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Rádio Vozes: A voz dos mestres

Rádio Vozes: A voz dos mestres

Jards Macalé na turnê de seu novo álbum, “Besta Fera”

Paulinho da Viola, no samba “Dança da Solidão” canta: “Meu pai sempre me dizia, meu filho tome cuidado, quando penso no futuro não me esqueço do passado”. Essa música foi gravada também por Marisa Monte e temos uma linda versão com os dois. É uma beleza dessas que só Paulinho é capaz de fazer, um samba que faz refletir, que emociona.

Abro nossa conversa de hoje com essa citação para falar de três discos recém-lançados por artistas com no mínimo 40 anos de estrada: Jards Macalé, Jorge Mautner e Fafá de Belém.

Estão todos em plataformas digitais e tocando muito na Rádio Vozes. Jards lançou o “Besta Fera” com direção musical de Rômulo Fróes, um compositor paulista, grande cantor, e quase com a mesma turma que fez o disco de Elza Soares. É um trabalho forte que teve como single a canção “Trevas”.

Macalé é um dos pilares da música pop brasileira. Esteve ao lado de Gal Costa no “Fatal”, com Caetano no “Transa”, e tem parte de sua obra lindamente gravada por Bethânia, sem falar das versões maravilhosas todas de seu maior sucesso – “Vapor Barato”, parceria com Wally Salomão.

Jorge Mautner lançou seu disco “Não Há Abismo Em que o Brasil Caiba” com a banda carioca Tono. Um disco com toda a personalidade brejeira, acida e filosófica de Mautner com a sonoridade contemporânea da Tono, formada por Ana Lomelino, Bem Gil, Bruno di Lullo e Rafael Rocha. O título do álbum foi tirado da frase “O Brasil tem um destino tão grandioso, tão grandioso, que não há abismo que o caiba”, dita pelo filósofo português Agostinho da Silva nos anos 90 e traz canções engajadas com a atualidade, inclusive com o assassinato de Marielle Franco.

Fafá de Belém lançou o disco “Humana” com show histórico no Sesc Vila Mariana, em São Paulo. Com direção do jovem paraense, cantor e compositor Arthur Nogueira, a cantora se apresentou com uma banda igualmente jovem e com repertório de compositores contemporâneos. As músicas pinçadas de sua obra vieram do mesmo recorte usado no disco: humanismo, liberdade e amor.

O bis me levou às lágrimas depois de um show muito emocionante. Fafá cantou “Credo”, de Milton Nascimento e Fernando Brandt. Deixo aqui com vocês uma parte da letra dessa canção e retomo à reflexão de Paulinho da Viola, que é comum a todos esses artistas que viveram mais do que eu, portanto trazem a sabedoria do caminho.

A música transforma e inspira. Ouvir esses artistas me dá esperança. Essa da qual Milton fala em sua canção:
“Caminhando pela noite de nossa
cidade
Acendendo a esperança e apagando a
escuridão
Vamos, caminhando pelas ruas de
nossa cidade
Viver derramando a juventude pelos
corações
Tenha fé no nosso povo que ele resiste
Tenha fé no nosso povo que ele insiste”.

Rádio Vozes: Melhor que o silêncio, só João?

Rádio Vozes: Melhor que o silêncio, só João?

João Gilberto, Caetano Veloso e Gal em programa da extinta TV Tupi, em 1971

Tiro essa frase da canção “Pra Ninguém”, de Caetano Veloso, para abrir nossa conversa do mês. Essa música faz parte do disco “Livro de 97”, e nela Caetano fala de vários artistas, de Aracy de Almeida a Marisa Monte. Faz o que se conhece como list songs, citando sucessos ou suas canções preferidas em formato de lista:
Bethânia cantando “a primeira manhã”;
Djavan cantando “drão”;
Chico cantando “exaltação à mangueira”;
Paulinho, “sonho de um carnaval”, e por fim “melhor do que isso só o silêncio, melhor que o silêncio só João”;

Todos sabemos da admiração do autor pela obra de João Gilberto. Já em seu primeiro LP “Domingo” (67), isso já ficava explicito em “Saudosismo”, uma canção que traz os fundamentos do Tropicalismo antes mesmo de ele existir.

