A atriz vive grande fase no cinema e no streaming internacional, não abre mão de projetos no Brasil e faz parte de reflexões sobre desejo, movimento, mudanças e a vida contemporânea
O desejo é desorganizador e faz as coisas saírem do controle. É como o movimento, nos tira de um lugar, nos joga em outro. Caminha à procura de um objeto – aquilo ou alguém que sabemos o que é, e não sabemos mais logo depois. A curiosidade e a sensibilidade de entender quem se é e o que se quer, é um pouco o que a atriz Maria Fernanda Cândido, natural de Londrina, no Paraná – mas cidadã de muitos lugares – tem mostrado em cada projeto a que se propõe.
Essa busca subjetiva se materializa no documentário “O Incerto Lugar do Desejo”, de Paula Trabulsi, que conta com narração e atuação de Maria Fernanda – e agora está disponível no streaming do Petra Belas Artes. A produção traz a atriz no papel de Ana Thereza, que é o ponto de partida para que os entrevistados abordem o objeto principal: o desejo, e suas formas e possibilidades de crescimento, ascensão e, além disso, de que maneira ele pulsa em todos nós.
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Foto | Lucas Seixas
Desejo é assunto de muitos. Filósofos, psicanalistas, neurocientistas, atores, antropólogos, linguistas. Assim como muitos outros temas, que atravessam a vida contemporânea. É preciso ter um espaço para discutir e debater tudo isso. Com esse propósito surgiu a Casa do Saber, em 2004, – instituição da qual Maria Fernanda é sócia e curadora do ciclo de Leituras Dramáticas. “Fiz faculdade de Terapia Ocupacional, mas lá sentia a necessidade de me aprofundar em temas como filosofia, então junto a amigos pagávamos por aulas e leituras com um professor”, conta.
Desse grupo, vieram outros amigos, parceiros e professores. “A Casa do Saber, hoje, é um espaço de disseminação de conhecimentos, e busca se aprofundar no diálogo acessível e plural que envolve as diferentes formas de se pensar a vida e a sociedade”. Com a pandemia, os cursos e as produções digitais foram ampliados, na Casa do Saber +, a plataforma de streaming do espaço. Entre aulas sobre neurociência e arte brasileira, por exemplo, também aparecem conteúdos muito especiais, como a minissérie “Infinito Brasileiro”, com Gilberto Gil. Agora, a Casa do Saber já chega a quase meio milhão de seguidores no Instagram.
![Foto Lucas Seixas](https://29horas.com.br/wp-content/uploads/2022/02/lucasseixas_13092019_24_2-1024x683.png)
Foto Lucas Seixas
Abismo de si
Maria Fernanda Cândido faz muitos mergulhos. “Escolho papéis que falam de alguma forma comigo, o que me norteia nessas escolhas são as personagens, os projetos”, reflete. Ler “Paixão Segundo GH”, livro de Clarice Lispector, de 1964, é, sem dúvida, uma imersão, ficar submerso. É se deparar com um enredo aparentemente banal, à primeira vista. Depois entender que é uma história sobre o pensar e o sentir, uma viagem por dentro da subjetividade da protagonista-narradora, GH, que decide fazer uma limpeza geral no quarto de serviço de seu apartamento, depois da demissão da empregada doméstica, Janair.
Com estreia prevista para este ano, o longa “A Paixão Segundo GH”, inspirado no clássico homônimo e dirigido por Luiz Fernando Carvalho, propõe um retorno à obra, com a atriz no papel principal – na verdade, ela é o elenco. “Foi abismal, uma experiência marcante, mas é importante destacar a relação com a empregada, a Janair, que me parece crucial nesse livro, uma verdadeira ponte para a imersão de GH em si”, enfatiza.
Isso porque, ao adentrar o desconhecido, a patroa desenrola o enredo. “O quarto da empregada é o lugar que ela desconhecia no universo de sua própria casa, isso diz muito. Clarice propõe um mergulho nos aspectos sociais, tradicionais na formação da nossa sociedade… isso nos anos 60, e é muito atual. Ainda há espaço para as reflexões da autora hoje, por isso esse filme é tão importante.”
