Novas marcas brasileiras lançam coleções que dialogam com ancestralidade afro-brasileira

Novas marcas brasileiras lançam coleções que dialogam com ancestralidade afro-brasileira

Estilistas resgatam técnicas e conceitos artesanais em suas coleções para reinventar a relação com o que vestimos

Quando o líder indígena e filósofo Ailton Krenak compartilhou a ideia de que “o futuro é ancestral”, explicou que não poderíamos pensar em um futuro para a humanidade sem resgatar as cosmovisões sustentáveis das civilizações do passado. Essa visão ganhou força após as limitações impostas pela pandemia, e parece que a moda também vem refletindo sobre esse conceito com rapidez.

Para muitos estilistas e pesquisadores, o futuro da moda, além de ancestral, é feminino e artesanal. Com relação ao trabalho manual, peças em crochê e macramê já vinham ganhando força e se consolidaram há algumas estações. Antes, encontrávamos essas técnicas em estéticas ligadas ao étnico e ao rústico. Agora, o artesanato aparece em peças modernas e coloridas, em uma clara mensagem de que queremos ressignificar o passado para seguir adiante.

Um exemplo desse movimento é a Cru Macramê, marca que, por meio de suas peças artesanais e sustentáveis, ajuda a empoderar mulheres do interior do Ceará. “Muitas vivenciam uma realidade muito dura e se surpreendem com a possibilidade de ganhar dinheiro com o crochê, artesanato que aprenderam com mães e avós”, explica Gabriela Gaio-fatto, criadora da marca.

 

Roupa da marca Cru Macramê - Foto Léo São Thiago

Roupa da marca Cru Macramê – Foto Léo São Thiago

 

E Cintia Felix, estilista da AZ Marias, criou sua mais nova coleção inspirada na frase de Krenak, e as peças desfilaram na São Paulo Fashion Week (SPFW) deste ano. A marca de impacto social e ambiental também centraliza os saberes ancestrais e as mulheres, principalmente as de corpos grandes, em seu discurso.

 

Desfile da estilista Cintia Felix, à frente da AZmaria - Foto Agencia Site

Desfile da estilista Cintia Felix, à frente da AZmaria – Foto Agencia Site

 

Além dos looks, um ato que vem se tornando tradição é a entrada da mãe da estilista nos encerramentos de seus desfiles. “Quero que a minha mãe receba os aplausos junto comigo, pois é uma forma de reverenciar as batalhas de uma mulher negra 50+. Quero que essas mulheres se vejam como bonitas, como deusas, como protagonistas”, comemora.

Dupla de criadores da Farm, Kátia Barros e Marcello Bastos, comenta a trajetória da marca de roupas mais brasileira do país

Dupla de criadores da Farm, Kátia Barros e Marcello Bastos, comenta a trajetória da marca de roupas mais brasileira do país

Sócios e fundadores da FARM, Kátia Barros e Marcello Bastos comentam a trajetória da marca de roupas mais brasileira do país, desde sua inauguração, em 1997 com quiosque na lagoa, até a recente e estrondosa expansão internacional

Durante os anos em que trabalhou como auditora na consultoria Ernst & Young, Kátia Barros descobriu o poder transformador de uma cartela de cores diversa. Da janela do escritório, no Centro do Rio, era raro enxergar muito além dos cinzas, marrons e beges que encobriam a paisagem e revestiam os paletós dos engravatados com que convivia. Se algum tom vibrante dava as caras, era apenas para indicar que as coisas iam mal – vez em quando, vinham assombrá-la os vermelhos de balanços negativos. Incomodada com a rotina em preto e branco, trocou os números pelos tecidos, as Ciências Contábeis pela Moda e, em 1997, com a ajuda do melhor amigo empresário, Marcello Bastos, iniciou sua revolução colorida particular.

Com ideias efervescendo e panos de todos os tons em mãos – com destaque para o verde limão e o rosa-choque, abominados pela alta cúpula da moda na época –, os dois decidiram reformular o “vestir” carioca. Pediram ajuda a um grupo de modelistas de uma conhecida para dar vida às ideias de Kátia, um consultor para entender as propostas comerciais de Marcello e, em um dia, tinham uma coleção inteira e um plano de negócios embrionário. As peças, “bodies” de design autêntico e com cortes que fluíam entre a praia e as calçadas, foram colocadas à venda em um quiosque na rua, e esgotaram em poucas horas. Nascia ali, sob a lona do Babilônia Feira Hype, no bairro da Lagoa, o selo Farm – hoje reconhecido mundo afora pelo visual colorido e com DNA fincado nas brasilidades.

