Após sucesso no Brasil, a atriz Maria Fernanda Cândido conquista o mundo com papéis em filmes de Hollywood e da Europa

Após sucesso no Brasil, a atriz Maria Fernanda Cândido conquista o mundo com papéis em filmes de Hollywood e da Europa

A atriz vive grande fase no cinema e no streaming internacional, não abre mão de projetos no Brasil e faz parte de reflexões sobre desejo, movimento, mudanças e a vida contemporânea

O desejo é desorganizador e faz as coisas saírem do controle. É como o movimento, nos tira de um lugar, nos joga em outro. Caminha à procura de um objeto – aquilo ou alguém que sabemos o que é, e não sabemos mais logo depois. A curiosidade e a sensibilidade de entender quem se é e o que se quer, é um pouco o que a atriz Maria Fernanda Cândido, natural de Londrina, no Paraná – mas cidadã de muitos lugares – tem mostrado em cada projeto a que se propõe.

Essa busca subjetiva se materializa no documentário “O Incerto Lugar do Desejo”, de Paula Trabulsi, que conta com narração e atuação de Maria Fernanda – e agora está disponível no streaming do Petra Belas Artes. A produção traz a atriz no papel de Ana Thereza, que é o ponto de partida para que os entrevistados abordem o objeto principal: o desejo, e suas formas e possibilidades de crescimento, ascensão e, além disso, de que maneira ele pulsa em todos nós.

 

Foto | Lucas Seixas

 

Desejo é assunto de muitos. Filósofos, psicanalistas, neurocientistas, atores, antropólogos, linguistas. Assim como muitos outros temas, que atravessam a vida contemporânea. É preciso ter um espaço para discutir e debater tudo isso. Com esse propósito surgiu a Casa do Saber, em 2004, – instituição da qual Maria Fernanda é sócia e curadora do ciclo de Leituras Dramáticas. “Fiz faculdade de Terapia Ocupacional, mas lá sentia a necessidade de me aprofundar em temas como filosofia, então junto a amigos pagávamos por aulas e leituras com um professor”, conta.

Desse grupo, vieram outros amigos, parceiros e professores. “A Casa do Saber, hoje, é um espaço de disseminação de conhecimentos, e busca se aprofundar no diálogo acessível e plural que envolve as diferentes formas de se pensar a vida e a sociedade”. Com a pandemia, os cursos e as produções digitais foram ampliados, na Casa do Saber +, a plataforma de streaming do espaço. Entre aulas sobre neurociência e arte brasileira, por exemplo, também aparecem conteúdos muito especiais, como a minissérie “Infinito Brasileiro”, com Gilberto Gil. Agora, a Casa do Saber já chega a quase meio milhão de seguidores no Instagram.

 

Foto Lucas Seixas

Foto Lucas Seixas

 

Abismo de si

Maria Fernanda Cândido faz muitos mergulhos. “Escolho papéis que falam de alguma forma comigo, o que me norteia nessas escolhas são as personagens, os projetos”, reflete. Ler “Paixão Segundo GH”, livro de Clarice Lispector, de 1964, é, sem dúvida, uma imersão, ficar submerso. É se deparar com um enredo aparentemente banal, à primeira vista. Depois entender que é uma história sobre o pensar e o sentir, uma viagem por dentro da subjetividade da protagonista-narradora, GH, que decide fazer uma limpeza geral no quarto de serviço de seu apartamento, depois da demissão da empregada doméstica, Janair.

Com estreia prevista para este ano, o longa “A Paixão Segundo GH”, inspirado no clássico homônimo e dirigido por Luiz Fernando Carvalho, propõe um retorno à obra, com a atriz no papel principal – na verdade, ela é o elenco. “Foi abismal, uma experiência marcante, mas é importante destacar a relação com a empregada, a Janair, que me parece crucial nesse livro, uma verdadeira ponte para a imersão de GH em si”, enfatiza.

Isso porque, ao adentrar o desconhecido, a patroa desenrola o enredo. “O quarto da empregada é o lugar que ela desconhecia no universo de sua própria casa, isso diz muito. Clarice propõe um mergulho nos aspectos sociais, tradicionais na formação da nossa sociedade… isso nos anos 60, e é muito atual. Ainda há espaço para as reflexões da autora hoje, por isso esse filme é tão importante.”

E ainda virão outros. 2022 é período de muitas estreias, como o longa italiano “Bastardos a Mão Armada”, de Gabriele Albanesi, e “Vermelho Monet”, de Halder Gomes, rodado em Lisboa, Paris e Londres, que também estão entre os projetos com a atriz que chegam ao público neste ano.

 

Em “Bastardos a mão armada” | FOTO FRANCESCO MARINO

 

Embarque certo

Entre filmes produzidos em diferentes partes do mundo, Maria Fernanda reforça seu lugar incerto, do movimento, ao mesmo tempo que se coloca como corpo e voz do Brasil, de suas raízes. “Tenho uma mala de mão sempre pronta”, conta. Na prática, são duas residências, em Paris e em São Paulo – para os testes e filmagens na Europa e aqui. “Mas nos últimos tempos, por causa de todos esses projetos, tenho ficado pouco em cada uma delas.” O grande momento internacional da atriz talvez tenha se evidenciado em “O Traidor”, longa italiano dirigido por Marco Bellocchio, lançado ao público em 2021 e muito visto e aplaudido mundo afora. O filme foi indicado à Palma de Ouro de Cannes. Por sua interpretação de Maria Cristina, Maria Fernanda Cândido recebeu o prêmio de melhor atriz no Kineo Awards, em Veneza, e no Prêmio das Nações, do Festival de Taormina, na Sicília, além de ter sido uma das atrizes elegíveis ao Bafta, uma das mais importantes premiações do entretenimento mundial.

