Atriz Thaila Ayala estreia como roteirista, produtora, empreendedora e mãe

Atriz Thaila Ayala estreia como roteirista, produtora, empreendedora e mãe

Nascida em Presidente Prudente, a atriz e modelo Thaila Ayala se prepara para gestar um filho e muitos outros projetos no cinema e na moda.

Thaila Ayala é plural. Aos 35 anos, ela divide seu tempo entre as funções de atriz, modelo, produtora, empreendedora e ativista. Dona de uma inquietude que, hoje, se transformou em uma agenda cheia. “O mergulho forçado da pandemia me fez desengavetar sonhos até então adormecidos, e desde então não parei de trabalhar.”

Atualmente em “Ti Ti Ti”, novela de Maria Adelaide Amaral em reexibição na programação vespertina da TV Globo, a atriz interpreta a mimada e ambiciosa Amanda, “uma modelo como muitas que conheci no meu tempo de passarela”, comenta. Das telinhas para as telonas, Thaila comemora o lançamento do longa “Lamento”, com direção de Claudio Bittencourt e Diego Lopes, que chegou aos cinemas no final de agosto e foi indicado a melhor filme estrangeiro no Festival de Burbank, na Califórnia, e vencedor do prêmio do Público de melhor filme no Festival Katra Film Series, em Nova York.

A trama de suspense traz Marco Ricca vivendo o proprietário de um hotel que já viu seus dias de glória e muito luxo. Herdado por ele, agora o lugar não é mais o mesmo, abrigando o submundo e clientes, no mínimo, duvidosos. Thaila Ayala encarna uma prostituta que chega ao local e, após algumas horas, simplesmente desaparece, levantando suspeitas de um possível crime.

“Lamento é um filme de gênero. Nem sempre foi assim, mas hoje podemos encher a boca para falar que o nosso cinema tem de tudo. Existe uma qualidade de roteiro, de direção, um super cuidado. O longa teve uma contribuição incrível de Marco Ricca, que é um dos maiores atores que temos no Brasil. Respeitando todos os parceiros que já tive, ele foi um dos mais incríveis com que atuei.”

Com cenas fortes, que misturam violência, sexo e drama psicológico, Thaila conta que construir a personagem foi um desafio. “É um combo que o filme traz, de direção e roteiro densos. A Leticia, minha personagem, tem um mistério. É fluida, enigmática e pode ser tudo. Meu desafio foi fugir dos estereótipos e romper os estigmas que ainda costumam orbitar sobre uma garota de programa.”

 

Thaila Ayala - Foto: Luiza Ferraz | Produção e roupas: MAXILA

Thaila Ayala – Foto: Luiza Ferraz | Produção e roupas: MAXILA

 

Filha da terra

Nascida em Presidente Prudente, a distantes 558 km da capital paulista, Thaila é cidadã do mundo. Saiu de casa aos 14 anos, sem se despedir, em um ônibus com destino à metrópole. Na mala, R$ 300 e o sonho de trabalhar como modelo para contribuir com a renda familiar. Em pouco tempo, a carreira na moda deslanchou. Depois de São Paulo, foi para o Rio de Janeiro, Los Angeles e Nova York – lugares que revisitou anos depois, como atriz.

Apesar das muitas recordações cosmopolitas, a atriz ainda se sente uma menina do interior. “Prudente é minha raiz, minha base e minha tradição. Confesso que adoro a bagunça de uma cidade grande, mas sou filha da terra e preciso dela para me sentir completa”, conta. As memórias dos ares prudentinos são de muito afeto e simplicidade. “Lembro de andar de carrinho de rolimã e brincar de casinha em um terreno baldio do lado de casa. Era tudo muito genuíno e mágico.”

Hoje, 20 anos depois, a casa que compartilha com o marido, o também ator Renato Góes, no bairro carioca de Itanhangá, é retrato dos paraísos bucólicos que descobriu quando criança. “Escolhemos um lugar grande e arborizado, com cachoeira por perto e frutas no pé”. Nos muitos meses de isolamento social, foi no contato com essa natureza particular, em meio às lagoas da Barra da Tijuca, que se permitiu reenergizar. “Tive algumas crises de ansiedade nesse período, e estar em meio ao verde me reconectava à tranquilidade dos meus dias no interior. Era como voltar no tempo.”

