logo
logo
Emicida celebra “AmarElo Prisma” e reflete sobre a pandemia

Emicida celebra “AmarElo Prisma” e reflete sobre a pandemia

Nelson Mandela narra uma de suas atividades favoritas na autobiografia “Longa caminhada até a liberdade”. Cultivar uma horta significava manter-se são na penitenciária, onde ficou preso durante 27 anos sob o regime de segregação racial da África do Sul, o Apartheid. “Eu via a horta como uma metáfora para certos aspectos de minha vida. Um líder também deve cuidar de sua horta; ele também planta sementes, e então observa, cultiva e colhe o resultado”, escreveu.  

Para Emicida, plantar significa cultivar o bem viver e se voltar para o ritmo da terra. Mandela é, inclusive, a leitura de cabeceira do cantor. “As plantas me fizeram ter uma rotina. Notei que a jabuticaba está crescendo, é maravilhoso perceber essa evolução, agora estou dentro do andar natural do tempo”, repara, com um sorriso espontâneo e sincero.  

Em 2019, Emicida lançou o álbum "AmarElo"

Em 2019, Emicida lançou o álbum “AmarElo”
Crédito: Júlia Rodrigues

Seu álbum mais recente, “AmarEelo”, lançado em outubro de 2019, é uma homenagem ao cotidiano tranquilo. “Sou um velhinho de 80 anos no corpo de um rapper”, define o paulistano do “fundão” da zona norte. “Não moraria no centro da cidade, vocês não iam querer me ver na janela pedindo para abaixar o volume do som”, conta o agora morador de uma casa com jardim em Mairiporã, fora do eixo central da metrópole e onde passa a quarentena. “Estou próximo da Cantareira, o ar é mais puro”, defende e brinca.  

O sorriso e o tom de brincadeira talvez não sejam os comportamentos mais associados a um rapper. Emicida quebra estereótipos. A tônica de suas canções continua sendo os apontamentos de uma realidade com violência policial e racismo – questões duramente atuais no mundo -, e desde 2009 está nas rádios, na internet e nos encontros de rima da zona sul da capital paulista, que lançaram o cantor no cenário musical do país.  

Os problemas sociais também são vivências, infelizmente, presentes nas periferias de cidades brasileiras. A São Paulo de Emicida e de milhões de habitantes não foge a essa dura regra. Mas a suavidade, a alegria de viver e o amor são experiências humanas e subjetivas comuns a todos.

Então, o samba, o tom de voz mais baixo, as parcerias com outros ritmos e até o flerte com o pop ganham espaço na obra do artista. “Nos tirar a positividade é reduzir a nossa vida ao sofrimento e àquilo que não é causado por nós”, define. 

 

Emicida em meio às suas criações no computador e anotações

Emicida em meio às suas criações no computador e anotações

Em 2020, ano pandêmico, AmarElo se transformou em “AmarElo Prisma”, cujo conteúdo se espalha em formato de vídeo (às quartas-feiras, no canal no YouTube do rapper), podcast (às sextas-feiras, nas plataformas de streaming), imagem e texto (em seu Instagram, Facebook e Twitter). São reflexões, poesias e conversas. Emicida está em constante renovação.  

Tal qual uma sinfonia, o “AmarElo Prisma” foi organizado em Movimentos, que são lançados e destrinchados semanalmente. São quatro Movimentos no total, cada um regido pelos valores de “AmarElo”.

São: Paz (dialoga com o corpo), Clareza (aborda a mente e a saúde mental), Compaixão (fala da alma, empatia e capacidade de conexão com o outro) e Coragem (diz sobre o coração, o poder de criar uma nova história juntos, independente do medo gerado pelo desconhecido). Esta última, inclusive, traz a filosofia africana Ubuntu como referência (“eu sou porque nós somos”). “Juntos podemos fazer muita coisa foda”, reflete. 

