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Rádio Vozes: André Mehmari e o Clube da Esquina

Rádio Vozes: André Mehmari e o Clube da Esquina

A escolha de hoje é o repertório do Clube da Esquina recortado por André Mehmari, que alento… Na primeira faixa, o sol já esquenta como deve ser. Um trio de músicos excepcionais com arranjos divinos para esse cancioneiro de grande sofisticação harmônica e melódica, produzido por esses mineiros que a gente ama tanto. Estive com Toninho Horta outro dia, bem de pertinho, no palco com ele e sua guitarra, e falamos disso. Do que amamos nesse Brasil tão lindo, tão rico, diverso e musicalmente interessante.

André Mehmari

O pianista e arranjador André Mehmari

Estou na “Suíte Clube da Esquina Parte II” e ouço o piano de André solando “em tudo se faz canção e o coração na beira de um rio, rio, rio…”, que delícia! No disco, André Mehmari toca piano acústico e elétrico, synths, órgão, acordeon e sopros. Entra a energia de “Cravo e Canela” e abro as janelas todas da sala. No contrabaixo, Neymar Dias pontua lindamente e Sergio Reze comenta com sua bateria e gongos melódicos. Que trio!

Todo o lirismo de “Um Girassol da Cor do Seu Cabelo” me lembra que somos o país campeão nessa mágica que é fazer o perfeito casamento entre letra e música. E mais: somos férteis em instrumentistas incríveis, como os rapazes desse trio. Reinventando a beleza do que já era tão perfeito. Acrescentando autoralidade, personalidade e trazendo para hoje esse repertório lá dos anos 1970, um repertório clássico revisto com ousadia e respeito. Afinado com o que há de mais novo no universo da música instrumental. Esse novo que me interessa. Porque gosto de ouvir as camadas de informação, de perceber as sutilezas, o trabalho sobre a obra consagrada.

Sigo minha escuta andando pela casa, bebendo água fresca do filtro de barro, cuidando das plantas e das cachorras. A beleza tomou conta da minha manhã. Os mares de morros de Minas traduzidos nessas notas, as surpresas que os arranjos me dão, ora leves e delicados, ora intensos, ritmados, profundos. Entra um vento bom e aumento o volume pra ouvir a belíssima “Me Deixa em Paz”.

Se você conhece o repertório, a viagem é ainda mais interessante porque as referências são muitas e é delicioso encontrá-las. Mas também é muito bom fazer por aqui a introdução a esse mundo.

O mundo da música brasileira, que nos leva para dentro desse país colorido e solar como a capa desse trabalho. Um país que uma música como essa não nos deixa esquecer.

“Na Esquina do Clube com o Sol na Cabeça” é o nome do disco. Corra para ouvir.

Rádio Vozes: a música serve para quê?

Rádio Vozes: a música serve para quê?

Arnesen é conhecido principalmente por suas composições de coral

Kim André Arnesen, compositor norueguês

Eu poderia escrever muitas páginas sobre isso, mas hoje vou me deter em uma coisa só: a música que promove a conexão com o divino. Talvez seja óbvio para você que me lê agora, talvez não. E pode ser mesmo muito variado, complexo e simples.

Vamos começar pela missa na Igreja Católica. Pela música chamada erudita. Há muitas obras consagradas escritas para soprano, coro, orquestra e você pode pensar que isso é uma prática antiga. Não é. Acabo de ouvir uma maravilha lançada em 2017 pelo jovem norueguês Kim André Arnesen, que se chama “Magnificat”. Ouça! Experimente a sensação de ouvir o piano, o coro e a voz de uma cantora lírica elevando seu espírito, amaciando sua manhã, relaxando seus músculos. A intenção de uma missa católica é a inspiração religiosa, mas se a obra lhe agrada artisticamente esqueça os dogmas e apenas se entregue.

Um outro estilo, bastante popular, é o gospel das igrejas negras norte-americanas. O disco “Amazing Grace”, de Aretha Franklin, também é o registro de uma missa. Também tem piano e coro, mas ganha aqui a presença do baixo, do groove da soul music – que, não por acaso, aliás, tem esse nome. Esse disco foi o maior sucesso de vendas de Aretha.

Teve na “plateia” grandes nomes da música pop como Mick Jagger e Charlie Watts, dos Rolling Stones. Foi filmado por Sydney Pollack em 1972 e é um clássico incontestável. Esses hinos têm uma dinâmica de perguntas e respostas do pastor para o coro e foi nessa prática que se formaram muitas das grandes cantoras do jazz e da soul music. Aretha talvez seja a maior delas.

Agora vamos ao candomblé com seus tambores e cantos. Cada orixá tem seu canto, seu toque e a roda que se forma com a música é a conexão com o sagrado. O Grupo Corpo, maravilhoso grupo mineiro de dança, encomendou aos paulistas do Metá Metá uma trilha que se chamou “Gira”. O espetáculo provocou uma espécie de transe com a dança, os metais de Thiago França, a inspiração das rodas e os tambores da religião de matriz africana.

