Vivendo importante papel de sua carreira, o ator maranhense Romulo Estrela divide seu olhar e sua entrega entre a criação do filho e a construção de novos projetos.
Romulo Estrela já está habituado a ouvir trocadilhos envolvendo seu sobrenome. “As pessoas sempre me perguntam se fui eu quem o escolheu. Não sou assim pretensioso, é só herança do meu pai, Sebastião, que também é Estrela”, ele ri. A verdade é que o título de astro não poderia lhe servir melhor. Aos 37 anos, o ator acumula 16 trabalhos na televisão, nove nos palcos e quatro no cinema.
Mas, se o futuro nas telas parecia estar escrito, apenas se revelou a Romulo após outras tentativas. Durante a infância, em São Luís, queria ser lutador de jiu-jitsu. Na adolescência, sonhou com o céu. “Desejei ser piloto de avião, mas uma arritmia cardíaca decorrente de uma fibrilação atrial, que descobri aos 24 anos, me impediu.” Foi modelo por um tempo até, enfim, se encontrar na arte e voar da capital maranhense para os estúdios da Rede Globo, no Rio de Janeiro.
Um dos poucos artistas com um contrato fixo na emissora (recentemente renovado por mais três anos), o ator já foi melhor amigo de Dom Pedro, na novela “Novo Mundo” (2017), e conquistou corações na pele do sedutor Marcos Prado Monteiro, o pescador boêmio de “Bom Sucesso” (2019). Agora, ele une esse mesmo sex appeal a uma boa atuação para dar vida a Cristiano, policial misterioso que estrela a segunda temporada da aclamada série-novela da Globoplay, “Verdades Secretas”.
Com projetos no cinema e no streaming previstos para o primeiro semestre de 2022, o ator vive um momento efervescente. Em entrevista à 29HORAS, Romulo Estrela reflete sobre as masculinidades, discorre sobre padrões de beleza, dá detalhes a respeito de futuros trabalhos e avalia sua atuação no papel mais desafiador de sua vida: a paternidade.
Quais lembranças carrega do tempo que viveu no Maranhão? Você visita São Luís com frequência?
Foi no Maranhão que conheci meus melhores amigos e me apaixonei pela Nilma, minha esposa. É também onde nossas famílias estão, e, consequentemente, onde nossas bases permanecem. Nos últimos anos, com a agenda de trabalho lotada, eu tive poucas oportunidades de viajar para lá, mas sempre que possível eu retorno – sobretudo no São João, que é uma festa pela qual tenho um carinho imenso. Em todo regresso, uso os meus dias ali para fazer um tour pelas minhas memórias: visito o Centro Histórico, vou à praia e passo em frente ao meu colégio. Esse exercício me traz de volta à minha essência. É bom acessar essas memórias afetivas. O passado me impulsiona e me reconecta com a origem.
Hoje você se sente, também, um tanto carioca? Conte algumas de suas “carioquices”.
Eu já posso dizer que vivi mais tempo no Rio de Janeiro do que no Maranhão. Minha alma carioca está na mescla dos sotaques, mas, principalmente, no amor pelas pessoas e por estar junto. Já passei um tempo em São Paulo e acho a metrópole incrível, com sua vida noturna borbulhante, mas a dinâmica de lá é diferente. Em São Paulo, a vida é mais para si e, no Rio, a vida é com os outros. Isso é algo com que me identifico, não sei viver sozinho. Ah, e chegar de avião ao Rio é sempre algo que me emociona. Lá do alto, é tudo tão bonito, Copacabana, o Corcovado, a Baía de Guanabara. Fico deslumbrado e é inevitável abrir um sorriso e pensar “estou em casa”.
Você teve outros sonhos de infância antes de esbarrar com a arte. Quais são as suas primeiras memórias envolvendo a atuação?
Por mais que eu nunca tenha cogitado ser ator, hoje percebo que a vocação sempre esteve ali. Eu e meus primos inventávamos histórias e personagens, era nossa brincadeira preferida. Naqueles vários mundos que a gente criava, eu era empresário, vaqueiro, médico e até piloto de avião, algo que nunca consegui fazer de verdade. Lembro também de, aos 10 anos de idade, ficar fissurado pela novela “Renascer”, de Benedito Ruy Barbosa, e por aqueles atores incríveis – incluindo o Antônio Fagundes, com quem, mais tarde, tive a honra de contracenar. São minhas memórias mais antigas envolvendo o atuar.
Você passou uma parte considerável de sua carreira na TV interpretando personagens de época – emendou “Além do Tempo” (2015), “Liberdade, Liberdade” (2016), “Novo Mundo” (2017), “Entre Irmãs” (2017) e “Deus Salve o Rei” (2018). O que mais te marcou durante essas experiências?
O que mais amo no meu trabalho é que me permite a imersão em realidades e momentos históricos muito diversos, o que me estimula a sair do meu cotidiano e, ao mesmo tempo, entendê-lo. É louco como muita coisa que encontramos no passado ainda resiste – o preconceito, o modo de fazer política, as questões sociais –, e como outras, felizmente, foram superadas. Isso tudo me ajuda a identificar o que preciso trabalhar urgentemente para mudar. Na minissérie “Entre Irmãs”, por exemplo, eu interpretei um homem gay da década de 1930. É assustador perceber que o que o Degas sentia naquela época tão retrógrada ainda é a realidade de muitos. Isso me alarma, mas também me impulsiona a ser agente de uma possível mudança de olhar.
