Fora da Globo, Walter Casagrande explora diferentes projetos e, neste mês, cobre mais uma Copa do Mundo

Fora da Globo, Walter Casagrande explora diferentes projetos e, neste mês, cobre mais uma Copa do Mundo

Ex-jogador e agora comentarista e colunista esportivo, Casagrande vive momento intenso de liberdade, após encerrar contrato com a Globo. Sempre atento aos gramados e aos entornos, casão acompanha mais uma copa do mundo neste mês, desta vez pelo Uol e diretamente do Catar

O papo mal havia iniciado e Walter Casagrande Jr. estava esfuziante. O ex-atacante e ídolo do Corinthians – clube que experimentou uma revolução, nos anos 1980, quando ele e os parceiros de time, Sócrates e Wladimir, criaram a Democracia Corintiana, movimento político-esportivo que primava pela liberdade dos atletas – havia retornado, há poucos dias, de uma visita à aldeia indígena Katurãma. Naquele chão de terra localizado no município mineiro de São Joaquim de Bicas, ele havia divulgado o ato Sem Demarcação Não Tem Jogo para celebrar a doação feita pela Associação Nipo-Brasileira de uma área que pertencia aos pataxós.

Estar ali só foi possível porque a liberdade de ir e vir e falar o que pensa bateu, novamente, em sua porta a partir do encerramento do contrato de comentarista que ele mantinha com a Rede Globo havia 25 anos. “Se eu estivesse na emissora, não me dariam a chance de ir à aldeia, porque, talvez, eu seria escalado para comentar em algum programa”, diz Casão, como é carinhosamente chamado esse paulistano de 59 anos e 1,91 metro de altura. “Você teria de pedir autorização à Globo para me entrevistar e certamente eu não seria liberado”. Apoiar e criticar publicamente políticos, dividir seus pensamentos com qualquer veículo de comunicação e encarar projetos diversos, agora, está na ordem do dia.

 

Walter Casagrande - Foto Bob Wolfenson

Walter Casagrande – Foto Bob Wolfenson

 

Autor dos livros “Travessia – Casagrande e seus Demônios”, por meio do qual relata, entre outros assuntos, o vício em cocaína e heroína, e “Sócrates e Casagrande – Uma História de Amor”, sobre a relação da dupla de jogadores que nutria amor e muito companheirismo entre si, Casão divide na entrevista a seguir o seu palpite sobre o desempenho da Seleção Brasileira no Mundial, o prazer de ter sido criado majoritariamente por mulheres e a sensibilidade que todo homem deve ter, cultuar e pôr para jogo.

Como é a sua rotina depois de encerrar o contrato com a TV Globo?
Mudou completamente. E para melhor. A minha criatividade estava muito limitada lá. A pessoa tem de colocar o seu limite vivendo na liberdade, e o meu, na Globo, que sempre foi alto, estava diminuindo cada vez mais. Isso não fazia bem para mim e nem agradava a emissora. Resolvi deixar a Globo e, desde então, escolho o que quero fazer. As portas se abriram totalmente para as minhas ideias. Por exemplo, acabei de chegar de uma visita à aldeia indígena Katurãma (em São Joaquim de Bicas, em Minas Gerais), onde divulguei o ato Sem Demarcação Não Tem Jogo. Havia várias etnias por ali, danças de amor, de paz, cantos. Foi uma das coisas mais lindas que vi na vida. Se eu estivesse na Globo, eu poderia ter sugerido, organizado tudo, mas não me dariam a chance de ir até lá, porque, talvez, eu estaria escalado para comentar em algum programa.

O meu papel na Rede Globo teve começo, meio e fim. Apesar de eu achar que o fim devesse ser selado depois da Copa do Mundo do Catar, já que cobri todas as outras pela emissora. Desde 1999, eu fui o principal comentarista da Seleção Brasileira. Fiz todos os jogos do Brasil até a Copa América de 2019. E aí deixei de ser escalado para os jogos da Seleção. E agora, quando completo 25 anos de TV Globo, tive de sair da empresa. Seria especial trabalhar nessa Copa pela Globo, porque o Galvão Bueno fará a sua última narração em Mundial. Eu trabalhei com ele durante todo o tempo e não irei participar dessa despedida.

Casagrande com Falcão, Galvão Bueno e Arnaldo Cezar Coelho na cabine de transmissão da Globo – FOTO ARQUIVO PESSOAL

 

E como é o seu trabalho hoje?
Eu escrevo para o UOL e para o jornal Folha de S. Paulo. Tenho participado de podcasts, como o do Mano Brown, entre outros, de programas de TV diferentes como o “Melhor da Tarde”, da Catia Fonseca, da Band, mais popular, para a dona de casa. Dei entrevista ao programa “À Prioli”, apresentado pela Gabriel Prioli, na CNN, e participei do “Roda Viva”, da TV Cultura. E todas essas entrevistas foram longas. É visível a transição de carreira que venho experimentando. Antes, muito limitado à área de esporte e ao futebol, na Globo, eu não tinha como fazer escolhas. Muitas pessoas que me viam na emissora não sabiam direito como eu era. Não tinha espaço para desenvolver raciocínios sobre assuntos para além do esporte. Hoje, já sabem o que penso sobre temas diversos. Conhecem mais a minha infância, adolescência, os problemas que enfrentei, os traumas emocionais e o porquê de eu pensar dessa maneira.

 

Casagrande jogando no time de Torino, na Itália - Foto arquivo pessoal

Casagrande jogando no time de Torino, na Itália – Foto arquivo pessoal

 

Esporte e política sempre caminharam lado a lado durante a sua trajetória. Por que os atuais atletas evitam se manifestar politicamente?
Esporte e política caminham juntos desde o começo da história. Os Jogos Olímpicos de Atenas surgiram democraticamente a partir de uma variedade de esportes e pessoas. A Copa do Mundo de futebol não foge disso também. Nada acontece no esporte sem política envolvida – para o bem ou para o mal.

Só que 80% dos jogadores da nossa seleção nem sequer votam. Esses caras se transformaram em esportistas egoístas e alienados. Preocupam-se somente com aquilo que possuem e não se cansam de ostentar. Para eles, o Brasil não precisa mudar. Café, almoço e jantar são oferecidos a eles, que viajam em Primeira Classe – e muitos têm jatinho particular – e ficam nos melhores hotéis do mundo. Têm divertimento, escolas para os filhos. E pensam: “Por que preciso votar , se para mim o mundo não precisa mudar?”.

Acredita que o Brasil retorne da Copa do Mundo como campeão?
Eu não vejo o Brasil campeão. Dependendo dos adversários que a seleção tenha de enfrentar, após a primeira fase, acredito que chegue à semifinal. E para por aí. Há outras seleções com maiores capacidades para vencer o torneio, como a França, que está mais estruturada, e a Alemanha, na qual enxergo mais foco. Dificilmente, a seleção alemã vai mal em duas copas seguidas.

E tem também a Bélgica como uma surpresa agradável, porque conta com uma geração muito forte e talentosa – e que terá sua última chance. O time do Brasil é bom, mas diferentemente da Bélgica, por exemplo, ainda chega com dúvidas. O ufanismo exagerado, o ‘já ganhou’ e o excesso de confiança de uma grande parte da imprensa brasileira me preocupam. Não será uma tarefa fácil para o Brasil logo na primeira fase.

O Tite ainda tem algumas dúvidas sobre a convocação e como alguns atletas devem jogar, como por exemplo, se o Neymar deve atuar como um camisa 10, no meio de campo, ou como atacante.