 

Foto | Divulgação

 

“A feira foi nossa primeira casa. Não tínhamos a intenção de seguir a trajetória das tradicionais butiques de shopping, muito menos a pretensão de ser uma moda para desfile. Aquele centro comercial ao ar livre, à moda francesa, era a cara do nosso estilo, descontraído, solar e pé na areia”, conta a estilista, que via as vendas crescerem a cada edição. Do estande, decorado com folhas e flores compradas no Saara, saíam filas que congestionavam todos os corredores. “Dentre todas as marcas ali expostas, a Farm era a favorita do público. Foi aí que percebemos que aquela ideia tinha saído de nós e conquistado os corações e os guarda-roupas dos cariocas.”

Em menos de dois anos, a etiqueta ganhou corpo, braços, apoiadores e fãs por todo Brasil e fora dele – os “farmetes”, como se autodenominam. As coleções se multiplicaram e o quiosque de quatro metros quadrados se diversificou em 75 lojas espalhadas por 22 estados brasileiros.

 

Coleção de inverno “Coração Carioca”, lançada em fevereiro de 2022 | Foto Divulgação

 

Natureza para vestir

Para Kátia, que fica à frente das operações criativas da marca, o segredo do sucesso sempre esteve no tempero brasileiro. Para muito além do samba e do carnaval, fauna e flora nacionais se fundem em peças práticas pensadas para os trópicos. Enquanto tecidos leves e fluidos marcam a confecção, tucanos, palmeiras e frutas às pencas compõem a geometria única das estampas, inspiradas também pela silhueta curvilínea da geografia carioca. “Não há nada que traduza melhor um país do que os seus encantos naturais. A natureza, nas nossas coleções, é uma síntese do nosso povo.”

E se os rascunhos oferecidos pelo nosso verde servem de inspiração, o cuidado ambiental também se torna pauta recorrente na agenda da marca que, há cinco anos, atua com uma produção 100% neutra em carbono e se dedica à escolha de matérias-primas responsáveis – feitos que o sócio, Marcello, sintetiza em números: “Na nossa mais recente coleção de inverno, lançada em fevereiro de 2022, 37% das peças são sustentáveis e carregam o selo ZDHC (Zero Discharge of Hazardous Chemicals), de descarga zero de resíduos químicos perigosos. Em breve, a ideia é ter uma vitrine inteiramente composta por roupas em Viscose Lenzing Ecovero, material têxtil de menor impacto ambiental.”

Desde 2020 a Farm também possui seu próprio plano de reflorestamento. Com o apoio de ONGs como a SOS Mata Atlântica e a One Tree Planted, e multinacionais como a fundação holandesa Renature, o projeto “1000 Árvores Por Dia” promove o desenvolvimento de sistemas agroflorestais e o plantio de mudas em quatro biomas brasileiros.

 

Kátia e Marcello | Foto Reprodução Instagram

 

– Mata Atlântica, Caatinga, Cerrado e Amazônia. Até o momento do fechamento desta matéria, a ação já contribuiu com o plantio de 500 mil árvores de mais de 200 espécies e ajudou na recuperação de 300 hectares de verde.

E não para por aí. No final de 2021, em parceria com a Prefeitura do Rio de Janeiro e com a Fundação Parques e Jardins, a etiqueta lançou seu segundo projeto sustentável, o Árvores do Amanhã, que visa a construção do primeiro viveiro de árvores urbanas da cidade. “A ecologia está no coração da nossa marca. Se queremos uma moda que represente o lifestyle do brasileiro, precisamos priorizar as causas que ele prioriza, e a ambiental é, com certeza, um delas”, reflete Marcello.

 

Carioquês universal

Engana se quem pensa que apenas os brasileiros se deixam encantar pelo universo multicolorido da Farm. Desde 2019, a marca aposta suas fichas na expansão global – e parece que tem dado certo. Tudo indica que até 2024, a operação internacional represente cerca de 50% dos lucros da marca.

“Hoje, todo crescimento conquistado pela Farm fora do Brasil é orgânico, e as unidades internacionais já estão conseguindo se autossustentar, sem aporte de investimentos brasileiros”, orgulha-se Marcello. Além de lojas-conceito próprias em Nova York, Los Angeles, Miami, Paris e Londres, a etiqueta distribui peças por mais de 1500 centros comerciais multimarcas ao redor do globo, dez delas nos Estados Unidos. Para os próximos semestres, os planos de expansão incluem um hub para distribuição do e-commerce para a Holanda e mais cinco filiais nos Estados Unidos.

