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Quatro documentários que abordam a questão da água com relevância

Quatro documentários que abordam a questão da água com relevância

Estou me Guardando para Quando o Carnaval Chegar

Filmado na pequena Toritama, o documentário “Estou me Guardando para Quando o Carnaval Chegar”, do diretor Marcelo Gomes, mostra trabalhadores da indústria do jeans à espera da folia, período mais aguardado por eles, pois é a única época que a produção têxtil local faz uma pausa. A cidade, situada no agreste pernambucano, é conhecida como a capital do jeans, sendo o 2º maior polo de confecção jeanswear do Brasil, posto que faz contraste com a precária infraestrutura local e a desigualdade social, necessárias de serem divulgadas. Disponível na Netflix.

Cena do filme “Estou me Guardando para Quando o Carnaval Chegar”. Foto: Divulgação

Entre Rios

Esse documentário de 25 minutos traça um interessante paralelo entre a história e o desenvolvimento da cidade de São Paulo e seus rios, desde o período da colonização. Mostra as principais causas das enchentes de hoje, motivadas por uma urbanização violenta às margens dos rios. Muitas vezes, no dia a dia frenético de quem vive na maior metrópole da América Latina, os rios passam despercebidos e só aparecem quando chove e a cidade para. O filme é dirigido por Carlos Silva Ferraz e está disponível no Youtube e Vimeo.

O Código Bill Gates

Documentário de Davis Guggenheim, resultado de dois anos acompanhando Bill e Melinda, uma dupla que se complementa como poucas. Dividido em três partes de mais ou menos uma hora cada, o filme foca no trabalho da Fundação Bill & Melinda Gates, no relacionamento dos dois e como Bill Gates se tornou Bill Gates. O 1º episódio é dedicado a sua missão para melhorar as condições de saneamento no mundo, aos projetos na África e à Omniprocessor, uma estação de tratamento a combustão que rapidamente transforma esgoto em energia, fertilizante e água limpa.

Our Planet

Cena do filme “Our Planet”. Foto: Divulgação

Uma viagem por mais de 50 países mostra a vida selvagem com imagens impressionantes. Essa é a série documental “Nosso Planeta”, produzida pela Netflix inglesa e narrada por David Attenborough. São cerca de 400 mil horas de filmagem, sendo 2 mil delas apenas embaixo da água. O projeto mostra a importância de preservar o mundo natural e disponibiliza vários episódios dedicados à vida e aos fenômenos aquáticos.

Atletas se engajam na proteção da represa Guarapiranga, junto a Sabesp e a Prefeitura de São Paulo

Atletas se engajam na proteção da represa Guarapiranga, junto a Sabesp e a Prefeitura de São Paulo

Inaugurada em 1908 com a finalidade de ser uma hidrelétrica, hoje a Represa de Guarapiranga não cumpre mais sua finalidade inicial. Além de ser a única opção de lazer náutico na capital paulista, funciona como um importante reservatório de água, abastecendo cerca de 4 milhões de pessoas das regiões sul e sudoeste de São Paulo.

A represa de Guarapiranga na década de 1930. Foto: Cartão Postal de 1939

A represa de Guarapiranga na década de 1930. Foto: Cartão Postal de 1939

Entre 2009 e 2011, a situação da represa era de alerta. Além do esgoto não tratado de quase mil famílias que viviam no entorno de forma irregular, sem sistema de coleta e pré-tratamento, via-se muito lixo no local. Sofás, pneus, garrafas, brinquedos e até carcaças de carros velhos eram encontrados nas águas. As plantas aquáticas que se alimentam dos nutrientes da poluição e do esgoto formavam um “tapete” verde, que impedia os barcos de navegarem nessas águas.

Uma ação conjunta envolvendo estado, prefeitura e Sabesp, com apoio dos clubes situados no entorno da represa, colocou em prática um plano de contingência eficaz: a instalação de redes nas principais entradas, onde rios e córregos desembocam nas águas da Guarapiranga. As redes seguram todo esse lixo e, diariamente, um barco da Sabesp faz a coleta.

A companhia também desenvolveu um projeto para a retirada dos resíduos que estão no fundo do manancial em parceria com a Fundação de Pesquisas Agrícolas e Florestais (Fepaf), da Unesp. Trata-se de um barco com braço hidráulico que consegue coletar resíduos de plástico e móveis até seis metros de profundidade.

“Mas ainda há muito o que ser feito, como evitar novas invasões nas áreas de manancial e instalar redes de esgoto em todo o entorno”, diz o advogado e velejador Enrico Francavilla, que mora com sua família na beira da represa.