 

Maria Fernanda Cândido no filme “O Traidor” | FOTO MARCIO AMARO

 

O longa conta a história de uma guerra generalizada entre os chefes da Máfia Siciliana pelo controle do tráfico de heroína. Tommaso Buscetta, um integrante de alto escalão, foge para se esconder no Brasil e a trama se aprofunda. “Trabalhar com Marco Bellocchio foi algo especialíssimo. Ele é um dos grandes diretores do nosso tempo, do mundo. Sua forma de fazer cinema, de criar é genuína. É até difícil elencar o que foi mais intenso dessa experiência para mim.”

 

Fantástica e latina

Com essência no teatro e no cinema, é inevitável que, hoje, o trabalho de Maria Fernanda também tenha chegado nos streamings. A atriz está confirmada na segunda temporada da série “El Presidente”, um dos grandes sucessos da Amazon, que é inspirada na vida do ex-presidente da FIFA João Havelange. Sua estreia no streaming é interpretando Anna Maria Havelange, esposa de Havelange, que é vivido pelo ator português Albano Jerónimo. As filmagens já foram iniciadas no Uruguai e o brasileiro Du Moscovis também está no elenco.

Os projetos são mesmo diversos, furam as bolhas, chegam a muitas pessoas, a grupos diferentes. E, agora, todo o trabalho da atriz se evidencia na participação em “Animais Fantásticos: Os Segredos de Dumbledore”, que é um dos longas mais aguardados pelo público para 2022 – com estreia para abril. Maria Fernanda vive a bruxa Vicência Santos. “Foi a primeira vez que meus filhos se despediram de mim alegres, diziam ‘vai lá, mamãe’, felizes”, lembra. Os adolescentes estão empolgados para ver a mãe nas telonas, ao lado de Eddie Redmayne e Jude Law, dentro do universo de Harry Potter e de J.K Rowling, assim como todo o país e os fãs dos bruxos.

 

A atriz no papel de Vicência Santos, no longa “Animais Fantásticos: Os Segredos de Dumbledore”, produção derivada da saga Harry Potter | FOTO JAAP BUITENDIJK

 

“Não imaginava! Quando fiz o teste, ainda não sabia ao certo como seria o roteiro e o papel, foi uma grande alegria! Os filmes já faziam parte da nossa família, da nossa história, e a Vicência é muito potente, representa os bruxos do mundo latino, fala um pouco com todos nós”, antecipa.

A energia criativa e pulsante de Maria Fernanda Cândido, em tantos trabalhos, inspira um ano mais ativo, para fora, com encontros pelo mundo e novas ideias efervescentes, além de mudanças necessárias que precisam acontecer. “2022 é uma oportunidade para fazermos um estudo, estou confiante de que será um período decisivo para melhor, com eleições no país e mais enfrentamento à pandemia.”

De Elis Regina à Lara de “Um Lugar Ao Sol”, Andréia Horta empresta sua voz e seu corpo a personagens complexas, potentes e genuinamente brasileiras

De Elis Regina à Lara de “Um Lugar Ao Sol”, Andréia Horta empresta sua voz e seu corpo a personagens complexas, potentes e genuinamente brasileiras

Com várias produções biográficas no currículo, a atriz e apresentadora mineira Andréia Horta agora se prepara para dar vida à mãe da dupla Chitãozinho e Xororó em nova série da Globoplay

Para dar vida às suas personagens, Andréia Horta recorre ao silêncio e à escuta. “Eu me calo para ouvir com clareza o que aquela história quer gritar”, explica. Depois, de ouvinte, se faz intérprete. Compartilha sua voz e seu corpo com outro alguém e, através de si, o permite que fale, cante e brade por liberdade. A imersão nesses universos particulares é também um mergulho solitário em si mesma.

Foi seguindo esse método que a atriz construiu Lara, sua mais recente personagem e a heroína da novela global “Um Lugar Ao Sol” – uma gastrônoma que parte de Minas Gerais para o Rio de Janeiro na tentativa de abrir seu próprio restaurante. Antes desse sonho se concretizar, ela vende quitutes nas ruas da metrópole. “O silêncio do estudo me trouxe memórias do início da minha carreira, de quando eu mesma, vinda de Juiz de Fora, fazia e vendia bolo de laranja, torta de carne moída e até poesia nas ruas paulistanas para custear meu sonho de ser atriz.”

 

A atriz em cena na novela “Império” ao lado do ator Alexandre Nero | Foto Alex Carvalho | Globo

 

Andréia já foi muitas. Viveu a revolução na pele, como Joaquina, a filha de Tiradentes na minissérie “Liberdade, Liberdade” (2016); foi filha de comendador em “Império” (2015); denunciou os horrores das internações psiquiátricas no extinto manicômio de Barbacena, na série “Colônia” (2021); e cantou a revolta contra a ditadura militar como Elis Regina, no cinema – papel que lhe rendeu, inclusive, indicação ao Emmy e um Kikito no Festival de Cinema de Gramado.

Em 2022, prestes a completar 39 anos de idade e 22 de carreira, ela se prepara para ampliar a coleção de biografias vividas. Vai encarnar dona Araci, a mãe de Chitãozinho e Xororó, na série “As Aventuras de José e Durval”, que deve chegar ao Globoplay nos próximos meses.