 

Fachada da loja Farm no bairro do Soho, em Nova York | Foto Eliseu CavalcanteFachada da loja Farm no bairro do Soho, em Nova York | Foto Eliseu Cavalcante

Fachada da loja Farm no bairro do Soho, em Nova York | Foto Eliseu Cavalcante

 

Para os próximos semestres, os planos de expansão incluem um hub para distribuição do e-commerce para a Holanda e mais cinco filiais nos Estados Unidos. “A ideia é, ainda, seguir a internacionalização por todo o continente europeu e, em seguida, quem sabe, galgar um espaço de vendas na Ásia.”

A exportação do borogodó carioca para além dos trópicos não se deu, no entanto, sem leves adaptações. Por causa da sazonalidade, as peças que chegam ao Hemisfério Norte têm outra cartela de cores e são confeccionadas em outros tipos de tecido. “Ainda tem a nossa cara, mas atende às necessidades de um clima muito menos quente”, explica Kátia, que atribui o fascínio dos gringos pela marca à estamparia original, “em contraste com o cinza dos centros urbanos, nossa essência é transmitir felicidade com nossas peças e, apesar dos motivos tão tipicamente brasileiros, a felicidade é um sentimento universal que atrai os olhares.”

 

Fazenda digital

Contando desde 2019 com uma plataforma de e-commerce própria, a Farm investe em soluções ousadas para ampliar sua presença digital. A mais recente inovação da marca veio durante a pandemia. Aproveitando o ensejo dos vídeos ao vivo, Kátia e Marcello lançaram um novo modelo de vendas, ainda pioneiro no país – o live commerce.

“Funciona como em um programa de TV, apresentadores e influenciadores exibem e experimentam peças que podem ser encomendadas em tempo real, clicando em uma aba ao lado do vídeo”, explica Kátia. Quem compra durante a transmissão geralmente tem acesso a peças exclusivas e descontos atrativos, além de poder tirar dúvidas e receber consultoria de um stylist ao vivo. “O cliente pode reproduzir a experiência de estar na loja, mas sem precisar deixar o sofá da sala”. O live commerce acontece esporadicamente por meio da plataforma Lojix, hospedada pelo próprio site da Farm (www.farmrio.com.br).

 

A dupla em desfile de 20 anos da marca, no Arpoador, no Rio de Janeiro | Foto Reprodução Instagram

 

Farm em todo canto

Multifacetada, a Farm não é mais uma loja de roupas já há algum tempo. É, na verdade, uma etiqueta diversa, em todas as suas vertentes. No guarda- chuva da label estão, além de uma marca de moda infantil (a Fábula), uma web rádio com programação dominada por músicas brasileiras; um blog sobre moda e comportamento (o Adoro!); uma linha de itens de decoração e objetos que vão desde patins a pranchas de surfe; e mais uma série de parcerias com grandes empresas, como Havaianas, Adidas e Centauro. Nesse emaranhado ainda há espaço para um selo musical, já com uma banda original, a Flor de Sal.

Para manter a unidade nesse turbilhão de possibilidades, Kátia acredita que o trunfo tenha sido o foco muito claro na mensagem que o título deseja transmitir em cada um dos produtos. “Nossa essência é a alegria das cores, a praticidade, o conforto e o compromisso em fazer o outro se sentir bem e bonito. Seja com uma peça de roupa que valorize o corpo do cliente ou com uma música que mude o dia dele, trabalhamos para que usar Farm seja sinônimo de vestir sorrisos. Olhando para trás e avaliando aonde chegamos, acreditamos muito que tenhamos conseguido.”

 

Foto Maria Victoria Fontenelle

Ícone da moda carioca, Lenny Niemeyer desenha o mais elegante beachwear do país

Ícone da moda carioca, Lenny Niemeyer desenha o mais elegante beachwear do país

As criações de Lenny Niemeyer rompem com o limite do calçadão e chegam ao mundo levando o glamour do Rio em três décadas de história

As curvas e o movimento dos projetos de Oscar Niemeyer combinam perfeitamente com as roupas de Lenny. O casamento da arquitetura com a moda é tão sólido que rompeu com a lógica de desfiles da São Paulo Fashion Week (SPFW) acontecerem na capital paulista. Na última edição do evento, em novembro de 2021, as criações de Lenny Niemeyer marcaram presença, mas diretamente do Museu da Ciência e da Criatividade, no Caminho Niemeyer, em Niterói. O desfile comemorou 30 anos da marca de moda praia, que é sinônimo de sofisticação na areia –, e é reconhecida por seus impecáveis biquínis, maiôs, vestidos de seda e linho.