E ainda virão outros. 2022 é período de muitas estreias, como o longa italiano “Bastardos a Mão Armada”, de Gabriele Albanesi, e “Vermelho Monet”, de Halder Gomes, rodado em Lisboa, Paris e Londres, que também estão entre os projetos com a atriz que chegam ao público neste ano.
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Em “Bastardos a mão armada” | FOTO FRANCESCO MARINO
Embarque certo
Entre filmes produzidos em diferentes partes do mundo, Maria Fernanda reforça seu lugar incerto, do movimento, ao mesmo tempo que se coloca como corpo e voz do Brasil, de suas raízes. “Tenho uma mala de mão sempre pronta”, conta. Na prática, são duas residências, em Paris e em São Paulo – para os testes e filmagens na Europa e aqui. “Mas nos últimos tempos, por causa de todos esses projetos, tenho ficado pouco em cada uma delas.” O grande momento internacional da atriz talvez tenha se evidenciado em “O Traidor”, longa italiano dirigido por Marco Bellocchio, lançado ao público em 2021 e muito visto e aplaudido mundo afora. O filme foi indicado à Palma de Ouro de Cannes. Por sua interpretação de Maria Cristina, Maria Fernanda Cândido recebeu o prêmio de melhor atriz no Kineo Awards, em Veneza, e no Prêmio das Nações, do Festival de Taormina, na Sicília, além de ter sido uma das atrizes elegíveis ao Bafta, uma das mais importantes premiações do entretenimento mundial.
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Maria Fernanda Cândido no filme “O Traidor” | FOTO MARCIO AMARO
O longa conta a história de uma guerra generalizada entre os chefes da Máfia Siciliana pelo controle do tráfico de heroína. Tommaso Buscetta, um integrante de alto escalão, foge para se esconder no Brasil e a trama se aprofunda. “Trabalhar com Marco Bellocchio foi algo especialíssimo. Ele é um dos grandes diretores do nosso tempo, do mundo. Sua forma de fazer cinema, de criar é genuína. É até difícil elencar o que foi mais intenso dessa experiência para mim.”
Fantástica e latina
Com essência no teatro e no cinema, é inevitável que, hoje, o trabalho de Maria Fernanda também tenha chegado nos streamings. A atriz está confirmada na segunda temporada da série “El Presidente”, um dos grandes sucessos da Amazon, que é inspirada na vida do ex-presidente da FIFA João Havelange. Sua estreia no streaming é interpretando Anna Maria Havelange, esposa de Havelange, que é vivido pelo ator português Albano Jerónimo. As filmagens já foram iniciadas no Uruguai e o brasileiro Du Moscovis também está no elenco.
Os projetos são mesmo diversos, furam as bolhas, chegam a muitas pessoas, a grupos diferentes. E, agora, todo o trabalho da atriz se evidencia na participação em “Animais Fantásticos: Os Segredos de Dumbledore”, que é um dos longas mais aguardados pelo público para 2022 – com estreia para abril. Maria Fernanda vive a bruxa Vicência Santos. “Foi a primeira vez que meus filhos se despediram de mim alegres, diziam ‘vai lá, mamãe’, felizes”, lembra. Os adolescentes estão empolgados para ver a mãe nas telonas, ao lado de Eddie Redmayne e Jude Law, dentro do universo de Harry Potter e de J.K Rowling, assim como todo o país e os fãs dos bruxos.
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A atriz no papel de Vicência Santos, no longa “Animais Fantásticos: Os Segredos de Dumbledore”, produção derivada da saga Harry Potter | FOTO JAAP BUITENDIJK
“Não imaginava! Quando fiz o teste, ainda não sabia ao certo como seria o roteiro e o papel, foi uma grande alegria! Os filmes já faziam parte da nossa família, da nossa história, e a Vicência é muito potente, representa os bruxos do mundo latino, fala um pouco com todos nós”, antecipa.
A energia criativa e pulsante de Maria Fernanda Cândido, em tantos trabalhos, inspira um ano mais ativo, para fora, com encontros pelo mundo e novas ideias efervescentes, além de mudanças necessárias que precisam acontecer. “2022 é uma oportunidade para fazermos um estudo, estou confiante de que será um período decisivo para melhor, com eleições no país e mais enfrentamento à pandemia.”
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