Primavera é sinônimo de renovação. É a época do ano em que “estão voltando as flores”, como diz a famosa marcharancho de Paulo Soledade, cantada por Dalva de Oliveira. É também “quando ninguém mais espera e ressuscita por amor”, como ressoa na canção de Zé Miguel Wisnik, interpretada por Ná Ozzetti. Por isso, preparamos aqui uma linda seleção de músicas para você entrar em setembro no clima de transformação!
Quem já lembrou de Beto Guedes? O compositor mineiro está em fase boa depois da linda gravação de Gabriel Sater de “Amor de Índio”, tema do casal romântico mais bonito e famoso da TV no momento. Essa canção faz parte de um LP de 1978, que também traz “Só Primavera”, de Beto e Marcio Borges com arranjo lindo de Wagner Tiso. Um naipe de cellos, viola caipira, piano de Flavio Venturini… é um luxo!
Beto Guedes – Amor De Índio (1978) | Foto Reprodução
A letra fala do nascer de um novo homem, a primavera como uma promessa. E no disco do ano seguinte, 1979, está a belíssima “Sol de Primavera”, parceria com Ronaldo Bastos: “Já sonhamos juntos/Semeando as canções no vento/Quero ver crescer nossa voz/No que falta sonhar…”
“Primavera nos Dentes” com os Secos e Molhados já é uma outra história, música de João Ricardo e João Apolinário, faixa do disco histórico de 1973. Um teclado incrível, guitarras, baixo e uma força tremenda na letra, que diz: “Quem não vacila mesmo derrotado/Quem já perdido nunca desespera/E envolto em tempestade, decepado/Entre os dentes, segura a primavera”. É um chamado para a luta! Essa música foi regravada na voz de Duda Brack e é o nome de um lindo projeto de Charles Gavin. Ouça as duas versões!
Tom e Vinicius dificilmente faltam em minhas listas. Separei “Derradeira Primavera”, gravada naquele disco de Nana Caymmi, de 1967, pelo selo Elenco de Aloyso de Oliveira. Com arranjo maravilhoso de Oscar Castro Neves, a música é tristíssima em qualquer versão.
E, para terminar, a deliciosa e romântica balada soul “Primavera (Vai Chuva)”, de Cassiano e Rochael, gravada por Tim Maia, em 1970, com Cassiano na guitarra e o próprio Tim tocando violão. Essa nem preciso colocar a letra, todo mundo sabe e quero te deixar com vontade de cantar enquanto termina de ler esta coluna.
Viva a primavera, prenúncio de mudança! Vamos aproveitar!
Ficou com vontade de ouvir as clássicas do artista? Acesse no 29HORAS Play. Aproveite!
A última turnê do maior carioca mineiro, Milton Nascimento, passará pela Europa, pelos Estados Unidos e pelo Brasil, mas sua música jamais cessará
Milton Nascimento, uma das vozes mais lindas e celebradas do Brasil, está se despedindo dos palcos! Bituca completa 80 anos em outubro deste ano e saiu em turnê mundial com o espetáculo “A Última Sessão de Música”. Neste momento em que escrevo, ele está pela Europa. A ideia de sair pelos palcos da vida foi de seu filho Augusto Kesrouani Nascimento, que também criou um vídeo lindo em que o cantor e compositor nos convida para essa “travessia”, vestido com uma belíssima peça do estilista Ronaldo Fraga (foto).
Foto Marcos Hermes | Divulgação
O público atendeu ao chamado com entusiasmo, os ingressos já estão esgotados em Belo Horizonte, no Rio de Janeiro e em São Paulo. Afinal, são décadas de sucessos, décadas fazendo a trilha sonora da vida de tanta gente.
