 

foto Victor Collor

 

Crime Pastry Shop
Antes de chegar ao burburinho da Vila Madalena, a confeitaria clean Crime Pastry Shop convida a uma pausa. A casa foi inaugurada em 2021 pelo chef confeiteiro Rafael Protti, que já trabalhou na França com Pierre Hermé e no L’Atelier de Joël Robuchon e, em São Paulo, no estrelado Tuju. Na irresistível vitrine, brilham o éclair recheado de cremoso de chocolate, coberto com chocolate e amêndoas trituradas e finalizado com mousse de café; o macaron de chocolate com geleia de framboesa; e a banoffee. Rua Simão Álvares, 1.031, Pinheiros. Tel. 3031-9929.

 

foto Giuliana Nogueira

Mel Lisboa traz para o Rio o musical que celebra a vida e a obra de Rita Lee, após estrondoso sucesso em São Paulo

Mel Lisboa traz para o Rio o musical que celebra a vida e a obra de Rita Lee, após estrondoso sucesso em São Paulo

Com sua carreira até alguns anos ainda marcada pelo seu primeiro papel na TV, a minissérie “Presença de Anita”, exibida em 2001, Mel Lisboa estreia este mês no Teatro Casa Grande o espetáculo “Rita Lee – Uma Autobiografia Musical”, incorporando com impressionante fidedignidade essa extraordinária personagem, fazendo o público acreditar piamente que a roqueira paulistana ainda está entre nós

Depois de ser assistido por quase 90 mil espectadores em São Paulo, o espetáculo musical “Rita Lee – Uma Autobiografia Musical” chega ao Rio, com estreia no dia 26 de junho no Teatro Casa Grande. Nessa montagem, a atriz gaúcha Mel Lisboa interpreta com espantosa verossimilhança a inesquecível roqueira paulistana, numa encenação que mistura história e hits como “Menino Bonito”, “Ovelha Negra”, “Todas as Mulheres do Mundo” e “Mania de Você”.

No palco, Mel impressiona a plateia com sua personificação de Rita — personagem que ela já havia encarnado na TV (na minissérie “Elis: Viver É Melhor que Sonhar”, de 2019) e em outra peça teatral – “Rita Lee Mora ao Lado” – que foi assistida pela própria cantora em 2014. Sua atuação no musical que agora estreia no Rio lhe rendeu o Prêmio Shell de melhor atriz em 2025.

 

foto Mauricio Nahas

 

Com 43 anos e dois filhos adolescentes, a atriz tem uma carreira muito profícua e eclética no cinema (com filmes como “Cães Famintos”, “Atena” e “Conspiração Condor”, que deve estrear só em 2026), no teatro (com interpretações marcantes em peças como “Misery”, “Peer Gynt” e “Dogville”) e no streaming (com participações em produções como “Maníaco do Parque”, da Amazon Prime Video, “Coisa Mais Linda”, da Netflix, e “A Vida Secreta dos Casais”, da HBO Max).

Em conversa com a reportagem da 29HORAS realizada bem no dia em que fãs lembravam os dois anos da morte de Rita, a emocionada Mel Lisboa falou sobre sua afinidade com Rita, seus projetos como produtora e outros trabalhos no teatro, como “Madame Blavatsky – Amores Ocultos” –, monólogo que ela também vai encenar durante esse seu breve retorno ao Rio, onde viveu entre os anos de 2000 e 2004. Confira nas páginas a seguir os principais trechos da entrevista.

Qual a sua explicação para esse sucesso todo de “Rita Lee – Uma Autobiografia Musical”?
Não existe uma explicação. Um sucesso dessa magnitude se dá por causa de muitos acertos simultâneos. Não é só em razão do texto afiado, da direção precisa, da trilha sonora fantástica, do elenco entrosado. O sucesso se deve ao inexplicável. Não existe uma fórmula para agradar crianças, adultos, idosos, fãs da Rita e gente que nunca se ligou muito no trabalho dela.

A montagem carioca vai ser idêntica à paulistana?
Absolutamente idêntica. Tudo igualzinho.