 

Thaila Ayala - Foto: Luiza Ferraz | Produção e roupas: MAXILA

Thaila Ayala – Foto: Luiza Ferraz | Produção e roupas: MAXILA

 

E é nos veios e no ventre da terra que Thaila pretende dar à luz seu primeiro filho, Francisco. Grávida de quatro meses, a atriz sonha em deixar ao primogênito a herança do contato com a natureza e amor ao verde. “Quero que meu filho tenha o privilégio de aproveitar uma infância que seja o mais próxima possível da que eu tive em Prudente, com toda a liberdade de brincar na grama, de pés descalços e vento no rosto.”

Cachoeira criativa

É com esse mesmo carinho maternal que Thaila se refere a seus trabalhos. Além de gestar um filho, a atriz alimenta ideias e projetos há muito tempo. “Eles também são meus bebês”, comenta, entre risadas. O orgulho não é à toa. Desde sua primeira aparição na TV, como a adolescente Marcela na 14ª temporada de “Malhação”, já são quase 15 anos de carreira e um currículo que inclui inúmeras participações em novelas, filmes nacionais e internacionais, e séries em plataformas de streaming.

O plano para este segundo semestre é aumentar ainda mais essa “família”. “Além de ‘Lamento’, tenho outros quatro filmes para estrear”, diz. Dentre os títulos, estão o lúdico “Moscow”, o romance “O Garoto”, o distópico “Distrito 666” e o suspense “Inverno”. Esse último, protagonizado por ela e Renato – o primeiro do casal juntos em cena –, marca a estreia de Thaila como roteirista. “Eu sempre escrevi. Já fiz alguns cursos de roteiro em Nova York, mas muito mais por exercício e paixão. O impulso veio do isolamento, quando percebi que poderia usar o tempo ‘quarentenada’ para realizar mais esse sonho.”

Foi então que recorreu à ajuda criativa do amigo, roteirista e diretor Paulo Fontenelle. Juntos, eles delinearam a trama de suspense que deve chegar aos cinemas ainda neste ano. “A história foi 100% inspirada no momento que estamos vivendo e retrata a vida de um casal em quarentena, depois de serem atravessados por uma fatalidade misteriosa e sombria”, conta. De fato, não havia como fugir da temática pandêmica. Com a indústria cinematográfica ainda sob as restrições dos protocolos de saúde, o jeito foi rodar o filme inteiro dentro de casa. “Transformamos nossos cômodos em set de filmagem. Nós terminávamos de gravar e dormíamos com os equipamentos de iluminação ainda montados, com elementos cênicos na escrivaninha e macas de hospital encostadas no armário. Foi uma aventura.”

 

Thaila Ayala e Renato Góes no set de filmagem do longa "Inverno" - Foto: Divulgação

Thaila Ayala e Renato Góes no set de filmagem do longa “Inverno” – Foto: Divulgação

 

“Inverno” também é o primeiro projeto da Cachoeira Filmes, produtora audiovisual inaugurada por Thaila e o marido em 2020 – outro “filho” do casal gerado durante os meses de pandemia. Ainda sem previsão para novas produções da empresa, o próximo sonho é transformar a produtora em projeto social. “Temos essa ideia, ainda embrionária, de fazer da Cachoeira um espaço de incentivo a novos roteiristas, diretores e atores, que seja um suporte para jovens nomes da área.”

Ativismo está na moda

Na sua conta no Instagram – onde acumula mais de 6 milhões de seguidores –, a prudentina se autodescreve “atriz, ativista, feminista e espiritualista”. Dedicada a causas socioambientais, seu ativismo, ela explica, é mais uma herança das raízes interioranas. “A minha terra me fez militante. Foi naquele ambiente que percebi a necessidade de preservar e lutar pela natureza que ainda nos resta”, pontua.