Milton viaja com uma banda primorosa e com aquele repertório de clássicos que todo mundo quer ouvir. Carrega em si uma vida longa dedicada à música. São 42 discos lançados, o primeiro em 1967, além de parcerias internacionais com Wayne Shorter e Quincy Jones, cinco prêmios Grammy e canções gravadas por vozes do mundo inteiro que, aqui no Brasil, começaram por Elis Regina: “Cais”, “Vera Cruz”, “Canção do Sal”, entre outras maravilhas.
Ganhou um acordeão da avó quando muito criança e, aos 13 anos, já era crooner de orquestra de baile em Minas Gerais. Wagner Tiso, compositor, arranjador e pianista, foi seu grande parceiro de viagens e bailes nesse começo. Em 1972, com uma turma de jovens mineiros geniais fez o clássico “Clube da Esquina”, trabalho que está sempre nas listas de melhores discos feitos no Brasil.
Bituca nasceu no Rio de Janeiro, mas foi criado em Minas e é de lá que vem a inspiração primeira para sua música – é mineiro de coração e alma. Duvido muito que você que me lê não conheça essa obra, mas eu gostaria de indicar aqui dois discos que adoro e são menos falados. O primeiro é “Native Dancer”, com o saxofonista Wayne Shorter e lançado em 1975. Tem Robertinho Silva e Airto Moreira na bateria e na percussão, Wagner Tiso e Herbie Hancock nos pianos e teclados, e Milton na guitarra. Esse disco levou o repertório do cantor aos ouvidos de Esperanza Spaldin, uma baixista contemporânea maravilhosa e apaixonada por música brasileira.
O outro é “Yauaretê”, de 1987. O nome do disco veio do pequeno poema que Tom Jobim escreveu para Bituca: “Meu Yauaretê Pixuna, minha onça verdadeira. Você é o rei da floresta, da mata brasileira. Meu taquaraçu de espinho, meu carioca mineiro. Meu amor e meu carinho, uirapuru verdadeiro. O amador de passarinho”. O álbum traz lindas canções e as participações do Uakti e dos amigos do jazz que já estiveram com ele no Native Dancer.
Salve Milton! Da música, ele nunca se despede.
Ouça no Spotify a playlist by Patricia Palumbo no 29HORAS Play: link da playlist.
A paz e o amor, lema cantado e difundido no mundo e no Brasil afora na MPB do século passado, volta repaginado em bandas e produções que são pura poesia
O outono já invade os dias e as nossas vidas. Isso quer dizer que as praias estão lindas e desertas, esperando por nós, como na música “As Praias Desertas”, de Tom Jobim. Ao mesmo tempo, sabemos que a vida segue com suas dificuldades habituais e que a liberdade de estar no mar e na folia com os amigos não é para toda hora. O mundo vive simultaneamente uma pandemia e algumas guerras. E que saudade que dá do nosso amor na paz, não é? Já ressoa aos ouvidos “A Paz”, de João Donato e Gilberto Gil.
Lembro do movimento hippie paz e amor contra a guerra do Vietnã, lembro de Ella Fitzgerald cantando “Let’s Do It” de Cole Porter (“Vamos Amar”, na versão de Carlos Rennó com Elza Soares). E recordo dos nossos anos 1960 e 1970 com as maravilhas cantadas por Gal Costa, Luiz Melodia, Marina Lima. Plena ditadura e a música sempre indicando a saída. Ou pelo menos fazendo mais fácil existir.
Nesse verão de 2022 vimos duas bandas muito jovens com o espírito odara enchendo praias e teatros pelo Brasil. Sim, praias! Vejam que delícia. Bala Desejo (foto) é um quarteto formado meio sem querer no princípio da quarentena. Foram morar juntos Julia Vargas, Zé Ibarra, Dora Morelenbaum e Lucas Nunes. Fizeram lives da escadaria do prédio, compuseram, tocaram e, agora, espalham esse amor por aí. O primeiro trabalho já está nas plataformas e é uma delícia. Nas fotos parece que estamos vendo os doces bárbaros do século 21, cariocas, jovens, talentosos e livres – ou, ao menos, pregando a liberdade, a paz e o amor.
