Três cervejarias artesanais de Campinas se unem por uma boa causa

Três cervejarias artesanais de Campinas se unem por uma boa causa

Do hobby de produzir cervejas entre amigos, nasceram três cervejarias no bairro tradicional dos universitários de Campinas, o Barão Geraldo. Durante a pandemia, Tábuas, Garimpero e Confra da Mantiqueira decidiram se unir por uma causa maior e produzir um rótulo em conjunto, a Ciclo Básico, em prol do Hospital das Clínicas da Unicamp.

 

Cervejaria Tábuas

São despojadas as características da Cervejaria Tábuas, as dezenas de cadeiras de praia e mesas de carretel de madeira são disputadas aos finais de tardes e noites de quinta a domingo. Na casinha ao fundo, são servidas entre oito e dez tipos de cervejas, todas produzidas pela casa, e rotativas, já que os cervejeiros Alexandre Montagnana e Guilherme Manganello sempre apresentam novas receitas. “Em outubro, lançamos mais quatro cervejas em comemoração aos quatro anos da cervejaria”, conta Alexandre.

Os amigos, que se conheceram no curso de Engenharia de Alimentos na Unicamp, começaram a se interessar por cervejas artesanais no final da graduação, e como já haviam estudado sobre o processo de produção na faculdade, decidiram aprimorar os testes e se especializaram na área. Após mais de 300 receitas e com mais um sócio, Alexandre Ferreiro, inauguraram a Cervejaria Tábuas, em 2016.

Rua Teresa Zogbi Geraij Mokarzel, 33 – Barão Geraldo, Campinas

 

Cervejaria Garimpero

Juntos desde a infância, Erikson Hoff, Ícaro Sampaio, Filipe Falcão e Marcos Barros seguiram profissões diferentes, de Medicina à Engenharia. Mas há dois anos, unidos pela paixão por cerveja, decidiram abrir uma cervejaria no bairro onde cresceram, a Garimpero. Ícaro, mestre cervejeiro da casa, abandonou a vida de engenheiro civil para se especializar e dedicar totalmente ao antigo hobby. “Fazer as cervejas no local nos dá uma maior liberdade para experimentar novas receitas, produzir lotes pequenos, entender do que o público está gostando, e nos permite ter sempre o frescor da cerveja”, explica. São oito torneiras, uma dedicada para uma produção convidada da região, e as outras sete são criações da casa, que mudam a cada semana. Desde a abertura, já foram produzidos mais de 65 rótulos.

Av. Santa Isabel, 462 – Barão Geraldo, Campinas

 

Confra da Mantiqueira

Das serras de Córrego do Bom Jesus, em Minas Gerais, a 1500 metros de altitude, brotam as águas das cervejas da Confra da Mantiqueira, ou Confra, como é conhecida. Por ser uma nanocervejaria, com produção de 4 mil litros mensais, os amigos e mestres cervejeiros, Júlio Sartori e Daniel Simões, têm um controle maior sobre os processos de produção e qualidade das cervejas. Descendo a serra, no bairro de Barão Geraldo, em Campinas, a Confra vende suas mais de dez cervejas registradas, além das receitas comemorativas e das cervejarias ciganas que produzem em sua fábrica. Atualmente, com o distanciamento social, quem visita a casa é acomodado na praça em frente, com sombra e cerveja ainda mais que fresca.

Rua José Martins, 503 – Barão Geraldo, Campinas

 

Unindo ciclos

Em abril as similaridades uniram a Confra, a Garimpero e a Tábuas. As cervejarias decidiram lançar o rótulo Ciclo Básico, nome em homenagem ao campus que une diversos cursos da Unicamp e moradores do bairro. “Mesmo sendo vizinhos e concorrentes, sempre tivemos amizade. Com o fechamento dos bares, decidimos aproveitar o momento e produzir um rótulo em conjunto. Como estamos próximos à Unicamp, doamos parte da renda das vendas para o Hospital das Clínicas”, conta Ícaro. O primeiro lote da American Pale Ale com notas cítricas esgotou em apenas dois dias, agora está em seu segundo lote e pode ser comprada nos sites das marcas e apreciada nas cervejarias.