Em agosto de 2020, a preocupação ambiental virou modelo de negócio. Ao lado das amigas e sócias – a produtora Maria Cláudia Luquet e a empreendedora Fernanda Cardamone -, lançou Amar.ca, grife com peças versáteis e 100% ecológicas. Da idealização à embalagem, Thaila acompanha de perto todas as etapas da confecção. “Quero ter certeza de que todo o processo vai refletir os valores em que acredito”. No catálogo da loja, que funciona exclusivamente online, todos os produtos possuem os selos “Eu Reciclo” e “Carbon Free”, de certificação sustentável. “Mais do que referência em estilo, queremos ser agentes de um movimento cada vez mais consciente na moda.”

 

Thaila usando peças de moletom ecológicas da grife Amar.ca - Foto: Divulgação

Thaila usando peças de moletom ecológicas da grife Amar.ca – Foto: Divulgação

 

Bem-informada e politizada, a atriz e empresária acredita que arte e o ativismo não só são um match possível, mas necessário. “Para nós, figuras públicas, que temos o privilégio desse espaço de fala e atuação, a omissão não pode ser uma opção”.

E é por isso que ela age e se movimenta. Thaila promove bazares beneficentes com lucro revertido a iniciativas sociais, faz coleta seletiva em casa, tem preferência absoluta por alimentos orgânicos e de pequenos produtores, e é madrinha do “Cidades Invisíveis”, projeto com sede em Florianópolis que, desde 2012, fomenta a capacitação e o empoderamento em comunidades vulneráveis, por meio do incentivo à produção artística.

“No fim, militância e arte se entrelaçam. Na atuação, a gente já empresta a pele e a voz a histórias que não são nossas. É, com toda certeza, um exercício poderoso e frequente de empatia, que quero sempre transbordar para a minha vida.”

Projeto Ponto Firme promove ressocialização de ex-presidiários com aulas de crochê

Projeto Ponto Firme promove ressocialização de ex-presidiários com aulas de crochê

O resultado das produções são refinadas peças em crochê que são destaque na São Paulo Fashion Week.

Para os alunos do Projeto Ponto Firme, agulha e linha são ferramentas de reconstrução. Desde 2015, o programa oferece formação técnica em crochê para sentenciados da Penitenciária Desembargador Adriano Marrey, em Guarulhos (SP). A ideia é apresentar aos egressos uma oportunidade de reinserção no mercado de trabalho por meio da moda e estimular a produção criativa como ferramenta de transformação social.

 

Coleção do Ponto Firme para a edição de 2021 da São Paulo Fashion Week - Foto: Mariana Sapienza

Coleção do Ponto Firme para a edição de 2021 da São Paulo Fashion Week – Foto: Marina Sapienza

 

“O crochê desperta a autonomia. Ao construir algo do zero com as próprias mãos, os educandos trabalham a autoestima, o empoderamento e ampliam suas perspectivas de futuro”, explica o pernambucano Gustavo Silvestre, estilista, designer e idealizador do projeto. É ele quem ministra as aulas e supervisiona os novos artesãos na confecção de tapeçarias, redes, bonecos, roupas e o que mais a imaginação permitir. Para a produção, os alunos usam materiais doados por empresas apoiadoras do programa. “Além de linha e agulha, recebemos retalhos e roupas com defeito de fabricação”, comenta.

O Ponto Firme já formou mais de 150 profissionais. Com turmas semestrais de aproximadamente 25 pessoas, o programa oferece, a cada módulo de ensino, certificados de conclusão e remissão da pena em alguns dias. “Parte das peças produzidas são enviadas às famílias dos alunos, para comercialização. Assim, muitos deles encontram no crochê sua principal fonte de renda, antes mesmo de conseguirem liberdade.”

 

Coleção do Ponto Firme para a edição de 2021 da São Paulo Fashion Week - Foto: Mariana Sapienza

Coleção do Ponto Firme para a edição de 2021 da São Paulo Fashion Week – Foto: Marina Sapienza

 

Das salas de aula às passarelas, as peças do Ponto Firme ganharam o Brasil e o mundo. Os crochês já foram expostos em Nova York, na Pinacoteca de São Paulo e, há quatro anos, marcam presença nos desfiles da São Paulo Fashion Week, maior evento de moda do país. Para a coleção de 2021, inteiramente produzida com materiais sustentáveis e reutilizados, Gustavo contou com a ajuda dos egressos Anderson Figueiredo, Anderson Joaquim e Tiago Araújo. “O tema do evento deste ano foi Regeneração, e isso é basicamente o que fazemos todo dia por aqui. Reconstruímos tecidos e histórias”, reflete.