Lavanderias verdes oferecem alternativas inteligentes e sustentáveis

Lavanderias verdes oferecem alternativas inteligentes e sustentáveis

A era do consumo consciente toma corpo cada vez maior na moda e parece ser, felizmente, um caminho sem volta. Depois de adquirir uma peça de marca comprometida com a sustentabilidade ou comprar alguma roupa em um brechó, o consumidor quer continuar cuidando da peça da forma mais coerente. Dessa demanda, surgiram as “lavanderias verdes”, que buscam reduzir os impactos gerados no negócio, principalmente em relação à água, sem deixar de lado a economia de energia elétrica, de sacolas plásticas e de produtos de limpeza.

lavanderias verdes

Para economizar água e energia elétrica, lavanderias no Brasil e no mundo adotam medidas inteligentes, que também trazem vantagens econômicas para o negócio. Foto: Getty Images

A pequena Prillav em Rondonópolis, no interior do Mato Grosso, começou trocando os antigos maquinários por equipamentos mais modernos, planejados para economizar insumos e energia. Além disso, investiu em treinamento de funcionários e na substituição de solventes químicos por biodegradáveis. Passou a usar a luz natural, aproveitando o clima quente da região, que naturalmente contribui na secagem das roupas, diminuindo assim o uso de lâmpadas e máquinas de secar.

As ações impactaram positivamente também na produtividade da lavanderia, que vem triplicando seu faturamento desde então. Com o uso de exaustores eólicos, secagem natural, dosadores automáticos, comandos eletrônicos, produtos biodegradáveis e reutilização de sacolas e cabides, a Prillav conseguiu uma economia mensal de 8,5% de água e energia elétrica.

Em Nova York, a Green Apple Cleaners usa dióxido de carbono no lugar de tradicionais produtos químicos considerados tóxicos. Trata-se do mesmo gás encontrado nas garrafas de refrigerante. As peças são colocadas na inovadora máquina de lavar, que é alimentada com um cilindro de dióxido de carbono, onde o gás, submetido a alta pressão, vira líquido, penetra no tecido e limpa por completo. Logo em seguida, a pressão interna diminui, o CO2 volta ao estado gasoso, e seca a roupa. O processo todo dura meia hora.

Mesmo que de formas mais sustentáveis, também é necessário pensar bem antes de lavar cada roupa. Como diz a estilista Stella McCartney: “Basicamente, na vida, há uma regra geral: se você não precisa limpar uma coisa, não a limpe”. Ela sugere tentar tirar a sujeira das roupas com uma escova e deixá-las arejando após cada uso, antes de guardar. Dessa forma, economizamos recursos naturais e aumentamos a vida útil da peça.

Uma das maiores especialistas do Brasil no assunto, Marussia Whately alerta sobre a crise hídrica

Uma das maiores especialistas do Brasil no assunto, Marussia Whately alerta sobre a crise hídrica

Não dá para falar sobre água sem citar Marussia Whately, uma das grandes referências mundiais sobre o assunto. Convivendo desde pequena com movimentos pela conservação dos mananciais da represa de Guarapiranga, em São Paulo, onde cresceu, ela logo cedo percebeu seu talento para liderar e engajar grupos, além de transmitir informações técnicas de forma clara para a população.

Casas no leito do Rio Amazonas. Foto: Getty Images

Formada em arquitetura e urbanismo pelo Mackenzie, Marussia se destaca por passagens inovadoras: foi a mais jovem coordenadora do ISA – Instituto Socioambiental, onde atuou por mais de dez anos; participou do Programa Municípios Verdes, parceria entre a sociedade civil e o governo do Pará; e articulou o movimento Aliança pela Água, com mais de 60 organizações, para discutir a grande crise hídrica de São Paulo em 2014. Autora de “O Século da Escassez – Uma Nova Cultura de Cuidado com a Água: Impasses e Desafios”, que escreveu em parceria com Maura Campanili, Marussia está agora à frente do Instituto Água e Saneamento, que visa aumentar o acesso ao esgoto de forma mais rápida e beneficiando mais gente.

Por que, mesmo sendo uma questão crucial para a saúde da população e do meio ambiente, é tão difícil avançar com o saneamento no Brasil?

Saneamento é um tema complexo, pois tem várias dimensões. Assim como o acesso à água, ele é um direito humano, o que responsabiliza os países; ele é política pública, alçada de governo federal, estadual e municipal, e é também prestação de serviço. Envolve água, esgoto, lixo, águas pluviais, enchentes e todos os processos ligados a cada uma dessas questões, todas relacionadas à saúde. Como é um tema complexo, não tem um único responsável nem uma única solução, o que dificulta avançar. Ainda falta muito até chegarmos no ponto ideal onde os governos economizam com os benefícios, pois estamos atrasados desde a parte do esgoto. Há um enorme déficit na prestação de serviços, com 48% da população sem coleta básica. O maior problema das crianças e adolescentes do Brasil, segundo dados da UNICEF, é a falta de saneamento, visto que cerca de 14 milhões deles vivem ao lado de valas abertas e rios sujos.