Seleção Brasileira nas eliminatórias em 1985. Em pé, da esquerda à direita: Oscar, Leandro, Casagrande, Edinho, Carlos e Junior. Agachados, da esquerda à direita: Renato Gaúcho, Sócrates, Toninho Cerezo, Zico e Eder - Foto arquivo pessoal

Seleção Brasileira nas eliminatórias em 1985. Em pé, da esquerda à direita: Oscar, Leandro, Casagrande, Edinho, Carlos e Junior. Agachados, da esquerda à direita: Renato Gaúcho, Sócrates, Toninho Cerezo, Zico e Eder – Foto arquivo pessoal

 

Qual é a sua expectativa em relação ao desempenho do Neymar?
O Neymar foi bem na primeira Copa dele, em 2014. Na segunda, foi patético. E agora tem a terceira chance. Aparentemente, está focado, em forma e jogando bem. Mas tenho um pé atrás em relação a ele. Tenho dúvida se, já já, ele aparece em uma festa, ostentando algo. A grande dificuldade do Neymar é o foco. Em 2018, foi assim. Na véspera da estreia da Seleção contra a Suíça, naquela Copa, ele pediu para que o cabeleireiro pintasse o cabelo dele. Quem quer pintar o cabelo na véspera da estreia não está focado no jogo. Se vai estrear no dia seguinte, tem de ficar pensando como vai fazer gol, o que fará dentro do campo. Pedir a presença do cabeleireiro significa pensar no cabelo, na estética. Não dá para fazer uma coisa pensando em outra totalmente oposta.

Você tem três filhos e dois netos. Como vive a experiência com eles?
Eu adoro criança. Fui pai cedo, aos 23 anos. Sempre me diverti como pai. Trazia presentes a eles, quando retornava de Copa do Mundo ou de Olimpíada. Eu dei aos meus filhos tudo o que os meus pais não tiveram condições de me dar. Tiveram o prazer de ter camisas de várias seleções que eu trazia de viagens. Já com os meus netos, Henrique, 8 anos, e Davi, 5, o contato é mais raro, hoje. Porque, ao sair da Globo, venho acumulando compromissos diariamente e em horários diferentes. No ano que vem talvez eu consiga ter uma relação mais próxima deles todos.

Casagrande e seus filhos Ugo, Victor Hugo e Symon - Foto arquivo pessoal

Casagrande e seus filhos Ugo, Victor Hugo e Symon – Foto arquivo pessoal

 

Como foi a relação com o seu pai?
Ele me mostrou tudo, cultural e esportivamente falando. Eu virei corintiano por causa da família toda, mas o meu pai só falava em Rivellino e Corinthians o tempo todo. Aí, na Copa de 1970, eu vi o Rivellino jogar e pronto! Virei corintiano dos bons. Para além do esporte, meu pai me fazia assistir a filmes mudos ao lado dele. Clássicos da era de ouro de Hollywood, musicais, filmes de terror dos anos 1930, com Bela Lugosi… Graças a minha memória monstruosa, eu lembro de tudo. Como, por exemplo, do Al Jolson, o cantor lituano que se consagrou no cinema norte-americano, e da Mary Pickford, sucesso no cinema mudo e cofundadora da United Artists. Foi o meu pai quem me apresentou isso tudo. Com 5, 6 anos, eu já havia descoberto canções como “Domingo no Parque” (de Gilberto Gil), “Fio Maravilha” (de Jorge Ben Jor) e os festivais de música também por influência do meu pai. Ele era motorista de caminhão, e durante um bom tempo trabalhou em gravadora e editora. Aí trazia para casa um monte de discos de presente para mim.

 

Casagrande com seus pais, Walter e Zilda -Foto arquivo pessoal

Casagrande com seus pais, Walter e Zilda -Foto arquivo pessoal

 

Algum trauma nessa fase da vida?
O meu pai era maravilhoso, mas alcoólatra. Havia problemas dentro de casa. Por muito tempo, já que minhas duas irmãs se casaram e foram morar em outro lugar, eu ficava sozinho com eles em meio à confusão. Dócil, o meu pai, quando bebia, ficava agressivo, chato, provocador. Mas havia um outro fato, que hoje encaro como positivo: ser criado por três mulheres. Nas festas de família, então, eu participava das brincadeiras das minhas primas e tias, como passa anel, e me divertia muito junto com elas. E também assistia programa feminista com a minha mãe, que sempre me recomendava: “Waltinho, nunca faça mal para uma menina, não bata nela e a respeite”.

Recentemente, você chorou ao ser entrevistado na CNN. É raro isso acontecer?
Quando eu usava droga com intensidade, eu não sentia as emoções, porque ela congela os sentimentos. Ao ser internado em uma clínica, a grande tarefa foi descongelar os sentimentos. Foi difícil, porque eu me percebia emocionado e não sabia o que era aquilo. Com o tempo, porém, aprendi, durante o meu tratamento, que eu não deveria segurar as emoções. Segurá-las gera uma revolta contra nós mesmos. O que nos deixa leve, livre, sem remorsos é amar alguém e dizer isso a pessoa. E, mais ainda, sentir saudade e externar isso. Somente assim eu pude dizer ao Magrão (Sócrates, ex-jogador do Corinthians e da Seleção Brasileira), antes de ele morrer, que eu o amava, que eu sentia amor por ele.

E qual é o legado da Democracia Corintiana, daquele movimento político-esportivo que lutou, entre outras coisas, pelo fim da ditadura?
A Democracia Corintiana não deixou legado. Funcionou naquele momento e somente no Corinthians. Aquilo não se espalhou por outros clubes. Nenhum outro jogador comprou a ideia e tentou replicar em seu clube. Nenhum outro dirigente se apropriou do que a gente vinha fazendo e utilizou na sua gestão. As federações querem mais que os jogadores fiquem quietos. Os atletas que jogam no exterior, por exemplo, não se manifestam sobre política. Não correm risco algum. Mas, sim, os que trabalham aqui, jogam no interior do Brasil, na segunda, terceira e quarta divisões, ganham mil, dois mil reais, e ainda têm de pagar material escolar, alimentar e dar moradia aos filhos.

Eu não fico indignado com isso, porque eu já estou indignado com essa situação há décadas. O brasileiro tem mania de normalizar as coisas absurdas que só acontecem por aqui, como por exemplo, as chacinas. Eu nunca achei e não acho normal muita coisa que acontece no Brasil.

 

 

Foto Bob Wolfenson

Foto Bob Wolfenson

Dupla do vôlei de praia, Ágatha e Duda, conta como foi a preparação para as Olimpíadas de Tóquio

Dupla do vôlei de praia, Ágatha e Duda, conta como foi a preparação para as Olimpíadas de Tóquio

Favorita em Tóquio, a dupla do vôlei de praia Ágatha e Duda teve bons resultados em circuitos nacionais e mundiais e segue focada para trazer mais medalhas para o Brasil.

A sergipana Eduarda dos Santos Lisboa é uma atleta prodígio no vôlei de praia. Cinco anos depois de iniciar na modalidade, aos 9 anos, na escola de vôlei de sua mãe, a ex-jogadora Cida Lisboa, ela se tornou a primeira a disputar, em um mesmo ano, os campeonatos mundiais de base de três idades diferentes. Conquistou um título sub-19 e um vice-campeonato sub-23. E não parou por aí. Em 2019, aos 20, Duda – como ela é conhecida no esporte – tornou-se a atleta mais jovem a levantar o troféu de campeã do Circuito Mundial.

Mais ainda: foi eleita a melhor atleta do mundo do vôlei de praia naquele ano. “O fato de sua mãe ter sido jogadora e de Duda, desde pequena, acompanhá-la nos torneios fez com que ela naturalizasse a competição”, opina Ágatha Bednarczuk, sua atual parceira na praia. “Aquele glamour que as meninas enxergam quando começam a jogar etapas do circuito brasileiro ou do mundial, sempre foi minimizado por Duda, porque ela já estava acostumada ao ambiente.”