Para o segundo semestre, Gustavo planeja a criação de uma escola-ateliê na capital paulista. “Fechamos uma parceria com a organização BrazilFoundation e, juntos, vamos abrir um estúdio para receber egressos de outras instituições da região, sobretudo mulheres e pessoas trans”. A longo prazo, o desejo é criar uma rede de apoio cada vez mais ampla e “ser referência da resistência por meio da arte e do afeto”.

 

Ronaldo Fraga acaba de lançar na SPFW uma coleção inspirada na cultura do Sertão do Cariri

Ronaldo Fraga acaba de lançar na SPFW uma coleção inspirada na cultura do Sertão do Cariri

O estilista mineiro Ronaldo Fraga, que acaba de lançar na SPFW uma coleção inspirada nas cores e na cultura do Sertão do Cariri, fala sobre a impressionante potência inspiradora desse e de outros magníficos tesouros de um Brasil que ainda existe, insiste, resiste e encanta

O azul do céu, a brancura da batina de Padre Cícero, o colorido dos pássaros do Sítio Pau Preto do Potengi, as surpreendentes formas dos aviões de lata do mestre Françuli, os arabescos de Espedito Seleiro, os tambores do reisado e as rezas de dona Zulene: toda essa riqueza de tradições, sons e cores do Cariri Cearense inspiraram Ronaldo Fraga, de 53 anos, na concepção de “Terra de Gigantes”, sua mais recente coleção, lançada com um vídeo na edição online da SPFW, em junho.

O estilista mineiro sabe como ninguém explorar a potência inspiradora desse Brasil que nem todo mundo sabe que existe, mas que resiste, insiste e encanta. Não à toa, ele foi o primeiro representante da moda brasileira a receber a medalha da Ordem do Mérito Cultural, em 2007, concedida pelo então ministro da cultura Gilberto Gil. A comenda se destina a personalidades que dão corpo à cultura brasileira com seu trabalho.

 

FOTO ANA COLLA

FOTO ANA COLLA

 

As criações de Ronaldo já foram apresentadas no Japão, na Europa e em vários países da América Latina. Ele já escreveu e ilustrou livros, já criou figurinos para peças teatrais, já desenvolveu produtos para marcas como L’Occitane, Tok&Stok e Chilli Beans, e foi selecionado pelo Design Museum, de Londres, como um dos sete estilistas mais inovadores do mundo.

Na entrevista a seguir, Ronaldo Fraga fala um pouco de seus projetos e ações que buscam reduzir a distância que existe entre o Brasil feito à mão e o Brasil industrial, fala também dos rumos da moda brasileira e mundial e ainda exalta a importância fundamental da liberdade na criação e na vida.

Você acaba de abrir a edição 2021 da SPFW com um lindo vídeo rodado no Sertão do Cariri, que foi a região que inspirou toda a sua nova coleção. Por que o Cariri? E por que agora?
Para mim, o Nordeste é o grande amálgama da cultura brasileira, e o Sertão do Cariri é o epicentro disso. Muito da formação da nossa face mestiça tem esse lugar como referência. O caldeirão étnico da região mistura índios Kariris com escravizados malês muçulmanos trazidos do Norte da África e judeus e cristãos novos que fugiram da Europa na época da Inquisição. Essa riqueza explica a potência da cultura desse lugar. Falar disso agora é para não perdermos de vista um Brasil que ainda existe, resiste, insiste e encanta. Nesses tempos duros e cinzentos, quisemos ir ao encontro de algo festivo, fértil e puro. É preciso trazer oxigênio para as pessoas. Acredito que essa é uma das funções de todo designer.

