logo
logo
Fotógrafo Érico Hiller expõe a crise hídrica em seu projeto “água”

Fotógrafo Érico Hiller expõe a crise hídrica em seu projeto “água”

Conhecido por seus projetos documentais, o fotógrafo mineiro Érico Hiller passa a maior parte do seu tempo em andanças pelos mais diversos rincões do planeta.

Suas viagens, em mais de 50 países, já renderam quatro trabalhos monumentais, que envolvem livros e exposições: “Emergentes” (2008), “Ameaçados” (2012), “A Jornada do Rinoceronte” (2016) e “A Marcha do Sal” (2018), cada um deles focado em temas instigantes e humanitários. No mais recente, feito em 2017, Érico refez o trajeto de 400 km que Mahatma Gandhi realizou na Índia em 1930, em sua célebre Marcha do Sal.

Crianças aguardam filetes de água em Kondo, na Etiópia. Fotos: Érico Hiller

Crianças aguardam filetes de água em Kondo, na Etiópia. Foto: Érico Hiller

Agora o fotógrafo se encontra mergulhado em países emergentes para mostrar a crise da água, o maior dilema em discussão no século 21. Colaborador da National Geographic, ele antecipa, neste ensaio especial, algumas imagens de seu longo projeto ao redor do planeta, a fim de mostrar o problema que atinge vilarejos, cidades e lugares no mundo todo.

Etíopes buscando água no leito seco do rio Keske. Foto: Érico Hiller

“Quando existe uma carência, seja de água limpa ou de água acessível, na história de uma família, a vida dela como um todo se torna caótica. As doenças tomam conta, há violência, depressão, ansiedade. Desde 2008, comecei a ver esse quadro em vários lugares por onde passei. Por isso decidi documentar essa crise, que é mais uma pesquisa social do que um projeto com viés artístico e cultural. É uma fotografia declaradamente social”, diz Érico.

O fotógrafo lembra que a escassez é sentida de maneiras diferentes, por razões diferentes, em locais também diferentes. “Mas o que mais me interessa é como as pessoas estão sofrendo hoje”. Documentar a crise mundial da água – seja pela dificuldade de coleta e da qualidade, pelo esgotamento da água, pela forma como é descartada – , esse é o foco de seu estudo.

Grupo à beira do rio na cidade etíope de Lalibela. Foto: Érico Hiller

A primeira viagem foi para o Himalaia, em 2018, e ele se encontra agora no terceiro ano de produção do projeto. Índia, Etiópia, Jordânia, Palestina, Bolívia, Chile e Argentina já foram visitados. “A água é um direito humano, à vida, e deveria estar acessível a todos. Afinal, não se nega a água a ninguém. Mas hoje o que vemos é um verdadeiro mercado da água. O futuro desse problema é que as pessoas ricas vão poder pagar pela água, enquanto os pobres só terão acesso à água de pior qualidade. O acesso ou não à água poderá ser nesse século de aquecimento global e mudanças climáticas o maior apartheid que a nossa humanidade já viu”.

Para Érico, a questão crucial do Brasil é o saneamento. “O país sofre um verdadeiro colapso no saneamento básico. É oficialmente o país com maior quantidade de água doce disponível no planeta, mas é um caso típico de quem não consegue administrar bem o que tem. A água é mal distribuída, mal cuidada e a família brasileira não tem o saneamento apropriado. Ainda hoje crianças morrem em escalas alarmantes de doenças que vêm da água e que poderiam ser evitadas”. Além disso, ele ressalta que historicamente os nossos governos não dão a devida atenção ao problema. Como se o saneamento, por não aparecer, fosse menor do que estradas e obras “visíveis”, que trazem votos.

