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Qual o impacto dos games em crianças e jovens? Especialistas debatem sobre o assunto

Qual o impacto dos games em crianças e jovens? Especialistas debatem sobre o assunto

Na década de 1970, popularizou-se uma nova forma de entretenimento que mudaria a vida de muitas pessoas, o videogame. Com o tempo, os jogos migraram dos arcades para as salas de estar e celulares; os gráficos ficaram mais realistas e enredos elaborados ganharam espaço. Em meio a tantas mudanças, algo sempre acompanhou os games: a preocupação dos pais.

Games são populares entre crianças e jovens

Os games podem ter um impacto negativo nas crianças? Foto: Getty Images

Hoje, a maioria dos gamers é formada por adultos. Ainda assim, a influência dos jogos digitais nas crianças e nos adolescentes é debatida em campos como a pedagogia, a neurociência, a psicologia e o gamedesign. Mesmo com divergências, acadêmicos concordam que mais pesquisas são necessárias para entender os impactos dos jogos na mente em formação.

No ano passado, a OMS classificou a dependência por videogame como um problema de saúde mental. Para Mark Griffiths, pesquisador da Nottingham Trent University, o número de dependentes corresponde a apenas 1% dos gamers de todas as idades. O acadêmico sugere que os jogadores compulsivos costumam ver nos games uma forma de compensar frustrações de suas vidas, como a ausência de amigos, baixa autoestima, falta de competências etc.

Em entrevista ao G1, Sylvia van Enck, especialista em dependências tecnológicas do Instituto de Psiquiatria da USP, afirmou: “Não podemos dizer que os games são nocivos, o uso descontrolado é nocivo. Os jogos ajudam na questão de planejamento, estratégias, e estimulam o desenvolvimento cognitivo”. Dos 5 aos 9 anos, não se deve jogar mais do que 1 hora por dia, com intervalos. A partir dos 10, ela sugere não ultrapassar 2 horas diárias.

Muitos pais também ficam aflitos com a possibilidade dos games tornarem os filhos mais agressivos. Vale ressaltar que além dos jogos violentos, há também os que estimulam o raciocínio lógico na resolução de enigmas e simulações que ensinam sobre história e cooperação.

Este ano, pesquisadores do Instituto de Internet da Universidade de Oxford publicaram um estudo, feito com 1004 adolescentes, que demonstra não haver relação entre o comportamento agressivo dos jovens com o tempo dispendido em games violentos. Para os acadêmicos, pesquisas anteriores que concluíram o contrário cometeram falhas metodológicas.

Pais podem e devem conversar com seus filhos sobre o assunto. Foto: Getty Images

Claudemir Edson Viana, pesquisador e professor de educomunicação (campo que interliga a área da pedagogia com a comunicação) da USP, diz que muitos encaram a influência dos games no comportamento de crianças e jovens de forma extremada. “O conteúdo violento presente em alguns jogos não vai, por si só, levar um sujeito a ser violento na prática. O que pode levá-lo a isso é o contexto social real da vida dele, onde é possível que sofra com exclusões, agressões familiares e vários outros estigmas”. Viana não acredita que o game seja, por si só, bom ou ruim. Ele considera que a atividade possa ser um gatilho para dependências, mas também pondera que o jogo tem a capacidade de aliviar tensão e stress dos jogadores.

O educomunicador relembra que, independentemente da idade, a relação do ser humano com qualquer produto cultural não é capaz de promover um efeito único e direto na pessoa. Ao interagir com eles, constantemente os enquadramos de acordo com os nossos valores e visões de mundo. Apesar de crianças serem mais suscetíveis à influência, Viana sugere um caminho para transformar os jogos em uma experiência educativa: a mediação.

Se um pai acha que um game impacta negativamente seu filho, nada melhor do que conversar com ele a respeito. É uma porta de entrada para levantar discussões sobre ética, limites e a diferença entre realidade e ficção. Dialogar e procurar entender o que atrai a criança nesse game é um caminho inteligente de aproximação entre pais e filhos. Quem sabe eles não podem até jogar juntos?