Recentemente, você também tem encarnado uma série de personagens com forte apelo estético, a exemplo de Marcos em “Bom Sucesso” (2019) e o próprio Cristiano, de “Verdades Secretas 2”. Como você lida com o rótulo de galã? Como é sua relação com o seu corpo?
Eu não rejeito o rótulo de galã, ele é consequência de um lugar a que meu ofício me levou. Mas eu trabalho muito para ressignificar esse estereótipo. Eu sei que, como seres humanos, somos isso também, exterior e aparência. Mesmo assim, é complicado quando a beleza vem à frente de qualidades profissionais em um elogio. O que me ajuda é pensar que, enquanto ator, meu corpo é ferramenta de trabalho. Ele serve ao público, é a pele que eu entrego aos personagens. Meu corpo tem voz e comunica. É nesse lugar que quero vibrar. Trabalho muito para que essa exposição não seja um apelo sem intencionalidade, mas, sim, um elemento artístico.
Para você, o que é beleza?
Beleza é você estar bem consigo mesmo. É se olhar e se sentir satisfeito com o que vê e, principalmente, com o que sente. É claro que aí entramos em uma discussão bem profunda. A sociedade é opressora, impõe e fragiliza autoestimas. É difícil se olhar no espelho e se sentir satisfeito com tantas comparações e pressões estéticas. Eu falo muito mais de um lugar de escuta.
Com a pandemia, muitas filmagens foram interrompidas, como as de Verdades Secretas 2… Como você se reinventou nesse período? Foi um momento de introspecção?
Nos últimos meses, eu pensei muito sobre perda, em todos os sentidos. Não só a morte, mas sobre esse momento de desvalorização e esvaziamento da cultura que estamos vivendo e que muito me assusta. Por isso, logo que tive a oportunidade de estar de volta aos sets de filmagem, eu me senti na obrigação de, mesmo com medo do vírus, voltar à ativa. A arte tem perdido muito. Profissionais incríveis se foram e os incentivos também. Atuar, hoje, é um ato de resistência.
Você está trabalhando em projetos que devem chegar às plataformas de streaming em breve. Conte um pouco sobre eles.
No primeiro semestre de 2022 chega aos cinemas “O Amante de Júlia”, longa-metragem com direção de Vinícius Coimbra, no qual eu tive a alegria de contracenar com estrelas como Lu Grimaldi, Bianca Bin, Sergio Guizé, entre outras. É uma adaptação brasileira do romance “O Amante de Lady Chatterley”, escrito por D. H. Lawrence, em 1928. Nele eu interpreto um cara rico que sofre um acidente na lua de mel e se distancia da mulher, que acaba se envolvendo com o jardineiro do casal. A ideia é que ele esteja disponível no Telecine, em breve. Também estou para estrear um programa sobre crianças engajadas em mudar o mundo, que deve chegar às plataformas digitais. E ainda planejo minha estreia como diretor. É uma ideia minha em parceria com os queridos Allexia Galvão e Rick Yates – mas esse é um projeto que ainda deve demorar.
Quais temas precisam ser discutidos com as nossas crianças?
Eu acredito muito naquela máxima de que as crianças são o futuro. Nenhum tema deve ser escondido delas. Em casa, nós não escondemos do Theo, nosso filho, o problema da pandemia, o drama de ficar trancado em casa, sem poder brincar, ver os amigos e parentes distantes. Nós temos essa mania de subestimar as crianças, mas elas percebem e sentem tudo. É preciso ser honesto com elas.
Como você percebe a questão das masculinidades nos dias de hoje? Como esse tema te atravessa?
Eu vivencio esse tema diariamente, sobretudo na relação com o meu filho. Os meninos são pressionados a usar a “máscara da macheza”. Apesar de estarmos caminhando para uma desconstrução, o mito da masculinidade única ainda é latente. Na minha casa, eu sempre tive a figura feminina como uma figura de poder, de comando; e meu pai desempenhou, por muito tempo, o papel do cuidado da casa e da assistência. Agora, busco educar o Theo para uma compreensão mais fluida e a menos estereotipada possível. Em casa, ele tem um ambiente seguro para chorar, contestar, sentir, se expressar e brincar com a Lola, boneca preferida dele. É preciso que a gente comece a enxergar a masculinidade em todas as suas muitas nuances.
Já que falamos sobre paternidade, como era o Romulo filho e como é, agora, o Romulo pai? Quais ensinamentos você passa para o Theo?
Cresci em um ambiente com plena liberdade para externalizar minha sensibilidade. Meus pais sempre foram muito sinceros comigo, e honestos com suas próprias fragilidades. Aprendi com eles que é impossível ser um pai perfeito. Nós vamos errar e nos arrepender. Mas o que importa é estarmos presentes, atentos e disponíveis para ouvir e acolher. Descobri, na vivência como filho, que não adianta impor, é preciso ser exemplo. Como meus pais foram para mim, quero ser um espelho de honestidade, vulnerabilidade e gentileza para que o Theo cresça sabendo lidar com a imperfeição do mundo.
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