Uma letra inteligente e deliciosa, cheia de referências e de metalinguagem. Uma linda homenagem em forma de canção de amor, uma loa ao violão de João Gilberto, seu jeito dissonante de cantar e tocar, a modernidade que deu início a uma grande transformação na música brasileira a partir do final dos anos 50. Amo! É uma de minhas canções preferidas.

João Gilberto e seu violão apareceram em 1958 acompanhando Elizeth Cardoso em duas faixas do “Canção do Amor Demais”. No ano seguinte, 1959, portanto há 60 anos, ele lança o histórico “Chega de Saudade”, com arranjos de Tom Jobim. Um disco de clássicos. João gravou seus autores preferidos: Caymmi, Ary Barroso, Tom e Vinicius, Carlos Lyra,
Boscoli e Menescal, e na penúltima faixa do lado B o maravilhoso samba “Aos Pés da Cruz”, de Marino Pinto e Zé da Zilda. Destaco essa faixa porque o cantor sempre visitou esse repertório que vem da linhagem de Noel Rosa, Vadico, Geraldo Pereira, Assis Valente.

Sambas que ele ouvia no rádio, sambas que o Brasil ouvia. O rádio que mostrou para o país inteiro a voz de Orlando Silva, que é um mestre para João Gilberto, mesmo que seu estilo se pareça mais com o de Mário Reis, um dos primeiros cantores a usar a voz macia com apoio da tecnologia mais apurada dos microfones e métodos de gravação no acetato.

Esse foi só o principio. João Gilberto seguiu fazendo maravilhas por toda sua carreira discográfica. Minha sugestão para o mês de escuta atenta é dar uma geral nessa obra. Nos anos 60 ele encontrou Stan Getz e com Astrud Gilberto levou a bossa nova para o berço do jazz. Na década de 70 gravou George e Ira Gershwin no belíssimo “Amoroso”.

Em 81, gravou com Gil, Caetano e Bethânia o delicioso “Brasil”, um disco cheio de obras-primas interpretadas pelos baianos e que tem um dueto inesquecível de Maria Bethânia com João em “No Tabuleiro da Baiana”, de Ary Barroso.

Voltamos a Caetano Veloso para relembrar o disco que ele produziu em 99, lançado em 2000: “João Voz e Violão”. O repertório é primoroso e destaco aqui “Coração Vagabundo”, de Caetano; “Da Cor do Pecado”, de Bororó; “Segredo”, de Herivelto Martins e Marino Pinto;

“Eclipse”, do cubano Ernesto Lecuona. A capa faz alusão ao verso de Caetano que provoca essa coluna e que repasso pra você. Ouça, depois me diga: melhor que o silêncio, só João?

Rádio Vozes: Como você ouve música? Atenção aos detalhes torna a experiência melhor

Rádio Vozes: Como você ouve música? Atenção aos detalhes torna a experiência melhor

Lembra da última vez que você colocou um disco para tocar?

Parece uma pergunta boba, mas tem feito parte do meu cotidiano pensar nisso depois que criei uma rádio digital. Com os serviços de streaming cada vez mais acessíveis, aquele velho hábito de ouvir um disco quase desapareceu.

Qual foi o último disco que você ouviu inteirinho? Olhando para a ficha técnica, a arte da capa? Tempo, tempo, tempo…Toda sexta-feira temos lançamentos digitais. Você acompanha?

Uma boa notícia é que os vinis estão voltando com muita força. Quase como uma resposta a esse movimento de ouvir música sem saber quem está cantando. Há pequenos selos se organizando para relançar raridades, e artistas novos trazendo o vinil como parte de sua estratégia de divulgação.