E de onde surgiu a brilhante ideia de centrar todo o “desfile” em uma só modelo, a musa Suyane Moreira?
Nós ainda estamos aprendendo a lidar com essa coisa de ‘fashion film’ para as semanas de moda. A proposta não foi simplesmente adaptar um desfile para o formato de vídeo. Nessa nossa produção, mostramos o que está por trás da roupa, de onde ela nasceu. Tudo – a cor, a luz, a música, a paisagem – exala e exalta a cultura do Cariri. E a Suyane foi uma escolha natural e perfeita para sintetizar tudo isso. Nascida em Juazeiro do Norte, ela é neta de kariris, foi lançada como modelo aos 18 anos e hoje, aos 38 e com dois filhos, está no auge de sua beleza brasileiríssima.

 

O estilista Ronaldo Fraga com a modelo Suyane Moreira, que personifica a nova coleção - Foto Augusto Pessoa

O estilista Ronaldo Fraga com a modelo Suyane Moreira, que personifica a nova coleção – Foto Augusto Pessoa

 

Em 2050, quando você estiver com 83 anos e Mano Brown Jr., recém-empossado como Ministro da Cultura, resolver homenageá-lo com um museu dedicado à sua obra e à sua colaboração para a cultura brasileira, qual coleção você gostaria que ocupasse a sala principal da exposição de abertura da Fundação Ronaldo Fraga?
Que pergunta divertida, adorei! Mas é difícil escolher. Acho que esse espaço nobre deveria ser ocupado pela coleção de 2008, que faz parte da exposição “Rio São Francisco Navegado por Ronaldo Fraga”, que rodou o Brasil entre 2010 e 2013. Foi o primeiro projeto de moda com patrocínio aprovado pela Lei Rouanet, enxergando a moda como cultura. Era um projeto transversal: tinha vídeos realizados pelo Wagner Moura, poemas do Drummond declamados por Maria Bethânia, tinha arte popular e tinha também a moda. Nessa exposição, a moda dialogava maravilhosamente com outros vetores da cultura.

 

Esses tesouros do Brasil mais autêntico, como a estética do Cariri e outros exemplos dessa cultura que resiste, deveriam estar mais presentes na moda brasileira?
Sim, claro. O Brasil é de uma potencialidade inspiradora impressionante. Precisamos valorizar essa diversidade, esse patrimônio. Estilistas franceses, ingleses e japoneses vêm para cá se inspirar. E só depois que acontece esse reconhecimento estrangeiro, os jovens estilistas brasileiros começam a dar valor ao que temos, ao que somos. As coisas estão melhorando, mas ainda há muito a avançar nesse processo. Até recentemente, as peças brasileiras ficavam só na cozinha e na área de serviço, mas aos poucos vão ganhando mais e mais espaço na sala.

 

Foto Augusto Pessoa

Foto Augusto Pessoa

 

A propósito, você recentemente ajudou os atingidos pelo rompimento da Barragem de Fundão na ressignificação dos produtos artesanais e gastronômicos de Mariana e Barra Longa, já estimulou as artesãs do Vale do Jequitinhonha e, recentemente, revelou para o mundo o magnífico trabalho do Museu Orgânico do Cariri, que reúne mestres da cultura da Chapada do Araripe. E agora, para onde está virado o seu radar?
A moda é poderosa e transita muito bem por várias outras áreas. Ontem à noite ela dormiu com o Teatro, depois tomou café com a História, fez uma reunião com as Artes Plásticas, almoçou com a Economia e, de tarde, tomou chá com a Psicologia. Ela tem o poder de encontrar poesia em terrenos áridos. E eu sou assim também. Adoro tudo que me alumbra e me assombra. Fujo dos cartões-postais, dos lugares onde está tudo lindo. Prefiro a beleza de lugares em que nem todo mundo consegue enxergá-la. Minha bússola sempre me leva para onde tem ruído, tem fantasma, tem vida e morte – ou seja, o Brasil me oferece muuuitas possibilidades. [risos]