 

Foto: Divulgação

Foto: Divulgação

 

Paranaense de 38 anos, Ágatha – que, ao lado de Duda, 22, forma a dupla de vôlei de praia brasileira com maior chance de medalha em Tóquio – é também jogadora de altíssimo nível e chega para a sua segunda edição olímpica como favorita por ter conquistado a medalha de prata nos Jogos do Rio de Janeiro. Em 2020, Ágatha e Duda venceram nove etapas do Circuito Brasileiro de vôlei de praia. Este ano, outras três em cinco finais que disputaram.

A seguir, a dupla formada em 2017 – líder do ranking do Circuito Brasileiro de Vôlei de Praia e primeira colocada do ranking de entrada do Circuito Mundial de Vôlei – abre o jogo, divide suas trajetórias e relata como foi a preparação em tempos de pandemia.

 

Ágatha e Duda chegam à final do Mundial em Cancún e levam a prata - Foto: Alejandro Gutiérrez Mora

Ágatha e Duda chegam à final do Mundial em Cancún e levam a prata – Foto: Alejandro Gutiérrez Mora

 

Como o vôlei de praia entrou na sua vida?

Ágatha: Iniciei no vôlei aos 5 anos, jogando na quadra. Eu e muitas garotas da minha geração somos atletas de quadra que migraram para a praia. Ainda mais porque sou do Sul, onde não havia centros de treinamento de praia, como encontramos facilmente no Rio de Janeiro e no Nordeste do Brasil. Eu me tornei atleta de vôlei de praia somente aos 18 anos. A Duda, por outro lado, já nasceu no esporte como atleta da praia. A mãe dela tem uma quadra de vôlei do lado da casa onde mora, em Aracaju, e foi técnica da Duda desde quando a filha era pequena. Muitas atletas já haviam jogado contra a mãe dela, que já brincava de vôlei com a Duda.

Você impressiona pelos títulos individuais e os que conquistou com a Ágatha. Foi eleita a melhor atleta do mundo, aos 20 anos. Como encara isso tudo?

Duda: Os feitos que conquistei vieram rapidamente. Eu não percebia a minha idade. Perdi, naturalmente, um pouco da minha juventude. Por exemplo, eu estudava à distância. Por outro lado, crescer no esporte era um desejo meu. Não fui forçada por ninguém. Tenho psicólogo, faço terapia e sempre respeitei as minhas limitações e o desenvolvimento do meu corpo. Assim, fui encarando as dificuldades e aprendi a andar com as próprias pernas. O esporte também acelera o nosso amadurecimento.

 

Ágatha no Circuito Mundial de Vôlei de Praia, em Cancún, neste ano.   - Foto: Alejandro Gutiérrez Mora

Ágatha no Circuito Mundial de Vôlei de Praia, em Cancún, neste ano. – Foto: Alejandro Gutiérrez Mora

 

Como você lidou com o cancelamento e, posteriormente, o adiamento dos Jogos Olímpicos?

Ágatha: Foi impactante, primeiramente. Imaginava que aconteceria o adiamento, porque muitos eventos seguiam esse curso. Mas eu sou uma atleta que procura sempre o lado positivo das coisas. Passamos a procurar soluções para o time ficar melhor com um ano a mais pela frente de preparação. Eu e a Duda ficamos longe uma da outra durante três meses e voltamos a trabalhar juntas em junho de 2020. Foram surgindo um torneio, em setembro, na Holanda, o Circuito Brasileiro e, neste ano, o internacional. A pandemia veio para que a gente enxergasse o hoje. Não dava mais para fazer planos. Tiramos o foco da Olimpíada. Isso fez com que a gente não sentisse tanta ansiedade. Funcionou. Jogamos oito torneios, vencemos seis e ficamos com a prata em outros dois.

O fato de ser sua primeira Olimpíada e o torneio ser realizado em Tóquio exige de vocês uma atenção especial?

Duda: Jogamos em Tóquio, em 2019. Era um torneio que serviu de ensaio de como será a Olimpíada. Fomos campeãs. Deu para perceber o clima, que é muito seco e varia muito. Ou seja, vamos precisar nos hidratar o tempo todo. E o fuso é complicado também. Mas chegaremos doze dias antes do início do torneio. Teremos, portanto, um bom tempo de aclimatação. Os japoneses aproveitam muito o dia, são educados e sempre querem saber se estamos bem, se precisamos de alguma ajuda. Sobre os times adversários, o nosso esporte está muito pareio e é difícil apontar qual dupla será mais complicada para nós.

 

Duda no Circuito Mundial de Vôlei de Praia, em Cancún, neste ano. - Foto:  Alejandro Gutiérrez Mora

Duda no Circuito Mundial de Vôlei de Praia, em Cancún, neste ano. – Foto: Alejandro Gutiérrez Mora

 

Sua estreia em Olimpíada foi no Brasil, em 2016. Como foi debutar em casa?

Ágatha: Eu não tirava o sorriso do rosto. Quando estou emocionada, recorro à risada e não ao choro, na maioria das vezes. Fomos para a Vila Brasileira que ficava na Urca, mais próxima da Arena onde competíamos, em Copacabana. Chegamos nela três dias antes do início dos Jogos e eu queria conhecer todos os cantinhos da Vila. O primeiro momento de que lembro foi saindo da minha casa, em direção ao Comitê Olímpico para receber os uniformes. Foi muito emocionante provar os uniformes, pegar a mala… estava acontecendo! Eu sorria de felicidade.

Olimpíada é algo tão especial que, por exemplo, o nadador norte-americano Michael Phelps treinou, literalmente, todos os dias durante quatro anos para chegar à Olimpíada de Pequim, em 2008, e fazer história. Tornou-se o recordista de medalhas de ouro (oito) em uma única edição.

Ágatha: Eu li sobre essa história do Phelps. Muitas vezes, a gente tem essa dedicação sem mesmo saber se irá à Olimpíada. Eu e a Duda fechamos parceria em janeiro de 2017. As pessoas imaginam, mas, de verdade, não têm ideia o que é um ciclo olímpico, não têm clareza sobre o tanto de abdicações que uma atleta encara. A nossa família sabe, porque perde o convívio conosco. É muita renúncia em relação à vida social, ao convívio com muitas pessoas, a viajar com amigos… Pode esquecer tudo isso! Casamentos, aniversários: a mesma coisa. Ainda bem que o preparador físico da nossa equipe é o meu marido (risos).

 

Ágatha no Circuito Mundial de Vôlei de Praia, em Cancún. - Foto: Duda no Circuito Mundial de Vôlei de Praia, em Cancún, neste ano. - Foto:  Alejandro Gutiérrez Mora

Ágatha no Circuito Mundial de Vôlei de Praia, em Cancún. – Foto: Duda no Circuito Mundial de Vôlei de Praia, em Cancún, neste ano. – Foto: Alejandro Gutiérrez Mora

 

O que é peculiar em nosso jeito de jogar vôlei de praia? Como o Brasil se define nessa modalidade?

Ágatha: Ter um país com um litoral extenso ajuda muito. A temperatura faz com que a gente possa praticar o esporte o ano inteiro. Temos um número grande de atletas e assim fica mais fácil de colher frutos para o alto rendimento. Os gringos, no inverno, ou treinam em quadras construídas em lugares fechados, ou viajam para outro lugar para treinar. Treinar em quadra fechada representa uma perda na preparação. E nós sempre contamos com muitos bons profissionais. Nossos técnicos seguem como referência no mundo. Exportamos técnicos mundo afora, hoje em dia. Também contribui o fato de a gente desfrutar há muitos anos de um circuito nacional de vôlei de praia. Isso faz com que a gente jogue o ano inteiro, algo que os gringos não possuem. Lá fora, isso só acontece no verão. Mas é algo que está mudando. Os países de fora estão mais preparados, importando os nossos técnicos, o que faz com que eles entendam mais sobre a modalidade. Os atletas estão mais altos e fortes. Ou seja, é sinal de alerta.