Em entrevista à 29HORAS, a atriz comentou seus trabalhos mais recentes, celebrou os ecos da obra de Elis em sua vida e refletiu sobre o papel transformador da arte. Confira os principais trechos dessa conversa.

 

Foto – Fotógrafo: Marcus Leoni @marcusleonii | Diretora de arte: Renata Willig @renata_willig | Make/Hair: Cristian Dalle @cristian.dalle | Stylist: Yakini Rodrigues @yakini_kiki

 

 

 

A Lara, de “Um Lugar Ao Sol”, é mineira como você. Interpretá-la é um retorno às suas origens?
Sem dúvida. Embora tenhamos ambições diferentes, nós compartilhamos uma alma muito próxima. Um frescor que vem da nossa origem e extravasa no nosso jeito de falar. Foi uma experiência muito acolhedora e feliz poder compor essa personagem a partir da musicalidade primeira da minha vida, que é o sotaque mineiro. A Lara fala como a Andreia, ri as mesmas gargalhadas e tem uma simplicidade que encanta.

 

Assim como a Lara se aventurou pela metrópole, de Juiz de Fora você veio para São Paulo estudar teatro e, antes de se firmar como atriz, chegou a improvisar como “empreendedora das ruas”. Vendeu bolo, torta e até poesia. Como foi esse período? Quais são as suas principais memórias dessa época?
Foi um momento muito duro financeiramente, mas ainda assim, um dos mais férteis para o meu desenvolvimento artístico. As ruas foram um super laboratório. Vivi momentos de intenso contato humano, estava sempre cercada de gente, e elas viraram parte do meu estudo cênico. Essa experiência também me ensinou muito sobre a necessidade de se acreditar no trabalho que se faz. Eu sempre amei escrever e rabiscava versos há um tempo, mas levar às ruas o meu livro, escrito a próprio punho, me fez mais corajosa com relação a minha arte e mais inspirada a produzir.

 

Andréia Horta como Lara, ao lado da atriz Marieta Severo - Foto Fábio Rocha | Globo

Andréia Horta como Lara, ao lado da atriz Marieta Severo – Foto Fábio Rocha | Globo

 

Você chegou a declarar em entrevistas que a Lara é um desafio diferente, em comparação às personagens que estava acostumada a viver. O que ela traz de novo?
É uma personagem difícil porque combina potência e ingenuidade de uma forma muito ímpar. Ela é uma mulher firme e com muita consciência do que deseja para si, mas, ao mesmo tempo, está atravessada pelo amor que sente e se deixa levar a conflitos éticos que a afastam de seu senso de justiça e honra, muito fortes. Ela é cheia de saudade e mistério, mas muito límpida e simples. É um equilíbrio delicado. Entender essa tônica e construí-la em todas as suas nuances foi desafiador.

 

Seja vivendo Lara, Joaquina ou Elis, sua carreira é marcada por personagens mulheres, fortes, potentes e (por que não?) empoderadas. Qual é o papel da arte na construção e desconstrução do feminino?
Bertold Brecht disse uma vez que “a arte serve para denunciar o velho e anunciar o novo”. Quando estamos em um set ou em um palco, diante de um personagem, assumindo seu lugar, estamos também assinando aquela mensagem, nos posicionando perante o mundo. E é crucial nos posicionarmos avessos a qualquer possibilidade de seguir perpetuando a narrativa da mulher insegura, histérica e submissa. Esse tipo de representação, mais que ultrapassada, é irreal e nos limita. A arte, com todo o seu alcance, pode apontar novos caminhos, em direção a um mundo mais justo e, enquanto artista, fico muito feliz de estar nessa posição e poder dar vida a mulheres de todas as faces e interiores.

 

FOTO GLOBO | SERGIO ZALIS

FOTO GLOBO | SERGIO ZALIS

 

 

Você também está acostumada a encarnar papéis com altíssimo teor dramático, a exemplo da prostituta Valeska, que é internada no Manicômio de Barbacena, na série “Colônia”. Como manter o equilíbrio emocional em trabalhos deste teor, sobretudo em um momento difícil como o que estamos passando desde 2020?
Meu exercício de vida é entender, todos os dias, que esse é o meu ofício, e parte dele consiste em fluir por energias distintas da minha e carregar pesos que, na maioria das vezes, nunca foram meus. Eu busco sempre situar e delimitar muito bem a vivência da personagem e dissociá-la da minha. Assim, quando é necessário me retirar dela, faço isso com a clara consciência de que aquela dor não segue comigo.

 

Aliás, o que fez durante esses dois anos de pandemia para se manter centrada e em sintonia consigo mesma?
Eu estudei muito, principalmente literatura. Li Machado de Assis, Clarice Lispector, Hannah Arendt, Dostoiévski. Foi visceral. Também fiz a energia criativa circular em novos projetos. Um deles, de que me orgulho muito, é o “Cara Palavra”, uma peça desenvolvida 100% à distância, no formato de um “diário de quarentena”, que ficou em cartaz em transmissões virtuais no final de 2020. Éramos eu na minha casa no Rio de Janeiro, Débora Falabella em um palco de teatro, Bianca Comparato em Los Angeles e Mariana Ximenes em São Paulo dividindo com a plateia nossas angústias e descobertas no isolamento. Transformar essas incertezas em arte nos ajudou a ficar de pé.

