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Maria Ribeiro se reinventa a cada dia, encontrando novos caminhos para expandir sua obra

Maria Ribeiro se reinventa a cada dia, encontrando novos caminhos para expandir sua obra

Maria Ribeiro gosta de falar – e deixa isso claro logo no início da conversa com o repórter. Diz até que tem que se controlar porque fala alto. Nem é bem assim, mas uma coisa é certa: parece já ter refletido sobre qualquer assunto que apareça. Seja sobre a insana política brasileira ou os doces dramas do cotidiano, a atriz sempre tem algo a comentar. Ela está de olho em tudo.

Não foi à toa que, depois de quase duas décadas como profissional das artes cênicas, nos últimos anos Maria se descolou um pouco dos textos alheios e abriu caminhos para suas próprias palavras. Como quem não quer nada, em dois tempos tornou-se comentarista do programa “Saia Justa”, na TV a cabo, cronista na grande imprensa, escritora, diretora e autora de peças teatrais e de documentários. Mas mantém-se, sobretudo, atriz.

Maria Ribeiro

Única artista da da família, Maria Ribeiro apresenta seu olhar de repórter a todo momento. Fotos: Jorge Bispo

“Eu AMO trabalhar”, diz ela, cariocamente enfática. “Acordo às seis já cheia de ideias, chamo amigos para os projetos. Não paro quieta nem um minuto. Amo”.

A julgar pela sua agenda próxima, eis aí o tipo de amor (ou paixão) fértil. Entre o finzinho de 2019 e 2020, Maria Ribeiro enfileira muitas estreias: tem o documentário “Outubro”; “Isso Não é Aqui”, longa de Felipe Nepomuceno com o ator Alexandre Nero; a segunda temporada de “Desalma” e a série “Todas as Mulheres do Mundo”, ambas no GloboPlay. Tem também o monólogo “Pós F”, baseado na obra da escritora, roteirista e atriz Fernanda Young, grande amiga que morreu em agosto deste ano. Nessa correria, promete revirar a gaveta dos afetos e trabalhar no documentário “Leonídio”, sobre o próprio pai, morto em 2013.

Com produtividade em alta, falta um romance para o currículo de Maria. Ou talvez não, porque assunto ela tem de sobra – e já tem até editora, o que costuma ser o mais difícil. Difícil mesmo, no caso, é ela se quietar para escrever.

“Sou superindisciplinada”, diz ela. “E preciso ver se tenho realmente algo a dizer”. Certamente não há razão para esse receio, como se vê pelas crônicas semanais que publica no jornal O Globo desde 2016. Quem a acompanha já percebeu que a – escritora tem pelo menos uma característica essencial para quem vive da palavra: a curiosidade.

“Sou daquelas que perguntam mesmo. Não tenho medo de perguntar”, explica. “Tenho muito interesse nos outros, tenho alma de repórter, quero saber da vida das pessoas. E, como pergunto sem maldade, até coisas íntimas vêm à tona”.

Elenco de “Todas as Mulheres do Mundo”

Essa alma de repórter não sossega. Tomando seu café pingado em um bistrô carioca, com um olho atento ao redor, outro olho no interlocutor, nada do que é humano lhe escapa; parece mesmo que está fazendo anotações mentais. E está, porque tudo pode virar material de trabalho.

É assim que Maria exercita o pensa mento ágil e abre o verbo, sem medo (nem – intenção) de chocar. Quer apenas se expressar, como todos. E, vá lá, se chocar, é só um pouquinho, o bastante para chacoalhar as ideias que pairam sobre a mesa. Faz bem; reforça sua presença. Mas nem sempre foi tão fácil. A depender da família, de um estilo tão tradicional como há tempos já não se vê por aqui, o papel de Maria no planeta seria mais discreto.

“Tive uma infância bem burguesa, nada artística, até porque não havia artistas na família. Como sempre fui boa de falar, meu pai dizia que seria capaz de convencer todo mundo se eu fosse advogada”.

Aos 14, a menina entrou na companhia “Atores de Laura” e caiu naquela vida acelerada de ensaios intermináveis. Encontrou sua turma. Pela família, tudo bem, contanto que essa coisa de teatro não virasse profissão. Como se sabe, a família perdeu essa batalha, mas a caçula da Marina e do Leonídio teve que comprar muito barulho para seguir nos palcos. Teve até que encarar uma faculdade e tirar um diploma – e foi por isso que se formou em jornalismo pela PUC do Rio, embora tenha tido a sensatez de não exercer o ofício.