 

A atriz Mel Lisboa na pele da eterna Rita Lee, no espetáculo “Rita Lee – Uma Autobiografia Musical”, que chega ao Rio este mês – foto Priscila Prade

 

E o que mudou desde a estreia, em abril do ano passado em São Paulo, até hoje? Dá para dizer que é um espetáculo mutante?
Todo espetáculo é mutante e evolui com o tempo. O teatro é vivo, é orgânico. Quando a gente estreia, o espetáculo está ensaiado, mas não está pronto. Ele só fica pronto mesmo quando entra em cartaz e conta com a energia dos espectadores. A plateia é um agente ativo na evolução da montagem. Com os feedbacks que recebemos, fazemos pequenas mudanças e adaptações na luz, no figurino, na movimentação e até no texto. E, com o tempo, os atores também vão ficando mais à vontade. Hoje, por exemplo, eu brinco muito mais com a plateia do que nas primeiras apresentações. E eu sei muito bem o que funciona e o que não funciona nessa interação.

A própria Rita não teve a oportunidade de ver o espetáculo, mas o que o Roberto de Carvalho achou da montagem?
Ele ficou muito feliz. Se emocionou muito. Ele já havia acompanhado um dos nossos últimos ensaios e, na nossa estreia, ele foi com a família inteira. Gostei muito quando ele me disse que a nossa montagem estava do jeitinho que a Rita gostaria que sua autobiografia fosse encenada.

O que você e a Rita têm em comum? E o que você absorveu da Rita e incorporou ao seu jeito de ser, ao longo desse último ano de “convívio” tão intenso com ela?
Nós duas somos capricornianas e temos em comum várias características típicas das pessoas desse signo. A Rita me ensinou e me ensina um monte de coisas todo dia. Eu queria ser mais como a Rita, mas não é fácil ser parecida com uma pessoa tão ‘fora da curva’. Ele era uma mulher muito inteligente, rápida, irreverente e debochada. Eu tento ser como ela, é uma grande inspiração para mim, mas eu tenho meus limites…

 

foto Priscila Prade

 

O que foi mais difícil na hora de criar a sua Rita? Cantar foi um desafio ou você ficou à vontade, já que atuou em outros musicais?
Nunca fico à vontade cantando! O ideal seria se eu cantasse igual à Rita, mas nossas vozes são diferentes. Então eu tento reproduzir a música da voz dela, o jeito dela falar, o sotaque diferente do meu. Uma vez, recebemos na plateia um grupo de pessoas com deficiências visuais que são fãs da Rita. Eu fiquei preocupada, pois muito da minha composição vem do figurino, da caracterização, mas isso eles não enxergam. Aí, no final, uma garota desse grupo me disse uma coisa linda, que me deixou comovida. “Eu não via a Rita, mas eu ouvi a Rita”, disse ela. Voltei para casa com aquela sensação de missão cumprida.

Depois de interpretar a Rita Lee no palco e no cinema, não tem receio de ficar estigmatizada como “aquela atriz que é cover da Rita Lee”?
Minha trajetória foi marcada por duas personagens muito fortes – a Anita de “Presença de Anita” e a Rita Lee. Eu tive algo que muitos passam uma vida inteira sem ter. Me sinto uma privilegiada! E, a propósito, para mim não é problema nenhum ter a minha imagem associada à da Rita. Muito pelo contrário. Me sinto muito honrada!

Por falar nessa outra personagem forte da sua trajetória, durante anos você foi conhecida como a moça de “Presença de Anita”, mesmo depois de vários outros trabalhos. Isso te incomodava?
Quando eu te digo que me sinto privilegiada e honrada de ver a minha imagem e o meu nome associados à Rita e à Anita, essa é uma visão que tenho hoje. Até alguns anos, isso era de fato um problema, eu me questionava muito se isso era bom ou ruim, se eu havia cometido algum erro ao aceitar esses papeis. Não foi um processo fácil e suave essa mudança de pensamento, mas o fato é que hoje isso não é mais uma questão na minha cabeça. Estou muito bem resolvida com minhas escolhas.