Arte se semeia em casa

Emicida é Leandro Roque de Oliveira. Filho de Jacira Roque. “Fui criado por alguém que mesmo trabalhando duro em casas de família, ouvia muita música no rádio, lia poema em voz alta para treinar a leitura, ela é símbolo de perseverança e força para mim”, lembra. Dona Jacira, como é conhecida pela família e pelos quase 9 mil seguidores nas redes sociais, hoje é escritora e artista plástica.  

Ela lançou, em 2018, o livro autobiográfico “Café”, que narra suas memórias desde a infância – como o período difícil em uma escola de freiras – até a maternidade e outras experiências atuais. Mas Jacira faz isso de forma leve, amarrando as narrativas como se estivesse recebendo o leitor em casa para uma conversa ou um café da tarde gostoso.

“Minha mãe chorou muito quando o Renato Russo morreu, parecia que um tio meu tinha morrido. Ela amava Legião Urbana! É esse o papel da arte na vida dela”, resume o cantor, que também tem um irmão artista – o produtor musical Evandro Fióti.  

Cantor ao lado de sua mãe, dona Jacira, e de seu irmão, Evandro Fioti

Cantor ao lado de sua mãe, dona Jacira, e de seu irmão, Evandro Fióti

Cultivo de boas reflexões

A escuta é, muitas vezes, mais importante que a fala. “Quando nos fechamos em bolhas, ouvimos apenas quem pensa de forma parecida, assim estamos aplaudindo a nós mesmos”, define o rapper, que integra o time de comentaristas do programa da GNT “Papo de Segunda”, agora transmitido da casa de cada um. 

Toda segunda-feira, assuntos comportamentais, políticos e sociais são colocados em pauta para os humoristas e atores Fábio Porchat e João Vicente, o escritor Francisco Bosco,  e Emicida compartilharem suas visões. “Gosto daquele ambiente porque sei que eles terão olhares diferentes dos meus, e eu respeito muito isso, a vida é infinitamente possível”. Tanta sensibilidade faz o cantor parecer o mais quieto, mas, ao mesmo tempo, muito analítico naquele espaço. 

Paternidade e masculinidade são temas comuns nos episódios. “Não sei o que ser homem significa, mas ser pai me transformou em uma pessoa melhor, é mágico”. Emicida é pai de Estela, de 9 anos, e Teresa, de 2. Para o rapper, esses assuntos não eram recorrentes há pouco tempo, mas hoje já dominam rodas de conversas. “Isso tudo graça às mulheres que fazem a denúncia do machismo e aos homens que entram na discussão e conscientizam os outros”, comenta. 

 Flores que se alastram

Entre 2005 e 2009, o cantor ficou conhecido por seus improvisos, que o tornaram um dos MCs mais conhecidos de São Paulo. Venceu onze vezes consecutivas a batalha de MC da Santa Cruz e por doze vezes a Rinha dos MC, encontros em que rappers disputam as melhores rimas.

Na época, Emicida acumulou milhares de acessos em cada batalha sua no YouTube. Leandro, então, criou o acrônimo E.M.I.C.I.D.A (Enquanto Minha Imaginação Compuser Insanidades Domino a Arte). 

Das ruas paulistanas, Emicida ocupou muitos lugares com a sua música. O lançamento de “AmarElo” aconteceu no Theatro Municipal de São Paulo, em novembro do ano passado. “Muito importante trazer um concerto de rap para cá”, Emicida anunciou no palco. “Isso aqui é o resultado do sonho coletivo de muita gente. Essa conquista é o que anistia o espírito de quem veio antes de nós e sofreu”, declarou.  

E, falando em espírito, Emicida lembra que, há 500 anos, pessoas negras eram entendidas como sem alma e, assim, a escravidão aconteceu e perdurou no mundo. “Parece distante, mas as consequências são muito atuais. No lançamento do álbum, naquele ambiente de arte, pegamos a nossa alma de volta”. 