 

 

Sob o crepúsculo fluminense, a apresentação mostrou looks de costuras geométricas e a conhecida inspiração na botânica brasileira que está presente nas roupas de Lenny há três décadas. Vestidos esvoaçantes e lindamente leves presos ao corpo apenas pelo pescoço atravessaram a meia esfera branca que abriga o Museu.

A estilista natural de Santos e carioca de lar e coração rompe com regras rígidas que ainda possam existir no setor. As roupas da praia vão para o calçadão e transitam também, por que não, pelo asfalto. “Nunca olhei muito para esse limite. O que sempre percebi foi o comportamento da mulher carioca”, explica.

Foi o olhar atento ao lifestyle das moradoras do Rio que levou a paisagista de formação a desenhar o seu primeiro biquíni, nos anos 1980. Depois, ela desenvolveu produtos para grifes importantes como Fiorucci e Andrea Saletto. Em 1991, lançou em Ipanema a marca que leva seu nome – expoente da versão mais elegante do beachwear brasileiro. A seguir, Lenny Niemeyer reflete sobre a moda praia na pós pandemia, lembra os 30 anos de suas criações e compartilha seus desejos para este verão e para os próximos.

 

Foto Divulgação

Foto Divulgação

 

Foi muito simbólico e bonito que o último desfile de sua marca, na SPFW, tenha sido no Museu da Ciência e da Criatividade, em Niterói. Como a pandemia atravessou o seu processo criativo? E, para você, como o momento impactou a moda praia e o setor como um todo?
A pandemia foi desafiadora em muitos sentidos, fez com que revisitássemos todos os processos de trabalho de todas as equipes da companhia, desde a forma de trabalhar até mesmo de nos comunicar. O negócio da moda envolve muita sensibilidade e olho no olho. Então precisamos nos reinventar na criação. Mas conseguimos passar pelo momento mais crítico sem desligar ninguém, com todos os cuidados e seguindo todos os protocolos. E, como já havíamos acelerado o digital na empresa, conseguimos até mesmo crescer em relação ao ano anterior. Em 2020 crescemos até 300% no e-commerce. Então não posso reclamar da pandemia, pois observei que a minha cliente ficou mais sensível ao consumo, usando a minha roupa na casa de campo ou praia, ou mesmo nas viagens curtas dentro do país. Não sei como foi para as outras empresas, mas crescemos em números de lojas (abrimos duas na pandemia), no digital e nas vendas da exportação.

 

Desfile na SPFW 2021 - foto Zé Takahashi | Fotosite

Desfile na SPFW 2021 – foto Zé Takahashi | Fotosite

 

Suas criações transmitem fluidez, leveza, liberdade… Como é transportar a experiência da loja física, do contato direto com as roupas, para a compra no digital? Com tem sido esse desafio?
O segredo é ter um bom time interno cuidando de transportar todo o DNA da marca para o universo digital, por meio de uma geração de conteúdo cuidadosa e sofisticada. Eu acredito que já tínhamos esse olhar, mas com a pandemia incrementamos a nossa comunicação com mais materiais e realizando escolhas assertivas, desde a modelo que você convida para um shooting e que terá a presença perfeita até em quais mídias trabalharemos – tudo alinhado aos pilares da marca.

 

Você representa a fusão na costura da areia, do calçadão e do concreto na moda, no Brasil. Há alguns anos, o que foi preciso fazer para quebrar o preconceito que o setor tinha com a moda praia? Você enxergava alguma resistência?
Como uma paulista que veio para o Rio de Janeiro eu encontrei resistência no início, até porque a moda praia à época estava restrita à areia. Mas, ao observar a carioca e seu jeito descomplicado de vestir e de fluir da areia para o asfalto, percebi oportunidades. Meu desejo sempre foi ampliar esse uso, e acredito que o fiz usando matérias-primas nobres na praia e uma arquitetura de produto não-convencional para os padrões da época. Então posso dizer que a resistência que existia eu transpassei com propostas de uso democráticas e sofisticadas na forma, e acredito que foram bem aceitas. E aqui estamos!

 

Como você definiria o lifestyle carioca? Como a sua marca materializa esse espírito?
Ah… a carioca é leve, descontraída e de espírito livre. Acredito que a marca reforça esse estilo por meio da estamparia, das formas orgânicas da cidade com a sua arquitetura e botânica incomparáveis, e na liberdade de vestir corpos diversos com uma moda descomplicada.

