Walcyr Carrasco, autor do interior paulista, escreve continuação de Verdades Secretas
Se tudo desse errado na carreira como escritor e autor de novela, Walcyr Carrasco não passaria fome. Colecionador de sucessos como, só para citar quatro, “Êta Mundo Bom!”, do horário das 18h, “Caras e Bocas”, das 19h, “A Dona do Pedaço”, das 21h e “Verdades Secretas”, das 23h, todas exibidas na TV Globo, o filho de um ferroviário e de uma comerciante nascido em Bernardino de Campos, no interior paulista, costuma comprar imóveis, reformá-los e revendê-los. Não à toa, entre os mais chegados, é famoso por mudar de endereço com frequência. “Troco muito de casa de olho em negócios. Estou nessa aqui há dois anos e meio”, diz ele, que mora na Granja Viana, na Grande São Paulo.
Hoje com 68 anos, Walcyr – que viveu, em Marília, entre os 3 e 15 – está escrevendo a continuação de “Verdades Secretas”, que conquistou, em 2016, o Emmy Internacional, o Oscar da TV, além do troféu da Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA), como melhor novela. Trabalha sempre noite adentro. Notívago, começa a escrever às 20h e termina lá pelas 4h da manhã. No papo feito por telefone com a reportagem da 29HORAS, o autor de novelas revela outras particularidades de sua vida entre quatro paredes durante a pandemia, como cuidar de uma horta de temperos.
Você tem fama de ser uma pessoa que gosta de mudar de casa, não é?
Sigo com essa fama. Troco muito de casa de olho em negócios. Eu costumo comprar um imóvel, reformá-lo e depois o passo para frente.
O que curte mais: casa ou apartamento?
É um charme a mais morar em casa. Você pode ter e cuidar de um jardim, por exemplo. Costumo ter muita planta. Na Granja Viana, os terrenos são bem grandes e há muito verde. Moro aqui há dois anos e meio. Tenho uma biblioteca grande porque sou compulsivo por comprar livros. Ler é o meu grande prazer. Hoje, devo ter muito mais de 10 mil títulos espalhados pela biblioteca. E casa é bom porque sempre dá para quebrar uma parede e dar um jeito de ampliar um espaço.
Como é a sua rotina de trabalho dentro de casa?
Sou notívago e o meu esquema é trabalhar de noite, invadindo a madrugada. Começo a escrever às 20h e vou até às 4h. Durmo e acordo lá pelo meio-dia, uma da tarde. Aí tenho uma academia aqui em casa, onde me exercito. E cuido de uma horta de temperos. Se está chovendo, fico na esteira da academia e leio bastante.
Como está o trabalho para a continuação de “Verdades Secretas”, sucesso em 2015, e que deve retornar com novos capítulos, em 2021?
Eu estou escrevendo. Não tenho a menor ideia de datas de gravação e lançamento. A Globo irá definir. O meu trabalho como escritor já tem como rotina não comparecer à emissora. Trabalho em casa. Com a pandemia, não vou à Globo há muito tempo. Não estou por dentro do que ocorre na rádio-corredor, do disse me disse, entende? Não estou vivendo isso.
“Verdades Secretas” marca uma guinada na sua trajetória como autor de novela?
Foi muito importante porque eu me desafiei enquanto autor, criando personagens e tramas realistas muito fortes. Eu já estava em busca desse processo e aí aconteceu em “Verdades Secretas”. Eu precisava me desafiar. E, então, me desafiei. Abracei uma história e ela fez com que eu saísse de um lugar e fosse além, muito além de onde costumo chegar. Isso é muito bom. Não costumo racionalizar o processo criativo. Ele foi acontecendo. É a postura que sempre mantenho em entrevistas: processo criativo não tem como ser racionalizado. Ele vai acontecendo e eu tenho a oportunidade de expressá-lo na Globo. E é maravilhoso isso.
O que irá acontecer com cenas que envolvem contato? Por exemplo, como será uma cena de beijo?
Aí é que tá: não tenho a maior ideia. Primeiramente, não sei quanto tempo irá durar essa pandemia. Está surgindo uma vacina e, a partir dela, os protocolos irão mudar. Estou em um projeto que ainda não está sendo gravado. Convivo com esse dia a dia de pandemia no trabalho em si. Sei que outros autores têm de adaptar cenas por causa da pandemia. Não é o meu caso, por enquanto. Eu, agora, estou criando. Vamos ver o que acontece com a pandemia. É um cenário escuro, mas sei que irei seguir os protocolos.
Você é telespectador de novela? Viu alguma dessas reprises?