Mc Carol no desfile da LAB na São Paulo Fashion Week

Mc Carol no desfile da LAB na São Paulo Fashion Week

Os projetos se multiplicam. Fundada em 2008 pelos irmãos Emicida e Fióti, a Laboratório Fantasma (LAB) é um hub de entretenimento que tem gravadora, editora, produtora de eventos e marca de roupas. Em 2016, a LAB estreou na São Paulo Fashion Week. “As passarelas do nosso país precisam ser um reflexo do que se vê em nossas calçadas, aquilo também foi importante para muita gente”. 

Neste mês, estreia a LAB Fantasma TV no Twitch, maior plataforma de e-sports do mundo. Emicida está em todos os lugares. Nas ruas, na TV e nos diferentes palcos, o rapper segue ocupando muitos espaços e, ao lado de outros artistas, planta mudanças importantes por onde passa. 

Papo reto na pandemia da Covid-19 

Emicida discorre sobre os impactos do novo coronavírus no Brasil e os posicionamentos necessários em meio à crise 

Emicida analisa a pandemia e seus impactos no Brasil

Emicida analisa a pandemia e seus impactos no Brasil. Crédito: Victor Balde

Na sua visão, qual o papel de cantores e artistas neste momento?

O mesmíssimo papel de qualquer outra pessoa comprometida com a civilização e não com a barbárie.  Ajudar a construir pontes que facilitem a travessia de quem se encontra em situações mais adversas. Se não for possível ajudar a construir, não atrapalhar quem está construindo já é uma grande ajuda. Artistas não são diferentes do resto dos seres humanos, aliás, para a natureza, a arte nem existe. Tudo é vida, manifestação da existência. Tudo está comprometido com a vida e a transformação necessária para que a vida aconteça, do bolor das comidas que se decompõe até as orquídeas que tanto admiramos.

Então, a arte, para mim, hoje, é se comprometer profundamente com a continuidade do ciclo da vida, isso não é feito somente por profissionais da área. A agricultura familiar produzindo e distribuindo cestas básicas de alimentos orgânicos via Movimento dos Sem Terra (MST) e os médicos no front, lutando contra o coronavírus, é esse o comprometimento com a transformação de que falo. 

Como você tem mudado a sua rotina de criação nesse momento de isolamento? Como é trabalhar em casa e cuidar de filhos e casa tudo junto?

Eu não estou preocupado em criar, sinceramente. Estou preocupado com quem, diferente de mim, atravessa esse período em uma situação desconfortável, de maneira semelhante às que já vivi. Tenho estudado piano, feito tarefas escolares e brincado com as crianças, feito exercícios físicos em casa, meditação, lavado louças e banheiros e cozinhado. Aprendi a fazer queijos e isso tem sido uma alquimia interessantíssima! Uma brincadeira mágica com a microbiologia, que é uma faca de dois gumes, desespera o mundo com a Covid-19, mas também gera as transformações mágicas dos laticínios. Eu me sinto o Rick Moranis no filme “Querida, Encolhi as Crianças”, quando fico observando essas transformações.

O fato é que o meu compromisso é ser uma pessoa melhor, que vai embora daqui sem ter estragado o planeta. Isso faz parte da minha rotina antes da pandemia. Esse é o meu lance: valorizar coisas simples, talvez por isso eu não esteja em frangalhos emocionais como muitos amigos. O sorriso da minha família me recarrega a bateria todos os dias e eu, independente do estresse que sentir, tenho o compromisso de sempre fazer quem eu amo sorrir, nem que seja uma vez no dia. 

Como foi a experiência de fazer uma live? Qual foi o retorno do público?

Bacana, mas nem se compara com um concerto ao vivo. As pessoas interagem bem, é legal o fato de quem está Acre vivenciar uma experiência junto com quem está em São Paulo, simultaneamente. Fizemos uma gigante, 8 horas, só canções de nossa autoria, algo impossível para muitos artistas, mas, para a gente, é só rotina. Nunca tínhamos tocado 8 horas seguidas. Às vezes, os shows têm 4 horas (se empolgamos no improviso), mas nesse aí a gente empolgou mesmo, e ainda faltou música. 