No Rajastão, na Índia, mulheres pegam água em fonte desprotegida. Foto: Érico Hiller

No Rajastão, na Índia, mulheres pegam água em fonte desprotegida. Foto: Érico Hiller

Em suas andanças nesses dois anos e meio, o fotógrafo tem se deparado com cenas impactantes. “Na Etiópia eu vi crianças muito pequenas carregando água, e isso me entristeceu demais. Isso me toca profundamente como homem, pai e cidadão”, emociona-se Érico, que também é fotógrafo da Unicef, realizando missões em que registra a situação das crianças no mundo.

Mãe e filho nas imediações do lago Poopó, na Bolívia. Foto: Érico Hiller

Mãe e filho nas imediações do lago Poopó, na Bolívia. Foto: Érico Hiller

“A minha fotografia é minha forma de protesto”, diz, antes de rumar para o Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais, uma das regiões que mais sofrem com a escassez da água, com a miséria e com o desalento. Este ano de 2020 trouxe um pouco de chuva ao lugar, depois de sete anos de estiagem. “A crise hídrica é uma pequena amostra do que estamos fazendo com nós mesmos. É um lento suicídio coletivo”.

Érico lembra que os maiores problemas que enfrentamos – pobreza, saúde precária, ausência de educação, injustiça social, insegurança alimentar – têm uma razão em comum: a água. Estatísticas e estudos nos dão apenas uma tímida perspectiva da tragédia.

“Por isso, combinei o viés histórico, ecológico e geológico e resolvi olhar tudo através das pessoas. Aquelas que acordam todos os dias e precisam pensar em como conseguir água naquele mesmo dia. Apenas elas nos darão um panorama da real dimensão desta crise”.

Plataforma A Moda Pela Água conecta produtores e consumidores visando a utilização recursos hídricos de forma responsável

Plataforma A Moda Pela Água conecta produtores e consumidores visando a utilização recursos hídricos de forma responsável

“A água é o nosso maior bem e nossa missão é usar a moda, o design e a beleza para espalhar a urgência no uso responsável do recurso hídrico”, diz Chiara Gadaleta, explicando o surgimento da plataforma A Moda Pela Água (AMPA), idealizada por ela no início de 2019.

Trata-se de uma empreitada pioneira no Brasil: a união de empresas de um setor tradicionalmente tão egocêntrico em prol de uma mesma causa. A Moda pela Água é uma iniciativa inovadora porque, pela primeira vez, há um espaço dedicado a reunir indústria e sociedade civil para conversar, compartilhar questões, mostrar propostas e encontrar soluções.

A Moda Pela Água

Encontro de Empresas Guardiãs da Moda pela Água, com Chiara Gadaleta (à esq.) e a jornalista Andrea Vialli. Fotos: Rodolfo Trevisan/Divulgação

“Esse é um assunto que só tem condição de mudança se trabalhado em grupo e, como não podemos escolher se queremos ou não mudar – temos que mudar – a união em torno desse propósito se faz necessária”, comenta.

A plataforma funciona como um rico espaço neutro para que as empresas do setor possam conviver não através da concorrência, mas por um ponto em comum e urgente. Como ela diz, “o ‘eu’ não tem voz. O ‘nós’, tem”.

“Trabalhamos com sustentabilidade de forma egoísta e marqueteira. A necessidade de sair do umbigo empresarial e olhar para o todo é urgente. Essa forma de operar em conjunto é muito alinhada com os 17 ODS da ONU, órgão do qual sou embaixadora do Pacto Global no Brasil. O problema não pertence a uma única empresa e sim à sociedade de forma geral”, complementa Chiara.

Vicunha, Marisa, Abrapa/Sou de Algodão, Damyller, ABIT (Associação Brasileira da Indústria Têxtil), Grupo Lunelli e Farm são empresas signatárias, chamadas de Empresas Guardiãs, que junto com o Movimento Ecoera, abriram suas agendas para ouvir e discutir o tema da água na indústria da moda, que sabemos consumir 80 bi de m³ de água por ano.

