O nadador Cesar Cielo segue rotina de treinos e inspira jovens na natação em projeto social

por | mar 1, 2021 | Entrevista, Pessoas | 0 Comentários

Cesar Augusto Cielo Filho é um cidadão do mundo. De Santa Bárbara d’Oeste, no interior de São Paulo, onde nasceu, mudou-se para a capital paulista aos 16 anos para evoluir dentro do habitat que escolheu para vencer na vida: a piscina. Deu super certo. Ainda hoje, ele é o único da história da natação nacional a conquistar uma medalha de ouro olímpica, feito registrado nos Jogos de Pequim, em 2008. Na competição, o atleta venceu a prova dos 50m livres, a mais rápida da modalidade, ao atravessar a piscina depois de 34 braçadas sem respirar, em 20s30 – recorde olímpico até hoje. Antes dessa conquista, Cielo viveu em Auburn, no estado norte-americano do Alabama, onde passou a estudar e refinar a sua técnica nas raias.

Hoje, aos 34 anos, Cesão, como é chamado por amigos principalmente do interior, trocou São Paulo por Itajaí. Na cidade catarinense, ele segue treinando – as competições estão suspensas por causa da pandemia – como atleta da equipe Nadar/Marcílio Dias. E ainda não decidiu se irá tentar o índice para representar o Brasil nos Jogos de Tóquio, neste ano. Dono de outras duas medalhas de bronze, uma em Pequim-2008 e outra Londres-2012, ele não abandonou o esporte de alto rendimento, mas seu foco, atualmente, é no terceiro setor e no desenvolvimento da natação brasileira.

Há onze anos à frente do instituto Cesar Cielo, ele estimula, por meio do projeto Novos Cielos, a natação entre crianças e adolescentes.

Casado com a modelo Kelly Gisch e pai de Thomas, 5 anos, fala a seguir das suas apostas para a Olimpíada de Tóquio, assume não estar pronto para se aposentar do esporte e confessa não ter apego às medalhas conquistadas.

 

Cesar Cielo - Foto Guto Gonçalves

Cesar Cielo – Foto Guto Gonçalves

 

Não faz muito tempo que você, a sua esposa Kelly e o filho Thomas se mudaram para Santa Catarina. Como foi?
Estamos vivendo em Itajaí há pouco mais de um ano. Vir para cá foi uma das melhores coisas que fiz. Vejo Itajaí como enxergava as cidades norte-americanas. É um lugar pequeno, mas tem tudo. Não há McDonald’s a cada esquina, mas tem uma franquia aqui, além de restaurantes mais sofisticados. E posso levar o meu filho a pé para o colégio, que fica a uma quadra de casa. Nada demora mais do que dez minutos. A gente ganhou tempo para curtir mais a vida. Estou a dez minutos de Balneário Camboriú e moro a cinco minutos da Praia Brava, em um apartamento de frente para o Porto. A geografia nos ajudou a vir para cá. O aeroporto daqui é bom. Estamos a cinquenta minutos de Joinville, que também possui aeroporto. E a um pouco mais de uma hora de Florianópolis, onde fica o aeroporto internacional. Enfim, o custo e a qualidade de vida são melhores. E, pô, eu já morei no Alabama, né?

E como anda o seu trabalho em Itajaí?
Eu sou padrinho do maior projeto social de natação do país, o Nadar, que possui três unidades em Itajaí e uma em Navegantes. Nelas, mais de 4 mil crianças de um ano até jovens adultos já na fase do alto rendimento são atendidos gratuitamente. O Novos Cielos, idealizado pelo Instituto Cesar Cielo, é responsável pelo lado competitivo do Nadar que, ano passado, chegou a 5.600 usuários. Trata-se de um dos maiores projetos aquáticos do mundo. Há, ainda, hidroginástica para a terceira idade e natação para bebês, duas vezes por semana.