 O mundo vai mudar muito na pós pandemia. Muitos já observam como a mobilidade urbana sofrerá grande impacto, além de preocupações ambientais e discussões de direitos econômicos e sociais estarem muito em alta mundo afora. Mas, na sua opinião, o Brasil acompanhará esse caminho?

O Brasil é o único lugar onde o coronavírus vai se transformar em um detalhe devido à dimensão dos abismos sociais e a irresponsabilidade de quem está ocupando o Palácio do Planalto. Essa brincadeira de chamar pandemia de “gripezinha” vai comprometer, no mínimo, duas gerações. Uma chaga inesquecível.

Lembra quando Israel chamou o Brasil de anão diplomático? Hoje somos menos do que isso, um micróbio irrelevante em qualquer discussão frutífera a respeito de um bom caminho para o planeta. Vai doer e vai doer por muito tempo, por mais que tenhamos mentes brilhantes aqui dentro, o maior freio de mão que poderíamos ter está com a faixa presidencial. Elegeram uma âncora e agora todos vão pagar, pois a única vocação de uma âncora é descer o máximo que puder. 

 O que precisamos fazer para que o amanhã não seja um ontem com novo nome como você canta em “AmarElo”?

Podemos aprender que a perspectiva europeia que ainda norteia as grandes movimentações desse lugar não é necessariamente uma mentira, mas é apenas uma forma de analisar a realidade e que muitas outras podem acrescentar e nos tornar um lugar melhor se as observarmos com a capacidade de aprender. Os Yanomami estão aqui ainda, por que não os trazemos à luz? Povos que antecedem a chegada dos europeus, eles lidam com essa terra há 10 mil anos, tem muito a nos ensinar, mas os parâmetros que essa sociedade preferiu seguir são esses de uma mão única que destrói tudo por onde passa e depois da catástrofe põe a culpa em Deus. Deus é cada árvore cortada e cada criança quilombola chorando por ver sua casa derrubada pelas forças armadas, Deus é sempre o mais vulnerável.  

 

29HORAS em casa: EAD da quarentena

29HORAS em casa: EAD da quarentena

Tenho lido muitos textos contendo dicas e sugestões de como passar “bem” a quarentena. Cheguei à conclusão de que eu posso montar um curso inteiro. EAD. Educação À Distância do Isolamento em poucas lições.

Este conteúdo é fruto de um experimento forçado cujos resultados foram bons para mim. Podem não ser para você. Até porque as minhas condições de temperatura e pressão não são as mesmas que as suas. Portanto, não necessariamente destina-se a todo tipo de público.

Antes de prosseguir responda a pergunta: Eu sou a minha melhor companhia?  Se for, você passou pelo primeiro estágio. Ou volte a para terapia. Isso aqui é EAD. Meu curso seria mais ou menos assim:

Aula 1. Tudo Começa pela Comida

Pessoas bem alimentadas raciocinam melhor. É altamente recomendável que você se arrisque na cozinha. Afinal, ninguém consegue pedir comida o tempo todo. Mas vá além. Inove um pouco. Mantenha o bom hábito de montar uma mesa bonita, tirar do armário aquela louça que você guarda para as visitas. E surpreenda. “Que tal um chocolatinho quente agora?” Ofereça-se para servir. Quem gosta de cozinha gosta de servir. Olhar para a expressão de felicidade de seus co-habitantes recebendo um pedaço de bolo, uma bola de sorvete, pipoca no capricho. Não fique alucinado na dieta. Vá para próxima aula.

Aula 2. Não deixe a peteca cair

Aproveite para colocar a pele para descansar um pouco e tire aquela máscara facial que você não se lembra de usar. Nunca fez um tutorial de maquiagem? Vai lá! Minha vida mudou depois que aprendi a passar delineador. Arrume-se. Não queira ser você a visão do desleixo. E cadê o exercício? “Odeio fazer exercício em casa”. Neste caso, repita o mantra: “Massa magra, não me deixe”! “Massa magra, não me deixe”. Agora, se você não fazia exercícios antes, tente começar. Dê este presente de quarentena a você mesmo.