Projeto AfroGames cria o primeiro centro de treinamento do mundo voltado à formação de gamers profissionais em uma comunidade de baixa renda

Projeto AfroGames cria o primeiro centro de treinamento do mundo voltado à formação de gamers profissionais em uma comunidade de baixa renda

Letícia Araujo tem 13 anos, é moradora de uma comunidade da zona norte do Rio, e tem um grande sonho: ser jogadora profissional de videogame. Ela não é a única que almeja essa carreira por ali: Luiz Augusto, de 21 anos; Gustavo, de 14; e Pedro, de 12 também têm a mesma meta, e não poupam esforços para alcançar seus sonhos. Os desafios são muitos. Como esses jovens que sequer tiveram contato com computador podem disputar com gamers de classes média e alta que há anos passam seus dias colados na frente do monitor? Foi com o objetivo de reverter esse cenário de exclusão digital que surgiu o AfroGames.

AfroGames trabalha a profissionalização de jovens gamers na favela

Alunos do projeto em aula. Fotos: Diego Matheus

Inaugurado em maio deste ano em Vigário Geral, o projeto é o primeiro centro de treinamento de eSports do mundo localizado em uma favela. Sua finalidade é capacitar e profissionalizar jovens para atuarem no mercado das competições de jogos eletrônicos e promover a inclusão digital nos bairros de baixo poder aquisitivo do Rio de Janeiro. Em um espaço com tecnologia de ponta, a iniciativa oferece três cursos gratuitos para estudantes matriculados na rede pública de ensino: programação de jogos, produção musical para games e um curso para profissionalização do jogador de League of Legends (um dos maiores fenômenos dos eSports). Além de três aulas semana05is, os alunos também aprendem a língua inglesa e recebem um certificado de conclusão do curso.

O AfroGames foi idealizado por Ricardo Chantilly, empresário do show business responsável pelas carreiras de Jota Quest, O Rappa e Gaby Amarantos; e José Junior, fundador do AfroReggae. Chantilly foi originalmente convidado por Junior para fazer um projeto de música para a ONG, mas ao ver a força que os games e, em especial, os eSports estavam ganhando no exterior, ele deu uma outra sugestão para o projeto. Após assistir a uma série de vídeos dos maiores campeonatos do mundo, algo chamou a atenção dos dois: não havia praticamente nenhum negro participando. Isso não os desanimou da ideia de trabalhar nesse ramo, muito pelo contrário. Estava aí a oportunidade para mudar esse quadro.

O centro de treinamento da AfroGames

“Devemos lembrar que, nos primórdios, esportes como basquete, boxe e futebol eram praticados apenas por pessoas brancas de alto poder aquisitivo. Demorou muito tempo para que as classes D e E tivessem acesso a eles e as bolsas de estudo oferecidas pelas faculdades americanas foram um dos principais passos para a ampliar a profissionalização. Essa revolução nos esportes é justamente o que estamos fazendo hoje com os games, levando essa oportunidade para dentro das comunidades. Vamos montar o primeiro time de eSports dentro de uma favela e os jogadores serão profissionais, eles vão receber uma bolsa de ajuda de custo mensal e competir no Brasil e no mundo”, afirma Chantilly.

Alunos do projeto durante a visita ao evento Game XP

Para o fundador do projeto, os games e os eSports são um mercado sólido e promissor, mas as mudanças promovidas pelos cursos na vida dos jovens vão além desse tipo de profissionalização. O contato com as tecnologias digitais e com a língua inglesa vai auxiliá-los a conseguir um emprego melhor em qualquer área. Porém, para Gustavo, aluno do curso de League of Legends, só há um caminho a trilhar: “Estamos dando o corpo e a alma para jogar, porque o professor falou dos campeonatos fora. O sonho que você quer você tem que correr atrás. Estamos tendo uma oportunidade única e não podemos jogar fora”.