Ainda assim, qual foi a última vez que você colocou um disco para ouvir? Não precisa ser um vinil. Vamos pensar no álbum de Adriana Calcanhotto, “A Mulher do Pau Brasil”. Você percebeu a narrativa? Percebeu a letra arrebatadora, necessária, poderosa e provocadora de “Ogunté”? Crianças encalhadas, o plástico do mundo no peixe da ceia, caixas pretas no fundo do mar… E o arranjo? A métrica? O ritmo potente do poema que lembra um Wally Salomão já tão cantado por ela.

E o novo disco de Jards Macalé? Ainda é só digital. Mas já temos muita informação sobre as novas canções do autor de maravilhas como “Vapor Barato” e “Movimento dos Barcos”. Falemos, por exemplo, das parcerias com Ava Rocha, Tim Bernardes e Rodrigo Campos, três artistas jovens e talentosos que agora criam com uma de suas maiores referências.

Mas não preciso falar só de lançamentos. Já que ouvir música é um hábito afetivo, que tal lembrar daquele LP tão importante na sua vida e que poderia te trazer aquelas boas e velhas sensações da primeira escuta… Eu ouviria um Caetano antigo. O “Qualquer Coisa”, por exemplo. Disco de 1975. Lado A, faixa 2: “Da maior Importância”. Uma conversa cantada, só com o violão de Perinho Albuquerque acompanhando a voz macia de Caetano Veloso.

Um violão percussivo que acentua perfeitamente o que a letra propõe. Lado A, faixas 3 e 4, uma sequência primorosa de “Samba e Amor”, de Chico Buarque, e “Madrugada e Amor”, de José Messias. As duas canções conversam entre si e me levam para a nostalgia das noites de verão na rede da varanda, calor e brisa, romance inventado. Leio que “Madrugada e Amor” foi ouvida no rádio por Caetano ainda menino, em Santo Amaro da Purificação. Fica tudo ainda mais bonito.

Escrevo para dizer isso. Se dê de presente ouvir música assim, como antes. Com atenção. Com tempo. Faça da música a sua companhia. As canções têm muita história para contar.

Boa viagem.

Rádio Vozes: Uma coletânea de novos nomes com sons surpreendentes e deliciosos

Rádio Vozes: Uma coletânea de novos nomes com sons surpreendentes e deliciosos

As irmãs franco-cubanas Lisa-Kaindé e Naomi Díaz formam o dueto Ibeyi

Nossa Rádio Vozes está quase completando três anos e quem já ouviu sabe o quanto gostamos de novidades. Todo verão, estação que adoramos, fazemos uma playlist nova baseada nas descobertas da turma. Gostamos principalmente das canções que alegram, dos ritmos suaves para amenizar o calor, da diversidade da música do mundo…e também aproveitamos pra resgatar alguns clássicos.

N1 Ele me chamou a atenção pela versão de “I’ve Got You Under my Skin”, um standard da canção norte-americana já imortalizada por grandes vozes.

Ele somou ao estilo clássico a soul music e o acento gospel que vem de sua formação, e não por acaso Benjamin é artista da Motown Records, gravadora que lançou Marvin Gaye, entre outros grandes monstros do gênero.

Uma delícia!

Dele vamos para a maravilhosa Buika, que se apresentou em São Paulo no Sesc Pompéia, em 2018. Uma voz profunda, intérprete das mais apaixonadas, ela nasceu em Palma de Mallorca, na Espanha. Filha de imigrantes africanos, traz um pouco de flamenco para nossa programação.

Hindi Zahra é uma cantora marroquina que vive na França. Ela traz a música dos nômades berberes para o pop. Muito baixo, percussão suave e potente e um timbre muito particular na voz. Maravilhosa!

Temos novas canções da dupla Ibeyi, as irmãs franco-cubanas que também já estiveram no Brasil, gravaram com Emicida a canção “Hacia El Amor” e ganharam na Rádio Vozes um especial no Flower Power (está no app sob demanda).

A francesa ZAZ também esteve aqui, foi entrevistada por nós e ganhou especial no Terraço, aquele horário superespecial das 19h. Seu novo disco, “Effet Miroir”, ganhou nossa programação com a ótima faixa “Qué Vendrá”.