Muita gente cita a sua maturidade, apesar dos 22 anos, como uma característica importante para a sua carreira.

Duda: Eu sempre fui muito apegada a minha família. Prezo muito por isso. Como comecei muito nova no vôlei, logo passei a enxergar a vida como uma pessoa adulta, que já viajava, tinha responsabilidades. Eu amadureci muito. Sinto, logicamente, falta da minha família. Também namoro à distância. E isso tudo, então, dificulta um pouco. Por mais que o Rio de Janeiro, onde moro e treino, seja lindo, sigo muito caseira. Como vim do interior, onde sempre ficava com a minha mãe dentro de casa, continuei assim. Hoje, de tardezinha, tirei um cochilo e pela primeira vez sonhei que eu estava jogando a Olimpíada. No sonho, eu entrava na quadra, era em Tóquio, e tinha público na arquibancada. Aleluia!

Qual é a grande qualidade da Ágatha, sua parceira?

Duda: Ela tem várias. Mas citarei o comprometimento, a dedicação e o foco.

 

Duda no Circuito Mundial de Vôlei de Praia, em Cancún. - Foto: Duda no Circuito Mundial de Vôlei de Praia, em Cancún, neste ano. - Foto:  Alejandro Gutiérrez Mora

Duda no Circuito Mundial de Vôlei de Praia, em Cancún. – Foto: Duda no Circuito Mundial de Vôlei de Praia, em Cancún, neste ano. – Foto: Alejandro Gutiérrez Mora

 

Você tem um projeto de vôlei em Paranaguá, no Paraná. Como surgiu a ideia?

Ágatha: Criei o projeto em 2008, é um centro de treinamento de esportes de areia. Nunca cobramos nada das crianças. Firmamos parcerias com o governo municipal e empresas da cidade. No começo, só ensinávamos vôlei de praia para crianças e adolescentes de 7 a 17 anos. Hoje, também ministramos treinamento funcional para adultos. A ideia, agora, é envolver a família inteira. Fazemos eventos durante o ano inteiro, pensando, principalmente, no que é importante para o crescimento das crianças, como levá-las ao cinema. Mais de 8 mil crianças e adolescentes já passaram por lá.

Onde você exibiria uma possível medalha olímpica?

Duda: Como moro de aluguel no Rio de Janeiro, queria ter um espaço em uma propriedade minha para exibir a medalha, seja qual for. Hoje, deixo com o meu pai, que guarda todos os meus prêmios no meu quarto, em Sergipe.

Onde está a sua medalha de prata olímpica? Como lida com a possibilidade real de ganhar o ouro dessa vez?

Ágatha: A prata está emoldurada em um quadro e fica exposta na parede do escritório de casa. Antigamente, eu a guardava em uma caixinha dentro do armário por medo de perdê-la. Mas aí o meu marido insistiu para deixá-la exposta na parede. E concordei. O nosso time, hoje, tem expectativa grande para essa Olimpíada. Mas para conquistar uma medalha, temos de chegar lá no nosso melhor. Se vier o ouro – enfim, a cor que for –, a medalha de Tóquio ganhará um lugar, em casa, ao lado da prata dos Jogos do Rio de Janeiro.

 

Foto: Divulgação

Foto: Divulgação

O nadador Cesar Cielo segue rotina de treinos e inspira jovens na natação em projeto social

O nadador Cesar Cielo segue rotina de treinos e inspira jovens na natação em projeto social

Cesar Augusto Cielo Filho é um cidadão do mundo. De Santa Bárbara d’Oeste, no interior de São Paulo, onde nasceu, mudou-se para a capital paulista aos 16 anos para evoluir dentro do habitat que escolheu para vencer na vida: a piscina. Deu super certo. Ainda hoje, ele é o único da história da natação nacional a conquistar uma medalha de ouro olímpica, feito registrado nos Jogos de Pequim, em 2008. Na competição, o atleta venceu a prova dos 50m livres, a mais rápida da modalidade, ao atravessar a piscina depois de 34 braçadas sem respirar, em 20s30 – recorde olímpico até hoje. Antes dessa conquista, Cielo viveu em Auburn, no estado norte-americano do Alabama, onde passou a estudar e refinar a sua técnica nas raias.

Hoje, aos 34 anos, Cesão, como é chamado por amigos principalmente do interior, trocou São Paulo por Itajaí. Na cidade catarinense, ele segue treinando – as competições estão suspensas por causa da pandemia – como atleta da equipe Nadar/Marcílio Dias. E ainda não decidiu se irá tentar o índice para representar o Brasil nos Jogos de Tóquio, neste ano. Dono de outras duas medalhas de bronze, uma em Pequim-2008 e outra Londres-2012, ele não abandonou o esporte de alto rendimento, mas seu foco, atualmente, é no terceiro setor e no desenvolvimento da natação brasileira.

Há onze anos à frente do instituto Cesar Cielo, ele estimula, por meio do projeto Novos Cielos, a natação entre crianças e adolescentes.

Casado com a modelo Kelly Gisch e pai de Thomas, 5 anos, fala a seguir das suas apostas para a Olimpíada de Tóquio, assume não estar pronto para se aposentar do esporte e confessa não ter apego às medalhas conquistadas.

 

Cesar Cielo - Foto Guto Gonçalves

Cesar Cielo – Foto Guto Gonçalves

 

Não faz muito tempo que você, a sua esposa Kelly e o filho Thomas se mudaram para Santa Catarina. Como foi?
Estamos vivendo em Itajaí há pouco mais de um ano. Vir para cá foi uma das melhores coisas que fiz. Vejo Itajaí como enxergava as cidades norte-americanas. É um lugar pequeno, mas tem tudo. Não há McDonald’s a cada esquina, mas tem uma franquia aqui, além de restaurantes mais sofisticados. E posso levar o meu filho a pé para o colégio, que fica a uma quadra de casa. Nada demora mais do que dez minutos. A gente ganhou tempo para curtir mais a vida. Estou a dez minutos de Balneário Camboriú e moro a cinco minutos da Praia Brava, em um apartamento de frente para o Porto. A geografia nos ajudou a vir para cá. O aeroporto daqui é bom. Estamos a cinquenta minutos de Joinville, que também possui aeroporto. E a um pouco mais de uma hora de Florianópolis, onde fica o aeroporto internacional. Enfim, o custo e a qualidade de vida são melhores. E, pô, eu já morei no Alabama, né?

E como anda o seu trabalho em Itajaí?
Eu sou padrinho do maior projeto social de natação do país, o Nadar, que possui três unidades em Itajaí e uma em Navegantes. Nelas, mais de 4 mil crianças de um ano até jovens adultos já na fase do alto rendimento são atendidos gratuitamente. O Novos Cielos, idealizado pelo Instituto Cesar Cielo, é responsável pelo lado competitivo do Nadar que, ano passado, chegou a 5.600 usuários. Trata-se de um dos maiores projetos aquáticos do mundo. Há, ainda, hidroginástica para a terceira idade e natação para bebês, duas vezes por semana.