O que aconteceu com a moda brasileira, que viveu um grande “boom” nos anos 1990 e no início deste século 21, mas de repente “derreteu”, viu várias grifes encolherem e incontáveis estilistas simplesmente sumirem do mapa? Por que eventos como as semanas de moda perderam grande parte da visibilidade que tiveram no passado?
Bem, se a moda é um documento eficiente do tempo em que vivemos, ela está fazendo muito bem o seu papel. Ela registra e reflete um momento de apatia, de desalento e de incertezas. Mas a moda vai renascer. Nessas últimas duas décadas, vimos a nossa indústria têxtil migrar para os países asiáticos e não fizemos nada para conter esse movimento, mas a sanha criativa dos brasileiros persiste. Acredito que as semanas de moda precisam ser repensadas e readequadas, e vale lembrar que esse ‘flop’ delas não é um fenômeno exclusivo do Brasil, é uma tendência global. Só uma coisa é certa: a janela virtual que se abriu não vai fechar nunca mais.

 

Desfile da coleção "Rio São Francisco navegado por Ronaldo Fraga", que rodou o país entre 2010 e 2013, e as criações inspiradas em Zuzu Angel, na SPFW2020 - Fotos Marcelo Soubhia

Desfile da coleção “Rio São Francisco navegado por Ronaldo Fraga”, que rodou o país entre 2010 e 2013, e as criações inspiradas em Zuzu Angel, na SPFW2020 – Fotos Marcelo Soubhia

 

A moda está fora de moda? Como ela se insere no mundo pós-pandemia, que deve ser um tempo de menos consumismo e mais consciência?
Durante décadas, a moda reinou absoluta como referência de consumo. Mas, a meu ver, a gastronomia, a decoração e a tecnologia vêm assumindo esse papel nos últimos anos. A moda perdeu força? Sim. Ela morreu? Não, mas precisa urgentemente achar o seu novo lugar no mundo. Ela precisa sair dessa coisa ensimesmada e encontrar um jeito de voltar a ser relevante. Sobre essa mudança para uma vida com menos consumismo e mais consciência, eu sinceramente adoraria ver todo mundo pegar esse caminho, mas acredito que essa transformação será mais individual do que coletiva. Algumas pessoas trarão isso para suas vidas, mas infelizmente nem todos vão embarcar nessa.

Sua coleção de 2020 homenageou a estilista Zuzu Angel, mãe de Stuart Angel, assassinado por militares durante a ditadura nos anos 1970. No lançamento dessa coleção, você disse que todas suas coleções são políticas e poéticas. Qual é o “statement”, a mensagem que a sua coleção atual quer mandar para quem a vê, a aprecia, a consome?
Para mim, o ato de vestir é sempre um ato político. Falar de povos originários, de ancestralidade e de uma cultura que resiste é uma forma de fazer política. Não estou me referindo à “polititica” – aquela porcaria toda que rola em Brasília –, mas sim a questões que precisam ser discutidas e ganhar destaque neste momento sombrio do país.

 

Os bastidores da coleção "Terra de Gigantes", de Ronaldo Fraga, inspirada no sertão do Cariri, no Ceará, e lançada na São Paulo Fashion Week 2021 - Foto Augusto Pessoa

Os bastidores da coleção “Terra de Gigantes”, de Ronaldo Fraga, inspirada no sertão do Cariri, no Ceará, e lançada na São Paulo Fashion Week 2021 – Foto Augusto Pessoa

 

Como bom mineiro e como uma pessoa extremamente criativa, você acredita que a Liberdade é tão essencial à vida como o oxigênio?
Sem liberdade não existe criatividade. Direitos conquistados estão seriamente ameaçados. Não podemos regredir, jamais. Chega de atraso. Precisamos fortalecer o que já conquistamos e avançar em novas questões morais, comportamentais e sociais.