Organize suas coisas para se sentir mais organizado. Funciona. Viva em meio à limpeza e seja mais feliz. Faça parte do clube neuróticos por álcool gel, mas comece pela sua casa. Tenho visto higiênicos de pandemia espalhados por todo canto. Gente que não tinha os melhores hábitos tornou-se do dia para noite o “Mister Clean”. Vai ao mercado em busca das últimas novidades para lavar o banheiro mas guarda aquele sapato mofado, sabe…

Aula 3. Home Office

Prefiro a rotina de sair de casa, colocar uma camisa branca, até pegar um pouco de trânsito. Para mim, Home Office é igual Cheese Cake. Queijo é queijo. Bolo é bolo. Home é Home. Office é outra coisa. Mas não tem jeito. Ou você se adapta ou vai sofrer. É muito importante manter a disciplina. Acordar cedo e mostrar-se apresentável se tiver que abrir a porta. Golden rule: providencie local e móveis adequados, do contrário você vai ter que se auto licenciar do home office por não seguir as instruções de ergonomia quando foi admitido. Caso esteja em esquema de co-working no home-office don’t-play-the-fool , já que é tudo em inglês. Evite comentar as notícias o tempo todo e pensar alto. Não tire a sua concentração e a dos outros. Faça a pausa do café. Pode até colocar uma música ambiente. Mas não abuse . Mantenha-se empregado, por favor. Será lamentável ser demitido pela própria família.

Aula 4. Relacionamentos

Ah…essa aula virá com tutoriais, cases, vídeos do tipo “encontre o erro” e o inédito “Meditação em 10 segundos”. Comprovadamente eficaz ao evitar tragédias.

Mas o negócio é o seguinte: se conviver 24 horas está mais difícil que 24 anos, sinto informar que o problema não está na quarentena. Resolva isso. Sem mais.

A palavra chave aqui é foco. Aproveite este tempo juntos e preste atenção. Seu companheiro/ companheira está tão vulnerável quanto você. Encapsulado como Jeannie na garrafa, mas sem poder fazer 3 pedidos. Reveja as aulas número 1 sobre comida e número 2 sobre não deixar a peteca cair . São complementares. Não se deixe contagiar negativamente pelos gritos da vizinhança. Mantenha seus rituais.

Aula 5. A armadilha das vídeos-chamadas, lives e mídias sociais

A vídeo-chamada não funciona mais para mim. Talvez você não tenha se dado conta, mas este pode estar sendo um ponto de stress. É o meu caso.  Acredito que meu inconsciente guardou lembranças de reuniões passadas que me assombram quando aquele rostinho aparece na tela. É diferente de matar a saudade de seus familiares e amigos. Também não me refiro aos profissionais que estão fazendo teleatendimento e mantendo nossa saúde física e mental no meio de tudo isso. Mas fico com as vozes e as letras. Muito mais eficientes. Sem contar que no mundo corporativo a vídeo-chamada nos prega peças. Meu gato adora uma vídeo-chamada. Quer participar de todas, desfilando sobre o computador. Se você não está em um ambiente 100% controlado, evite a chamada de vídeo quando possível.

Desativei por tempo indeterminado a notificação “Fulano está ao vivo agora”. Who cares??? O que era novidade virou “mico” em muitos casos. O jargão “Quem sabe faz ao vivo” ganhou outro sentido para mim. Abuse da seletividade. Aliás, isto vale para todo conteúdo. Parece que a ansiedade da informação foi elevada à centésima potência. Preciso mesmo ver todos os cursos online, aulas de yoga e pocket shows sem graça ? No way. Permita-se um descanso desta enxurrada.

Por fim, não desabafe toda a sua revolta nas mídias sociais. Você vai ler o que escreveu tempos depois e pode se arrepender. Ninguém tem bola de cristal, nem é o dono da verdade absoluta. Não crie mais stress desnecessário. Seja um otimista com os pés no chão.