Paralelamente a isso, você tem treinado? Quando competiu pela última vez?
Sim, treino uma vez por dia. Eu represento o clube do time oficial da cidade, que é o Marcílio Dias, mas com o nome Projeto Nadar. A última competição foi em novembro de 2019. De resto, somente treino, porque os campeonatos foram cancelados. Logicamente, há uma perda de ritmo de competição. Acabei de fazer 34 anos, mas tenho a memória do que sempre fiz. O adiamento da Olimpíada de Tóquio, para a geração mais nova, foi muito bom, porque possibilitou mais um ano para ela amadurecer. Chegar com 20 anos e não com 19 anos nos Jogos Olímpicos faz muita diferença. A formação estrutural física é outra. Por outro lado, como não rolaram competições, não houve ganho de experiência. Já para os mais velhos, que não estão querendo treinar muito e tiveram de treinar mais um ano, é ruim. Mas, em um treino, eu consigo ter um feedback próximo do que eu alcançaria em uma competição. Vai ser interessante essa retomada das competições com a geração mais nova melhorando e a mais velha tentando se segurar com a experiência.

 

Foto Guto Gonçalves

Foto Guto Gonçalves

 

Por que a natação se tornou um esporte elitizado? Como reverter esse quadro?
A natação, hoje, virou um privilégio e não mais um direito. Nesse sentido, está cada vez mais próxima do tênis, no Brasil. Tudo é muito caro, difícil. O sistema clubístico restringe muito o acesso das pessoas à prática da natação no clube ao cobrar mensalidade dos sócios. Itajaí é vizinha de cidades ótimas e com poder aquisitivo, mas não há nenhuma equipe de natação. Se não houvesse o Projeto Nadar, que é social, gratuito, não teria onde treinar aqui na região. No Instituto, fiz questão de prever competições, porque é a partir delas que conseguimos bolsa em colégio e universidade para a garotada. Precisamos olhar para o esporte como uma ferramenta de ascensão social. E, antes de tudo, parar de falar que só o Brasil não tem estrutura. Temos piscinas em tudo quanto é canto, mas muitas estão abandonadas, com água verde, ociosas. Precisamos fazer uma gestão melhor ao invés de somente sair construindo piscinas. Lá nos Estados Unidos, cidadãos e entidades privadas se juntam para fazer acontecer. As pessoas pagam para nadar por hora sem precisar ser associadas a um clube e gastar com mensalidade, preso a uma estrutura. Para uma melhora rápida, seria o jeito mais dinâmico de se fazer.

O que faria o Cielo ir a mais uma Olimpíada?
Eu estou passando pelo momento mais difícil da minha carreira. E assim acontece porque é uma decisão minha. Em 2008 ou em outros ciclos mundiais, pelo contrário, eu tinha de encarar tudo, competir, honrar o incentivo que recebia da família e o tamanho que eu era. Eu seria muito burro se perdesse aquela oportunidade. Hoje, olho e penso que, se eu não encarar a Olimpíada, nada de mal irá acontecer. Eu tenho de ir se quiser fazer isso tudo de novo. E é uma decisão difícil para caramba. Tenho um lado competitivo ainda pulsando forte. Fico todo arrepiado, no sofá, quando assisto a uma competição. E, por outro lado, quando vou para a piscina, penso: o que tenho de ganhar agora para me servir de motivação? Olho para a minha trajetória e vejo que é muito difícil chegar aonde cheguei e sou muito agradecido. A minha ideia era ser medalhista olímpico e recordista dos 50m livres nem que fosse por uma série apenas. Eu só queria ser o nadador mais rápido do mundo por uma prova que fosse. Difícil encontrar o que me motiva, então, quando a escolha é consciente, como hoje. Não há mais aquela coisa inconsequente da juventude. Hoje, eu sei exatamente o que tenho de fazer. E esse é o problema (risos).

 

Cesar Cielo - Foto Divulgação

Cesar Cielo – Foto Divulgação

 

Quais são suas apostas na natação brasileira nos Jogos de Tóquio?
Pensando em pódio, creio que no 4 x 100 livre, no 4 x 200 livre masculinos e nos 50m livres o Bruno Fratus (carioca ouro nos Jogos Pan-Americanos de 2019) pode se destacar. Faz três campeonatos mundiais que o Bruno vem chegando entre os três primeiros. E, hoje, temos o melhor revezamento 4 x 100 medley da história, porque contamos com o melhor nadador de 100m costas e o de 100m peito da história, além de um dos melhores do 100m borboleta. Acho que os três revezamentos irão fazer a final olímpica. E o 4 x 100 e o 4 x 200 têm possibilidade de morder um bronze e, talvez, em um dia iluminado, uma prata.

Onde fica a sua medalha de ouro dos Jogos de Pequim, em 2008?
Está exposta no meu escritório. É a 1ª vez que faço isso em anos. Ela estava empoeirada lá em casa, em Santa Bárbara d’Oeste. Não tenho muito apego à medalha. Gosto de saber que está segura, bonitinha. Prefiro rever os vídeos das provas que fiz.

Quais suas recordações de Santa Bárbara?
O Sol mora em Santa Bárbara! A gente sempre morou próximo dos canaviais e convivia com as queimadas, com a fuligem que encobria a cidade. Interior é aconchego, é reencontrar amigos, marcar café na casa dos outros, combinar um churrasco. Churrasco é bom, porque no interior tem muita casa com piscina. Eu estudava em Americana e treinava em Piracicaba, onde morei por um tempo. Vivia, então, pegando estrada, trafegando pela rodovia Luiz de Queiroz. Em Santa Bárbara, eu gostava da tranquilidade de poder pegar a bicicleta e ir para o treino. Tenho ali amigos até hoje, a maioria da natação. Temos um grupo no WhatsApp – nele eu sou o Cesão e não o Cielo. E a cada dois meses, estou em Campinas. Até porque o voo de Navegantes para Viracopos é muito fácil de fazer. E o aeroporto está a vinte minutos da casa dos meus pais. Minha avó e minha tia moram até hoje em Souzas, ali do lado de Campinas. Ainda sou muito ligado a essa região.

 

Cesar Cielo - Foto Guto Gonçalves

Cesar Cielo – Foto Guto Gonçalves

 

Parece que você já perdeu o sotaque…
Quando cheguei a São Paulo fui muito zoado e dei uma amenizada no “erre” puxado que usava para falar porta e porteira (risos). Mas ele segue aqui dentro de mim.

O que o Cielo de 2021 não faz mais como o de 2008, ano do ouro, fazia?
Hoje entendo o que é um dia cansado. Em 2008, tinha dia que eu ia para a academia e não conseguia subir um peso. E ficava chateado, decepcionado comigo. Hoje, se vejo que o peso não sobe, não é porque não quero. Não uso mais aquela psicologia imbecil do “se você quer, você consegue”. Entendo que o corpo está cansado. Respeito muito mais a minha condição física, agora, do que antigamente, quando eu via isso como uma fraqueza. Entendo muito mais a equação estímulo somado a descanso gera rendimento. Tentar o índice para Tóquio está mais condicionado a eu olhar para mim e querer pagar esse preço do que o meu corpo aguentar o processo. A natação, hoje, é muito mais uma escolha minha do que o ambiente e o tempo dizendo que não dá mais para eu aguentar o tranco. Há atletas com 35, 36 anos, que estão voando na piscina. É a disciplina – e não o físico – que faz a diferença.

Você chegou a ficar nove meses sem competir, em 2017. Parecia o fim, mas não foi. Por quê?
Eu me senti pior longe da piscina. Sou um ser meio doido a ser estudado. A rotina solitária de treinos me fez falta. Eu entendi que as coisas na minha vida funcionam melhor quando estou dentro d’água. Em nove semanas de treinamento, depois da pausa, nadei os 50m livres em 21s07. A piscina faz bem para a minha cabeça, quando estou nadando a minha criatividade aflora, eu relaxo e penso melhor. Por exemplo, eu até encontro soluções para os problemas do meu instituto dando braçadas dentro d’água.