Eu sempre digo que a música pode transformar o seu dia, a sua vida. E é por aí que as religiões usam a música. Para conectar com o divino que, por fim, é fazer a conexão com você mesmo. Ouvir música e se deixar levar é transformador. Faça a conexão.

Rádio Vozes: A cidade dos seus sonhos na música

Rádio Vozes: A cidade dos seus sonhos na música

O cantor paulistano Thiago Pethit no clipe “Orfeu”

Olá viajante! Se você tem lido as minhas colunas aqui na 29 HORAS já sabe que para mim a música é capaz de fazer muito. Transformar o dia, trazer memórias, conectar com o divino e por aí vai. Hoje vou falar do trabalho novo de Thiago Pethit, cantor e compositor paulistano que acaba de lançar o belíssimo “Mal dos Trópicos”. Fiquei tão encantada que fiz um Vozes do Brasil inteirinho sobre o álbum, faixa a faixa (você pode acessar no app Rádio Vozes ou no site www.radiovozes.com).

Adoro discos com narrativa, histórias e referências. “Mal dos Trópicos” é um luxo nesse sentido. De maneira explícita ou sutil, cada música, arranjo e escolha estética tem algo a dizer. Thiago Pethit tem formação teatral e isso sempre esteve presente em seus discos. Em “Mal dos Trópicos” aparecem o mito de Orfeu, as Bacantes, Nat King Cole, Mário de Andrade, a antropofagia, o tropicalismo e, o mais lindo para mim, a poesia marginal de Roberto Piva.

Piva viveu essa São Paulo que Pethit retrata em suas letras. Para Piva, a Praça da República dos seus sonhos era Garcia Lorca esperando o dentista. Para Pethit, um coração mastigado na Consolação e beijos no Copan. A cidade noturna, a outra São Paulo que o cidadão apressado não vê mesmo de dia.

Ouvir “Mal dos Trópicos” me fez lembrar de uma leitura antológica do poema “Uivo”, de Allen Ginsberg, traduzido por Claudio Willer, também poeta. O cenário era o histórico Madame Satã. Willer lia o poema, que é imenso e forte, enquanto Roberto Piva corria pelo salão atrás de um garoto de programa a quem ele chamava “meu Rimbaud”. Uma cena inesquecível nos meus anos 1980, na minha São Paulo outsider, jovem, ainda tão misteriosa e assustadora.

O clipe de Orfeu faz esse passeio mitológico e mundano pelo centro de São Paulo, dirigido por Camila Cornelsen. Trechos das letras aparecem enquanto um drone explora janelas indiscretas: “Pelo olhar dele assistimos o que poderiam ser o estraçalhamento de Orfeu, o suicídio de Ophelia de Shakespeare, entre outras imagens”, diz o autor da canção. Meu convite de hoje é um mergulho nessa cidade cinza e louca por meio da música e da poesia.

Ouça “Mal dos Trópicos”, ouça o programa especial que fiz com Thiago Pethit e leia Roberto Piva. Recomendo ainda o livro “Paranoia”, do Instituto Moreira Salles, que tem as fotos maravilhosas de Wesley Duke Lee. A primeira edição foi em 1963. “Mal dos Trópicos” é de 2019. A tradução de Claudio Willer do Uivo de Ginsberg é dos anos 1980. Rimbaud e Lorca são clássicos da poesia mundial. Faça a sua viagem. Depois me diz.

Rádio Vozes: Música para ler!

Rádio Vozes: Música para ler!

Autobiografia de Ney Matogrosso, lançada em 2018

Férias para mim é o tempo em que me jogo em uma rede com uma pilha de livros ao lado. Leio de tudo. Os romances que foram recomendados o ano todo e que não tive tempo de ler, os best sellers, os clássicos e, claro, os de música.

Amo biografias e muitas delas fazem parte do meu material de trabalho cotidiano. Me alimento pelo que trazem de informação sobre os artistas que admiro. Muito raramente são vidas simples e, quase sempre, dão grandes livros. Vou fazer aqui uma listinha pequena de alguns que já li e recomendo.

Começo pelo poeta e grande compositor Leonard Cohen. “I’m Your Man” foi um dos maiores sucessos de 2016 e foi escrito depois de décadas de entrevistas e pesquisas feitas pela autora Sylvie Simmons. Um primor! Uma vida que daria um filme sensacional e a trilha sonora é matadora. Leia e ouça, vale a pena.

Um lançamento mais recente é “Ney Matogrosso – Vira Lata de Raça”, um livro de memórias assinado pelo próprio. Cheio de fotos, escrito em primeira pessoa, é um deleite para quem admira esse maravilhoso artista que nos encanta desde os anos 1970 com sua performance de palco, suas escolhas de repertório, sua voz e vitalidade maravilhosas. Saiu pela editora Tordesilhas.