A equipe saiu em pesquisa de campo para entender como as empresas do setor estavam tratando o recurso hídrico – ninguém sabia dizer o quanto gastava em água. “Visitei lugares onde os rios estão mortos há muito tempo. Alguns polos de produção de jeans sofrem com escassez e outros ficam inundados pelas chuvas”, ressalta Chiara. Para ela, a empresa que abre a cadeia de valor a fim de analisar como está usando a água em seus processos se mostra engajada em fazer parte das mudanças que o mundo pede hoje, mas é necessário um olhar técnico e a vontade de abordar questões delicadas e encontrar soluções.

A Moda Pela Água

Representantes dos grupos Ecoera, Somma-Farm, Marisa, Vicunha, Damyller, Abrapa, Abit e Sou de Algodão

Uma das dificuldades que se encontra é a consistência nas boas práticas das empresas. “A sustentabilidade não é tendência, é garantia de futuro”, enfatiza. De forma coletiva e colaborativa, as empresas podem trocar know-how e ajudar a buscar alternativas para o mercado como um todo. É isso que prega o ODS 17: Parcerias em prol das metas. Assim fica mais fácil medir os impactos e estabelecer metas de redução nas emissões de gases e no uso irresponsável da água.

Chiara e o Time Ecoera podem dizer que estão no caminho certo. E não estão sozinhos: em agosto de 2019, o presidente francês Emmanuel Macron lançou no encontro do G7 o Pacto da Moda pelo Meio Ambiente, um acordo de sustentabilidade global com big players da indústria têxtil e de moda. O Fashion Pact, como é originalmente chamado, reúne marcas e grupos concorrentes, sinalizando a urgência de um movimento real de mudança. Adidas, Nike, Puma, Burberry, Chanel, Prada, Giorgio Armani, Ralph Lauren, Stella McCartney, H&M, marcas do grupo Inditex, além de Carrefour, Galeries Lafayette, entre outros, se encontraram com Macron para firmar o pacto.

Neste primeiro ano de AMPA, chamado de Ciclo 1, as empresas abriram suas agendas para discutir o uso consciente da água. O grupo reuniu-se presencialmente quase todos os meses, mesclando pautas setoriais da moda, necessidades e dificuldades de cada empresa guardiã, conversas com especialistas renomados em sustentabilidade e foco na água, além de trocarem notícias atuais e impressões sobre o tema.

Houve também avanços concretos das empresas. Um exemplo é a parceria firmada entre duas signatárias da AMPA, a varejista Marisa e a Vicunha, maior fabricante de jeans no país. A dupla lançou uma coleção experimental com tecidos que usam menos água no processo de fabricação. A economia foi em média de 85%, comparando a processos tradicionais. As peças disponíveis apenas na loja da Av. Paulista, em São Paulo, esgotaram-se em poucas horas.

A Farm e a Aqualung promoveram o mutirão de limpeza na praia de Copacabana no Dia Mundial da Limpeza. O Grupo Lunelli, por sua vez, por meio da marca Lez a Lez, lançou uma linha de camisetas assinada pela surfista Maya Gabeira. As peças foram feitas com viscose ecológica, que agride menos o meio ambiente. Grande fabricante e varejista de roupas em jeans, a Damyller lançou a linha recollect – em parceria com artistas, ela propôs a releitura de peças reutilizando restos de matéria-prima.

Manequins exibem as peças da coleção feita em conjunto por Marisa e Vicunha

A Abit, Associação Brasileira das Indústrias Têxteis, que também participa da plataforma, se engajou em apoiar eventos que unem moda e sustentabilidade. Já o Movimento Sou de Algodão, iniciativa da Abrapa (Associação Brasileira dos Plantadores de Algodão), emocionou a plateia em seu desfile-manifesto na Casa dos Criadores, assinado por diversos estilistas, onde mostrou histórias e pessoas reais da cadeia do algodão.

A Abrapa não se engajou na Moda pela Água por acaso. Para Silmara Salvati Ferraresi, gestora do movimento Sou de Algodão/Abrapa, essa bandeira se alinha com os propósitos da associação. “A iniciativa nos encoraja a pensar que podemos fazer ainda mais pelo meio ambiente e pelas futuras gerações”.