 

 

Pontos em São Paulo para apreciar bons e sofisticados coquetéis

Pontos em São Paulo para apreciar bons e sofisticados coquetéis

Uma coisa é querer tomar alguns coquetéis, outra é fazer desse momento uma experiência completa. É incrível como alguns hábitos foram afetados durante a pandemia. Para quem costuma beber socialmente, como no happy hour com os colegas ou em eventos, é claro que ficou complicado. Com o distanciamento das mesas e o uso obrigatório de máscara, mesmo agora que recuperamos parte da mobilidadeas paqueras e as afinidades espontâneas sofreram muito. 

Mas a boa notícia é que para quem aprecia toda a arte e sedução que o universo do bar e do drinque envolvem, ainda vivemos em uma das melhores cidades do mundo. E quando digo bar me refiro ao universo e à estética que compõe essa arte. Falo do layout da parede repleta de rótulos, da luz certa para valorizar tanto as garrafas como o bem estar do cliente, do balcão em si, do conforto dos bancos ou poltronas e da postura e sobriedade do profissional que está executando os drinques bem ali na nossa frente. É um show particular, uma performance.

São Paulo tem diversos lugares de extremo bom gosto e com profissionais reconhecidos internacionalmente. Eu cito aqui alguns que sempre me trouxeram a magia e o prazer que busco nessa viagem. Para uma experiência completa recomendo sentar-se no balcão, claro.

O Frank Bar, no lobby do Maksoud Plazza, traz um charme inerente a bares de hotel. É hoje comandado pelo elogiado Rafael Domingues, que traz entre outras criações o Autumn Leaves, à base de calvados (destilado de maçã da região da Normandia), vermute Carpano Clássico, rye whiskey (uísque de centeio) e bitter Angostura.

Drinque Frank Bar

 

Outro endereço espetacular é o Sub Astor na Vila Madalena. Fábio La Pietra já fez história por trás desse balcão. Ali me permito dizer apenas quais clássicos me agradam (tipo Negroni ou Dry Martini) e dou carta branca na espera de um híbrido deles. 

O Jean Ponce já levou muitos prêmios por aqui e pelo mundo afora e comanda o Guarita Bar, em Pinheiros. É imperdível, e não só pelos coquetéis de autor como pelo bolovo (bolinho frito com recheio de carne moída e gema de ovo caipira mole), que já foi eleito o melhor petisco da cidade várias vezes. Ali é possível tomar drinques como o Encorpado Cavaleiro, de rum envelhecido, cachaça Anísio Santiago, vermute, amaros e bitter de madeiras. Acredite: é muito diferente de tudo que você já tomou. Aliás, ele também é conhecido por fazer as melhores caipirinhas da cidade.

Drinques Guarita Bar

 

Por fim, gosto de um pequeno balcão na rua Pinheiros chamado Le Jazz Petitoriginalmente criado para atender a espera do Le Jazz e que acaba servindo de sala de espera deste e dos vários outros bistrôs que abriram no mesmo quarteirão. O balcão em formato de U tem apenas nove lugares, o bar é lindo com as paredes revestidas de posters de clássicos do jazz e os coquetéis definitivamente valem a visita. Sem contar a qualidade dos copos utilizados. Tudo de cristal austríaco ou de vidro alemão, aqueles bem pesados. O excelente bartender Danty Monteiro faz por merecer a fama do lugar e executa qualquer pedido com destreza. 

Balcão do Le Jazz Petit, em Pinheiros

 

Como o gosto etílico é muito pessoal, sugiro que não se apresse para fazer suas escolhas. E deixe o carro em casa… 

Até! 