Paralelamente a isso, você tem treinado? Quando competiu pela última vez?
Sim, treino uma vez por dia. Eu represento o clube do time oficial da cidade, que é o Marcílio Dias, mas com o nome Projeto Nadar. A última competição foi em novembro de 2019. De resto, somente treino, porque os campeonatos foram cancelados. Logicamente, há uma perda de ritmo de competição. Acabei de fazer 34 anos, mas tenho a memória do que sempre fiz. O adiamento da Olimpíada de Tóquio, para a geração mais nova, foi muito bom, porque possibilitou mais um ano para ela amadurecer. Chegar com 20 anos e não com 19 anos nos Jogos Olímpicos faz muita diferença. A formação estrutural física é outra. Por outro lado, como não rolaram competições, não houve ganho de experiência. Já para os mais velhos, que não estão querendo treinar muito e tiveram de treinar mais um ano, é ruim. Mas, em um treino, eu consigo ter um feedback próximo do que eu alcançaria em uma competição. Vai ser interessante essa retomada das competições com a geração mais nova melhorando e a mais velha tentando se segurar com a experiência.

 

Foto Guto Gonçalves

Foto Guto Gonçalves

 

Por que a natação se tornou um esporte elitizado? Como reverter esse quadro?
A natação, hoje, virou um privilégio e não mais um direito. Nesse sentido, está cada vez mais próxima do tênis, no Brasil. Tudo é muito caro, difícil. O sistema clubístico restringe muito o acesso das pessoas à prática da natação no clube ao cobrar mensalidade dos sócios. Itajaí é vizinha de cidades ótimas e com poder aquisitivo, mas não há nenhuma equipe de natação. Se não houvesse o Projeto Nadar, que é social, gratuito, não teria onde treinar aqui na região. No Instituto, fiz questão de prever competições, porque é a partir delas que conseguimos bolsa em colégio e universidade para a garotada. Precisamos olhar para o esporte como uma ferramenta de ascensão social. E, antes de tudo, parar de falar que só o Brasil não tem estrutura. Temos piscinas em tudo quanto é canto, mas muitas estão abandonadas, com água verde, ociosas. Precisamos fazer uma gestão melhor ao invés de somente sair construindo piscinas. Lá nos Estados Unidos, cidadãos e entidades privadas se juntam para fazer acontecer. As pessoas pagam para nadar por hora sem precisar ser associadas a um clube e gastar com mensalidade, preso a uma estrutura. Para uma melhora rápida, seria o jeito mais dinâmico de se fazer.

O que faria o Cielo ir a mais uma Olimpíada?
Eu estou passando pelo momento mais difícil da minha carreira. E assim acontece porque é uma decisão minha. Em 2008 ou em outros ciclos mundiais, pelo contrário, eu tinha de encarar tudo, competir, honrar o incentivo que recebia da família e o tamanho que eu era. Eu seria muito burro se perdesse aquela oportunidade. Hoje, olho e penso que, se eu não encarar a Olimpíada, nada de mal irá acontecer. Eu tenho de ir se quiser fazer isso tudo de novo. E é uma decisão difícil para caramba. Tenho um lado competitivo ainda pulsando forte. Fico todo arrepiado, no sofá, quando assisto a uma competição. E, por outro lado, quando vou para a piscina, penso: o que tenho de ganhar agora para me servir de motivação? Olho para a minha trajetória e vejo que é muito difícil chegar aonde cheguei e sou muito agradecido. A minha ideia era ser medalhista olímpico e recordista dos 50m livres nem que fosse por uma série apenas. Eu só queria ser o nadador mais rápido do mundo por uma prova que fosse. Difícil encontrar o que me motiva, então, quando a escolha é consciente, como hoje. Não há mais aquela coisa inconsequente da juventude. Hoje, eu sei exatamente o que tenho de fazer. E esse é o problema (risos).

 

Cesar Cielo - Foto Divulgação

Cesar Cielo – Foto Divulgação

 

Quais são suas apostas na natação brasileira nos Jogos de Tóquio?
Pensando em pódio, creio que no 4 x 100 livre, no 4 x 200 livre masculinos e nos 50m livres o Bruno Fratus (carioca ouro nos Jogos Pan-Americanos de 2019) pode se destacar. Faz três campeonatos mundiais que o Bruno vem chegando entre os três primeiros. E, hoje, temos o melhor revezamento 4 x 100 medley da história, porque contamos com o melhor nadador de 100m costas e o de 100m peito da história, além de um dos melhores do 100m borboleta. Acho que os três revezamentos irão fazer a final olímpica. E o 4 x 100 e o 4 x 200 têm possibilidade de morder um bronze e, talvez, em um dia iluminado, uma prata.

Onde fica a sua medalha de ouro dos Jogos de Pequim, em 2008?
Está exposta no meu escritório. É a 1ª vez que faço isso em anos. Ela estava empoeirada lá em casa, em Santa Bárbara d’Oeste. Não tenho muito apego à medalha. Gosto de saber que está segura, bonitinha. Prefiro rever os vídeos das provas que fiz.

