Antigamente as crianças tinham ruas calmas, mais áreas verdes e calçadas seguras para brincar. Nas últimas décadas, elas têm crescido em apartamentos e lugares exíguos, com liberdade reduzida e praticamente sem acesso aos espaços públicos, que se tornaram inóspitos e inseguros. Pouco caminham e pedalam, o que transformou o sedentarismo e a obesidade em questões de saúde pública em vários países, inclusive no Brasil.
Para mudar esse cenário melancólico, a arquiteta australiana Natalia Krysiak criou, em 2017, o projeto Cities for Play, cujo propósito é inspirar urbanistas, arquitetos e gestores urbanos a construírem cidades estimulantes, respeitosas e acessíveis às crianças. “Sempre me interessei pela relação das cidades com as pessoas. Quando criança, tive a oportunidade de conhecer muitos bairros e morar em casas diferentes, e toda essa diversidade de vivências abriu meus horizontes e fortaleceu habilidades como independência, cidadania e empatia. Acredito que o ambiente urbano pode ter um efeito profundo na saúde mental e física dos mais jovens”, diz Natalia.
O Cities for Play trabalha com os setores público, privado e civil para criar cidades amigáveis à população infantil. Fazem isso por meio de pesquisa, defesa e engajamento da comunidade em várias escalas. Eles acreditam que as necessidades dos pequenos devem estar no centro do design urbano, o que tornará, por sua vez, a cidade muito mais inclusiva e inteligente. Faz sentido, já que uma cidade boa para crianças é também segura para outras parcelas da população, inclusive idosos e pessoas com deficiência.
Na Europa, entre os países conhecidos por suas cidades amigáveis destacam-se a Holanda, a Dinamarca, a Suécia, a Alemanha e o Reino Unido. Em Londres, crianças de uma comunidade participam de workshops para planejar a cidade que desejam. A ideia é dar voz e poder de ação para elas. Lá, medidas exigem que novos edifícios residenciais forneçam ao menos 10 metros quadrados de área verde por criança moradora.
Já em Cambridge, um conjunto de 42 casas projetadas pelo escritório Mole Architects foca na interação da comunidade, e uma rua sem carros foi implementada para incentivar brincadeiras ao ar livre e o convívio no jardim e na horta comunitária. Na Alemanha, em Alpen, uma simples intervenção em uma praça trouxe diversão para as crianças se refrescarem no verão.
O Cities for Play é um ótimo projeto e pode inspirar também cidades brasileiras, o que irá fornecer um legado saudável e sustentável para as novas gerações.
Criador do conceito da “Cidade de 15 Minutos”, o urbanista franco-colombiano Carlos Moreno é adepto da “desmobilidade”, que devolve aos moradores da cidade mais tempo útil, pessoal e social.
O Pro Coletivo entrevistou o urbanista franco-colombiano Carlos Moreno, da Universidade Paris 1 Panthéon Sorbonne e uma das principais vozes internacionais do urbanismo sustentável. A seguir, ele fala de seu projeto para implementar metrópoles descentralizadas, saudáveis e sustentáveis. Paris é um de seus projetos recentes.
Carlos Moreno, criador do conceito “Cidade em 15 Minutos” – Foto: Divulgação
Como é a Cidade de 15 Minutos?
É a cidade que oferece moradia, educação, trabalho, saúde, lazer, cultura, sustentabilidade e comércio em todos os bairros. Em cada uma das regiões os serviços básicos estão próximos dos habitantes. A Cidade de 15 Minutos é um novo paradigma para combater as mudanças climáticas e a poluição, pois reduz os deslocamentos diários, já que as principais necessidades estão a 15 minutos de caminhada ou de bicicleta.
O que o motivou a criar esse sistema urbano?
Comecei a me perguntar: por que temos que transportar tanto? Por que nos movemos tanto? Por que passamos tanto tempo, uma hora na ida e outra na volta, às vezes muito mais, no trânsito? A resposta é que, em vez de investirmos em uma mobilidade mais intensa, vamos fazer um projeto de desmobilidade. Uma desmobilidade que incremente a qualidade de vida para oferecer mais tempo útil, social, pessoal, ecológico, com menos CO2. Recuperar o tempo é um ato importante hoje, porque o capitalismo moderno está preocupado, desde que o Taylorismo nasceu, em contar o tempo e os segundos para todas as tarefas dos trabalhadores, convertendo a vida em uma existência completamente cronometrada.
Como surgiu o trabalho com Anne Hidalgo, prefeita de Paris?
Essa ideia vem se consolidando na capital francesa desde o primeiro Acordo de Paris em 2015, quando houve as negociações internacionais para diminuir 40% das emissões de CO2 em dez anos e chegar à neutralidade de carbono em 2050, reduzindo o impacto ambiental do transporte, maior fonte de emissões de CO2. Tornei-me conselheiro de mobilidade de Paris em 2015 e venho trabalhando com Hidalgo desde então (a prefeita se reelegeu com essa plataforma em junho de 2020).
A pandemia acelerou a necessidade de implantar esse conceito?