Campanha brasileira denuncia o assédio sexual e moral no mercado publicitário

Campanha brasileira denuncia o assédio sexual e moral no mercado publicitário

Inspirado no #MeToo, movimento contra o assédio sexual lançado nos Estados Unidos em outubro de 2017, o mercado publicitário brasileiro iniciou uma mobilização contra esse tipo de crime muito comum em agências, empresas e, especialmente, em sets de filmagem. 

Neste ano, em parceria com o #MeTooBrasil, a Associação Brasileira da Produção de Obras Audiovisuais apresentou uma filmagem com relatos reais de assédio em forma de roteiros de filmes. 

Denominada “Corta!”, a campanha criada pela agência Leo Burnett Tailor Made reforça a necessidade de mudança de comportamento na indústria audiovisual com relação ao assédio sexual no trabalho. É apresentada como um pacto de conscientização contra o assédio na indústria do audiovisual e disponibiliza o #MeTooBrasil para denúncias e o atendimento as vítimas.  

Os filmes retratam situações de comportamentos abusivos que aconteceram em festas, eventos oficiais do mercado e até mesmo em um típico dia de trabalho dentro de um set de produção, com diretores, produtores, atores e profissionais do segmento. 

“Isso não é um roteiro. Isto é uma história real. Isto precisa ter fim. Corta!, um movimento contra o assédio na indústria do audiovisual”, prega a campanha da APRO.

No final de 2017, uma pesquisa promovida pelo Grupo de Planejamento havia revelado que 90%​ ​das​ ​mulheres​ ​e​ ​76%​ ​dos​ ​homens​​​ ​já​ havia sofrido​ ​assédio​ ​moral​ ​ou​ ​sexual​ ​no​ ​trabalho. Desse total, 51% das mulheres afirmaram terem sido vítimas de assédio sexual. 

O chamado GP levou o resultado desse levantamento para 65 agências de São Paulo, mostrando que o problema poderia afetar inclusive a produtividade da empresa.

É sintomático da natureza estruturante do abuso que os diretores, principal interface sênior com as equipes, tenham sido citados como assediadores por 63% do total da amostra. E não causa surpresa que o assédio sexual seja maior entre as mulheres, com uma em cada duas reportando já terem sofrido esse tipo de violência no ambiente de trabalho.

A hostilidade vivida nos ambientes de trabalho tem consequência na saúde dos profissionais, já que 62% das mulheres e 51% dos homens afirmam ter sofrido algum sintoma de saúde por causa de assédio moral.  

O movimento resultou em um engajamento das principais entidades do setor, representantes dos profissionais de mídia, criação, produtoras e até de anunciantes. Agências de propaganda anunciaram medidas práticas contra o assédio, como a implementação de códigos de conduta e canais independentes de denúncia. 

Cada vez mais conscientizado, o mercado publicitário dá um passo à frente para eliminar de seu convício quem prefere batizar o assédio com outros nomes e esconder seus atos criminosos. 

Você também pode entrar em contato com o #MeTooBrasil para fazer um desabafo de maneira anônima ou para realizar uma denúncia e receber apoio jurídico, psicológico, médico e socioassistencial. Acesse o site: metoobrasil.org.br/ajuda/

Walcyr Carrasco, autor do interior paulista, escreve continuação de Verdades Secretas

Walcyr Carrasco, autor do interior paulista, escreve continuação de Verdades Secretas

Se tudo desse errado na carreira como escritor e autor de novela, Walcyr Carrasco não passaria fome. Colecionador de sucessos como, só para citar quatro, “Êta Mundo Bom!”, do horário das 18h, “Caras e Bocas”, das 19h, “A Dona do Pedaço”, das 21h e “Verdades Secretas”, das 23h, todas exibidas na TV Globo, o filho de um ferroviário e de uma comerciante nascido em Bernardino de Campos, no interior paulista, costuma comprar imóveis, reformá-los e revendê-los. Não à toa, entre os mais chegados, é famoso por mudar de endereço com frequência. “Troco muito de casa de olho em negócios. Estou nessa aqui há dois anos e meio”, diz ele, que mora na Granja Viana, na Grande São Paulo.

