Para além de “cringe”, envelhecer é a tendência mais valiosa tanto online quanto offline
Nas redes sociais, tempo é artigo de luxo. Dados divulgados em 2020 pela empresa de tecnologia e computação Domo apontam que, a cada minuto, 347 mil novos stories são postados no Instagram, 147 mil fotos são publicadas no Facebook e 41 milhões de mensagens são trocadas no Whatsapp. Com informações correndo a velocidades relâmpago, bastam alguns cliques para o que era tendência se tornar ultrapassado – ou, na linguagem virtual, “cringe”. Esse termo estrangeiro virou gíria recentemente e tem gerado discussões a respeito do, ainda, tabu do envelhecimento na internet.
“‘Cringe’ é um verbo derivado das línguas germânicas que, no inglês coloquial, corresponde a “sofrer com algo por discordância”. Há uma referência, também, ao sentido de “anomalia”. “No mundo virtual, a palavra virou adjetivo para designar aquilo que é vergonhoso e antiquado”, explica Luciana Carvalho, professora do Departamento de Letras Modernas da Universidade de São Paulo. “A ditadura do que é ou não ‘cringe’ emerge de um desejo de se reafirmar jovem no ambiente perecível da internet.”
A gíria se popularizou no Twitter no final de junho, quando jovens da Geração Z (nascidos entre 1995 e 2010) começaram a utilizá-la para condenar comportamentos dos anteriores Millennials (aqueles que nasceram entre 1980 e 1994). Na onda da obsolescência digital, até os internautas de 30 anos assumiram o considerado fardo do envelhecimento.
“Nós não estamos envelhecendo mais cedo, só nos tornamos menos tolerantes à passagem do tempo”, comenta a psicanalista Vera Iaconelli. O problema, porém, não é exclusividade do mundo virtual. “A nossa cultura, diferente da de muitos ameríndios e orientais, lida muito mal com o amadurecimento. Mesmo fora da internet, é comum relacionarmos aquilo que envelhece ao que perde valor, como um reflexo, inclusive, dos nossos hábitos de consumo”. Para Vera, essa desvalorização social da maturidade pode ter implicações profundas. “Uma decorrência perceptível é o silenciamento desse grupo, e a tendência à exclusão de espaços, sobretudo virtuais.”
Na contramão do silenciamento, a população madura resiste – dentro e fora da internet. Segundo levantamento da Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CDNL) e do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil), o percentual de brasileiros com mais de 60 anos que navegam na rede cresceu de 68%, em 2018, para 97%, em 2021. O boom dos influenciadores sênior também não passa despercebido e já existem plataformas de mapeamento desses criadores de conteúdo. “Esse espaço também é nosso e é preciso ocupá-lo”, pontua Claudia Ferrabraz, ex-modelo da Chanel que, hoje, compartilha suas experiências profissionais na página do Instagram @50mais_ferrabraz. “Assim como na moda, tudo na internet e na vida é reciclado. Nada é tão ultrapassado que não possa se reinventar e voltar na maturidade. Eu e muitos outros produtores de conteúdo da minha idade somos a prova disso.”
Não é à toa que a revista Forbes criou uma lista-homenagem destinada exclusivamente a esse público. O primeiro catálogo Forbes 50+ foi divulgado em junho deste ano e reúne doze nomes de diferentes segmentos. O executivo Dimas Moura é um deles. À frente do canal “Mais 50” – o maior do YouTube Brasil voltado à maturidade, com mais de 200 mil inscritos –, o empreendedor mapeia as melhores cidades para se viver no mundo, analisando qualidade e custo de vida e índices de saúde. “Eu viajei o mundo a trabalho a minha vida inteira, e continuo fazendo isso, apenas mudei de cargo. Sempre me perguntam se me arrependi de deixar o mundo corporativo, o grande salário. Nem um pouco! Aprendi muito mais nesses três anos e meio como influenciador digital do que em quatro décadas como executivo.”
Nos vídeos, postados semanalmente nas redes, Dimas dá conselhos sobre finanças e negócios, e oferece dicas para um envelhecimento saudável. O segredo, segundo ele, é simples: “Envelhecer pode ser uma dádiva se entendermos que o fato de virmos de uma geração anterior não nos faz menos capazes. Pelo contrário, é o nosso grande trunfo. Podemos reverter essa bagagem para aproveitar esse novo mundo, que é de todos, inclusive nosso. No fim, “cringe” mesmo é não se reinventar.”
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