 

Em 2022, o Brasil completa 40 anos sem Elis, personalidade que você já viveu duas vezes, no cinema e no streaming. O que Elis representa hoje para você? Como você situa essa mulher na sua e na história do nssso país?
Elis ecoa em mim desde muito antes de eu ser convidada a vivê-la no cinema. Eu a escuto desde muito nova e mergulho nela desde então, imergindo em entrevistas, artigos, vídeos, documentos pessoais. Ela foi uma mestra na minha vida e me fascina com a sua coragem de ser o que era. Elis deixa para o Brasil uma obra colossal, um legado de perfeição técnica e uma habilidade própria de ser clara e incisiva nas mensagens que cantava. Eu bebi muito dessa fonte, e o país também. Ela é uma de nossas maiores vozes, que se elevou por nós em um momento tão agudo da nossa história, durante o qual se posicionou e se manteve indignada até o fim.

 

Andréia no papel de Elis Regina - Foto André e Carioba

Andréia no papel de Elis Regina – Foto André e Carioba

 

O que, durante o processo de imersão e estudo de Elis, mais te marcou?
A relação dela com o canto. Elis dizia que cantar é um ato que se comete absolutamente sozinho, e ela adorava isso. Naquele momento em que estava dentro de uma canção, ela estava também viajando por dentro de si, e toda essa verdade visceral nos atingia como público. Também me fascinou a maneira como ela sabia escrever cartas de amor para as pessoas que amava. Ela tinha um lirismo tão potente, que emociona tanto quanto sua música. No fundo, acho que tudo nela me marcou.

 

Este ano você se prepara para viver outra biografia, agora na pele de dona Araci, mãe da dupla Chitãozinho e Xororó. É mais difícil encarar um personagem real?
Não sei se é mais difícil, mas é diferente. Para dar vida a alguém que já existiu, temos acesso a registros e relatos que nos oferecem todas as nuances que uma existência pode ter. Mas isso não impede nosso exercício de criação. Aliás, nessa série, eu não me ocupei em perseguir e reproduzir à risca o modo como a Dona Araci falava ou se movimentava. Recorri à imaginação. Imaginei o que uma figura materna representaria naquela história e construí essa persona a partir desse estalo.

 

E o que ela representa?
Força. Dona Araci teve oito filhos, driblou a fome e a falta de amparo com amor e delicadeza. Ela representa a maternidade em sua mais pura essência.

 

Andréia Horta no cenário do programa "O País do Cinema", do Canal Brasil - foto Ana Paula Amorim | Canal Brasil | divulgação

Andréia Horta no cenário do programa “O País do Cinema”, do Canal Brasil – foto Ana Paula Amorim | Canal Brasil | divulgação

 

Você também é a apresentadora do programa “O País do Cinema”, no Canal Brasil. Hoje esse título chega a ser quase irônico… Como você avalia o atual momento do cinema brasileiro?
Mais do que irônico, é trágico. Presenciamos um desmonte brutal da nossa Cultura que, apesar de não receber incentivos, é o que nós temos de mais rico. Antes de ser atacado, o cinema nacional vivia um período de efervescência, em todos os gêneros, da comédia ao terror. Com esses cortes, fica claro o esforço que o governo faz para atrapalhar os artistas e impedir que eles coloquem seus depoimentos e denúncias no mundo.

 

Há saída?
Com certeza, e ela depende de nós e da nossa luta. Toda sociedade precisa de seus artistas, pensando o mundo à frente e mostrando ao ser humano o próprio ser humano. Nosso trabalho é muito importante e esses caras sabem disso, é por isso que tentam destruí-lo. Mas não vão conseguir. Somos muito mais numerosos, temos coração e estamos vivos. Um dia, até essa treva em que nos encontramos, nas nossas mãos, há de virar arte.

 

Fora de Série: Confira as principais produções que chegam às plataformas de streaming em 2022

Fora de Série: Confira as principais produções que chegam às plataformas de streaming em 2022

Programação das plataformas de streaming tem ainda Nicole Kidman e Javier Bardem protagonizando longa sobre os bastidores da sitcom “I Love Lucy” e especial de “South Park” ambientado num mundo livre da Covid

 

“SNEAKERELLA”
Disney+

Com estreia agendada para 18 de fevereiro, o longa mistura hip-hop e ícones da cultura pop para recontar a história do clássico conto de fadas “Cinderella”, mas com gêneros trocados. A trama é protagonizada por El (Chosen Jacobs), um aspirante a designer de tênis que trabalha como estoquista em uma loja de calçados e vive com seu malvado padrasto. Graças à magia de um “fado-padrinho”, El conquista um lugar ao sol na indústria do design e o coração da doce Kira (Lexi Underwood), a filha de uma lendária estrela do basquete.

 

Foto Divulgação

Foto Divulgação

 

“A JORNALISTA”
Netflix

Nesta série japonesa em dez episódios, uma dedicada jornalista faz de tudo para descobrir a verdade sobre um escândalo de corrupção no governo — mas tem de enfrentar poderosos inimigos pelo caminho. A produção é uma adaptação de um longa que fez sucesso nos cinemas. Com visual estiloso, o seriado faz uma ácida crítica ao governo e à mídia, que muitas vezes se acovarda na hora expor a verdade. No papel principal, brilha a jovem Ryoko Yonekura, que já foi a estrela da montagem japonesa de “Chicago”.

 

Foto divulgação

 

“SOUTH PARK: ESPECIAL PÓS-COVID”
Paramount Plus

O filme do desenho animado mais demente da TV começa com a tela de um computador mostrando a felicidade mundial celebrando o fim da pandemia de Covid. Mas aí vem a paulada no espectador: em seguida, descobrimos que a trama é ambientada no ano 2060! Todos os personagens do desenho estão 40 anos mais velhos. Kyle virou um cientista que estuda epidemias e vírus, Eric Cartman agora é um rabino e Stan é um azedo alcoólatra que vive com Alexa – sua esposa holográfica. E Kenny, o que teria acontecido com ele? Morreu, oras.