Hoje com 68 anos, Walcyr – que viveu, em Marília, entre os 3 e 15 – está escrevendo a continuação de “Verdades Secretas”, que conquistou, em 2016, o Emmy Internacional, o Oscar da TV, além do troféu da Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA), como melhor novela. Trabalha sempre noite adentro. Notívago, começa a escrever às 20h e termina lá pelas 4h da manhã. No papo feito por telefone com a reportagem da 29HORAS, o autor de novelas revela outras particularidades de sua vida entre quatro paredes durante a pandemia, como cuidar de uma horta de temperos.

 

Foto Globo Estevam Avelar

 

Você tem fama de ser uma pessoa que gosta de mudar de casa, não é?

Sigo com essa fama. Troco muito de casa de olho em negócios. Eu costumo comprar um imóvel, reformá-lo e depois o passo para frente.

O que curte mais: casa ou apartamento?

É um charme a mais morar em casa. Você pode ter e cuidar de um jardim, por exemplo. Costumo ter muita planta. Na Granja Viana, os terrenos são bem grandes e há muito verde. Moro aqui há dois anos e meio. Tenho uma biblioteca grande porque sou compulsivo por comprar livros. Ler é o meu grande prazer. Hoje, devo ter muito mais de 10 mil títulos espalhados pela biblioteca. E casa é bom porque sempre dá para quebrar uma parede e dar um jeito de ampliar um espaço.

Foto Globo | Estevam Avellar

Como é a sua rotina de trabalho dentro de casa?

Sou notívago e o meu esquema é trabalhar de noite, invadindo a madrugada. Começo a escrever às 20h e vou até às 4h. Durmo e acordo lá pelo meio-dia, uma da tarde. Aí tenho uma academia aqui em casa, onde me exercito. E cuido de uma horta de temperos. Se está chovendo, fico na esteira da academia e leio bastante.

Como está o trabalho para a continuação de “Verdades Secretas”, sucesso em 2015, e que deve retornar com novos capítulos, em 2021?

Eu estou escrevendo. Não tenho a menor ideia de datas de gravação e lançamento. A Globo irá definir. O meu trabalho como escritor já tem como rotina não comparecer à emissora. Trabalho em casa. Com a pandemia, não vou à Globo há muito tempo. Não estou por dentro do que ocorre na rádio-corredor, do disse me disse, entende? Não estou vivendo isso.

“Verdades Secretas” marca uma guinada na sua trajetória como autor de novela?

Foi muito importante porque eu me desafiei enquanto autor, criando personagens e tramas realistas muito fortes. Eu já estava em busca desse processo e aí aconteceu em “Verdades Secretas”. Eu precisava me desafiar. E, então, me desafiei. Abracei uma história e ela fez com que eu saísse de um lugar e fosse além, muito além de onde costumo chegar. Isso é muito bom. Não costumo racionalizar o processo criativo. Ele foi acontecendo. É a postura que sempre mantenho em entrevistas: processo criativo não tem como ser racionalizado. Ele vai acontecendo e eu tenho a oportunidade de expressá-lo na Globo. E é maravilhoso isso.

 

Walcyr Carrasco com Pedro Bial e o ator Guilherme Leicam, no programa “Conversa com Bial” – Foto Globo | Reinaldo Marques

O que irá acontecer com cenas que envolvem contato? Por exemplo, como será uma cena de beijo?

Aí é que tá: não tenho a maior ideia. Primeiramente, não sei quanto tempo irá durar essa pandemia. Está surgindo uma vacina e, a partir dela, os protocolos irão mudar. Estou em um projeto que ainda não está sendo gravado. Convivo com esse dia a dia de pandemia no trabalho em si. Sei que outros autores têm de adaptar cenas por causa da pandemia. Não é o meu caso, por enquanto. Eu, agora, estou criando. Vamos ver o que acontece com a pandemia. É um cenário escuro, mas sei que irei seguir os protocolos.

