Sagaz e divertida, Maria Beltrão fala sobre o lançamento de seu primeiro livro “O Amor Não Se Isola”

por | out 1, 2021 | Entrevista, Pessoas, Pessoas & Ideias | 0 Comentários

Em outubro, o canal Globo News completa 25 anos no ar, sem desligar. E Maria Beltrão é uma das jornalistas que está lá desde o começo dessa bonita história. No comando do “Estúdio i” desde 2008, com seu estilo irreverente ela traz leveza ao noticiário e fica no ar ao vivo por três horas seguidas de segunda a sexta, atuando como âncora, mestre de cerimônias e comentarista sobre os mais variados temas.

Nascida no Rio de Janeiro há 50 anos, Maria Beltrão é filha de um ministro do governo Figueiredo, morou em Londres e estudou Economia antes de enveredar pelo Jornalismo. Na entrevista que concedeu à 29HORAS, ela fala do livro que lançou durante a pandemia, da importância do jornalismo de qualidade e da praga das fake news.

 

Maria Beltrão Foto Marcelo de Jesus

 

Confira a seguir os principais trechos dessa conversa:

Desde 2008 você comanda o “Estúdio i”. Quem concebeu esse programa? Alguma outra jornalista foi testada para apresentá-lo ou desde o início o formato foi desenvolvido em cima da sua personalidade?
Lá por 2005-2006, uma pesquisa de imagem da Globo News revelou que o público do canal o achava muito sisudo, distante do espectador e um pouco arrogante. Aí a direção começou a apostar numa certa descontração e num estilo de apresentação mais espontâneo e desinibido. Eu já havia proposto anteriormente a criação de uma revista eletrônica, mas a ideia nunca vingou. Depois dessa pesquisa, começaram a formatar o “Estúdio i” e, desde o começo, ficou definido que eu seria a apresentadora. O nome vem de interatividade e informalidade. No começo, era um balaio de gatos, tínhamos de tudo: médico, comportamento, futebol e muita música. Toda tarde, uma banda diferente se apresentava no final do programa. Mas, aos poucos, essa fórmula foi mudando e o programa se tornou mais ‘hard’, com comentaristas falando das notícias mais relevantes do dia, de economia e de política. Acho que essa mudança acompanhou a evolução do telespectador, que se acostumou a assistir ao vivo sessões do Supremo, coletivas de ministros, pronunciamentos de autoridades nacionais e mundiais. O programa vai ao ar num horário em que acontece muita coisa. Não dá para ficar alheio a essas notícias todas.

Eu, quando comento com meus amigos que assisto todos os dias ao “Estúdio i”, muitas vezes ouço comentários do tipo: ‘Putz, mas esse programa poderia ser menos enrolado. Durante três horas aquela apresentadora fica muito tempo comentando o signo zodiacal da repórter, a maquiagem de fulana, o cabelo de sicrano e a paleta de cores das blusas dos convidados… Sem falar que todo mundo que chega ainda tem de falar boa tarde X, boa tarde Y, boa tarde Z, boa tarde assinantes…’ O que você tem a dizer para as pessoas que gostariam que as conversas do programa fossem mais diretas e objetivas?
Concordo com seus amigos: três horas de Maria Beltrão na TV é um exagero. Até mesmo para mim. Ficar 180 minutos comandando um programa ao vivo é extenuante. No final, eu estou sempre exausta. Pelo menos trabalho sentada, ao contrário da maioria dos outros apresentadores da Globo News! [rsrsrs] Sobre essas observações que eu faço sobre signos, cabelos e paletas de cores, esse é o meu jeito. E, pelo retorno que temos dos espectadores, a grande maioria da audiência gosta disso, quer isso. Essa irreverência é uma das principais características do programa. O ‘Estúdio i’ é assim. Eu sou assim. Isso atenua o abalo que muitas vezes uma notícia traz. Nossa proposta é levar um pouco de leveza aos espectadores, mesmo quando discutimos assuntos tristes e espinhosos. É mais ou menos como disse Charlie Chaplin: ‘Se você tivesse levado a sério os meus gracejos, teria ouvido verdades que teimo em dizer brincando. Falei muitas vezes como palhaço, mas nunca duvidei da seriedade da plateia que me ouvia’.

Por falar em assuntos tristes e marcantes, onde estava Maria Beltrão no dia 11 de setembro de 2001?
Estava na academia. Pela escala, eu só ia entrar no ar bem mais tarde. Vi na TV que alguma coisa tinha se chocado em uma das torres do WTC. Quando estava saindo do vestiário, depois do banho, vi que a outra torre também havia sido atingida e deduzi que algo sério estava acontecendo. Nesse exato instante, meu telefone tocou e era da Globo News me convocando para ir imediatamente para o estúdio. Cheguei, rendi a Leila [Sterenberg] e fiquei “apenas” 10 horas seguidas ancorando a transmissão ao vivo. Foi muito marcante para todos que trabalhávamos lá naquela época. O canal estava completando 5 anos e aquele foi o nosso rito de iniciação em uma nova fase. Depois daquele momento, mudamos de patamar profissional.

A seu ver, o que mudou na Globo News com a chegada da CNN e com o aparecimento de canais noticiosos confiáveis em outras plataformas?
Mudou que a gente ganhou mais um motivo para fazer todo dia o nosso melhor. Eu acho que concorrência é saudável, é sempre bom. Dá uma injeção de criatividade, dá vontade de caprichar mais. E fica melhor para o telespectador, que pode perceber com mais clareza o nosso jeito diferente de fazer o nosso trabalho. Nós somos um canal de notícias brasileiro, e agora isso ficou ainda mais evidente. Trabalhamos do jeito que a nossa audiência prefere, não da maneira que o público de outro país consagrou.

