Acordei pouco antes das 7h. Vesti o robe de chambre, peguei o computador e fui para o jardim de inverno ler os jornais.
O dia estava bonito. Sol forte, mas com um vento frio. Silêncio. Quase nenhum carro nas ruas. A Nutella, nossa Shi-Tzu de quase cinco anos, me olha e diz:
– Vamos. Vou te levar para passear. Tenho que fazer os números 1 e 2. E acho que você precisa tomar um ar, pegar um pouco de sol e dar uma arejada. Essa quarentena está te deixando pálido.
Vesti uma calça de abrigo e um moletom e, em menos de cinco minutos, estava abrindo a porta da área de serviço.
– Não vai colocar a máscara? Outro dia vi o João falando na televisão que a partir de hoje tinha que sair sempre de máscara.
– Bem lembrado, Nutella. É que como quase não tenho saído nesses últimos 40 dias…
Mal chegamos e ela fez xixi. O dia realmente estava lindo. Procuramos caminhar no sol para evitar o vento. Moro em uma rua tranquila e arborizada, que a essa hora da manhã e, com o isolamento, fica ainda mais sossegada.
– Sei que você está gostando de ficar mais em casa comigo, cuidando de mim e me fazendo carinho, mas estou preocupada com você.
– Preocupada por quê? Está tudo bem.
– Estou te sentindo meio triste e angustiado. Sei que o momento é complicado, que a gente não sabe o que vai acontecer com o mundo. Talvez seja melhor você assistir menos a CNN e a Globo News. Não bastassem os problemas de saúde e da economia, ainda tem a política né?
– Pois é. Talvez você tenha razão mesmo. Preciso dar uma “desligada”. Ler mais livros nas horas vagas, jogar mais baralho, fazer palavras cruzadas. É que o que estamos passando é tudo muito novo.
– Peraí. O coronavírus pode ser um inimigo novo e desconhecido. Mas já os políticos…
– Melhor mudarmos de assunto, por favor.
Depois de uns dez minutos e de a Nutella fazer cocô, chegamos a uma avenida mais movimentada. Ela para, olha para os dois lados e me pergunta:
– Desculpa, mas tenho que voltar ao tema. Olha isso! Você não acha que tem muito carro na rua? Nem parece que a recomendação é para todo mundo que puder ficar em casa. Assim vai ser difícil controlar o vírus. Falo isso por vocês, porque esse tal corona não me afeta.
– Você tem razão, Nuttelinha. Parece um dia normal.
– Sabe, não entendo vocês humanos. Será que não viram o que aconteceu na Europa e nos Estados Unidos? Por que não ouvem os médicos e a ciência e insistem em sair de casa? No início da quarentena vocês estavam indo bem, mas agora largaram mão? E ainda tem gente que faz barulho para a vida voltar ao normal o quanto antes. Por favor, me explica isso.
– Quando me convidou para passear disse que eu precisava arejar a cabeça. Agora que estamos aqui você só fala nisso.
– Tem razão. Me perdoa. Vamos falar de você. Está sentindo falta dos amigos e de ir para o trabalho, né? Do futebol na TV, da ginástica e de suas corridas.
– Ah isso estou sim, Nutella. Essa parte está complicada. Ficar trabalhando em casa e não fazer exercícios está me fazendo muito mal.
– Bom, e do jeito que você anda comendo e tomando cerveja…
– Chega. Acabou o passeio. E, se for para me falar essas coisas, não me convide mais.
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