Você é telespectador de novela? Viu alguma dessas reprises?

Assisti uma minha, “Êta Mundo Bom!” (cuja reprise em Vale a Pena Ver de Novo se encerrou, mês passado, com 22 pontos de audiência média, um sucesso para o horário). Gostei muito, fiquei bem contente. Em algumas cenas, ficava pensando: “Será que sou capaz ainda de escrever bem desse jeito?”. A gente se surpreende com o que a gente fez, anos atrás. Espanta-se: “Como pude fazer aquilo?”. E me admirava com o resultado dos atores, da direção. Na época da primeira exibição, a gente não tem condição de avaliar, porque estamos escrevendo ainda.

O autor com Marcos Palmeira – Foto Globo | Paulo Belote

O humor é um traço marcante dos seus roteiros…

Eu sou uma pessoa bem humorada. Só isso. Eu sou assim por natureza. Encaro a vida com bom humor. E as minhas obras também. Cada pessoa escreve aquilo que ela é. É simples assim: se sou bem humorado, irei escrever desse jeito. Agora, tem uma cultura de comédia que fui buscar para fazer “Eta Mundo Bom!”. Fui buscar o Amácio Mazzaropi (1912 – 1981). Nele, sim, me inspirei. Compramos os direitos do “Candinho”, um filme dele. O crédito dele está na novela. Assistia Mazzaropi, quando criança. A minha família era bem humorada.

Quais ingredientes fazem de uma novela um sucesso?

Não acho que exista uma receita. Mas um ato de criatividade que envolve autor, atores, diretor, figurinista… Acredito em um momento no qual a história é contada que pode ser consonante com o que acontece na vida real. Há variantes, mas em receitinha eu não acredito.

Muitas de suas novelas colocam luz à uma rotina própria de interiores do Brasil. Elas dizem muito também sobre o pedaço de terra onde você se criou?

Nasci em Bernardino de Campos. Saí de lá com 3 anos para ser criado em Marília. Mas as cidades do interior das minhas novelas são mais crescidinhas. Eu não ficava de férias em sítio, por exemplo. Claro que eu ouvia o caipirês todo. Mas não é o mesmo das novelas. O gostoso do interior é ter o contato com as pessoas em geral. A gente consegue frequentar os locais a pé, cruza com as pessoas o tempo inteiro. Ou seja, você pertence à uma comunidade. Já na capital paulista, muitas vezes você fica isolado da comunidade, das pessoas. O aconchego é o que o interior tem de bom. A gente sabe que faz parte daquele lugar onde vive.

O cantor Luan Santana, a atriz Paola Oliveira, o apresentador Serginho Groisman e Walcyr Carrasco no programa “Altas Horas”, da TV Globo – Foto Globo | Fábio Rocha

 

Em qual fase da vida você passou a exercitar a escrita como profissão?

Com 11, 12 anos, eu tinha uma vizinha que me emprestava livros do Monteiro Lobato. E foi aí que adquiri paixão por escrever e já comecei a ter na cabeça que eu queria ser escritor. Eu amo muito o Lobato. Ano passado, lancei dois livros dele, “Reinações de Narizinho” e a “Reforma da Natureza”, nos quais adaptei passagens que tratavam de pessoas negras de modo depreciativo e substitui algumas palavras pouco usadas para uma linguagem mais atual, moderna. Monteiro Lobato quem fez com que eu tivesse esse impulso para escrever. E a minha mãe passou a ler por minha causa. Aí ela dizia que eu me tornei outra pessoa depois de Lobato; que eu fiquei questionador como a boneca Emília.

Quais outras funções você desempenhou antes de viver como escritor?