Certamente, pois o vírus trouxe o isolamento e a demanda por mais espaços verdes e menos poluição. Paris, que sempre foi muito fragmentada, como outras grandes metrópoles, está se transformando em uma cidade policêntrica, com mais diversidade, ecologia, participação das pessoas e melhor utilização dos recursos. Já contamos com mais de 1000 km de ciclovias, além de estarmos transformando espaços de carros para pedestres e ciclistas. Um exemplo é a Rue de Rivoli, que contava com sete faixas para carros e agora é toda para pedestres e ciclistas.
Qual é o peso da mudança de cultura em um projeto como esse, já que muitas pessoas são arraigadas a hábitos e avessas a inovações?
Não há transformação urbana sem a mudança de cultura, de hábitos, de atitudes. No início, em Paris, os motoristas de carros reclamavam muito, pois a cultura do carro sempre foi muito valorizada. Após cinco anos de trabalho intensivo, eles perceberam como houve melhora na vida de todos, portanto isso foi bem assimilado. A mudança de mentalidade é fundamental para construir uma cidade melhor. Envolve a educação e a formação das novas gerações, que são muito sensíveis às novas tecnologias e às questões climáticas.
Movimentos que estimulam o transporte a pé e buscam metrópoles saudáveis e inclusivas ganham mais força durante a pandemia.
Por causa do distanciamento social, mais gente passou a caminhar. Duas pesquisas, da Rede BR e da Rede Nossa São Paulo, apontam que a preferência pela caminhada subiu de 9% para 23% no país e aumentou 32% só na cidade de São Paulo.
Foto: Pixabay
São dados inspiradores, uma vez que as vantagens de andar a pé são inúmeras. Caminhar faz bem para a saúde física, mental e emocional; não polui e é de graça, além de tornar as cidades mais seguras e agradáveis – já que lugares com poucos pedestres são mais suscetíveis à violência urbana.
No Brasil, vários movimentos atuam em defesa desse meio de transporte, exigindo calçadas decentes, tempos semafóricos suficientes para travessias e a formulação de políticas públicas que garantam acessibilidade e segurança. Caminhar é um meio importantíssimo de mobilidade: cerca de um terço da população brasileira se desloca diariamente a pé. Confira abaixo o que fazem os principais grupos e como você pode trilhar esse caminho:
Ponto de encontro das organizações que promovem a mobilidade a pé, está em pleno vapor o Laboratório de Ação Direta para a Mobilidade a Pé (Lab.MaP), acelerando dez iniciativas no Brasil para colocar na rua projetos em defesa de quem caminha.
Atua em defesa de uma cidade de São Paulo mais humana, segura e acessível para todos os que se deslocam por ela, em especial quando usam seus próprios pés ou cadeira de rodas para se locomover.
Estimula a população a contemplar calçadas que muitas vezes passam despercebidas, fortalecendo o olhar para a cidade e para a arquitetura.
Mulheranda
Rede de urbanistas, ativistas e entusiastas da mobilidade que sonham com cidades mais humanas, inclusivas e equitativas, pensadas por e para as mulheres.
O projeto incentiva o caminhar junto até a escola, envolvendo a comunidade escolar, crianças e familiares, que se reúnem diariamente para formar rotas com trajetos específicos, construindo uma nova relação entre as pessoas e a cidade onde vivem.
Henrique Beckmann, do projeto Você Ciclista, dá o caminho das pedras para escolher a bicicleta ideal.
A venda de bicicletas dobrou em 2020 e segue em alta neste ano, segundo levantamento da Associação Brasileira do Setor de Bicicletas (Aliança Bike). Além de se ajustar às medidas de distanciamento social, ela é saudável, sustentável, econômica e silenciosa. Nesse fluxo de busca, muitos iniciantes foram atrás da sua bike. Mas como escolher? O que deve ser considerado na hora da compra?
O Pro Coletivo conversou com Henrique Beckmann, engenheiro ambiental de formação e ciclista urbano por vocação, fundador da plataforma Você Ciclista, que incentiva, orienta e ensina pessoas a se sentirem seguras pedalando.
Henrique do Você Ciclista – Foto: Divulgação
Bora pedalar? Confira os conselhos desse especialista:
Conheça as modalidades e categorias à venda no Brasil. São Montanha, Estrada e Urbana, divididas nas subcategorias Asfalto, Clássica, Dobrável, Fixa, Gravel, Híbrida, Lazer, Single Speed, Hard Tail e Full Suspension. No Guia B7K, Henrique lista todas as bicicletas com preços entre R$ 500 e R$ 7.990.
Defina o que deseja fazer com sua bike: pedalar diariamente para o trabalho, passear com os amigos, tornar-se atleta, fazer trilhas, explorar lugares… A bicicleta traz muitas possibilidades, mas para escolher o modelo certo é preciso definir o seu perfil como ciclista.
Preço e estética são critérios importantes, mas totalmente secundários se você busca bom custo-benefício e conforto para pedalar.