Em 2019, convidada a colaborar com o levantamento da pegada hídrica de uma calça jeans no Brasil, a Abrapa aceitou o desafio. Afinal, 92% de sua produção da pluma se dá em regime sequeiro, apenas com as águas da chuva. “Além de debater o tema água, pensamos em compartilhar com a cadeia têxtil o trabalho em prol da sustentabilidade que o setor produtivo do algodão promove com o programa Algodão Brasileiro Responsável (ABR) em suas fazendas, há mais de uma década”, diz Silmara.

Limpeza na praia de Copacabana. Foto: Divulgação

Para ela, a plataforma tem sido um fórum importante para refletir sobre ações sustentáveis e colaborativas. “Ali, a cadeia têxtil se une para pensar em iniciativas como entregar a rastreabilidade do algodão certificado da fazenda até a peça final que o consumidor veste”.

Em março de 2020, próximo ao Dia Mundial da Água, encerra-se o Ciclo 1 da Moda Pela Água com um evento no Unibes Cultural, onde serão apresentadas várias iniciativas implementadas pelas empresas guardiãs ao longo desse ano.

E em seguida, inicia-se o Ciclo 2, onde, com mais maturidade, as empresas partem para um período de mentorias que facilitarão mudanças concretas e sustentáveis.

Novas empresas interessadas poderão se tornar guardiãs, ampliando o debate e fazendo parte da transformação. Sempre atenta a qualidade das discussões, Chiara afirma que “tratar de temas tão complexos como a redução de impactos negativos em toda a cadeia produtiva, indo até o pós-consumo, não é missão fácil e não pode ser feita de maneira superficial”.

Ela enxerga longe e já vislumbra o Ciclo 3 do AMPA para 2021/22, quando as empresas signatárias terão maturidade para atuar como mentoras de seus colaboradores e cadeia produtiva.

Destaque no surf mundial, Maya Gabeira luta pela preservação dos recursos hídricos

A água é a casa, o lazer e o ganha-pão de Maya Gabeira. Ou seu templo, onde interage com forças da natureza e o imponderável. Surfista profissional premiadíssima, Maya viaja pelo mundo há 18 anos, sempre atrás das melhores ondas. Melhores e maiores. Sua especialidade é domar as ondas gigantes.

Entre uma rodada e outra da atual temporada, fomos localizar nossa big rider em Nazaré, Portugal, onde mora há cinco anos. Na última década, a pacata vila de pescadores virou parada obrigatória para os surfistas mais radicais. Hoje, do alto do forte da cidade, construído no século XVII, é possível acompanhar atletas valentes desafiando ondas selvagens de até 30 metros de altura.

Maya Gabeira é porta-voz da luta pela preservação dos recursos hídricos. Foto: Divulgação

Maya Gabeira é porta-voz da luta pela preservação dos recursos hídricos. Foto: Divulgação

“Aqui é ótimo”, elogia Maya em conversa com a 29HORAS. “É um lugar bastante  com a verde, com praia e muita natureza. E temos um estilo de vida calmo e simples”.

Criada no Rio, onde aprendeu a surfar aos 12 anos, ela parece não ter planos de deixar Nazaré. Foi lá, na Praia do Norte, que a carioca bateu um recorde com direito a registro no Guinness Book. Em janeiro de 2018, encarou uma muralha d’água de 20,72 metros de altura. Imagina isso: um vagalhão de cinco andares, furioso, um vento danado de ruim, água gelada, e a Maya deslizando tudo desde lá do alto, reinando sozinha durante uma eternidade medida em segundos. Tenso, mas lindo de ver.

A façanha teve gosto ainda mais especial porque foi justamente na mesma praia, em 2013, que Maya sofreu um grave acidente na tentativa de vencer as alturas das ondas.