Quando a minha família mudou para São Paulo, vendi livros de porta em porta. Eu tinha 15 anos. Também fiz pesquisas de mercado e trabalhei na Editora Brasiliense. Era uma forma de ajudar a família, para que meus pais não tivessem despesa comigo. Aí viajei para os Estados Unidos, onde lavei prato, fui garçom, dei aulas de português. Fiquei quase dois anos por lá. Me diverti, tinha muitos amigos e fui hippie, no sentido de viver de coisas pequenas e não dar muita importância a bens materiais. Enfim, essa experiência fez com que eu me tornasse uma pessoa muito objetiva, algo comum aos americanos. Sou muito franco, reto. Até demais, eu penso às vezes.

O que guarda na memória de sua fase como jornalista?

O jornalismo me ensinou bastante. Hoje, não escrevo algo sem antes fazer uma pesquisa, por exemplo. Então, para escrever “Verdades Secretas”, eu entrevistei bookers e modelos a fim de entender melhor aquele mundo da moda. Eu sempre faço a pesquisa jornalística. O jornalismo me ensinou a ser consistente naquilo que escrevo. Essa é uma herança muito boa que carrego.

E como foi trabalhar com o Silvio Santos, sagitariano como você?

O Silvio Santos é uma pessoa sensacional. Tem uma inteligência incrível, esperteza, sabedoria. Foi muito interessante trabalhar com ele. Sobre o nosso signo, gosto muito do símbolo de sagitário: os pés na terra e a cabeça voltada para o céu. Silvio Santos é uma figura ímpar, uma personalidade.

 

Adriana Calcanhotto lança disco sobre a vida pandêmica

Adriana Calcanhotto lança disco sobre a vida pandêmica

O mundo parou em março quando foi decretada a pandemia. E o tempo ganhou um novo sentido. Só que a arte subverte tempo e espaço. A nova experiência da vida pandêmica brotou no disco de Adriana Calcanhotto, “Só canções da quarentena” – um trabalho concebido, composto, registrado e lançado durante os longos meses de isolamento social no país. A cantora é uma das artistas brasileiras que mais (e melhor) deu forma às angústias, aos medos, aos desejos e às saudades provocados por esse período. Adriana é alguém que lembra a potência criativa e a resiliência do Brasil.

 

Foto Leo Aversa

 

O trabalho de composição foi diferente de tudo o que a cantora já havia feito. “Eu era levada pelo impulso das notícias, das emoções provocadas através das telas”, conta. E a disciplina foi a companheira de todo o novo processo criativo. “Acordava, fazia café, vinha para o estúdio aqui de casa e escrevia, era quase um surto”. Até o almoço, sempre tinha uma canção inédita. “Como se tivesse a missão de fazer pão todos os dias. Mas não sei fazer pães, só sei fazer canções”. Foi assim que no final de maio o disco estava pronto e foi lançado.

 

Foto Leo Aversa

 

“Só” foi concebido em 43 dias, entre 27 de março e 8 de maio, o álbum traz a ficha técnica até da hora da composição, é quase um diário, um caderno de anotações. “Meu cérebro estava preparado, antes da pandemia iria a Coimbra lecionar, costumo pedir esse ritmo intenso de composições aos alunos e fiquei com aquilo dentro de mim”, lembra.

Justamente por estar sozinha, Adriana buscou parcerias distantes. O disco teve a mão de pessoas de São Paulo, Rio de Janeiro, Belém, Salvador, Orlando e Tóquio. “Falar com quem está longe e fazer música assim é um jeito de trabalhar que uso há muito tempo, mesmo antes da quarentena, mas a sensação era de que todos estávamos ainda mais distantes”.