Mas também não seja o último flagelo da paz, aquele que tem sempre a #vaipassar  para carimbar na sua cara junto com o #fiqueemcasa. Essas hashtags conseguiram ser pior que #juntosomosmaisfortes, de tão óbvias e repetitivas. Crie a sua hashtag. Sejamos criativos!

Eu tenho uma minha: #vivaavida. Pois se você está #emcasa, #comsaúde e #semantendo, #agradeça. Não “estamos no mesmo barco”. Estamos na mesma tempestade, expressão cunhada brilhantemente por uma amiga. A diferença é que alguns estão navegando em um iate 5 estrelas e outros se agarrando em um pedaço de canoa quebrada.

Então se é possível, faça de você a sua melhor companhia e enfrente!

Acompanhe outras reflexões no meu blog, te vejo lá.

29HORAS em casa: O futuro do cinema

29HORAS em casa: O futuro do cinema

O faturamento das bilheterias de cinema zerou no país. Começo a coluna de hoje com essa frase triste, mas real. Quando a pandemia ganhou força no país no final de março e as medidas de isolamento social foram decretadas pelos estados, as salas de cinema fecharam temporariamente, assim como restaurantes, bares e teatros. Lugares que amo e muitos que me leem também.

Deixando a melancolia de lado, é hora de encarar a realidade, lidar com ela e projetar as tendências futuras. Falar de cinema no Brasil requer alguns recortes. As salas de exibição ainda ficam concentradas nos grandes pólos urbanos do país, como São Paulo e Rio de Janeiro. Imagino que o novo normal reforçará as desigualdades, inclusive de acesso aos cinemas. Ir a uma sala de cinema me parece que será um evento mais caro e ainda mais pontual no novo normal. 

Mais uma vez deixando o baixo astral de lado, alguns fundos emergenciais foram criados. A  Agência Nacional do Cinema (Ancine) e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) preparam uma linha emergencial de crédito para socorrer a indústria. Mas entraves burocráticos são esperados. 

Já a Netflix e o Instituto de Conteúdos Audiovisuais Brasileiros (ICAB) anunciaram a criação do Fundo Emergencial de Apoio à Comunidade Criativa Brasileira, que reúne a quantia de R$ 5 milhões a ser distribuída para profissionais do setor. Para se candidatar a receber o benefício, que será um depósito único de R$ 1.045 -, os profissionais precisam acessar o site do ICAB

E, por falar em streaming, eles nunca tiveram tão em alta. Uma pesquisa da Nielson, mostrou que os americanos aumentaram o consumo on demand em 85% desde o início da quarentena. Por aqui, plataformas anunciaram até um mês de graça para que as pessoas pudessem se aproximar desses serviços, caso ainda não assinassem. 

Lançamentos de filmes diretamente nas plataformas já acontecem. A exemplo do novo documentário do diretor cearense Karim Ainoux, “Aeroporto Central”, que estreou em 24 de abril no Now e em outros serviços. Inclusive o Oscar de 2021 não exigirá que as produções passem por salas de cinema para concorrer à premiação. 

Cine Drive-In, em Brasília, segue funcionando em meio à pandemia

Cine Drive-In, em Brasília, segue funcionando em meio à pandemia

Não poderia deixar de mencionar uma possível tendência, que é quase uma volta no tempo. Os cinemas drive-in, onde os espectadores veem o filme de seus carros, podem pipocar pelas cidades de novo. Muito populares nos Estados Unidos nos anos 1950 a 1970, a alternativa evita proximidade e contato entre pessoas desconhecidas. 

No Rio de Janeiro, a Cidade das Artes, na Barra da Tijuca, vai inaugurar um cinema drive-in até o fim de maio. Como disse ao jornal O Globo a presidente da fundação, Renata Monteiro, a ideia é que haja programação de terça a domingo, com uma sessão noturna por dia. O espaço terá lanchonete com vendas online e vai abrigar 150 carros. Será permitido apenas duas pessoas por carro e o ingresso será vendido por veículo, não por pessoa. A curadoria ficará por conta da Cinemateca do Museu de Arte Moderna do Rio.