Você se sente preparado para uma possível despedida do esporte como competidor?
Não. Já pensei em despedida. Uma das coisas que mais me apavoram na carreira… parar de nadar 100%. Difícil colocar um ponto final em algo que se é bem sucedido na vida. Se dependesse da minha vontade, eu anunciaria a minha despedida escrevendo e assinando uma carta aqui de casa, sem evento nenhum. Mas também me pego pensando em algo maior nesse momento como forma de agradecer todo mundo que me ajudou nessa caminhada. Quero que os meus pais, pelo esforço que tiveram principalmente no começo, celebrem o que fizeram. O mesmo penso em relação a todos os meus treinadores, porque não é comum mencionarem os caras, a pessoa que me ensinou a nadar, no meu caso, o Reinaldo, de Piracicaba. Seria, então, um esforço coletivo para dar crédito às pessoas que me prepararam para essa super carreira. Por elas, porém, eu faria esse esforço.

 

Cesar Cielo com sua esposa Kelly Gisch e o filho Thomas - Foto arquivo pessoal

Cesar Cielo com sua esposa Kelly Gisch e o filho Thomas – Foto arquivo pessoal

 

As mil e uma formas de Marcelo D2

As mil e uma formas de Marcelo D2

MARCELO MALDONADO PEIXOTO, o D2, está com 53 anos, apesar de não aparentar. Este ano, casou-se com a produtora Luiza Machado, vinte anos mais jovem. É o seu quarto matrimônio. Pai de Stefan, 29, Lourdes, 20, Luca, 18, e Maria Joana, 16, avô de Giovana, 7, e Calki, de dois meses, o músico carioca que ganhou fama à frente do Planet Hemp agregou mais números à sua história. Depois de encarar 150 horas de lives em seu canal da plataforma Twitch, trocando ideias com duas dezenas de artistas e milhares de anônimos, ele lançou “Assim Tocam os Meus Tambores”, seu oitavo trabalho solo. Gestado de forma colaborativa, ao vivo, como nunca houve na história da indústria fonográfica nacional, o álbum multimídia veio ao mundo no fim de setembro. “Todos me influenciaram, apontando ideias”, diz o cantor.

Foi no estúdio de sua casa, ao lado da esposa, diretora executiva do projeto todo – que envolve também um filme no YouTube – que D2 se libertou de uma prostração inicial causada pela pandemia e que o fez odiar, em um primeiro momento, o Rio de Janeiro, onde nasceu e foi criado. Bastou, porém, começar a rimar e sentir o abraço virtual de quem o quer bem que tudo se desenrolou. “Comecei a fazer música e aí percebi que, na real, estava com raiva de certas pessoas da cidade”, diz ele, direcionando a fala principalmente à classe política.

A experiência deu tão certo que o músico e sua esposa já estão trabalhando em um segundo volume do álbum. Além dessa revelação, o carioca conta, na entrevista a seguir, como o samba o influencia e o leva à sua ancestralidade, e reflete sobre sua porção avô.

 

FOTO RONALDO LAND

 

Como foi a experiência de produzir o novo álbum por meio de lives a partir da participação de músicos e anônimos que acessavam o seu canal na Twitch?

Foi o (DJ) Zegon, do Tropikillaz, quem me chamou para fazer lives na Twitch, que eu não conhecia até então. Aí fui trocar uma ideia com o meu filho, Luca, quem me disse: “Pai, a Twitch é o futuro”. Ele me explicou como funcionava a coisa e foi avassalador. É um outro mundo, um universo de comunidade. Vivi algo parecido na época do My Space. Na Twitch, rola o sentimento de que todos estão fazendo algo juntos de verdade. Por isso o disco deu tão certo. Eu fiz um disco com mil, cinco mil pessoas, dentro de uma sala virtual. Todos me influenciaram, apontando ideias. Foi uma descoberta e muito confortável, porque eu estava
dentro do estúdio da minha casa e não me desloquei para outro fora dela. Eu tenho uma alma inquieta. A procura vale mais do que a batida perfeita e é isso que tem me movido. Levantar e procurar algo novo.

 

Quais foram os pitacos de anônimos que você mais se recorda durante o processo?

Eu não estava contente com a faixa “Malungoforte” e pensava em descartá-la. Aí uma garota, no chat, disse que a música era foda e outras pessoas insistiram que eu chamasse o Russo Passapusso, do BaianaSystem. Mandei o som para ele, que acabou encontrando a energia da música. Foi a galera quem o escolheu! E, olha só, essa é a música que está tocando nas rádios.

 

FOTO RONALDO LAND

 

O samba é muito presente em seu repertório. Qual é a memória afetiva mais marcante em relação ao ritmo?

Meus pais ouvindo samba no terreiro, em casa. Meu pai era contra música gravada. Achava que música tinha de ser ouvida ao vivo. Minha família é do candomblé e todo final de semana, então, havia os cantos do candomblé. Não tinha churrasco para pobre, porque a carne era cara. Era, então, feijoada, rabada, mulherada na cozinha e a rapaziada tocando, aquele cheiro de comida em meio aos vizinhos. Lembro de correr para lá e para cá com as crianças enquanto o pessoal tocava percussão. Isso permeou a minha infância. Quando eu tinha 10 anos, meu pai comprou um (aparelho de som) 3 x 1 e aí a gente ouvia muito João Nogueira. Meu pai o amava. Ouvi tanto João Nogueira que digo que sou filho bastardo dele. Também escutávamos um pouco de música americana, James Brown, Aretha Franklin. Mas, cara, a gente era uma família de subúrbio e a música, também. Então, era samba, samba rock do Bebeto, Jorge Ben. Eu tenho orgulho de ser suburbano. Isso é importante demais para o quanto eu amo a minha história, a cidade de onde eu vim.

 

O que o samba entrega ao som que você faz?

A minha ancestralidade. Quando eu sambo dentro de mim, são os meus ancestrais, a história da minha vida se manifestando. Meus parentes têm uma história muito obscura. A minha avó materna veio do Maranhão trazida por uma família da zona sul do Rio com a promessa que estudaria aqui. Chegou com 13 anos e virou empregada doméstica e se casou com o meu avô, um cara super violento, malandrão. O samba traz esse lugar, cutuca essas coisas obscuras. Nesse disco, eu fui deixando ser levado. No próximo, irei atrás da ancestralidade, do meu Cacique de Ramos, do Jongo da Serrinha, Maracatu, Tambor de Crioula do Maranhão.

 

FOTO ALEX CARVALHO

 

Você se criou no Andaraí e em Madureira. Mais tarde, mudou-se para a zona oeste. Que Rio de Janeiro é esse, hoje, que você enxerga?

Eu comecei a quarentena odiando a cidade do (prefeito Marcelo) Crivella. No Rio de Janeiro, existe um certo apartheid: do túnel para cá e do túnel para lá. Nesse sentido, é uma cidade meio suja, pesada, saquaé? Eu estava com raiva da cidade. Aí comecei a fazer música e percebi que, na real, estava com raiva de certas pessoas. Eu sou do Rio de Janeiro do Zeca Pagodinho e não do Bolsonaro. Sou do Rio de Janeiro do Paulinho da Viola. Do Luiz Antonio Simas. Da Teresa Cristina. Sou desse Rio de Janeiro. O Rio tinha uma coisa tão legal, da malandragem no bom sentido, do saber viver com pouco. O espírito carioca vem se perdendo.

 

Você já disse que pessoas sensíveis sofrem mais com a pandemia, o isolamento. Poderia explica melhor?