“Céu preto inteiro antes da uma
Ninguém na rua, nem mesmo a luz da lua
Eu e você no pensamento
Eu e você no batidão do peito”

Música “Ninguém na Rua”, abertura do álbum “Só”

 

Foto Leo Aversa

 

Ecos e poemas

Adriana Calcanhotto realmente não parou. Em outubro, lançou nas plataformas de streamings sua releitura de “Futuros Amantes”, de Chico Buarque. Na voz da cantora, a música ganha um tom teatral, e foi transformada em par de “Os Ilhéus”, canção do próprio repertório. É uma das trincas mais suntuosas do show da turnê do disco “Margem”, de 2019, que percorreu Brasil e Portugal também no ano passado.

As duas músicas discorrem sobre o tempo depois de nossa civilização, e apostam no amor e na virtude, e se encontraram no palco. O álbum “Margem” fala de amor, desamor e como tratamos nossos oceanos. A composição de Chico é de 1993, mas é muito atual e lançá-la agora carrega novo sentido. “Essa canção fala do ponto de vista do futuro, de como as civilizações são cíclicas, e indaga como estaremos, está muito na frente”. O CD e o DVD do show completo chegam ao público neste mês.

Sobre o cuidado com a vida, a humanidade ou falta dela, a música “Dois de junho” também carrega questionamentos. A música é dedicada ao menino Miguel Otávio, de 5 anos, que morreu após cair de um prédio de luxo na área central de Recife na data que dá título à música. Cantando, Adriana Calcanhotto relembra a trágica morte da criança, denuncia o racismo brasileiro e está disponível nas plataformas digitais.

A renda dos direitos autorais da composição foi revertida ao Instituto Menino Miguel, vinculado à Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE). “Essa canção entra no bloco de músicas da pandemia, não existiria se não estivéssemos vivendo esse momento, fecha o ciclo de composições dessa experiência”, reflete.

“No país negro e racista
No coração da América Latina
Na cidade do Recife
Terça-feira, dois de junho de 2020, 29 graus Celsius, céu claro
Sai pra trabalhar a empregada, mesmo no meio da pandemia
E, por isso, ela leva pela mão Miguel, 5 anos, nome de anjo
Miguel Otávio, primeiro e único
Trinta e cinco metros de voo do nono andar
Cinquenta e nove segundos antes de sua mãe voltar
O destino de Ícaro, o sangue de preto, as asas de ar”

Música “Dois de junho”

 

Foto Leo Aversa

Filha do sol

Os anos passam, Adriana se torna mais caseira. “Meu lugar preferido no Rio de Janeiro é minha casa, no meio do mato, nesse sentido a quarentena já era um pouco meu estilo de vida”, ri. A cantora é gaúcha, mas mora na cidade maravilhosa, ama o sol e, se depender dela, busca viver sempre no verão. “Meu ideal de vida é estar no calor!”

No Rio, sai pouco. Antes da pandemia, frequentava casas de amigos e casas de shows. “Sai menos ainda nesses tempos, no final de setembro me deparei com duas cidades, uma que respeita as regras sanitárias de distanciamento e outra que nem sequer usa máscara, fiquei impressionada e ainda mais isolada”.

A cantora traz o amor pelas artes de sua terra natal, lugar onde conheceu artistas que a marcaram. “Em Porto Alegre, cada esquina tem uma memória, eu amo a Fundação Iberê Camargo, nos tornamos amigos, ele abriu uma verdadeira janela na minha cabeça sobre arquitetura”. Adriana ainda lembra com carinho da Casa de Cultura Mário Quintana, que faz 30 anos.

Em um rico e estimulante ambiente com estudos clássicos, arquitetura, arqueologia, a gaúcha também é professora na Faculdade de Letras na Universidade de Coimbra, onde dá aulas no curso “Como Escrever Canções”. Vai sempre no início da primavera, com exceção deste ano incomum. “Fiquei por aqui, mas não faço balanço de tudo o que ainda estamos vivendo, a pandemia serviu para olharmos o presente, viver o dia de hoje e pensar que o planeta precisa respirar. O que a natureza faria se não houvesse a pandemia? A gente nunca sabe o que vai acontecer”, finaliza.