Descubra qual é o tamanho ideal para o seu biotipo. Bicicletas são como roupas, além de estilos diferentes, têm tamanhos e formatos diversos, o que é tecnicamente chamado de geometria. Uma bike de tamanho errado é tão desconfortável quanto um sapato apertado.
Não existe bicicleta boa para tudo. Para a cidade, não faz sentido uma bicicleta com suspensão pesada na frente e pneus largos com cravos que impedem que ela se desenvolva melhor. Nessa situação, o ideal é a bike com garfo rígido e pneus urbanos, assim a pedalada fica mais fluida.
Apesar de haver muitas ofertas na internet, tenha cuidado. Busque marcas que ofereçam ao menos a garantia do quadro e se comprometam a lhe ressarcir em caso de defeitos de fábrica.
Quando possível, teste e experimente. Um test-ride é importante para você sentir a bicicleta, tirar suas impressões e extrair sensações ao pedalar.
Controle a sua ansiedade! O principal erro de iniciantes é comprar antes de checar todas as opções viáveis, dentro de seu perfil e orçamento. Muitos se frustram e até desistem de pedalar, pois escolhem uma bicicleta inadequada para seu biotipo, terreno e habilidades. Henrique tem o programa Sua Melhor Bicicleta, uma assessoria on-line personaliza-da para ajudar a escolher a bike ideal.
Seja iniciante ou não, é importante fazer um “bike fit” (um ajuste fino entre o ciclista e a bicicleta) para que a pedalada fique perfeita. Entenda o bike fit como uma ida à costureira ou ao alfaiate, em que se farão pequenos ajustes, essenciais para o seu conforto ao pedalar. Essa adequação pode ser feita com profissionais em lojas de bicicletas.
Elas lutam pela mobilidade ativa e por metrópoles mais saudáveis e sustentáveis
Em Paris, a prefeita Anne Hidalgo se reelegeu em 2020 ampliando as ações para reduzir a poluição e fazer da capital francesa uma cidade mais segura, verde e inclusiva. Ela já vinha fazendo grandes transformações na mobilidade – construiu 1.000 km de ciclovias em seu primeiro mandato – e agora, reeleita em plena pandemia, investiu na “Cidade de 15 Minutos”, um conceito criado pelo cientista franco-colombiano Carlos Moreno e que propõe uma cidade descentralizada, equilibrada, com mais saúde, solidariedade, diversidade, ecologia, participação das pessoas e melhor utilização dos recursos.
Claudia López tomou posse como prefeita de Bogotá, em janeiro de 2020, com o desafio de implantar “um novo contrato social e ambiental, trazendo aos jovens e às mulheres um projeto de vida digno e uma cidade que não contribua para destruir o planeta.” Começou com 117 km de ciclofaixas temporárias para reduzir os riscos de contágio na pandemia, a poluição e a interação no sistema de ônibus TransMillenio (BRT), que tem lotação acima da média. Como Hidalgo, ela costuma pedalar e caminhar pela cidade, dando um exemplo transformador nos dias de hoje.
Foto – Divulgação
No Brasil, Renata Falzoni tem 67 anos e 44 dedicados à mobilidade ativa. Formada em arquitetura e urbanismo, é uma referência quando se fala em bicicleta no país. Sua luta para fortalecer o cicloativismo a levou à política. Em 2020, concorreu ao cargo de vereadora de São Paulo e teve mais de 26 mil votos, mas infelizmente não foi eleita. Para Renata, as cidades que apostarem na bicicleta na pós-pandemia não vão apenas se recuperar, elas vão prosperar muito. “Abrir as ruas para as pessoas é o tipo de ação que pode aquecer a economia e trazer saúde para a população. Cada vez mais vamos precisar de espaços públicos de lazer ao ar livre que garantam segurança e qualidade de vida.”
Várias outras brasileiras são presença forte no cenário da mobilidade sustentável. Ana Luiza Carboni, consultora carioca formada em psicologia e com mestrado em Gestão de Recursos Humanos pelo King’s College London, tem uma vida de puro ativismo sobre duas rodas: ela coordena, questiona, pressiona, reúne grupos, dá palestras, ensina… Tanto carinho e empenho a tornaram a primeira Prefeita da Bicicleta de Niterói, além de diretora presidenta da União de Ciclistas do Brasil.
Já a paulistana Martina Horvath é responsável, junto a outras ciclistas, pela criação de um pedal exclusivamente feminino, o Bike Anjas, que hoje se espalha por várias cidades brasileiras, ajudando mais mulheres a conhecer, curtir e valorizar a magrela. E a professora paranense Viviane Ferreira Mendonça, a Vivi, criadora da plataforma Vou de Bike e Salto Alto, com mais de 100 mil seguidores nas redes sociais, criou um projeto comunitário com os estudantes da escola pública em que trabalha, em Curitiba. Juntos, construíram um bicicletário e um programa que envolve passeios e oficinas de conscientização para a melhora do trânsito. E ela, fazendo jus ao nome da sua marca, só vai de salto alto. Vivi se arruma cuidadosamente para andar de bike e acabou lançando uma grife própria, com roupas charmosas, femininas e práticas.
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