 

foto Priscila Prade

 

Quando foi que você deixou de priorizar a TV e veio para São Paulo fazer teatro e se tornar uma musa da cena alternativa, com peças de baixo orçamento, mas muito bem recebidas pela crítica, como “Após a Chuva”, “A Boca do Lixo”, “Luz Negra” e “Cenas de uma Execução”?
Morei no Rio até 2004, onde fiz várias novelas. Em 2003 fui fazer uma peça em São Paulo e logo me identifiquei com a cidade e me encantei pelas pessoas e pelo jeito que as coisas funcionavam por lá. Aí me mudei definitivamente em 2004 e, aos poucos, fui tendo a oportunidade de trabalhar e aprender com grandes diretores e atores. Um dia, percebi que não era mais uma forasteira, eu já me sentia perfeitamente inserida na cena teatral paulistana. Hoje, de fato, sinto que pertenço a esse lugar.

Ultimamente você vem assumindo a função de produtora. Como é produzir cultura em um país que não a valoriza.
É sempre difícil, né? Precisa ter muito amor pelo teatro para entrar nessa atividade. Para mim esse foi um caminho natural. Assim como outros tantos atores e atrizes, também quero ser dona dos meus projetos. Mas isso não significa que eu não quero mais trabalhar para outros produtores, realizadores. Eu só quero que essa seja mais uma alternativa para mim, sem impedir ou anular a minha participação em projetos capitaneados ou produzidos por outras pessoas. A ideia é ampliar o leque de possibilidades, não restringi-lo.

Me fale de “Madame Blavatsky – Amores Ocultos”, peça que você produziu e vai encenar no Rio paralelamente ao musical sobre a Rita Lee?
No Rio, “Madame Blavatsky” terá apenas quatro apresentações, em noites de quarta-feira, no Teatro Prio, no Jockey Club. Se der certo, depois a gente pode voltar à cidade para uma temporada de verdade. É uma peça que brinca com os limites da ficção, investigando convenções da representação teatral e simulando, através do texto, uma incorporação mediúnica. Em cena, o espírito de Helena Blavatsky, fundadora da Sociedade Teosófica, exige retornar a um teatro, utilizando-se do corpo de uma atriz, para colocar a sua controversa história em pratos limpos.

 

A atriz em cena do monólogo “Madame Blavatsky – Amores Ocultos” – foto Gatú Filmes

 

Helena Petrovna Blavatsky foi uma mulher bem menos solar e bem mais introspectiva que a Rita Lee. Tem sido difícil incorporá-la no palco? E, neste caso, o termo “incorporar” está em seu sentido bem literal, já que você encarna o espírito dela na peça, não?
A Rita e a Blavatsky são diferentes, mas conectadas em muitos aspectos. Ambas são meio bruxas, e as duas, por serem capricornianas, têm em comum muitas das características típicas das pessoas desse signo. E as duas morreram no mesmo dia, 8 de maio, olha só! A peça tem muito metateatro, o tempo todo a gente fala do ato de fazer teatro. E, ao contrário do que acontece com o musical da Rita Lee, eu não preciso tentar falar ou me mexer como a Blavatsky. Ninguém sabe como era a voz dela, como se movia, qual era o seu gestual. Ela morreu em 1891, tudo o que temos dela são seus escritos e algumas fotos. Eu me sinto muito livre para interpretá-la. Aliás, eu não a interpreto, no palco eu sou a Mel encarnando o espírito dela.

Trazer uma mulher ucraniana aos palcos nesse momento foi uma escolha intencional por causa da situação do país, invadido pela Rússia desde 2022?
Não. A primeira vez que encenei essa peça foi como solo on-line, na pandemia, quando os teatros estavam fechados. Foi antes do início dessa guerra.

Quais outras mulheres poderosas você gostaria de viver no palco?
Várias outras, felizmente! É difícil enumerá-las. Mas digo que Medéia [de Eurípedes] é um personagem que me cativa.

Para encerrar, a Rita Lee fechou sua autobiografia dizendo se orgulhar de ter feito muita gente feliz. E você? Se orgulha de quê? De ter feito muita gente refletir? Recordar? Se divertir?
A arte tem o poder de tocar e transformar as pessoas. Eu me orgulho de, ao longo desses vinte e tantos anos de trabalho na TV e no teatro, ter auxiliado de alguma maneira na transformação de muita gente. A vida presta. É um trabalho árduo, mas que vale a pena.

 

Mel Lisboa com sua musa Rita Lee – foto reprodução Instagram