Agora, se você gosta dos clássicos da canção norte-americana cantados por Ella Fitzgerald vai amar a biografia de Cole Porter. Essa eu li faz tempo, é um dos básicos de cabeceira. Que vida maluca e que compositor genial!

O livro foi lançado em 1998, eu li em 2001 em uma edição charmosa da Vintage Books. O autor é William McBrien. Uma das minhas passagens preferidas é a história de uma viagem pela França que ele fez com um grupo de amigos. Esse já deu até filme.

E temos aqui na lista uma indicação de crônicas de um dos maiores compositores de música romântica deste país, Antônio Maria: jornalista, compositor e boêmio inveterado. Autor de “Ninguém Me Ama”, por exemplo.

Nesse pequeno livro organizado por Joaquim Ferreira dos Santos, ele fala sobre o amor, claro! Crônicas escritas entre 1959 e 1961. Puro deleite. Poesia em prosa. Um Rio de Janeiro que não existe mais e que ainda amamos. O livro se chama “Benditas Sejam as Moças”, não é adorável?

Por fim, se como eu você gosta de ler entrevistas, sugiro os dois volumes do meu querido Tárik de Souza, grande jornalista de música, mestre na arte de entrevistar.

Ele foi responsável por uma linda coleção na editora 34 de títulos sobre música e, pela Kuarup, agora lança dois volumes do seu “MPBambas”. São transcrições dos encontros feitos para o Canal Brasil no programa comandado por ele. Os nomes vão de Zeca Pagodinho a Wagner Tiso, música para todo gosto. Como os daqui nesta lista. Uma boa companhia para os seus dias de ócio, criativos ou não. Divirta-se!

Ah, tem o meu livro também, “Vozes do Brasil – Entrevistas Reunidas pela Edições Sesc”– que a 29HORAS já indicou aqui. Agora em julho estarei na FLIP, em Paraty, para fazer o lançamento. Quem sabe nos vemos lá!?

Rádio Vozes: A Itália na música brasileira

Rádio Vozes: A Itália na música brasileira

Elis Regina e Adoniran Barbosa

Quando você pensa em uma possível conversa entre a música italiana e a brasileira o que vem primeiro à cabeça? Para mim, é o encontro de Elis Regina e Adoniran Barbosa cantando “Tiro ao Álvaro”. Uma obra-prima do samba paulistano, cheia de bom humor e de balanço.

Adoniran talvez seja o maior representante da cultura italiana na nossa música. Sua história começa no rádio, nos anos 1930, como um personagem que virou o nome artístico de João Rubinato, ator e comediante nascido em Valinhos, sétimo filho de um casal de imigrantes italianos, claro!

O personagem Adoniran, o comediante do rádio, foi fundamental para a construção do compositor. Seus sambas são crônicas de uma época em que São Paulo crescia rapidamente, e esse jeito de cantar “errado” foi a forma que ele encontrou para falar diretamente com a população trabalhadora, da qual ele mesmo fez parte.

Mas não é só de humor e “italianês” que é feita a obra desse grande compositor. Adoniran também fez a maravilhosa “Bom Dia, Tristeza” em parceria com Vinicius de Moraes, cantada por Maysa e Aracy de Almeida.

Foi gravada também por Elis, Clara Nunes, Gal Costa, Rita Lee, Djavan e Jards Macalé. Seus sambas mais conhecidos fazem parte do repertório do delicioso grupo Demônios da Garoa desde os anos 1950. “Saudosa Maloca”, “Samba do Arnesto”, “Trem das Onze”, maravilhas do nosso cancioneiro.

E já que o nosso tema do mês é a Itália, vale lembrar que alguns de nossos maiores ícones da música popular já gravaram discos inteiros em italiano. Chico Buarque, exilado, gravou em 1969 e 70 dois discos por lá. Vinicius e Toquinho nos anos 1970 fizeram muitos shows registrados em disco. A obra infantil “A Arca de Noé” ganhou uma versão inteira em italiano em 1972. Disco lindo e raro.

No final da década de 1990, Zizi Possi gravou o lindo álbum “Per Amore”, um sucesso enorme nesse país cheio de filhos, netos e bisnetos de italianos. O disco tem lindos arranjos de orquestra assinados por Dori Caymmi e clássicos da canção italiana escritos por Lucio Dalla, Domenico Modugno e Pino Daniele. A faixa título é de Mariella Nava, cantora e compositora contemporânea.

E Caetano Veloso fez mais uma maravilha em 1997 com seu “Omaggio a Federico e Giulietta”, um disco lindo gravado em Rimini, na Itália, cidade natal de Federico Fellini. Grande admirador do cinema, ele compôs “Giulietta Masina”, gravada em 1987, e foi convidado para cantar em homenagem ao casal no aniversário de Federico. O disco tem arranjos de Jaques Morelenbaum e um repertório primoroso. Imperdível! Esse eu recomendo inteiro.

Abra um bom Montepulciano, um primitivo ou um orgânico da Sicília, cozinhe a pasta e se delicie com nossa seleção musical ítalo-brasileira!

Boa viagem!