Maria Ribeiro e o ator Alexandre Nero no longa “Isso Não é Aqui”

Quando a família viu, Maria do Amaral Ribeiro já estava lá metida com teatro – principalmente depois de conhecer Domingos Oliveira (1936-2019), cineasta genial que retratou como poucos as pequenezas e as grandiosidades dos relacionamentos contemporâneos:

“O Domingos foi arrebatador, mostrando o tipo de dramaturgia que eu queria”.

Não é por acaso que outro projeto da atriz para 2020 é publicar parte dos 25 anos da sua troca de correspondências com Domingos. Já tem até parceiro para organizar a relíquia. No dia a dia, nos palcos ou nas telas, a influência do amigo sobre a obra de Maria Ribeiro é notável. Pode-se dizer, sem medo, que ela herdou do cineasta esse dom, ou tom, de espalhar afetos.

As colunas no jornal tratam disso. Bem, tratam de qualquer coisa, mas relacionamentos são um tema-chave, assim como a política. Ela chega ao ponto de misturar esses dois assuntos numa sacada que Domingos certamente assinaria:

“Nossa democracia é assim como o casamento: você percebe que já acabou, mas ainda fica torcendo para dar uma virada”.

Frases assim – tão domingueiras – chamam a atenção de leitores de todas as faixas etárias ou socioeconômicas. Tanto que o pequeno “Crônicas para Ler em Qualquer Lugar” (Editora Todavia, 2019), que reproduz textos seus e dos amigos-irmãos Gregório Duvivier e Xico Sá, tem recebido elogios entusiasmados Brasil afora.

Ao lado de Gregório Duvivier e Xico Sá, em viagem pelo sertão do Brasil

Maria conta que, na esteira de lançamento do livro, os três percorreram cidades incríveis de um país que a gente ignora.

“Pirei com o sertão”, confessa. “É deslumbrante. Brasileiro não conhece o sertão. Vai para o Marrocos, mas não vai pro sertão. Não pode”.

Nas estradas, ao lado dos outros dois coautores, ela esteve com milhares de pessoas e, melhor de tudo, ouviu muitas histórias. Amou:

“Sou do tipo que se emociona com as coisas, as situações, e sempre vejo o que tem de arte atrás daquilo. É meio uma deformação profissional. Então tento ir fundo e tornar aquele momento uma dramaturgia”.

Pelo jeito, ela sempre consegue.

Outubro inesquecível

Aos 44 anos de idade, Maria Ribeiro está animadíssima com a série “Todas as Mulheres do Mundo”. Serão cinco episódios baseados em histórias do amigo Domingos Oliveira e escritas por Jorge Furtado. Idealizadora da série, ela acredita que é preciso falar de amor. “Neste momento da primavera feminista, todo mundo está à flor da pele, então é importante falar disso”.

Diferente da maioria dos seus pares, ela não gosta de se esconder quando o assunto é política. Pelo contrário. Sempre foi presença certa em palanques e eventos da esquerda. Prova disso está no documentário “Outubro”, que dirigiu com Loiro Cunha e será exibido no Festival de Cinema do Rio, em dezembro.

Maria Ribeiro em cena de seu documentário, “Outubro”

De tênis e vestida de noiva (mas sem véu nem buquê), ela acompanhou, nas ruas de São Paulo, a semana que antecedeu o segundo turno das eleições de 2018. “Agora entendemos que Bolsonaro foi eleito e que ele é mais parecido com o Brasil do que a gente gostaria. Ele representa uma indelicadeza institucionalizada, que acha OK ser grosseiro, desumano, racista, desigual. Mas essa coisa “eles e eu” não adianta. É o nosso país”.

Para Maria, agora é hora de gestar “Leonídio”. Tendo o pai como personagem central da história, o filme será montado a partir de cenas gravadas há quinze anos, numa casa de praia da família. As imagens ficaram intocadas durante todo esse tempo e devem render boa poesia. A casa foi vendida, outras viriam; o pai partiu, os filhos crescem. São dois: João, de 16 anos, fruto do casamento com o ator Paulo Betti, e Bento, de 9, filho dela e do também ator Caio Blat.