Quais suas recordações de Santa Bárbara?
O Sol mora em Santa Bárbara! A gente sempre morou próximo dos canaviais e convivia com as queimadas, com a fuligem que encobria a cidade. Interior é aconchego, é reencontrar amigos, marcar café na casa dos outros, combinar um churrasco. Churrasco é bom, porque no interior tem muita casa com piscina. Eu estudava em Americana e treinava em Piracicaba, onde morei por um tempo. Vivia, então, pegando estrada, trafegando pela rodovia Luiz de Queiroz. Em Santa Bárbara, eu gostava da tranquilidade de poder pegar a bicicleta e ir para o treino. Tenho ali amigos até hoje, a maioria da natação. Temos um grupo no WhatsApp – nele eu sou o Cesão e não o Cielo. E a cada dois meses, estou em Campinas. Até porque o voo de Navegantes para Viracopos é muito fácil de fazer. E o aeroporto está a vinte minutos da casa dos meus pais. Minha avó e minha tia moram até hoje em Souzas, ali do lado de Campinas. Ainda sou muito ligado a essa região.

 

Cesar Cielo - Foto Guto Gonçalves

Cesar Cielo – Foto Guto Gonçalves

 

Parece que você já perdeu o sotaque…
Quando cheguei a São Paulo fui muito zoado e dei uma amenizada no “erre” puxado que usava para falar porta e porteira (risos). Mas ele segue aqui dentro de mim.

O que o Cielo de 2021 não faz mais como o de 2008, ano do ouro, fazia?
Hoje entendo o que é um dia cansado. Em 2008, tinha dia que eu ia para a academia e não conseguia subir um peso. E ficava chateado, decepcionado comigo. Hoje, se vejo que o peso não sobe, não é porque não quero. Não uso mais aquela psicologia imbecil do “se você quer, você consegue”. Entendo que o corpo está cansado. Respeito muito mais a minha condição física, agora, do que antigamente, quando eu via isso como uma fraqueza. Entendo muito mais a equação estímulo somado a descanso gera rendimento. Tentar o índice para Tóquio está mais condicionado a eu olhar para mim e querer pagar esse preço do que o meu corpo aguentar o processo. A natação, hoje, é muito mais uma escolha minha do que o ambiente e o tempo dizendo que não dá mais para eu aguentar o tranco. Há atletas com 35, 36 anos, que estão voando na piscina. É a disciplina – e não o físico – que faz a diferença.

Você chegou a ficar nove meses sem competir, em 2017. Parecia o fim, mas não foi. Por quê?
Eu me senti pior longe da piscina. Sou um ser meio doido a ser estudado. A rotina solitária de treinos me fez falta. Eu entendi que as coisas na minha vida funcionam melhor quando estou dentro d’água. Em nove semanas de treinamento, depois da pausa, nadei os 50m livres em 21s07. A piscina faz bem para a minha cabeça, quando estou nadando a minha criatividade aflora, eu relaxo e penso melhor. Por exemplo, eu até encontro soluções para os problemas do meu instituto dando braçadas dentro d’água.

Você se sente preparado para uma possível despedida do esporte como competidor?
Não. Já pensei em despedida. Uma das coisas que mais me apavoram na carreira… parar de nadar 100%. Difícil colocar um ponto final em algo que se é bem sucedido na vida. Se dependesse da minha vontade, eu anunciaria a minha despedida escrevendo e assinando uma carta aqui de casa, sem evento nenhum. Mas também me pego pensando em algo maior nesse momento como forma de agradecer todo mundo que me ajudou nessa caminhada. Quero que os meus pais, pelo esforço que tiveram principalmente no começo, celebrem o que fizeram. O mesmo penso em relação a todos os meus treinadores, porque não é comum mencionarem os caras, a pessoa que me ensinou a nadar, no meu caso, o Reinaldo, de Piracicaba. Seria, então, um esforço coletivo para dar crédito às pessoas que me prepararam para essa super carreira. Por elas, porém, eu faria esse esforço.

 

Cesar Cielo com sua esposa Kelly Gisch e o filho Thomas - Foto arquivo pessoal

Cesar Cielo com sua esposa Kelly Gisch e o filho Thomas – Foto arquivo pessoal

 

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