A Maria Joana, minha filha de 16 anos, fica tocada com tudo que acontece no mundo. Esse momento abala, mexe com ela, machuca. Eu sou um cara sensível e descarrego tudo na arte. É a minha maneira de balancear tudo e não sofrer tanto. Quando faço uma música, um filme, clipe, me livro um pouco das minhas frustações. Eu estava envolvido com o disco do Planet Hemp, que é crítica social, e ia a fundo nesse problema. E cair na realidade onde o país se encontra, na mão de milicianos, dessa galera que representa o que há de pior no ser humano, fez eu pensar que deveria sair do Brasil. Há muitos anos, tenho vontade de morar na California. Sempre que inicio um movimento de ir para lá, algo faz eu permanecer aqui. Ainda é difícil entender como o Brasil entrou nesse estágio. O que fez o país acreditar em um plano perverso? É falta de valores.

 

FOTO ALEX CARVALHO

 

Como a arte tem resistido em meio à pandemia?

Curioso que o meu empresário, um dia, me disse que um governo como o nosso seria melhor para mim, argumentando que eu criaria coisa para caralho, sairia do conforto e iria para a batalha. E foi exatamente o que aconteceu. Em um primeiro momento, eu não entendi que o combate era por meio da arte. Porque o que esse tipo de política quer é levar o embate quase para o lado físico, igualar lá embaixo. Não existe ciência, cultura, intelecto nenhum (para o Governo Federal). E o papel da arte é, ao contrário, fugir desse baixo nível. Uma sociedade sem intelecto não é vida, transforma todos em zumbis. Olhando para trás – hoje, é mais fácil perceber –, eu estava há mais de um ano em um processo de briga, luta, raiva, contra esse governo. Ele representa tudo o que eu venho lutando contra no Rio de Janeiro, há vinte e cinco anos: políticos milicianos que constroem um clã familiar. Quando chegou a pandemia, eu comecei a entrar em pânico, porque o país estava pegando fogo e eu, preso dentro de casa. Até que chegou esse convite da Twitch para fazer lives. Isso me tirou daquele lugar e me colocou em outro, criativo. Aí surgiu a ideia do álbum, a cereja do bolo, para me resgatar daquele lugar de ódio e raiva e me transportar para o da empatia e do amor, que é onde me encontro.

 

Você escreveu e dirigiu a produção de “Assim Tocam os Meus Tambores”, inclusive o média-metragem, filmado em preto e branco, que acompanha o álbum. Quando essas outras facetas, além de rapper, passaram a se manifestar?

Eu sou oriundo do hip-hop, punk rock e skate. A cultura do do it yourself do punk rock é muito forte. E o hip hop é amparado em quatro elementos, a dança, o DJ (trilha sonora), o MC, que é a verbalização de tudo, e o grafite, que é o visual. Quando eu mergulhei na cultura hip-hop, abriu-se uma porta e vi que tudo era possível. Eu podia usar Picasso e Monet e transformá-los em uma arte minha, uma arte de apropriação. Como o Marcel Duchamp, que pegou um mictório e o expôs em uma galeria. No hip-hop, eu posso lançar mão de uma entrevista e transformá-la em um rap. Ou seja, a coisa sempre foi muito mais do que cantar rap para mim e não tem mais volta. Eu abri uma produtora coma Luiza, a Pupila Dilatada, e estamos embrenhados nisso. Já tinha feito um filme do álbum “Amar é para os fortes” (2018), que irá virar uma série comigo na direção. E, agora, tem esse do Assim Tocam os Meus Tambores, em PB. A minha filha, Maria Joana, deu a melhor definição de preto e branco. Ela diz que gosta de PB “porque a gente imagina as cores”. Eu não sabia, mas era isso que eu queria para o filme.

 

FOTO WILMORE OLIVEIRA

 

Muita gente acha que se casar, hoje, é caretice. Você está no quarto matrimônio. Por que essa é a sua opção?

Terceiro! Peraí, terceiro? Não, quarto, perdi uma no caminho (risos). Casar tem muito a ver com a vontade e disposição de fazer outra pessoa feliz. Eu sou muito egocêntrico. Dividir a vida com alguém me ajuda muito a confrontar o meu lado egoísta. E a compartilhar, dizer que amo a pessoa com quem, então, irei dividir as coisas. E sou um sonhador, cara. Como diz o Raul Seixas, “quando você sonha sozinho, é só um sonho; quando sonhamos a dois, é a realidade”. Sonhar a dois é transformar tudo em realidade. Eu sou um cara romântico e apaixonado. Por tudo. Pela vida. Pela música. Pela minha mulher. Pelos filhos. Hoje, chamei a minha mulher para a gente tomar café em um lugarzinho aqui perto que a amamos. E isso, cara, é muito maneiro! Dividir a vida com alguém, ter alguém para dividir os sonhos é muito importante.

 

O que você aprende na condição de avô?

Quando os netos nascem – eu tenho dois agora – a gente não tem essa responsabilidade de criar. Só precisa amar! E isso é muito bom. Muita gente encontra isso em uma relação com os pets. Pessoa que tem amor por cachorro, cavalo, gato, que não precisam me dar nada. E com neto é meio parecido no sentido que você só quer amar aquela pessoinha. E tem o legado também. Quando vejo o meu filho sendo um bom pai, é o meu legado, é o que eu sou, o que eu fiz nessa vida. Minhas sementinhas estão em outras hortas.

 

Marcelo D2 com a esposa, Luiza Machado; e a equipe Cochi Guimarães, Cauã Csi, Maria Trinidad Godoy, Luca Peixoto (filho), Marina Frejat, Ronaldo Land, Luan Maldonado

 

Walcyr Carrasco, autor do interior paulista, escreve continuação de Verdades Secretas

Walcyr Carrasco, autor do interior paulista, escreve continuação de Verdades Secretas

Se tudo desse errado na carreira como escritor e autor de novela, Walcyr Carrasco não passaria fome. Colecionador de sucessos como, só para citar quatro, “Êta Mundo Bom!”, do horário das 18h, “Caras e Bocas”, das 19h, “A Dona do Pedaço”, das 21h e “Verdades Secretas”, das 23h, todas exibidas na TV Globo, o filho de um ferroviário e de uma comerciante nascido em Bernardino de Campos, no interior paulista, costuma comprar imóveis, reformá-los e revendê-los. Não à toa, entre os mais chegados, é famoso por mudar de endereço com frequência. “Troco muito de casa de olho em negócios. Estou nessa aqui há dois anos e meio”, diz ele, que mora na Granja Viana, na Grande São Paulo.

Hoje com 68 anos, Walcyr – que viveu, em Marília, entre os 3 e 15 – está escrevendo a continuação de “Verdades Secretas”, que conquistou, em 2016, o Emmy Internacional, o Oscar da TV, além do troféu da Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA), como melhor novela. Trabalha sempre noite adentro. Notívago, começa a escrever às 20h e termina lá pelas 4h da manhã. No papo feito por telefone com a reportagem da 29HORAS, o autor de novelas revela outras particularidades de sua vida entre quatro paredes durante a pandemia, como cuidar de uma horta de temperos.

 

Foto Globo Estevam Avelar

 

Você tem fama de ser uma pessoa que gosta de mudar de casa, não é?

Sigo com essa fama. Troco muito de casa de olho em negócios. Eu costumo comprar um imóvel, reformá-lo e depois o passo para frente.

O que curte mais: casa ou apartamento?

É um charme a mais morar em casa. Você pode ter e cuidar de um jardim, por exemplo. Costumo ter muita planta. Na Granja Viana, os terrenos são bem grandes e há muito verde. Moro aqui há dois anos e meio. Tenho uma biblioteca grande porque sou compulsivo por comprar livros. Ler é o meu grande prazer. Hoje, devo ter muito mais de 10 mil títulos espalhados pela biblioteca. E casa é bom porque sempre dá para quebrar uma parede e dar um jeito de ampliar um espaço.