Atingida por uma massa de água descomunal, ela foi derrubada da prancha, ficou submersa um bom tempo e saiu da água desacordada e com um tornozelo quebrado.

Foram momentos escabrosos, mas ela foi resgatada pelo surfista Carlos Burle, seu companheiro de equipe, reanimada e levada para o hospital. Maya passou por duas cirurgias na coluna, caiu dentro do apoio psicológico, ficou de molho durante alguns meses e correu atrás da recuperação plena.

O susto gigante virou lição de vida a ser considerada até por quem nunca chegou perto de uma praia. Vem daí, aliás, uma reflexão muito válida:

Maya Gabeira com seu recorde registrado no Guinness Book. Foto: Arquivo Pessoal

Maya Gabeira com seu recorde registrado no Guinness Book. Foto: Arquivo Pessoal

“Vivo com essa filosofia: não desistir, usar os erros e barreiras para evoluir, crescer e levar à frente os desafios. Você deve estar sempre buscando se superar, não desistir”, ensina Maya.

A propósito, foi com essa mesma raça – que naturalmente contou com o reforço de Iemanjá, Netuno e outras entidades das águas – que Maya se manteve em pé novamente sobre as ondas, com cada vez mais habilidade. E foi nessa fé que, em 2018, voltou à mesma praia do acidente para tornar-se a primeira mulher a surfar uma muralha daquele tamanho.

Esse episódio já rendeu inúmeras reportagens em todo o mundo e, não por acaso, a gente aqui considera a surfista carioca uma heroína – que, de fato, é. Ela se diz muito feliz nesse momento em que está de volta às águas do mar, com saúde e autoconfiança. É lindo de ver.

O que entristece a surfista é a crescente poluição nas praias – em todas por onde andou, nos cinco continentes. E elas não foram poucas em seus 32 anos de vida.

Maya Gabeira começou a competir aos 15. Dois anos depois, foi morar na Austrália e, em seguida, no Havaí, capital interplanetária do surfe. Foi nesse tempo que a carioca tomou contato e apaixonou-se pelas ondas gigantes. Desde então, a prancha voadora não sossegou mais: África do Sul, Indonésia, Polinésia Francesa, Taiti etc. Até no mar do Alasca ela fez seu nome.

Justamente a intimidade com esse mundão que permite seu veredicto: “A degradação ambiental é problema mundial, talvez o maior desafio da humanidade neste momento, e ainda vai dar muito trabalho para todos nós”, diz a surfista. “Não dá para apontar para um lugar ou outro que esteja livre dessa questão”.

Maya com seus colegas no mar. Foto: Reprodução/Instagram

O que é mais evidente, no seu dia a dia, é a quantidade de lixo despejado nos litorais. Sobretudo, plástico. E é mesmo um volume assustador. Segundo relatório publicado em 2019 pela organização World Wide Fund for Nature (WWF), com dados do Banco Mundial, oito milhões de toneladas de lixo plástico vão parar nos oceanos, ano após ano. Nesse ritmo, diz a ONU, em 2050 haverá mais plásticos do que peixes nos mares do planeta.

Maya relata sua experiência pessoal, que é comum à de muitos de seus parceiros de esporte e de ofício: “Cada vez mais a gente sente falta de peixes e da fauna marinha em geral. Em alguns pontos, onde havia abundância de espécies, elas começam a ficar escassas mesmo, ou pela pesca em maior escala, ou porque deixam seu ambiente pela falta de alimentos”, afirma ela, já sem a tranquilidade natural da sua voz. “São muitas questões envolvidas, mas há cada vez menos vida no mar, que está mais sujo. Essa é uma combinação bem nítida. Lugares onde havia pesca submarina fácil agora têm cada vez menos peixes”.

Sempre que pode, dá sua opinião e dicas sobre como contribuir com a causa ecológica.