 

 

Uniformes desenhados por Lenny Niemeyer para as Olimpíadas do Rio de Janeiro, em 2016 - Foto divulação

Uniformes desenhados por Lenny Niemeyer para as Olimpíadas do Rio de Janeiro, em 2016 – Foto divulação

 

Em 2018, você foi a única estilista do país a receber o prêmio Designer of the Year, em Paris. Como é ser estilista no Brasil?
Se não houvesse Brasil e o Rio de Janeiro, não haveria prêmio nenhum. É um orgulho poder ser reconhecida por minhas inspirações, e ser brasileira, reconhecida lá fora, tem um grande significado para mim!

 

Com 30 anos de história, a marca produz looks pós-praia, o que seriam essas roupas? Como é romper o limite da areia e do concreto?
Roupas pós-praia são roupas que transitam tanto da areia para o asfalto como vice-versa. E essa transposição se faz em incrementar um matéria-prima nobre, como a seda e o linho, ou usar acessórios poderosos. Mas, na verdade, nunca olhei muito para esse limite. O que sempre percebi foi o comportamento da mulher carioca e interpretei seu caminhar. O uso de matérias-primas leves e nobres está em perceber que tais produtos são coerentes com o espaço natural.

 

A estilista no desfile de 30 anos da marca - foto Zé Takahashi | Fotosite

A estilista no desfile de 30 anos da marca – foto Zé Takahashi | Fotosite

 

Nos últimos anos também é possível ver uma maior evidência para matérias-primas sustentáveis na marca. Quais seriam esses materiais? Como você enxerga essa conversa da sustentabilidade com a moda?
A sustentabilidade é o futuro na moda, na minha visão. Claro que existem limitações técnicas, principalmente na lycra. Mas, hoje, trabalhamos com a lycra biodegradável, e a lycra Econyl por meio da parceria com a Reorder. Essa lycra é originada de redes de pescas abandonadas no litoral sul do Brasil, e seu processamento de produção é altamente sustentável, não envolve tingimentos. Além disso, temos malhas de bambu e acessórios feitos de buriti, caroá e vime advindos de cooperativas familiares do norte do Brasil. Da nossa forma buscamos fazer a nossa parte – e cada vez mais olhar para um futuro responsável.

 

Você é de Santos, mas escolheu o Rio como a sua casa. Você se lembra da primeira vez em que esteve na cidade? Sua primeira impressão mudou?
Chegar ao Rio foi como voltar à minha infância. Sou de Santos, uma cidade litorânea também. Então quando cheguei por aqui eu só queria saber de ficar na praia, e me encantei absolutamente pelo mar. E a cidade foi a minha maior inspiração criativa, por suas belezas naturais e pelo ar descomplicado, um lifestyle maravilhoso de viver.

As minhas impressões mudaram no sentido de ver a capital mais cosmopolita e desenvolvida. Antes eu era mais observadora, e hoje, como moradora, sou mais atuante na comunidade… faço parte de um comitê de empresários em prol do Rio de Janeiro junto à Prefeitura, entendo meu lugar como voz e como responsável por cuidar e zelar.

 

enny em comemoração de duas décadas de suas criações - foto Miguel Sá

Lenny em comemoração de duas décadas de suas criações – foto Miguel Sá

 

Seu livro “Delícia Receber” mostra seu lado anfitriã. Com a pandemia controlada, pretende voltar a promover festas e eventos?
Eu sempre amei receber, dançar e reunir pessoas, e sempre abri a minha casa para isso. Mas entendo que não estamos em momento de festejar, com tudo que ainda está acontecendo em nosso país. É claro que continuo recebendo amigos em casa, porém com menos gente e mais cuidado. Já fiz festas com 20 e até 700 pessoas, e o que as une absolutamente são as várias tribos, os muitos amigos, a diversão garantida.

 

Entre desfiles, coleções e prêmios, qual seria o momento mais importante da sua carreira até hoje? Você conseguiria elencar uma criação como a sua preferida?
O momento mais emblemático foi meu 1º desfile de passarela, no Palácio da Cidade (sede da prefeitura do Rio de Janeiro). Ele foi marcante porque percebi que a moda praia poderia de fato ser desfilada em uma passarela. Entre as coleções mais importantes para mim destaco a última de 30 anos, pelo olhar de toda a trajetória, de como ela foi concebida com tantas adversidades. E, principalmente, de poder voltar a desfilar presencialmente, o que eu realmente amo. Colocar esse desfile em pé foi um verdadeiro ato de resistência!