Banda Bala Desejo | Foto Divulgação
A outra banda, ainda que não more junto, convive desde o berço. São os Gilsons. Nome dado por Preta Gil para juntar o som e os três meninos de mesmo sobrenome: José, João e Francisco. O álbum “Pra Gente Acordar” é um tremendo sucesso e a agenda está lotada até o próximo semestre. Como a Bala Desejo, o repertório é autoral e a plateia canta tudo.
Fico com a impressão de que é esse desejo de ar que traz a nostalgia da liberdade, a vontade de cantar o amor geral em um acorde perfeito maior. A arte salva, regenera, nutre e cura.
E Gal Costa, musa desses anos incríveis, das dunas do barato, a maior cantora do Brasil para João Gilberto e Torquato Neto, está virando filme. Parte de sua história, da chegada ao Rio até o histórico e fundamental “Fa-Tal” (dirigido pelo também fundamental Waly Salomão) ganhou roteiro de Lô Politi. Fiquei encantada quando li. Estou louca para ver o longa! Lô divide a direção com Dandara Ferreira, que já fez um documentário incrível sobre Gal. Sophie Charlotte, que canta lindamente, aliás, é nossa personagem principal. “Nossa” porque Gal é patrimônio, certo? Já soube que as filmagens reproduzem o clima da época, inclusive nos bastidores.
Será que é um sinal de que a nostalgia vai trazer de volta a paz e o amor para esses nossos tempos brutos? Tomara! Porque eu prefiro mesmo é dançar para ficar odara e dizer que sou amor da cabeça aos pés. Como dizem por aí, vamos fazer poesia! Porque eles detestam…
Ouça a playlist by Patrícia Palumbo no 29HORAS Play e relembre o século passado: Clique aqui!
Enquanto a folia nas ruas não é possível, algumas músicas e produções audiovisuais para inspirar futuros dias de festa
“Quem me vê sempre parado, distante Garante que eu não sei sambar Tou me guardando pra quando o Carnaval chegar Eu tô só vendo, sabendo, sentindo, escutando E não posso falar Tou me guardando pra quando o Carnaval chegar”
Como na música de Chico Buarque, estamos aqui parados, só esperando esse Carnaval que não chega. É o segundo ano que minha coluna carnavalesca encontra a folia adiada. Mas não vamos desistir agora, aproveitamos para falar de música e cinema. Nara Leão, a fundamental, esteve com Chico e Bethânia no filme de Cacá Diegues que inspira este texto e que também é o nome da música “Quando o Carnaval Chegar”. Os três protagonizam uma deliciosa fábula em que esperam um rei para uma grande festa de Carnaval. O rei não chega e a história se desenvolve deliciosamente com romances, apresentações mambembes, um ônibus colorido e muita música boa cantada pelo trio.
Lançado em 1972, em plena ditadura, o longa foi um respiro de alegria. O disco com a trilha sonora tem Assis Valente, Tom e Vinicius, Braguinha, Lamartine e várias de Chico Buarque.
Nara Leão também está no ar agora com um belíssimo documentário em capítulos, “O Canto Livre de Nara Leão”, dirigido por Renato Terra e disponível no GloboPlay. Mais do que uma cantora importante, Nara é um grande exemplo como artista e mulher. Aos 12 anos já apresentava o jazz para Roberto Menescal, amigo e parceiro da vida toda. Aos 15, recebia os amigos no apartamento de seu pai, onde nasceu grande parte do que foi a Bossa Nova. Recusou o título de musa e foi cantar o samba do morro com Zé Kéti e o sertão nordestino com João do Vale no espetáculo Opinião.
Foto Divulgação
Nara performou a vitoriosa “A Banda” com o amigo Chico nos festivais da canção. Fez parte da Tropicália, gravou “Lindonéia”, mas não apareceu para a foto da capa como também não foi à passeata contra as guitarras. Gravou Roberto e Erasmo quando toda a chamada “MPB” achava cafona e popular demais. Não gostava que lhe exigissem maquiagem nem figurino.