Em São Paulo, o Allianz Parque, estádio do Palmeiras, planeja um projeto de cinema drive-in que deve ser inaugurado em até dois meses. O projeto “Arena Sessions” contará com filmes, shows e palestras. A ideia inicial é exibir clássicos. Eu, claramente, me empolgo com essa possibilidade!

29HORAS em casa: O futuro das viagens

29HORAS em casa: O futuro das viagens

Já sabemos que a pandemia veio para mudar muita coisa. O mundo pós-pandêmico será outro. Está em todos os canais de TV, revistas e nas redes sociais. Um tema que muito nos interessa é entender como as viagens serão nesse novo normal que virá. Vamos apostar ainda em grandes pólos urbanos? Vamos explorar destinos próximos de casa? O turismo nacional vai se desenvolver mais?

Bom, do ponto de vista prático, muita coisa já começa a mudar. Algumas companhias aéreas já deixaram de vender os assentos do meio para garantir distanciamento social, outras implementaram um processo de limpeza profundo em todos os seus voos e a Emirates se tornou a primeira companhia aérea do mundo a aplicar testes de Covid-19 na sala de embarque. E passageiros de máscaras são regra em aeroportos, como nos de São Paulo. 

Em matéria especial com diversos especialistas, o New York Times Travel explorou perguntas interessantes sobre o futuro do turismo. Peço licença para traduzir os principais pontos e apostar em algumas estratégias que devem se desenvolver por aqui também.

Segundo as fontes ouvidas pelo jornal norte-americano, as pessoas procurarão por segurança quando optarem por um destino. “Viagens na estrada são uma grande oportunidade para a Califórnia ajudar a impulsionar a economia, por exemplo”, disse Caroline Beteta, presidente e diretora executiva do Visit California. “Essa sensação de liberdade com controles pessoais será ideal para pessoas que desejam segurança”.

Isso porque as viagens internacionais demorarão a voltar com tudo. Obter permissão para visitar um país provavelmente será mais burocrático, exigindo mais documentação e exames de saúde mais rigorosos. A falta de clareza sobre tudo isso irá dissuadir muitos possíveis viajantes, especialmente no início da recuperação. Aqui vai uma aposta minha: os países que estiverem alinhados às recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS) serão melhores vistos por estrangeiros. E o Brasil não está lá com bons holofotes internacionais. Vamos seguir pressionando para estarmos mais adequados no caminho de enfrentamento ao vírus. 

Ilha Dois Irmãos, em Fernando de Noronha

Ilha Dois Irmãos, em Fernando de Noronha

Uma possível vantagem da pandemia é a conscientização de como os gastos localmente ajudam as comunidades, apontam os especialistas ouvidos pela reportagem. “Estamos todos familiarizados com a idéia de ajudar pequenas empresas por causa da Covid-19”, disse Jonathon Day, professor associado focado em turismo sustentável na Purdue University. “Se levarmos para o futuro esse pensamento, que o dinheiro permanecerá na comunidade, isso é algo que podemos tirar dessa experiência”. 

O New York Times Travel ainda sinaliza que,  de acordo com uma pesquisa em andamento realizada pela Destination Analysts, uma empresa de pesquisa e marketing de turismo, mais da metade dos viajantes americanos diz que planeja evitar destinos lotados quando retomar às viagens. Sendo assim, destinos na natureza tem expectativa de alta nesse novo normal. 

E, claro, grandes tendências: higienização de hóteis como grande diferencial e cada vez mais processos digitalizados. Os especialistas prevêem um check-in sem toque por meio de aplicativos e políticas de higiene que vão além do envoltório de papel sobre o assento do vaso sanitário e troca de toalhas.