 

SOUTH PARK: POST COVID | Foto MTV Entertainment Studios©2021 Paramount+.

SOUTH PARK: POST COVID | Foto MTV Entertainment Studios©2021 Paramount+.

 

“BEING THE RICARDOS”
Amazon Prime Video

Este longa mostra um pouco da vida de Lucille Ball (interpretada por Nicole Kidman) e Desi Arnaz (Javier Bardem), os protagonistas da sitcom “I Love Lucy”, no qual deram vida a Lucy e Ricky Ricardo entre os anos de 1951 e 1957. O filme capta as tensões dos bastidores da série de TV e do casamento dos dois na vida real, com ela ganhando mais do que ele – algo incomum naquela época. E a coisa esquenta quando a carreira de Lucy é ameaçada assim que um radialista revela sua filiação ao Partido Comunista!

 

Nicole Kidman e Javier Bardem em Being the Ricardos (Foto: Divulgação)

Nicole Kidman e Javier Bardem em Being the Ricardos (Foto: Divulgação)

 

Criador da turminha mais amada dos gibis, Mauricio de Sousa estreia filme de seus personagens em dezembro

Criador da turminha mais amada dos gibis, Mauricio de Sousa estreia filme de seus personagens em dezembro

Com mais de seis décadas de carreira, um bilhão de gibis criados, livro recém-lançado e filme prestes a estrear, Mauricio de Sousa aproveita os 86 anos em plena forma.

 

Mauricio de Sousa - Foto: Caio Gallucci

Mauricio de Sousa – Foto: Caio Gallucci

 

Aos quatro anos de idade, Mauricio Araújo de Sousa viu uma revista jogada em uma calçada da pacata Mogi das Cruzes, no interior de São Paulo. Parecia um pouco errado, mas ele levou para casa assim mesmo. Sozinho, a primeira reação foi se encantar pelos desenhos – e havia muitos! Depois, veio o pedido de ajuda à mãe, que decifrou o bando de letrinhas nos balões. Nascia ali um fã voraz de histórias em quadrinhos.

De admirador, o garoto tornou-se um fazedor. Produzia tanto que, à beira dos 20 anos, o natural parecia profissionalizar a coisa. Os editores do jornal “Folha de S. Paulo”, porém, discordaram do plano e preferiram que o jovem estreasse como repórter policial: “Para um rapaz que achava que já tinha um bom trabalho como artista, fui tratado de forma inadequada. O que só depois percebi é que trabalhar textos concisos e rápidos nas reportagens me ajudou a escrever dentro dos balões”.

Entre uma coisa e outra, o ilustrador ainda amador improvisava retratos falados para matérias sem fotos, rabiscava cenas de crimes e aprendeu que, embora aquilo estivesse bem longe dos personagens “fofos” que costumava conceber, a gênese era a mesma, isso é, o homem e suas ações.

 

Mauricio de Sousa como repórter da "Folha de São Paulo" - Foto: Folha de São Paulo

Mauricio de Sousa como repórter da “Folha de São Paulo” – Foto: Folha de São Paulo

 

Dentre as qualidades humanas, perspicácia, sensibilidade e persistência permitiram ao jovem emplacar sua primeira tirinha no jornal. Bidu, o cãozinho azul, aparecia impresso em preto e branco. Mas aparecia. Com o tempo – somos testemunhas! – os desenhos evoluíram, coloriram-se intensamente e o dono do cachorrinho, Franjinha, ganhou uma série de amiguinhos para dividir historinhas.

No universo “mauricízico”, as palavras sucedem-se sem esforço no diminutivo, como numa conversa carinhosa com criança, de igual para igual. Denguice à parte, é a consciência adulta quem impera. Não se trata de moral da história, tampouco de infantiloidismo, há antes um comprometimento pedagógico. “É primordial que a nossa turminha leve junto com a brincadeira assuntos educativos para as crianças, como ter uma boa saúde, ser solidário e se importar em melhorar tudo no mundo”, aposta.

Aos 86 anos de idade, Mauricio exercita a própria teoria: rola no chão com Martin, o netinho de um ano, tuíta, instagrameia, desenha um pouco, lê muito. Ainda não voltou a frequentar restaurantes, teatros e nem cinemas. Todavia, está em vias de retomada!

Agora, dia 30 de dezembro, estreia “Turma da Mônica – Lições”. Sob direção de Daniel Rezende (o mesmo do “Turma da Mônica – Laços”, que em 2019 levou aos cinemas mais de 2 milhões de espectadores), o filme traz os personagens de volta às aulas presenciais com duas peculiaridades: a mudança de escola da Mônica e a entrada na pré-adolescência, pano de fundo para novos planos infalíveis e discussões sobre amizade.

“Antes do primeiro filme, em 2018, eu tinha algum receio em ver os personagens em carne e osso. Não por mim, mas pelos milhões de leitores da Turma da Mônica, que poderiam sentir que aqueles pequenos atores não representavam o que eles conheciam pelos gibis. Mas tudo estava muito encaixado e agora não queremos mais parar. Tem o ‘Lições’, que estreia este mês e virão mais filmes live-action por aí!”, antecipa Mauricio.