Não fazia o que não acreditava. Feminista, libertária, honesta, de voz deliciosa, violão muito bem tocado e uma sensibilidade artística rara e vanguardista.
É lindo ver Nara Leão hoje admirada, ouvida, aclamada. Esse documentário é um sucesso, porque é muito bem feito, com imagens e depoimentos incríveis. Mas é também porque Nara Leão é uma mulher que dá alegria e orgulho de conhecer. Por isso o documentário “O Canto Livre de Nara Leão” é como o filme de Cacá Diegues. Um sopro de esperança para quem está guardando tanta alegria adiada, abafada, para quando o Carnaval chegar. Até lá seguimos cantando e ouvindo Nara, Chico, Bethânia e tantos outros que corajosamente nos fazem rir e chorar em tempos duros.
Não sei como está para você, mas eu perdi totalmente a noção do que aconteceu neste ano ou no ano passado, por isso a minha retrospectiva pode não ser das mais exatas. Vou me ater ao que me emocionou de verdade. Começo com a partida violenta e precoce da jovem Marilia Mendonça. Aos 26 anos, ela segue sendo uma das mais populares artistas deste país. Uma compositora dedicada e corajosa. Se você gosta ou não do estilo, o feminejo, não importa. É inegável o impacto dessa moça na canção brasileira do século 21. Foi cantada por Caetano e gravou com Gal Costa. É das mais tocadas, das mais vendidas e, se você gosta de música brega ou romântica, certamente tem ali alguma coisa para ouvir.
Já nos lançamentos não tão populares, quero falar do projeto “Uma Onda para Tom Zé”, o primeiro disco do selo Rádio Vozes. Artistas de diferentes gerações e estilos fizeram versões para o repertório desse baiano tropicalista genial. Já estão nas plataformas as versões de Fernanda Takai e John Ulhoa, de Luana Carvalho e de André Abujamra e Leoni. Ainda vem por aí: Arnaldo Antunes, Zélia Duncan, Vanguart, Martins e muitos mais.
FOTO DIVULGAÇÃO
A cantora Céu lançou um disco inteiro de covers, uma delícia, e antes já tinha soltado um acústico de seu próprio repertório com “Varanda Suspensa”, “Amor Pixelado” e a atualíssima “Off”. E uma descoberta recente foi Luiza Audaz, uma jovem cantora e compositora baiana de timbre diferente e gostoso, que lançou “Blueberry”. A produção é da dupla Deep Leaks, formada por Juliano Parreira e Gustavo Koshikumo. Nomes pouco conhecidos, mas para se prestar atenção.
Mariana de Moraes está gravando disco novo e soltou uma balada boa com letra de Ronaldo Bastos. Patricia Marx regravou “Onda de Cassiano”. Duda Brack, uma voz forte dessa novíssima geração, lançou “Caco de Vidro” com participação de Ney Matogrosso e Baiana System, “Woman” de Itamar Assumpção e Alzira E., e canções próprias. Disco necessário, vigoroso.
Chico Chico e Fran lançaram disco gravado ao vivo fazendo jus ao berço de onde vieram. Talentosos filhos de Cássia Eller e de Preta Gil. Arnaldo Antunes gravou com Vitor Araújo, pianista extraordinário, e Rubi, neta de Itamar, o clipe de “Fim de Festa”. Uma canção linda, profunda e direta.
Cada vez mais a diversidade se expressa, basta querer ouvir. E muito se cantou o horror que estamos vivendo, a angústia, o luto, mas também mensagens de esperança e de resistência. A arte e a poesia seguem nos tirando do buraco. Cantando eu mando a tristeza embora, certo?
Sorte, saúde e alegria para essa virada de ano. Obrigada pela companhia!
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