Durante a pandemia, jornalistas como você nunca pararam de trabalhar. Você esteve na linha de frente! Você passou a enxergar de outra maneira a sua missão não só de informar, mas também de combater as fake news?
Acho que sim. Durante meses, eu saí de casa todo dia com medo, sem saber o que poderia acontecer – a gente não tinha nenhum conhecimento sobre essa doença. Mas o que me impulsionava a levantar toda manhã foi exatamente esse senso de serviço que você falou. Passei a valorizar ainda mais a minha profissão. Tínhamos um trabalho muito importante a fazer. Ainda mais nesse mundo tomado por fake news, que são um mal tão danoso quanto o coronavírus. Elas nasceram como “pós-verdade” e depois viraram “fatos alternativos”, mas o correto mesmo é chamá-las de fraudes ou de mentiras. É isso que elas são! E é um trabalho insano combatê-las, mas essa é a nossa tarefa: corrigir, esclarecer, explicar, passar a informação correta. Nosso compromisso é com a verdade, com os fatos, com a ciência.

 

Maria Beltrão Foto João Cotta | Divulgação

 

O que foi mais duro para você no período da quarentena? Como foi segurar em casa durante meses sua filha adolescente?
O mais difícil foi ficar meses sem encontrar fisicamente com a minha mãe. Foi muito desagradável me sentir um risco para as outras pessoas, já que eu tinha que sair de casa todo dia e enquanto todo mundo ficava confinado e se cuidando. Quanto às meninas lá de casa – a minha filha Ana (de 18 anos) e a minha enteada Bia (de 17) –, foi surpreendentemente fácil. Apesar da idade, ambas são super caseiras. Ficavam em nosso apartamento no Leblon numa boa. Às vezes batia uma angústia, mas elas são muito comportadas e souberam encarar a quarentena de uma maneira admirável.

O que te motivou a escrever seu primeiro livro, “O Amor Não Se Isola”?
No auge da pandemia, meu marido – o advogado Luciano Saldanha Coelho – propôs a todo mundo lá em casa uma brincadeira para extravasar as aflições e destravar a criatividade, baseada num exercício criado pela escritora norte-americana Julia Cameron. A missão era a seguinte: toda manhã, tínhamos que escrever três páginas sobre qualquer assunto. Eu comecei a usar essa dinâmica como catarse, para desbloquear minha mente e colocar no papel os pensamentos mais aleatórios. Um dia, mostrei para uma amiga o que havia escrito sobre o João Ubaldo Ribeiro e falei que este era apenas um dos meus textos que havia produzido. Ela leu, gostou e me disse que esse material poderia render um bom livro. Mostrei depois para o Octavio Guedes – grande jornalista e amigo maior ainda – e ele também adorou, achou apropriado o meu tom confessional, mas sem ser autocentrado. Levei a uma editora e o material acabou saindo quase sem alterações. O lançamento foi uma loucura, ainda que virtual. Poucas vezes na vida me senti tão adorada e admirada. A frase que virou o título do livro foi pinçada de uma das minhas crônicas. Durante a pandemia, notei que o confinamento distanciava fisicamente as pessoas, mas a verdade é que o amor é muito maior do que essas imposições da quarentena. Ele se adapta e dribla esses obstáculos, essas dificuldades. A gente segue sempre se relacionando com quem a gente ama via Zoom, pelo Whats ou por outros vários meios. Não há confinamento capaz de deter a força do amor.

O livro tem uma versão em audiobook, que você mesma gravou pessoalmente. E gravou também a série de podcasts sobre as histórias desses 25 anos de Globo News. Pensa em investir mais na produção de podcasts ou em uma carreira de narradora ou dubladora?
Obrigada, mas não. Sem tempo, irmão. Gravar os podcasts e o audiobook foram experiências maravilhosas, mas a partir desse momento da minha vida e da minha carreira, aos 50 anos de idade, eu quero trabalhar menos.

E no cinema? Quando a veremos atuando na telona? Quando você apresenta o Oscar na Globo não fica com vontade?
Eu? Jamais! Amo cinema, mas somente como espectadora. E nem me fale da apresentação do Oscar, porque ainda não consegui processar o luto pela perda do grande Artur Xexéo, meu mestre, meu amigo querido. É uma dor imensa. Não consigo imaginar como é que vou conseguir comandar a transmissão da cerimônia de premiação sem ele.

Agora que parece que a pandemia está chegando ao fim ou a um nível que permite que a gente pelo menos consiga conviver com ela, o que você pretende deixar para trás?
Eu não vejo a hora de deixar para trás de uma vez por todas essas restrições, todo esse distanciamento social. Não sei viver sem tocar, pegar e apertar. Eu não sou do abraço, eu sou do amasso! Comigo é na base do beijo, comigo é na base do amor…

Do alto de seus 1,80 m, qual a receita de Maria Beltrão para curar as chagas do Brasil e do mundo, acabar com a divisão, com a tristeza?
Jamais perca a esperança. Tá ruim? Vai passar. A vida opera em ciclos. Tem muito mais bem do que mal por aí. Nesse momento de trevas, o jeito é acender uma vela, e não ficar só reclamando da escuridão. Para trazermos de volta a felicidade, a fórmula é relativamente simples: basta apostar na esperança, na fé, na empatia e no amor. Sempre!

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