 

Cena do longa "Turma da Mônica - Lições" - Foto: Divulgação

Cena do longa “Turma da Mônica – Lições” – Foto: Divulgação

 

Sonhos sempre renovados

Pai de 10 filhos e de mais de 400 personagens, aplica com magia outra de suas fórmulas: “A criança gosta de diversão e de ação, tem que ter aventura e muito humor”. Assume também ser Horácio, o “dinossauro diferente, que não come carne e cuja visão ecológica sou eu, por isso nunca deixei alguém no estúdio criar novas histórias”. Aliás, até o início de 2022 sairá uma coleção com todas as tirinhas do animalzinho pré-histórico publicadas nos suplementos “Folhinha” e no “Estadinho”.

Ainda que a pandemia não tenha trazido novas figuras, seu esquadrão de 60 heróis brilhou em homenagens aos atletas das Olimpíadas e Paraolimpíadas e envolveu-se em ações pela vacina, pelo uso de máscara e pelo distanciamento social. “No momento mais difícil da pandemia, nossa campanha chegou até ao Japão, com um clipe sobre esses procedimentos”, orgulha-se.

Para sorte de Mauricio, a maioria de seus roteiristas já trabalhava de suas casas, em diversos pontos do Brasil. Os desenhistas seguiram o mesmo prumo. Assim, não só as quase 400 pessoas de seu estúdio não pararam, como ele notou um fervilhar saudabilíssimo de ideias. Um processo no qual ele mesmo se inclui: “Não paramos de sonhar com novas ideias!”.

 

Mauricio de Sousa com Bidu, seu primeiro personagem - Foto: Divulgação

Mauricio de Sousa com Bidu, seu primeiro personagem – Foto: Divulgação

 

Nascido das memórias dos tempos em que nadava no Tietê e lançado no dia do seu aniversário, 27 de outubro, o livro “Sou um Rio” (Editora Nova Fronteira e Mauricio de Sousa Editora) é uma delas. “Os rios são fonte de vida para todo o ecossistema, mas estão morrendo pela poluição desenfreada. A ligação entre o ser humano e a natureza é a melhor forma de aprendermos a amar o que recebemos de graça e estamos maltratando. Aos 86, tenho certeza de que todos nós precisamos passar para as novas gerações que é possível casar a tecnologia com a sustentabilidade e melhorar o planeta”, filosofa.

O filme sobre a sua vida, assinado com a Disney, que estará em cartaz em 2023 é mais um exemplo de sonho a se concretizar: “Ele mostrará a minha luta para realizar um sonho de criança, que era ser desenhista. Posso dar um spoiler: o final é feliz!”.

Falando em spoilers, os próximos dias são promissores. O programa infantil “Mauricio TV” estreia no Japão, os shows retornam ao teatro com “Turma da Mônica e a Árvore de Natal” (Teatro Bradesco, em São Paulo) e aguarda-se “#XôFakeNews”: “A escritora Januária Cristina usou nossa jornalista Tina para ensinar a Turma da Mônica Jovem sobre o perigo das notícias fraudulentas nas redes sociais e a importância do combate à desinformação e às mentiras. Um livro que todas as escolas de ensino médio deveriam adotar”.

Com mais de um bilhão e duzentas mil revistas impressas no Brasil, publicações em mais de 70 países, mais de três mil itens com os personagens licenciados mundo afora, canal no YouTube superando 10 bilhões de visualizações, tudo indica que 2022 só trará novos recordes para Mauricio de Sousa quebrar.

 

Turminha da representatividade

“Criei o Jeremias em 1960, antes mesmo de criar a Magali, o Cebolinha, o Cascão e a própria Mônica. Depois teve o Pelezinho e o Ronaldinho Gaúcho, com suas famílias e revistas próprias, e continuei estudando lançar uma família negra. Mas não é fácil lançar novos personagens, já que dependem da montagem cuidadosa de características visuais e, principalmente, de personalidades bem definidas e atemporais”, confessa Mauricio de Sousa.

Nesse sentido, o surgimento de Milena, em 2017, no formato de boneca, foi encarado como uma vitória por ele. E a coisa não parou ali: em 2019, a menininha meiga de 7 anos e autoestima elevada, ganhou o próprio clã na Rua do Limoeiro, além de historinhas, fãs e, agora, uma versão humana, no longa-metragem “Lições”.

 

Turma da Mônica e Milena, a mais recente personagem criada por Mauricio - Foto: Divulgação

Turma da Mônica e Milena, a mais recente personagem criada por Mauricio – Foto: Divulgação

 

Embora seja a última heroína a adentrar a turminha, ela reforça a busca pela diversidade, que vai além da cor da pele e do gênero. “Vou colocando, pinçando e, ao mesmo tempo, estudando cada etnia, cada necessidade, cada problema que nós temos enquanto sociedade, cada preconceito, porque viemos carregados de preconceitos”, desabafa o autor.

Sucesso automático de público, Milena tornou-se amicíssima de Mônica, mas sabe que tem a seu lado outros colegas que aludem à necessidade de inclusão, caso do Luca, garotinho cadeirante, André, um menino com autismo, Tati, com Síndrome de Down, e Dorinha, uma menina com deficiência visual inspirada na educadora Dorina Nowill. Possivelmente, em não muito tempo, terá também um amiguinho homossexual.

Destaque em “Verdades Secretas 2”, Romulo Estrela reflete sobre seus papéis como ator e como pai

Destaque em “Verdades Secretas 2”, Romulo Estrela reflete sobre seus papéis como ator e como pai

Vivendo importante papel de sua carreira, o ator maranhense Romulo Estrela divide seu olhar e sua entrega entre a criação do filho e a construção de novos projetos.