“Há milhões de coisas que a gente pode fazer no dia a dia, tipo não usar garrafa plástica ou os sacos do supermercado, nem tomar banhos tão longos para evitar desperdício… Qualquer tipo de economia é importante”, sugere ela, sem deixar de fora uma mensagem deveras instigante. “Temos que fazer um consumo consciente tanto da energia quanto da água e dos bens materiais. Vamos aprender a consumir menos e, assim, produzir menos lixo por pessoa”.

A surfista em Nazaré, em Portugal. Foto: Luiza de Moraes/Divulgação

Muito bom, considerando que o consumismo é mesmo uma doença de larga escala e de longa data. No que toca ao meio ambiente, as ações individuais são necessárias, claro, mas Maya também reforça que a solução para a degradação acelerada passa sobretudo por decisões e políticas veementes de governos, entidades e, claro, empresas de todos os tamanhos.

“Do jeito que estamos, a gente vai ter que se mexer muito para mudar essa maré de poluição e de problemas ambientais. A crise é cada vez mais séria. Da parte dos governos, precisamos de novas leis. E as grandes empresas já começaram a olhar para isso de forma mais ativa, agindo para reverter esse quadro insustentável”.

Eis aí um recado direto, sem marola, de quem vê bem de perto os efeitos desastrosos dessa lixarada assassina.

Sangue verde

Pelo menos no caso da cidadã Maya Reis Gabeira, podemos garantir que brigar pelo meio ambiente é coisa que vem de berço. Ela é filha da estilista Yamê Reis, fundadora do Rio Ethical Fashion, reconhecida por seu trabalho na moda sustentável, e do jornalista Fernando Gabeira (foto), um dos fundadores do Partido Verde do Brasil, em janeiro de 1986.

Naquela época, a ideia de haver um partido pre ocupado com as questões ecológicas e sociais era bastante respeitada na Europa, e só. Aqui ainda dominava a visão ambiental atrasada, de que somos detentores de riquezas naturais ilimitadas, e que, por isso, essa pauta não é fundamental.

O tempo mostrou que a sustentabilidade deixou de ser uma preocupação regional e se tornou uma questão planetária, crucial para o bem-estar das próximas gerações.

Fernando Gabeira, pai de Maya. Foto: Reprodução/Facebook

Eleito deputado federal do PV em 1994, Gabeira completou quatro mandatos em Brasília e, desde 2012, se dedica ao jornalismo e às palestras. Em suas viagens pelo Brasil, para o seu programa no GloboNews, ele se concentra em temas ambientais e sociais e, principalmente, na questão da água.

“A água é vida, tem uma importância fundamental, e o Brasil, por falta de saneamento básico e outros fatores, destrói permanentemente o seu patrimônio hídrico. A ausência de saneamento não é um problema de falta de educação, mas sim de política pública. É o grande fracasso da atual geração de políticos no Brasil”, afirma Gabeira, ressaltando que o consumo de serviços públicos, como saneamento, deve vir antes do consumo de eletrônicos.

Orgulhoso da filha Maya (ele também é pai de Tami, psicóloga), Gabeira acompanha carinhosa e atentamente a carreira da filha no mar. Tanto é que os dois têm um combinado: assim que a jovem sai da água, em campeonatos, liga para ele.

Logo após o acidente de 2013, quando Maya já estava devidamente longe de riscos, o pai zeloso não escondeu, numa entrevista ao jornal O Globo, uma opinião curiosa sobre as surpresas da filha:

“Preferia que a Maya fosse tenista, mas ela não seria a mesma pessoa. Então está ótimo assim”.

Pois é. Longe do surfe, Maya Gabeira não seria a mesma pessoa. Então está ótimo assim.

Destaque no surf mundial, Maya Gabeira luta pela preservação dos recursos hídricos

Destaque no surf mundial, Maya Gabeira luta pela preservação dos recursos hídricos

A água é a casa, o lazer e o ganha-pão de Maya Gabeira. Ou seu templo, onde interage com forças da natureza e o imponderável. Surfista profissional premiadíssima, Maya viaja pelo mundo há 18 anos, sempre atrás das melhores ondas. Melhores e maiores. Sua especialidade é domar as ondas gigantes.