Depois de 19 anos casado com a mãe de seus dois filhos, você iniciou seu primeiro romance com outro homem. Agora em junho, no Dia dos Namorados, publicou na revista “Piauí” um bonito depoimento falando de sua relação com o apicultor Hoslany, que foi criado em um circo, é filho de um atirador de facas e se vestia de Monga no trem-fantasma. Como está sendo esta nova experiência?
Sempre tive um cuidado de não criar um descompasso entre o que eu falo e o que eu faço, pessoal e profissionalmente. Sou um homem que desenha a sua vida pelos traços e tintas do amor e da paixão. O meu trabalho é baseado no desejo de liberdade. Não fazia sentido eu tentar aprisionar esse desejo, como um tigre raivoso. É fácil? Nada é fácil. Tudo tem um preço: tem a exposição, o estranhamento, a curiosidade, a pressão e até a agressividade da sociedade. Mas eu não me incomodo em pagar pelo que é justo. Pela paixão, sempre vale a pena. Desde o início, eu dividi essa descoberta com os meus filhos e lhes disse que, mesmo que eles não aceitassem esse meu novo amor, pelo menos os filhos deles já nascerão libertos e encararão isso com naturalidade. Mas o Ludovico e o Graciliano, meus queridos filhos de 15 e 17 anos, me entenderam e me deram todo apoio. O Brasil é um dos países onde há mais violência contra pessoas LGBTQIA+. É muito importante que eu fale sobre esse meu novo amor e que o governador do Rio Grande do Sul resolva sair do armário em rede nacional. Eu acho importantíssimo que todos que tenham condições se posicionem e se manifestem em voz alta sobre questões como a liberdade de colocar o seu coração no lugar onde ele bate. Esse é o nosso compromisso civil. O momento em que vivemos nos cobra posicionamentos.

 

Os bastidores da coleção "Terra de Gigantes", de Ronaldo Fraga, inspirada no sertão do Cariri, no Ceará, e lançada na São Paulo Fashion Week 2021 - Foto Augusto Pessoa

Os bastidores da coleção “Terra de Gigantes”, de Ronaldo Fraga, inspirada no sertão do Cariri, no Ceará, e lançada na São Paulo Fashion Week 2021 – Foto Augusto Pessoa

 

Por fim, qual é o futuro da moda, a seu ver? Não acha meio extemporâneas essas imposições de “cor do ano” e “peça da estação” nessa época em que individualidade e diversidade são cada vez mais valorizadas?
Cor do ano e peça da estação já não fazem nenhum sentido há muitos anos. A moda não pode querer ditar o tempo. Ela é um reflexo do tempo, do que vemos no retrovisor da história. Para o futuro, vejo uma moda cada vez mais diversa, inclusiva e trazendo discussões de temas muito para além de formas, proporções, tecidos e cores. Porque – vamos combinar – roupa nem é o que nós mais estamos precisando, não é? O mundo está carente de tantas outras coisas.

 

Homewear: conheça a moda de ficar em casa

Homewear: conheça a moda de ficar em casa

Impulsionadas pelos novos hábitos do isolamento, grandes marcas aliam conforto e elegância em linhas homewear.

Após mais de um ano de distanciamento social, o “vestir-se bem” ganhou novos significados. Muito além de modelagens refinadas e cortes ousados, a aposta do mercado da moda é o conforto. Puxadas pela popularização do home office, marcas têm investido em coleções pensadas para o estilo de vida pandêmico. Essa tendência, que recebeu o nome de homewear, promete comodidade sem abrir mão da elegância.

 

Linha homewear da Intimissimi Brasil, lançada na pandemia - Foto: Divulgação

Linha homewear da Intimissimi Brasil, lançada na pandemia – Foto: Divulgação

 

“A ideia é investir em tecidos que tragam conforto e mesclas que garantam, não só versatilidade e estilo, mas um toque suave à pele”, explica Alvaro Gutierrez, Country Manager da Intimissimi no Brasil. A marca, especializada em vestimentas íntimas, identificou um aumento de quase 400% na procura por pijamas e camisolas durante a pandemia. De olho nessa demanda, a empresa deu novo gás às peças lisas multifuncionais em algodão e cashmere, além de ampliar a gama de pijamas com tecidos refinados.

 

Linha de homewear da Amaro - Foto: Divulgação

Linha de homewear da Amaro – Foto: Divulgação

 

Outra marca que aderiu à reinvenção foi a paulistana Amaro. “Nós já tínhamos uma coleção homewear, mas a variedade de peças era reduzida. Com a quarentena, vimos que o perfil de compras estava mudando e acompanhamos essa onda”, conta Vanessa Bello, head de estilo da marca. Hoje, 50% das vendas da Amaro são peças casuais, que vestem da cabeça aos pés.
As novidades também chegaram ao catálogo de calçados. A seção de muitas marcas foi atualizada com opções descontraídas, que vão de tênis a pantufas. Na era das calls e reuniões online, porém, a maior procura continua sendo por “partes de cima”, e camisetas da moda e acessórios de cabelo estão entre as principais buscas.