Assisti uma minha, “Êta Mundo Bom!” (cuja reprise em Vale a Pena Ver de Novo se encerrou, mês passado, com 22 pontos de audiência média, um sucesso para o horário). Gostei muito, fiquei bem contente. Em algumas cenas, ficava pensando: “Será que sou capaz ainda de escrever bem desse jeito?”. A gente se surpreende com o que a gente fez, anos atrás. Espanta-se: “Como pude fazer aquilo?”. E me admirava com o resultado dos atores, da direção. Na época da primeira exibição, a gente não tem condição de avaliar, porque estamos escrevendo ainda.
O humor é um traço marcante dos seus roteiros…
Eu sou uma pessoa bem humorada. Só isso. Eu sou assim por natureza. Encaro a vida com bom humor. E as minhas obras também. Cada pessoa escreve aquilo que ela é. É simples assim: se sou bem humorado, irei escrever desse jeito. Agora, tem uma cultura de comédia que fui buscar para fazer “Eta Mundo Bom!”. Fui buscar o Amácio Mazzaropi (1912 – 1981). Nele, sim, me inspirei. Compramos os direitos do “Candinho”, um filme dele. O crédito dele está na novela. Assistia Mazzaropi, quando criança. A minha família era bem humorada.
Quais ingredientes fazem de uma novela um sucesso?
Não acho que exista uma receita. Mas um ato de criatividade que envolve autor, atores, diretor, figurinista… Acredito em um momento no qual a história é contada que pode ser consonante com o que acontece na vida real. Há variantes, mas em receitinha eu não acredito.
Muitas de suas novelas colocam luz à uma rotina própria de interiores do Brasil. Elas dizem muito também sobre o pedaço de terra onde você se criou?
Nasci em Bernardino de Campos. Saí de lá com 3 anos para ser criado em Marília. Mas as cidades do interior das minhas novelas são mais crescidinhas. Eu não ficava de férias em sítio, por exemplo. Claro que eu ouvia o caipirês todo. Mas não é o mesmo das novelas. O gostoso do interior é ter o contato com as pessoas em geral. A gente consegue frequentar os locais a pé, cruza com as pessoas o tempo inteiro. Ou seja, você pertence à uma comunidade. Já na capital paulista, muitas vezes você fica isolado da comunidade, das pessoas. O aconchego é o que o interior tem de bom. A gente sabe que faz parte daquele lugar onde vive.
Em qual fase da vida você passou a exercitar a escrita como profissão?
Com 11, 12 anos, eu tinha uma vizinha que me emprestava livros do Monteiro Lobato. E foi aí que adquiri paixão por escrever e já comecei a ter na cabeça que eu queria ser escritor. Eu amo muito o Lobato. Ano passado, lancei dois livros dele, “Reinações de Narizinho” e a “Reforma da Natureza”, nos quais adaptei passagens que tratavam de pessoas negras de modo depreciativo e substitui algumas palavras pouco usadas para uma linguagem mais atual, moderna. Monteiro Lobato quem fez com que eu tivesse esse impulso para escrever. E a minha mãe passou a ler por minha causa. Aí ela dizia que eu me tornei outra pessoa depois de Lobato; que eu fiquei questionador como a boneca Emília.
Quais outras funções você desempenhou antes de viver como escritor?
Quando a minha família mudou para São Paulo, vendi livros de porta em porta. Eu tinha 15 anos. Também fiz pesquisas de mercado e trabalhei na Editora Brasiliense. Era uma forma de ajudar a família, para que meus pais não tivessem despesa comigo. Aí viajei para os Estados Unidos, onde lavei prato, fui garçom, dei aulas de português. Fiquei quase dois anos por lá. Me diverti, tinha muitos amigos e fui hippie, no sentido de viver de coisas pequenas e não dar muita importância a bens materiais. Enfim, essa experiência fez com que eu me tornasse uma pessoa muito objetiva, algo comum aos americanos. Sou muito franco, reto. Até demais, eu penso às vezes.
O que guarda na memória de sua fase como jornalista?
O jornalismo me ensinou bastante. Hoje, não escrevo algo sem antes fazer uma pesquisa, por exemplo. Então, para escrever “Verdades Secretas”, eu entrevistei bookers e modelos a fim de entender melhor aquele mundo da moda. Eu sempre faço a pesquisa jornalística. O jornalismo me ensinou a ser consistente naquilo que escrevo. Essa é uma herança muito boa que carrego.
E como foi trabalhar com o Silvio Santos, sagitariano como você?
O Silvio Santos é uma pessoa sensacional. Tem uma inteligência incrível, esperteza, sabedoria. Foi muito interessante trabalhar com ele. Sobre o nosso signo, gosto muito do símbolo de sagitário: os pés na terra e a cabeça voltada para o céu. Silvio Santos é uma figura ímpar, uma personalidade.
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