Romulo Estrela já está habituado a ouvir trocadilhos envolvendo seu sobrenome. “As pessoas sempre me perguntam se fui eu quem o escolheu. Não sou assim pretensioso, é só herança do meu pai, Sebastião, que também é Estrela”, ele ri. A verdade é que o título de astro não poderia lhe servir melhor. Aos 37 anos, o ator acumula 16 trabalhos na televisão, nove nos palcos e quatro no cinema.

Mas, se o futuro nas telas parecia estar escrito, apenas se revelou a Romulo após outras tentativas. Durante a infância, em São Luís, queria ser lutador de jiu-jitsu. Na adolescência, sonhou com o céu. “Desejei ser piloto de avião, mas uma arritmia cardíaca decorrente de uma fibrilação atrial, que descobri aos 24 anos, me impediu.” Foi modelo por um tempo até, enfim, se encontrar na arte e voar da capital maranhense para os estúdios da Rede Globo, no Rio de Janeiro.

Um dos poucos artistas com um contrato fixo na emissora (recentemente renovado por mais três anos), o ator já foi melhor amigo de Dom Pedro, na novela “Novo Mundo” (2017), e conquistou corações na pele do sedutor Marcos Prado Monteiro, o pescador boêmio de “Bom Sucesso” (2019). Agora, ele une esse mesmo sex appeal a uma boa atuação para dar vida a Cristiano, policial misterioso que estrela a segunda temporada da aclamada série-novela da Globoplay, “Verdades Secretas”.

Com projetos no cinema e no streaming previstos para o primeiro semestre de 2022, o ator vive um momento efervescente. Em entrevista à 29HORAS, Romulo Estrela reflete sobre as masculinidades, discorre sobre padrões de beleza, dá detalhes a respeito de futuros trabalhos e avalia sua atuação no papel mais desafiador de sua vida: a paternidade.

 

Romulo Estrela - Foto: João Kopv

Romulo Estrela – Foto: João Kopv

 

Quais lembranças carrega do tempo que viveu no Maranhão? Você visita São Luís com frequência?
Foi no Maranhão que conheci meus melhores amigos e me apaixonei pela Nilma, minha esposa. É também onde nossas famílias estão, e, consequentemente, onde nossas bases permanecem. Nos últimos anos, com a agenda de trabalho lotada, eu tive poucas oportunidades de viajar para lá, mas sempre que possível eu retorno – sobretudo no São João, que é uma festa pela qual tenho um carinho imenso. Em todo regresso, uso os meus dias ali para fazer um tour pelas minhas memórias: visito o Centro Histórico, vou à praia e passo em frente ao meu colégio. Esse exercício me traz de volta à minha essência. É bom acessar essas memórias afetivas. O passado me impulsiona e me reconecta com a origem.

Hoje você se sente, também, um tanto carioca? Conte algumas de suas “carioquices”.
Eu já posso dizer que vivi mais tempo no Rio de Janeiro do que no Maranhão. Minha alma carioca está na mescla dos sotaques, mas, principalmente, no amor pelas pessoas e por estar junto. Já passei um tempo em São Paulo e acho a metrópole incrível, com sua vida noturna borbulhante, mas a dinâmica de lá é diferente. Em São Paulo, a vida é mais para si e, no Rio, a vida é com os outros. Isso é algo com que me identifico, não sei viver sozinho. Ah, e chegar de avião ao Rio é sempre algo que me emociona. Lá do alto, é tudo tão bonito, Copacabana, o Corcovado, a Baía de Guanabara. Fico deslumbrado e é inevitável abrir um sorriso e pensar “estou em casa”.

Você teve outros sonhos de infância antes de esbarrar com a arte. Quais são as suas primeiras memórias envolvendo a atuação?
Por mais que eu nunca tenha cogitado ser ator, hoje percebo que a vocação sempre esteve ali. Eu e meus primos inventávamos histórias e personagens, era nossa brincadeira preferida. Naqueles vários mundos que a gente criava, eu era empresário, vaqueiro, médico e até piloto de avião, algo que nunca consegui fazer de verdade. Lembro também de, aos 10 anos de idade, ficar fissurado pela novela “Renascer”, de Benedito Ruy Barbosa, e por aqueles atores incríveis – incluindo o Antônio Fagundes, com quem, mais tarde, tive a honra de contracenar. São minhas memórias mais antigas envolvendo o atuar.

 

Romulo Estrela e Marina Ruy Barbosa, seu par romântico em "Deus Salve o Rei" - Foto: Estevam Avellar

Romulo Estrela e Marina Ruy Barbosa, seu par romântico em “Deus Salve o Rei” – Foto: Estevam Avellar

 

Você passou uma parte considerável de sua carreira na TV interpretando personagens de época – emendou “Além do Tempo” (2015), “Liberdade, Liberdade” (2016), “Novo Mundo” (2017), “Entre Irmãs” (2017) e “Deus Salve o Rei” (2018). O que mais te marcou durante essas experiências?
O que mais amo no meu trabalho é que me permite a imersão em realidades e momentos históricos muito diversos, o que me estimula a sair do meu cotidiano e, ao mesmo tempo, entendê-lo. É louco como muita coisa que encontramos no passado ainda resiste – o preconceito, o modo de fazer política, as questões sociais –, e como outras, felizmente, foram superadas. Isso tudo me ajuda a identificar o que preciso trabalhar urgentemente para mudar. Na minissérie “Entre Irmãs”, por exemplo, eu interpretei um homem gay da década de 1930. É assustador perceber que o que o Degas sentia naquela época tão retrógrada ainda é a realidade de muitos. Isso me alarma, mas também me impulsiona a ser agente de uma possível mudança de olhar.