 

Como você descreveria em poucas palavras a sua coleção verão 2022? E o que você espera deste verão?
Essa coleção de verão é um olhar para o futuro, uma busca espiritual que nos leva para a luz de momentos melhores. Assim ela foi pensada e concebida!
O que eu desejo para este verão é uma moda democrática no sentido das mulheres se sentirem bem e lindas, independente dos corpos e da idade… eu espero ver a diversidade, que é a grande tendência em muitas coleções e marcas.

 

Look da coleção verão 2022 de LennY - foto Juliana Rocha

Look da coleção verão 2022 de Lenny – foto Juliana Rocha

Sustentabilidade: O impacto da indústria da moda na emissão de gases de efeito estufa

Sustentabilidade: O impacto da indústria da moda na emissão de gases de efeito estufa

Aliada à indústria de calçados, a cadeia da moda é responsável por cerca de 8% das emissões de gases de efeito estufa, e o tema vem estampando manchetes com alertas cada vez mais graves.

Estudos mostram que desde 1938 há um aumento da temperatura na Terra em relação ao século anterior. O engenheiro britânico Guy Callendar colheu dados de 147 centros de estudos climáticos ao redor do mundo para chegar a essa conclusão, relacionando o fato ao aumento da concentração de CO2.

De lá para cá, a população mundial só vem aumentando, assim como as atividades industriais, agropecuárias e logísticas para atender à demanda desse crescimento demográfico. E com mais gente, mais produtos e, obviamente, mais emissões de gases de efeito estufa.

Novos e inúmeros estudos comprovaram o aumento das emissões de CO2 e sua relação com efeitos climáticos. Em 1988, a ONU criou o Painel Intragovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC). No mês passado, em agosto de 2021, o mais recente relatório do IPCC, que reuniu 234 especialistas de 66 países, causou estado de alerta com dados tão alarmantes como a temperatura média da Terra, que pode chegar a 1,5 ou 1,6 graus Celsius a mais do que na era pré-industrial em 2030.

Os números divulgados mostram um planeta próximo do ponto de inflexão climático – um patamar científico que estabelece o momento em que o aumento da temperatura global provoca mudanças permanentes nos ecossistemas.

 

Foto: Rawpixel | Paeng

Foto: Rawpixel | Paeng

 

E o que a moda tem a ver com tudo isso?

Um estudo do Report Quantis, de 2018, estima que a indústria da moda é responsável por cerca de 8% das emissões de gases de efeito estufa, e que junto com a indústria de calçados, emitiu quase 4 milhões de toneladas de CO2. Esse número só tende a aumentar, e segundo a consultoria McKinsey, pode chegar a 2,1 bilhão de toneladas em 2030.

A cadeia da moda precisa reduzir drasticamente suas emissões no curto prazo e as marcas devem considerar todo o ciclo de vida de seus produtos; incluindo a origem dos insumos, uso de energia de fontes renováveis e planejamento para destinação de descarte; desenhando produtos que possam fazer parte de ecossistemas regenerativos.

A única saída possível é a adoção de políticas climáticas pelas empresas do setor, implementando cálculo, compensação e, principalmente, redução das emissões de CO2, além de investir em educação e letramento sobre o tema para toda sua cadeia de valor e stakeholders.

A moda que representa os nossos tempos está alinhada às mudanças que o mundo pede e não pode esconder aquelas provocadas pela falta de responsabilidade socioambiental. A mensagem sobre as alterações climáticas é urgente e o poder que a moda tem em transmitir vozes deve ser usado para mobilizar as atuais gerações em prol do clima.

Atriz Thaila Ayala estreia como roteirista, produtora, empreendedora e mãe

Atriz Thaila Ayala estreia como roteirista, produtora, empreendedora e mãe

Nascida em Presidente Prudente, a atriz e modelo Thaila Ayala se prepara para gestar um filho e muitos outros projetos no cinema e na moda.

Thaila Ayala é plural. Aos 35 anos, ela divide seu tempo entre as funções de atriz, modelo, produtora, empreendedora e ativista. Dona de uma inquietude que, hoje, se transformou em uma agenda cheia. “O mergulho forçado da pandemia me fez desengavetar sonhos até então adormecidos, e desde então não parei de trabalhar.”