Foto Globo | Estevam Avellar

Como é a sua rotina de trabalho dentro de casa?

Sou notívago e o meu esquema é trabalhar de noite, invadindo a madrugada. Começo a escrever às 20h e vou até às 4h. Durmo e acordo lá pelo meio-dia, uma da tarde. Aí tenho uma academia aqui em casa, onde me exercito. E cuido de uma horta de temperos. Se está chovendo, fico na esteira da academia e leio bastante.

Como está o trabalho para a continuação de “Verdades Secretas”, sucesso em 2015, e que deve retornar com novos capítulos, em 2021?

Eu estou escrevendo. Não tenho a menor ideia de datas de gravação e lançamento. A Globo irá definir. O meu trabalho como escritor já tem como rotina não comparecer à emissora. Trabalho em casa. Com a pandemia, não vou à Globo há muito tempo. Não estou por dentro do que ocorre na rádio-corredor, do disse me disse, entende? Não estou vivendo isso.

“Verdades Secretas” marca uma guinada na sua trajetória como autor de novela?

Foi muito importante porque eu me desafiei enquanto autor, criando personagens e tramas realistas muito fortes. Eu já estava em busca desse processo e aí aconteceu em “Verdades Secretas”. Eu precisava me desafiar. E, então, me desafiei. Abracei uma história e ela fez com que eu saísse de um lugar e fosse além, muito além de onde costumo chegar. Isso é muito bom. Não costumo racionalizar o processo criativo. Ele foi acontecendo. É a postura que sempre mantenho em entrevistas: processo criativo não tem como ser racionalizado. Ele vai acontecendo e eu tenho a oportunidade de expressá-lo na Globo. E é maravilhoso isso.

 

Walcyr Carrasco com Pedro Bial e o ator Guilherme Leicam, no programa “Conversa com Bial” – Foto Globo | Reinaldo Marques

O que irá acontecer com cenas que envolvem contato? Por exemplo, como será uma cena de beijo?

Aí é que tá: não tenho a maior ideia. Primeiramente, não sei quanto tempo irá durar essa pandemia. Está surgindo uma vacina e, a partir dela, os protocolos irão mudar. Estou em um projeto que ainda não está sendo gravado. Convivo com esse dia a dia de pandemia no trabalho em si. Sei que outros autores têm de adaptar cenas por causa da pandemia. Não é o meu caso, por enquanto. Eu, agora, estou criando. Vamos ver o que acontece com a pandemia. É um cenário escuro, mas sei que irei seguir os protocolos.

Você é telespectador de novela? Viu alguma dessas reprises?

Assisti uma minha, “Êta Mundo Bom!” (cuja reprise em Vale a Pena Ver de Novo se encerrou, mês passado, com 22 pontos de audiência média, um sucesso para o horário). Gostei muito, fiquei bem contente. Em algumas cenas, ficava pensando: “Será que sou capaz ainda de escrever bem desse jeito?”. A gente se surpreende com o que a gente fez, anos atrás. Espanta-se: “Como pude fazer aquilo?”. E me admirava com o resultado dos atores, da direção. Na época da primeira exibição, a gente não tem condição de avaliar, porque estamos escrevendo ainda.

O autor com Marcos Palmeira – Foto Globo | Paulo Belote

O humor é um traço marcante dos seus roteiros…

Eu sou uma pessoa bem humorada. Só isso. Eu sou assim por natureza. Encaro a vida com bom humor. E as minhas obras também. Cada pessoa escreve aquilo que ela é. É simples assim: se sou bem humorado, irei escrever desse jeito. Agora, tem uma cultura de comédia que fui buscar para fazer “Eta Mundo Bom!”. Fui buscar o Amácio Mazzaropi (1912 – 1981). Nele, sim, me inspirei. Compramos os direitos do “Candinho”, um filme dele. O crédito dele está na novela. Assistia Mazzaropi, quando criança. A minha família era bem humorada.

Quais ingredientes fazem de uma novela um sucesso?

Não acho que exista uma receita. Mas um ato de criatividade que envolve autor, atores, diretor, figurinista… Acredito em um momento no qual a história é contada que pode ser consonante com o que acontece na vida real. Há variantes, mas em receitinha eu não acredito.

Muitas de suas novelas colocam luz à uma rotina própria de interiores do Brasil. Elas dizem muito também sobre o pedaço de terra onde você se criou?

Nasci em Bernardino de Campos. Saí de lá com 3 anos para ser criado em Marília. Mas as cidades do interior das minhas novelas são mais crescidinhas. Eu não ficava de férias em sítio, por exemplo. Claro que eu ouvia o caipirês todo. Mas não é o mesmo das novelas. O gostoso do interior é ter o contato com as pessoas em geral. A gente consegue frequentar os locais a pé, cruza com as pessoas o tempo inteiro. Ou seja, você pertence à uma comunidade. Já na capital paulista, muitas vezes você fica isolado da comunidade, das pessoas. O aconchego é o que o interior tem de bom. A gente sabe que faz parte daquele lugar onde vive.

O cantor Luan Santana, a atriz Paola Oliveira, o apresentador Serginho Groisman e Walcyr Carrasco no programa “Altas Horas”, da TV Globo – Foto Globo | Fábio Rocha

 

Em qual fase da vida você passou a exercitar a escrita como profissão?

Com 11, 12 anos, eu tinha uma vizinha que me emprestava livros do Monteiro Lobato. E foi aí que adquiri paixão por escrever e já comecei a ter na cabeça que eu queria ser escritor. Eu amo muito o Lobato. Ano passado, lancei dois livros dele, “Reinações de Narizinho” e a “Reforma da Natureza”, nos quais adaptei passagens que tratavam de pessoas negras de modo depreciativo e substitui algumas palavras pouco usadas para uma linguagem mais atual, moderna. Monteiro Lobato quem fez com que eu tivesse esse impulso para escrever. E a minha mãe passou a ler por minha causa. Aí ela dizia que eu me tornei outra pessoa depois de Lobato; que eu fiquei questionador como a boneca Emília.

Quais outras funções você desempenhou antes de viver como escritor?

Quando a minha família mudou para São Paulo, vendi livros de porta em porta. Eu tinha 15 anos. Também fiz pesquisas de mercado e trabalhei na Editora Brasiliense. Era uma forma de ajudar a família, para que meus pais não tivessem despesa comigo. Aí viajei para os Estados Unidos, onde lavei prato, fui garçom, dei aulas de português. Fiquei quase dois anos por lá. Me diverti, tinha muitos amigos e fui hippie, no sentido de viver de coisas pequenas e não dar muita importância a bens materiais. Enfim, essa experiência fez com que eu me tornasse uma pessoa muito objetiva, algo comum aos americanos. Sou muito franco, reto. Até demais, eu penso às vezes.

O que guarda na memória de sua fase como jornalista?

O jornalismo me ensinou bastante. Hoje, não escrevo algo sem antes fazer uma pesquisa, por exemplo. Então, para escrever “Verdades Secretas”, eu entrevistei bookers e modelos a fim de entender melhor aquele mundo da moda. Eu sempre faço a pesquisa jornalística. O jornalismo me ensinou a ser consistente naquilo que escrevo. Essa é uma herança muito boa que carrego.

E como foi trabalhar com o Silvio Santos, sagitariano como você?

O Silvio Santos é uma pessoa sensacional. Tem uma inteligência incrível, esperteza, sabedoria. Foi muito interessante trabalhar com ele. Sobre o nosso signo, gosto muito do símbolo de sagitário: os pés na terra e a cabeça voltada para o céu. Silvio Santos é uma figura ímpar, uma personalidade.