Entre uma rodada e outra da atual temporada, fomos localizar nossa big rider em Nazaré, Portugal, onde mora há cinco anos. Na última década, a pacata vila de pescadores virou parada obrigatória para os surfistas mais radicais. Hoje, do alto do forte da cidade, construído no século XVII, é possível acompanhar atletas valentes desafiando ondas selvagens de até 30 metros de altura.

Maya Gabeira é porta-voz da luta pela preservação dos recursos hídricos. Foto: Divulgação

Maya Gabeira é porta-voz da luta pela preservação dos recursos hídricos. Foto: Divulgação

“Aqui é ótimo”, elogia Maya em conversa com a 29HORAS. “É um lugar bastante  com a verde, com praia e muita natureza. E temos um estilo de vida calmo e simples”.

Criada no Rio, onde aprendeu a surfar aos 12 anos, ela parece não ter planos de deixar Nazaré. Foi lá, na Praia do Norte, que a carioca bateu um recorde com direito a registro no Guinness Book. Em janeiro de 2018, encarou uma muralha d’água de 20,72 metros de altura. Imagina isso: um vagalhão de cinco andares, furioso, um vento danado de ruim, água gelada, e a Maya deslizando tudo desde lá do alto, reinando sozinha durante uma eternidade medida em segundos. Tenso, mas lindo de ver.

A façanha teve gosto ainda mais especial porque foi justamente na mesma praia, em 2013, que Maya sofreu um grave acidente na tentativa de vencer as alturas das ondas.

Veja a matéria completa em nosso site do Rio.

Especial água: conto “O Voo do Mar à Metrópole”

Especial água: conto “O Voo do Mar à Metrópole”

pintura abstrata retrata as ondas do mar

Pintura de técnica mista sobre papel feita por Túlio Fagim

Essa é a história de uma gota de chuva. Antes de cair em uma poça de água em São Paulo, o mar era o seu lar. Como uma onda no Oceano Atlântico, ela dançava aos passos da lua até aceitar o convite do sol para viver nos ares. Fez-se vapor, escalou rumo ao céu e, desde então, não parou quieta.

Planando em direção à terra, encontrou suas irmãs e brincaram de rabiscar o anil do céu em tons de cinza e branco. Quando conheceu o verde, foi amor à primeira vista. Na imensidão da Amazônia, despediu-se do céu para visitar uma bela árvore. Regou aquela que viria a ser a sua morada, ajudando-a a crescer, mas enraizada, sentia saudade de voar livremente.

pintura abstrata retrata a chuva na amazônia

Pintura de técnica mista sobre papel feita por Túlio Fagim

Agradecida pelos momentos que passaram juntas, a árvore soprou a água forte para partir com o vento. Seguiu veloz até alcançar suas irmãs e foram desenhando-se em nuvens nas alturas. Um dia, viram algo inédito: um obstáculo. Grande e durona, a Cordilheira dos Andes, estava ali para evitar que elas sequer sonhassem em molhar o Atacama. Parte das águas cansaram e foram viver como rios naquele mesmo momento; desceram ao pé da montanha e cortando a terra seguiram procurando o caminho de volta para o mar.

pintura abstrata retrata a as nuvens na cordilheira dos andes

Pintura de técnica mista sobre papel feita por Túlio Fagim

Ainda não era o momento da nossa gota voltar para o chão. Como muitas outras, deu a volta para desfrutar mais um pouco a vida leve dos céus. Voou para o sul, deu uma voltinha rumo ao leste. Exausta, viu uma enorme mancha cinza abaixo e pensou que seria bom chover por aí ­– Quem sabe assim o verde não cresce um pouquinho? Agora, em uma minúscula pocinha, o sol a convida novamente para viver no céu.

pintura abstrata retrata a São Paulo

Pintura de técnica mista sobre papel feita por Túlio Fagim