Como brasileira e amante de viagens, uma esperança é clara. O Brasil tem muito potencial depois dessa crise no setor. Somos um destino com inúmeras atrações naturais, além de sermos um país continental, com oferta enorme para o turismo doméstico. Em momentos como o que vivemos, muitas tendências são impulsionadas, precisamos estar alinhados a elas e crescer junto.

Veja a matéria completa do New York Times Travel aqui.  Leia sobre o funcionamento dos aeroportos brasileiros aqui.

29HORAS em casa: Alguém precisa falar umas verdades

29HORAS em casa: Alguém precisa falar umas verdades

Acordei pouco antes das 7h. Vesti o robe de chambre, peguei o computador e fui para o jardim de inverno ler os jornais.

O dia estava bonito. Sol forte, mas com um vento frio. Silêncio. Quase nenhum carro nas ruas. A Nutella, nossa Shi-Tzu de quase cinco anos, me olha e diz:

– Vamos. Vou te levar para passear. Tenho que fazer os números 1 e 2. E acho que você precisa tomar um ar, pegar um pouco de sol e dar uma arejada. Essa quarentena está te deixando pálido.

Vesti uma calça de abrigo e um moletom e, em menos de cinco minutos, estava abrindo a porta da área de serviço.

– Não vai colocar a máscara? Outro dia vi o João falando na televisão que a partir de hoje tinha que sair sempre de máscara.

– Bem lembrado, Nutella. É que como quase não tenho saído nesses últimos 40 dias…

Mal chegamos e ela fez xixi. O dia realmente estava lindo. Procuramos caminhar no sol para evitar o vento. Moro em uma rua tranquila e arborizada, que a essa hora da manhã e, com o isolamento, fica ainda mais sossegada.

– Sei que você está gostando de ficar mais em casa comigo, cuidando de mim e me fazendo carinho, mas estou preocupada com você.

– Preocupada por quê? Está tudo bem.

– Estou te sentindo meio triste e angustiado. Sei que o momento é complicado, que a gente não sabe o que vai acontecer com o mundo. Talvez seja melhor você assistir menos a CNN e a Globo News. Não bastassem os problemas de saúde e da economia, ainda tem a política né?

– Pois é. Talvez você tenha razão mesmo. Preciso dar uma “desligada”. Ler mais livros nas horas vagas, jogar mais baralho, fazer palavras cruzadas. É que o que estamos passando é tudo muito novo.

– Peraí. O coronavírus pode ser um inimigo novo e desconhecido. Mas já os políticos…

– Melhor mudarmos de assunto, por favor.

Depois de uns dez minutos e de a Nutella fazer cocô, chegamos a uma avenida mais movimentada. Ela para, olha para os dois lados e me pergunta:

– Desculpa, mas tenho que voltar ao tema. Olha isso! Você não acha que tem muito carro na rua? Nem parece que a recomendação é para todo mundo que puder ficar em casa. Assim vai ser difícil controlar o vírus. Falo isso por vocês, porque esse tal corona não me afeta.

– Você tem razão, Nuttelinha. Parece um dia normal.

– Sabe, não entendo vocês humanos. Será que não viram o que aconteceu na Europa e nos Estados Unidos? Por que não ouvem os médicos e a ciência e insistem em sair de casa? No início da quarentena vocês estavam indo bem, mas agora largaram mão? E ainda tem gente que faz barulho para a vida voltar ao normal o quanto antes. Por favor, me explica isso.

– Quando me convidou para passear disse que eu precisava arejar a cabeça. Agora que estamos aqui você só fala nisso.

– Tem razão. Me perdoa. Vamos falar de você. Está sentindo falta dos amigos e de ir para o trabalho, né? Do futebol na TV, da ginástica e de suas corridas.

– Ah isso estou sim, Nutella. Essa parte está complicada. Ficar trabalhando em casa e não fazer exercícios está me fazendo muito mal.

– Bom, e do jeito que você anda comendo e tomando cerveja…

– Chega. Acabou o passeio. E, se for para me falar essas coisas, não me convide mais.

Nutella, cachorrinha de cinco anos

Nutella, cachorrinha de cinco anos