 

Linha de homewear da UMA X - Foto: Divulgação

Linha de homewear da UMA X – Foto: Divulgação

 

Moletons, vestidos leves e calças com cós de elástico estão nas vitrines online da UMA X, linha derivada da grife paulista UMA. Inaugurada durante o período de isolamento social, a coleção é assinada pela Gerente de Marketing Vanessa Davidowicz e combina o homewear à moda sem gênero e ecológica. “Todas as peças carregam inovações sustentáveis, principalmente técnicas de upcycling, que é a reutilização criativa de materiais”, comenta Vanessa.

Segundo a gerente, mais que uma linha pensada para a quarentena, a UMA X aponta para o futuro do consumo e o homewear nada mais é do que romper estigmas, em todos os âmbitos. “Vestir modernidade, praticidade, conforto e consciência. É isso que nos espera hoje e, principalmente, no futuro pós-pandemia”, finaliza.

Brechós: a salvação do pós-consumo na moda

Brechós: a salvação do pós-consumo na moda

A compra de peças usadas ganha espaço e a geração Z já entende a prática como alternativa de consumo consciente.

Em tempos de sustentabilidade, de termos como “Ambiental, Social e Governança” (ASG ou ESG em inglês), que são assimilados pelas empresas e marcas, e consumidores cada vez mais curiosos e questionadores, comprar objetos e roupas de segunda mão deixou de ser uma opção apenas para quem quer gastar menos. Segundo o ThredUp 2020 Resale Report com dados da Global Data, o mercado de usados será maior que o do fast fashion até 2029.

Os brechós – estabelecimentos comerciais que vendem roupas e acessórios de segunda mão – vêm ganhando espaço no mercado da moda e no dia a dia das pessoas. Esse setor, em plena expansão, deve atingir 64 bilhões de dólares nos próximos cinco anos. E, segundo a Forbes, mesmo com os efeitos da pandemia e a queda no setor de varejo –, com lucros inferiores aos esperados – a venda de usados, ou a revenda, está explodindo.

Outro dado importante é o perfil dos usuários de brechós. De acordo com a consultoria McKinsey & Company, a geração Z representa 40% dos consumidores globais de brechós. Essas pessoas – nascidas entre 1990 e 2010 – compram com propósito e entenderam muito bem que consumir peças de segunda mão é uma alternativa de consumo consciente.
Como resposta a uma enorme quantidade de roupas descartadas sem destinação correta, o varejo de moda se voltou para o mercado de revenda e grandes marcas firmaram parcerias com brechós para promover discussões sobre a etapa do pós-consumo. Um bom exemplo é a Malwee, com seu projeto “Moda Sem Ponto Final”, que valoriza roupas mais atemporais e duráveis e agregou ao conceito uma parceria com o Repassa, site de vendas de roupas usadas.

Essa iniciativa – que promove o aumento da vida útil das peças – funciona da seguinte forma: clientes Malwee têm desconto de 50% na aquisição da “Sacola do Bem” da Repassa, ou podem retirar o produto gratuitamente em algumas lojas físicas da marca. Nessas sacolas, os usuários podem colocar as roupas que não usam mais e receber 60% do valor das vendas no site. E os clientes do Repassa têm como benefício utilizar o crédito do que venderam em compras no e-commerce da Malwee, com 10% de desconto.

Os brechós significam uma excelente oportunidade na etapa do pós-consumo e representam uma destinação correta para peças que seriam jogadas em aterros com grande impacto ao meio ambiente e à sociedade. Hoje, mais do que nunca, a maneira como me visto diz muito sobre mim e as roupas de brechó carregam boas histórias sobre as pessoas e o planeta.

 

Foto: onur bahcivancilar | Unsplash

Foto: Onur Bahcivancilar | Unsplash