Atualmente em “Ti Ti Ti”, novela de Maria Adelaide Amaral em reexibição na programação vespertina da TV Globo, a atriz interpreta a mimada e ambiciosa Amanda, “uma modelo como muitas que conheci no meu tempo de passarela”, comenta. Das telinhas para as telonas, Thaila comemora o lançamento do longa “Lamento”, com direção de Claudio Bittencourt e Diego Lopes, que chegou aos cinemas no final de agosto e foi indicado a melhor filme estrangeiro no Festival de Burbank, na Califórnia, e vencedor do prêmio do Público de melhor filme no Festival Katra Film Series, em Nova York.

A trama de suspense traz Marco Ricca vivendo o proprietário de um hotel que já viu seus dias de glória e muito luxo. Herdado por ele, agora o lugar não é mais o mesmo, abrigando o submundo e clientes, no mínimo, duvidosos. Thaila Ayala encarna uma prostituta que chega ao local e, após algumas horas, simplesmente desaparece, levantando suspeitas de um possível crime.

“Lamento é um filme de gênero. Nem sempre foi assim, mas hoje podemos encher a boca para falar que o nosso cinema tem de tudo. Existe uma qualidade de roteiro, de direção, um super cuidado. O longa teve uma contribuição incrível de Marco Ricca, que é um dos maiores atores que temos no Brasil. Respeitando todos os parceiros que já tive, ele foi um dos mais incríveis com que atuei.”

Com cenas fortes, que misturam violência, sexo e drama psicológico, Thaila conta que construir a personagem foi um desafio. “É um combo que o filme traz, de direção e roteiro densos. A Leticia, minha personagem, tem um mistério. É fluida, enigmática e pode ser tudo. Meu desafio foi fugir dos estereótipos e romper os estigmas que ainda costumam orbitar sobre uma garota de programa.”

 

Thaila Ayala - Foto: Luiza Ferraz | Produção e roupas: MAXILA

Thaila Ayala – Foto: Luiza Ferraz | Produção e roupas: MAXILA

 

Filha da terra

Nascida em Presidente Prudente, a distantes 558 km da capital paulista, Thaila é cidadã do mundo. Saiu de casa aos 14 anos, sem se despedir, em um ônibus com destino à metrópole. Na mala, R$ 300 e o sonho de trabalhar como modelo para contribuir com a renda familiar. Em pouco tempo, a carreira na moda deslanchou. Depois de São Paulo, foi para o Rio de Janeiro, Los Angeles e Nova York – lugares que revisitou anos depois, como atriz.

Apesar das muitas recordações cosmopolitas, a atriz ainda se sente uma menina do interior. “Prudente é minha raiz, minha base e minha tradição. Confesso que adoro a bagunça de uma cidade grande, mas sou filha da terra e preciso dela para me sentir completa”, conta. As memórias dos ares prudentinos são de muito afeto e simplicidade. “Lembro de andar de carrinho de rolimã e brincar de casinha em um terreno baldio do lado de casa. Era tudo muito genuíno e mágico.”

Hoje, 20 anos depois, a casa que compartilha com o marido, o também ator Renato Góes, no bairro carioca de Itanhangá, é retrato dos paraísos bucólicos que descobriu quando criança. “Escolhemos um lugar grande e arborizado, com cachoeira por perto e frutas no pé”. Nos muitos meses de isolamento social, foi no contato com essa natureza particular, em meio às lagoas da Barra da Tijuca, que se permitiu reenergizar. “Tive algumas crises de ansiedade nesse período, e estar em meio ao verde me reconectava à tranquilidade dos meus dias no interior. Era como voltar no tempo.”

 

Thaila Ayala - Foto: Luiza Ferraz | Produção e roupas: MAXILA

Thaila Ayala – Foto: Luiza Ferraz | Produção e roupas: MAXILA

 

E é nos veios e no ventre da terra que Thaila pretende dar à luz seu primeiro filho, Francisco. Grávida de quatro meses, a atriz sonha em deixar ao primogênito a herança do contato com a natureza e amor ao verde. “Quero que meu filho tenha o privilégio de aproveitar uma infância que seja o mais próxima possível da que eu tive em Prudente, com toda a liberdade de brincar na grama, de pés descalços e vento no rosto.”

Cachoeira criativa

É com esse mesmo carinho maternal que Thaila se refere a seus trabalhos. Além de gestar um filho, a atriz alimenta ideias e projetos há muito tempo. “Eles também são meus bebês”, comenta, entre risadas. O orgulho não é à toa. Desde sua primeira aparição na TV, como a adolescente Marcela na 14ª temporada de “Malhação”, já são quase 15 anos de carreira e um currículo que inclui inúmeras participações em novelas, filmes nacionais e internacionais, e séries em plataformas de streaming.