E seguimos com os lançamentos nacionais. Thiago Pethit, depois de cinco anos sem lançar um disco, tocou primeiro na Rádio Vozes a canção “Noite Vazia”, primeiro single de “Mal dos Trópicos”. Jards Macalé, autor de maravilhas como “Vapor Barato”, “Mal Secreto” e “Negra Melodia”, lançou “Trevas”, uma triste e poderosa visão dos nossos tempos.

Nossa programação está no ar 24 horas no app e no site com essa mistura que é o que nos importa, é o que gostamos de ouvir e de compartilhar. Aproveite! Alegre e mude seus dias ouvindo boa música. É de graça!

Rádio Vozes: Lan Lanh mostra a força dos seus tambores em “Batuque”

Rádio Vozes: Lan Lanh mostra a força dos seus tambores em “Batuque”

Novo álbum de Lan Lanh, “Batuque” traz novas interpretações de versos brasileiros conhecidos

Reza a lenda que o histórico álbum “Os afro-sambas”, de Baden Powell e Vinicius de Moraes, foi inteiro concebido durante uma imersão de vários dias na casa do poeta.

Ambos estavam encantados com o LP “Sambas de Roda e Candomblés da Bahia”, uma coletânea de toques e cantos dos terreiros de candomblé que saiu no começo dos anos 60. Baden estava afogando mágoas de amor no violão na companhia de Vinicius, e os dois se fecharam ao redor da música. Em 1966, esse clássico LP foi lançado, uma obra-prima que inspira gerações de músicos brasileiros desde o seu lançamento.

Gosto de falar dos caminhos que a música percorre através dos tempos. E nessa viagem de hoje celebro os trinta anos de carreira de Lan Lanh, uma percussionista, compositora, arranjadora que passeia pelo pop, pelo samba e pela canção. Seu novo disco, “Batuque”, abre com “Canto de Xangô”, um dos sambas de Baden e Vinicius. Visita o que há de melhor na sofisticação do maestro pernambucano Moacir Santos e grava “Coisa nº 4”, que no disco original tinha o mestre Wilson das Neves.

Dá um acento flamenco em Jacob do Bandolim tocando cajon em “Santa Morena” e traz a festa do frevo de Osmar Macedo. Cajon, pandeiro, congas e berimbau, em interpretações cheias de energia e arranjos primorosos com o cavaquinho de 5 cordas de João Felipe e os violões de 6 e 7 cordas de Guto Menezes. Porque sim, senhoras e senhores, o batuque pode ser sofisticado, elaborado, maturado.

Se em Pernambuco a criança cresce ouvindo a alfaia do maracatu, na Bahia, mais fortemente em Salvador, o batuque dos tambores é parte do cotidiano.

E com ela, ouvidos atentos, música entrando pelos poros desde criança, não foi diferente. Lan já tocou tambores com Carlinhos Brown, fez parte da histórica banda que acompanhou Cássia Eller, montou a deliciosa Moinho com Toni Costa e Emanuele Araujo e já tocou com Cindy Lauper. Em 2018, concorreu ao Grammy com a canção “Aponte” – cantada por Maria Bethânia e que assina com Nanda Costa e Sambê.

Baiana é aquela que entra na roda de qualquer maneira, certo? Pois essa baiana aqui não só entra na roda, ela faz a roda. Num país em que o tambor demorou muito para ser também assunto de mulher, ela foi uma das primeiras.

O Ogan é aquele que faz a conexão entre as batidas do atabaque com o coração da terra, e essa é uma das maravilhas desse Brasil que podemos e devemos aproveitar. A conexão com o divino, que na verdade está dentro de nós, através da música. Já que é tempo de sol e mar, e para muitos de Bahia, deixo aqui para você, meu querido leitor viajante, uns versos do “Canto de Xangô” na versão de Vinicius:

Salve, Xangô, meu Rei Senhor

Salve meu Orixá

Tem sete cores sua cor sete dias para a gente amar

Entre no ritmo ouvindo Lan Lanh, claro! Boa viagem e até a próxima!