Recentemente, você também tem encarnado uma série de personagens com forte apelo estético, a exemplo de Marcos em “Bom Sucesso” (2019) e o próprio Cristiano, de “Verdades Secretas 2”. Como você lida com o rótulo de galã? Como é sua relação com o seu corpo?
Eu não rejeito o rótulo de galã, ele é consequência de um lugar a que meu ofício me levou. Mas eu trabalho muito para ressignificar esse estereótipo. Eu sei que, como seres humanos, somos isso também, exterior e aparência. Mesmo assim, é complicado quando a beleza vem à frente de qualidades profissionais em um elogio. O que me ajuda é pensar que, enquanto ator, meu corpo é ferramenta de trabalho. Ele serve ao público, é a pele que eu entrego aos personagens. Meu corpo tem voz e comunica. É nesse lugar que quero vibrar. Trabalho muito para que essa exposição não seja um apelo sem intencionalidade, mas, sim, um elemento artístico.

Para você, o que é beleza?
Beleza é você estar bem consigo mesmo. É se olhar e se sentir satisfeito com o que vê e, principalmente, com o que sente. É claro que aí entramos em uma discussão bem profunda. A sociedade é opressora, impõe e fragiliza autoestimas. É difícil se olhar no espelho e se sentir satisfeito com tantas comparações e pressões estéticas. Eu falo muito mais de um lugar de escuta.

 

Romulo Estrela interpretando Marcos Prado Monteiro, em "Bom Sucesso" - Foto: João Conta

Romulo Estrela interpretando Marcos Prado Monteiro, em “Bom Sucesso” – Foto: João Conta

 

Com a pandemia, muitas filmagens foram interrompidas, como as de Verdades Secretas 2… Como você se reinventou nesse período? Foi um momento de introspecção?
Nos últimos meses, eu pensei muito sobre perda, em todos os sentidos. Não só a morte, mas sobre esse momento de desvalorização e esvaziamento da cultura que estamos vivendo e que muito me assusta. Por isso, logo que tive a oportunidade de estar de volta aos sets de filmagem, eu me senti na obrigação de, mesmo com medo do vírus, voltar à ativa. A arte tem perdido muito. Profissionais incríveis se foram e os incentivos também. Atuar, hoje, é um ato de resistência.

Você está trabalhando em projetos que devem chegar às plataformas de streaming em breve. Conte um pouco sobre eles.
No primeiro semestre de 2022 chega aos cinemas “O Amante de Júlia”, longa-metragem com direção de Vinícius Coimbra, no qual eu tive a alegria de contracenar com estrelas como Lu Grimaldi, Bianca Bin, Sergio Guizé, entre outras. É uma adaptação brasileira do romance “O Amante de Lady Chatterley”, escrito por D. H. Lawrence, em 1928. Nele eu interpreto um cara rico que sofre um acidente na lua de mel e se distancia da mulher, que acaba se envolvendo com o jardineiro do casal. A ideia é que ele esteja disponível no Telecine, em breve. Também estou para estrear um programa sobre crianças engajadas em mudar o mundo, que deve chegar às plataformas digitais. E ainda planejo minha estreia como diretor. É uma ideia minha em parceria com os queridos Allexia Galvão e Rick Yates – mas esse é um projeto que ainda deve demorar.

 

Romulo Estrela vive Cristiano em "Verdades Secretas 2"

Romulo Estrela vive Cristiano em “Verdades Secretas 2”

 

Quais temas precisam ser discutidos com as nossas crianças?
Eu acredito muito naquela máxima de que as crianças são o futuro. Nenhum tema deve ser escondido delas. Em casa, nós não escondemos do Theo, nosso filho, o problema da pandemia, o drama de ficar trancado em casa, sem poder brincar, ver os amigos e parentes distantes. Nós temos essa mania de subestimar as crianças, mas elas percebem e sentem tudo. É preciso ser honesto com elas.

Como você percebe a questão das masculinidades nos dias de hoje? Como esse tema te atravessa?
Eu vivencio esse tema diariamente, sobretudo na relação com o meu filho. Os meninos são pressionados a usar a “máscara da macheza”. Apesar de estarmos caminhando para uma desconstrução, o mito da masculinidade única ainda é latente. Na minha casa, eu sempre tive a figura feminina como uma figura de poder, de comando; e meu pai desempenhou, por muito tempo, o papel do cuidado da casa e da assistência. Agora, busco educar o Theo para uma compreensão mais fluida e a menos estereotipada possível. Em casa, ele tem um ambiente seguro para chorar, contestar, sentir, se expressar e brincar com a Lola, boneca preferida dele. É preciso que a gente comece a enxergar a masculinidade em todas as suas muitas nuances.

Já que falamos sobre paternidade, como era o Romulo filho e como é, agora, o Romulo pai? Quais ensinamentos você passa para o Theo?
Cresci em um ambiente com plena liberdade para externalizar minha sensibilidade. Meus pais sempre foram muito sinceros comigo, e honestos com suas próprias fragilidades. Aprendi com eles que é impossível ser um pai perfeito. Nós vamos errar e nos arrepender. Mas o que importa é estarmos presentes, atentos e disponíveis para ouvir e acolher. Descobri, na vivência como filho, que não adianta impor, é preciso ser exemplo. Como meus pais foram para mim, quero ser um espelho de honestidade, vulnerabilidade e gentileza para que o Theo cresça sabendo lidar com a imperfeição do mundo.

 

Romulo Estrela - Foto: João Kopv

Romulo Estrela – Foto: João Kopv