O plano para este segundo semestre é aumentar ainda mais essa “família”. “Além de ‘Lamento’, tenho outros quatro filmes para estrear”, diz. Dentre os títulos, estão o lúdico “Moscow”, o romance “O Garoto”, o distópico “Distrito 666” e o suspense “Inverno”. Esse último, protagonizado por ela e Renato – o primeiro do casal juntos em cena –, marca a estreia de Thaila como roteirista. “Eu sempre escrevi. Já fiz alguns cursos de roteiro em Nova York, mas muito mais por exercício e paixão. O impulso veio do isolamento, quando percebi que poderia usar o tempo ‘quarentenada’ para realizar mais esse sonho.”

Foi então que recorreu à ajuda criativa do amigo, roteirista e diretor Paulo Fontenelle. Juntos, eles delinearam a trama de suspense que deve chegar aos cinemas ainda neste ano. “A história foi 100% inspirada no momento que estamos vivendo e retrata a vida de um casal em quarentena, depois de serem atravessados por uma fatalidade misteriosa e sombria”, conta. De fato, não havia como fugir da temática pandêmica. Com a indústria cinematográfica ainda sob as restrições dos protocolos de saúde, o jeito foi rodar o filme inteiro dentro de casa. “Transformamos nossos cômodos em set de filmagem. Nós terminávamos de gravar e dormíamos com os equipamentos de iluminação ainda montados, com elementos cênicos na escrivaninha e macas de hospital encostadas no armário. Foi uma aventura.”

 

Thaila Ayala e Renato Góes no set de filmagem do longa "Inverno" - Foto: Divulgação

Thaila Ayala e Renato Góes no set de filmagem do longa “Inverno” – Foto: Divulgação

 

“Inverno” também é o primeiro projeto da Cachoeira Filmes, produtora audiovisual inaugurada por Thaila e o marido em 2020 – outro “filho” do casal gerado durante os meses de pandemia. Ainda sem previsão para novas produções da empresa, o próximo sonho é transformar a produtora em projeto social. “Temos essa ideia, ainda embrionária, de fazer da Cachoeira um espaço de incentivo a novos roteiristas, diretores e atores, que seja um suporte para jovens nomes da área.”

Ativismo está na moda

Na sua conta no Instagram – onde acumula mais de 6 milhões de seguidores –, a prudentina se autodescreve “atriz, ativista, feminista e espiritualista”. Dedicada a causas socioambientais, seu ativismo, ela explica, é mais uma herança das raízes interioranas. “A minha terra me fez militante. Foi naquele ambiente que percebi a necessidade de preservar e lutar pela natureza que ainda nos resta”, pontua.

Em agosto de 2020, a preocupação ambiental virou modelo de negócio. Ao lado das amigas e sócias – a produtora Maria Cláudia Luquet e a empreendedora Fernanda Cardamone -, lançou Amar.ca, grife com peças versáteis e 100% ecológicas. Da idealização à embalagem, Thaila acompanha de perto todas as etapas da confecção. “Quero ter certeza de que todo o processo vai refletir os valores em que acredito”. No catálogo da loja, que funciona exclusivamente online, todos os produtos possuem os selos “Eu Reciclo” e “Carbon Free”, de certificação sustentável. “Mais do que referência em estilo, queremos ser agentes de um movimento cada vez mais consciente na moda.”

 

Thaila usando peças de moletom ecológicas da grife Amar.ca - Foto: Divulgação

Thaila usando peças de moletom ecológicas da grife Amar.ca – Foto: Divulgação

 

Bem-informada e politizada, a atriz e empresária acredita que arte e o ativismo não só são um match possível, mas necessário. “Para nós, figuras públicas, que temos o privilégio desse espaço de fala e atuação, a omissão não pode ser uma opção”.

E é por isso que ela age e se movimenta. Thaila promove bazares beneficentes com lucro revertido a iniciativas sociais, faz coleta seletiva em casa, tem preferência absoluta por alimentos orgânicos e de pequenos produtores, e é madrinha do “Cidades Invisíveis”, projeto com sede em Florianópolis que, desde 2012, fomenta a capacitação e o empoderamento em comunidades vulneráveis, por meio do incentivo à produção artística.

“No fim, militância e arte se entrelaçam. Na atuação, a gente já empresta a pele e a voz a histórias que não são nossas. É, com toda certeza, um exercício poderoso e frequente de empatia, que quero sempre transbordar para a minha vida.”