Existe algum avanço em relação às formas de implementar o esgoto?

É necessária uma revisão profunda do tema. A forma linear como tratamos o esgoto no Brasil é uma ilusão, é o modelo clássico, onde se pega a água do manancial que está longe da cidade, perde-se parte dessa água no meio do caminho, trata-se essa água e a distribui para as casas, perdendo mais uma quantia. Ainda tem o esgoto, que não é todo coletado, nem tratado, e parte dele vai parar nos rios – tanto que todos os rios das cidades brasileiras têm poluição por dejetos. E mesmo a parte do esgoto que foi devolvido não desaparece, ele vai para a cidade de baixo, vai poluir o mar… Por isso, precisamos de uma revisão urgente.

O que é necessário fazer?

Uma concepção mais atualizada sobre o esgoto, assim como temos com o lixo. Falta olhar para ele não só como dejeto, mas também como recurso natural que pode ser reposto para a atmosfera. Podemos ter cadeias de serviços separadas, e a água não precisa necessariamente estar ligada ao esgoto. Falta enxergarmos o esgoto de forma circular, para que ele seja reaproveitado, e não descartado. E daí podem surgir novos negócios. Um exemplo é o fósforo, recurso finito na natureza e que se encontra no lodo do esgoto. Por que não desenvolvermos sua extração? Também é possível ter adubo vindo do esgoto, energia… E assim vão sobrando menos partes a serem descartadas. É o mesmo princípio da reciclagem de lixo.

Qual é a grande causa da crise hídrica em algumas regiões do Brasil, tendo em vista que o Brasil parece ter água de sobra?

O Brasil de fato possui 12% da água superficial do planeta e, mesmo assim, algumas cidades, como São Paulo e Rio, já vivem um estresse hídrico. Não dá para dizer que o país está numa situação confortável. Uma das razões é que grande parte da água está na Amazônia e a maior concentração de população e indústrias está no Nordeste, Sudeste e Sul. Não há um bom planejamento para reduzir o uso da água.

Outro aspecto é que, apesar de existir tanta água, boa parte não tem qualidade para se reutilizada. Hoje temos quatro principais fontes de poluição de água: esgoto e efluentes urbanos; fertilizantes e agrotóxicos; processos de mineração; e desmatamento. Essas “ameaças” ocorrem de formas diferentes em cada região. É essencial que a gente crie, com urgência, uma nova cultura de cuidado com a água. É importante partir do princípio que, desde que começou a chover na Terra, a água é sempre a mesma, ela vai se renovando, e estamos acabando com os espaços onde ela se renova, como a várzea, os rios, as geleiras.

O aquecimento global tem relação com esse estresse hídrico?

Totalmente. No contexto de um processo global de mudança do clima, os extremos têm sido mais intensos. Como diz o professor Antonio Nobre em seu livro “O Futuro Climático na Amazônia”, o clima está ficando menos amigo. Nos últimos 14 mil anos, as pessoas compartilhavam o “saber” do clima, sabiam quando ia chover, fazer frio ou calor, o que favorecia a agricultura, por exemplo. Hoje, não, o que causa muita insegurança. A crise hídrica é mundial, tanto que nos últimos cinco anos o Fórum Econômico Mundial vem apontando o problema como um dos maiores riscos para a humanidade.

Além dos governos, a sociedade civil e as empresas têm responsabilidade em relação ao cuidado com a água?

Todos somos responsáveis. Mesmo a água sendo um direito humano, o cuidado com ela é um dever de todos. E eu acredito que possamos mudar nossa cultura e comportamento. Um exemplo é o que aconteceu em São Paulo após a grande crise hídrica de 2014, quando chegamos à beira de um colapso. Houve investimento em diferentes escalas para o uso mais consciente e inteligente da água, de moradores a condomínios e indústrias. Por causa do uso consciente, o consumo de água na cidade hoje é 10% menor do que era antes da crise.

Você vê as novas gerações mais conscientes com a questão da escassez?

Sim, mas não podemos generalizar. Uma criança que estuda em uma boa escola particular em São Paulo tem uma visão de futuro muito diferente do que a criança que vive ao lado de uma vala de esgoto aberto, onde o problema é o seu presente. Essa primeira criança, privilegiada, entende que o seu futuro está ameaçado; então ela tem medo, sabe que as coisas precisam mudar e cobra das gerações anteriores a solução para o mal que causaram. Daí surgem lideranças como a Greta Thunberg, que é um fenômeno maravilhoso. Mas também temos que tomar cuidado para educar e conscientizar essas crianças sem causar pânico e depressão, que pode ser muito ruim e pouco produtivo.