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Jesuíta Barbosa é pura profundidade, simplicidade e inteligência

Jesuíta Barbosa é pura profundidade, simplicidade e inteligência

Desde que irrompeu no teatro, no cinema e na TV, há onze anos, ele só tem chamado a atenção. Ano após ano, Jesuíta Barbosa colhe elogios de diretores, cineastas e atores com quem contracena. O jovem de 28 anos que cresceu no sertão de Pernambuco, filho de uma cabeleireira e um bancário, é conhecido por sua grande entrega ao encarnar seus personagens.

Como seu próprio nome deixa antever, Jesuíta cresceu em um ambiente católico. Foi batizado, crismado, fez primeira comunhão e participou de grupos musicais religiosos. Tinha futuro na igreja, não fosse o teatro descoberto na adolescência, que o tomou por inteiro, sem reservas.

Jesuíta Barbosa

Foto: Fabio Audi

Com sua inteligência cênica, hoje ele se multiplica em papéis e cenários diversos. Até o final de outubro de 2019, estrelou o musical “Lazarus”, último trabalho do cantor inglês David Bowie (1947-2016). Também causou como o militar homossexual Fininha em “Tatuagem”, no filme de Hilton Lacerda, atuação que o fez conquistar, com apenas 22 anos, o prêmio de melhor ator nos festivais de Cinema do Rio e de Cinema de Língua Portuguesa, em 2013.

Um ano depois, estreou na TV em “Amores Roubados”, da Globo. E emendou, na mesma emissora, “Rebu” (2014), “Ligações Perigosas”, “Justiça” e “Nada Será Como Antes” (2016), além de “Onde Nascem os Fortes” (2018). No cinema, esteve em grandes produções como “O Grande Circo Místico” (2018), “Malasartes e o Duelo com a Morte” (2017), “Reza a Lenda” (2016), “Praia do Futuro” (2014) e “Serra Pelada” (2013). Em 2019, experimentou ser protagonista da Globo na novela “Verão 90”.

No papo a seguir, Jesuíta fala da sua criação no Nordeste, de como o coletivo cearense As Travestidas expandiu os seus sentidos e a sua consciência como ator e explica por que, em sua opinião, o feminino é a energia mais poderosa do mundo.

Recentemente, você foi protagonista de novela da Globo em “Verão 90”. O que experimentou a partir daí?

A minha avó, para quem pedi que me assistisse pela TV, parou de ver a novela porque estava me achando muito ruim, maldoso (risos). Eu achei fantástico e argumentei: “Mas, vó, tô fazendo a novela para a senhora ver”. E ela: “Não vou ver mais isso, não. Nojento!” Acabou comigo, foi engraçado. Bom, os paparazzi não me perseguiam pelas ruas (risos). Dei sorte. Apesar de não me achar reservado demais, eu não sou uma celebridade, não virei essa coisa. E também não acho que seja parte do meu trabalho. Mas sempre tive curiosidade de fazer novela. Houve, sim, uma superexposição que não havia experimentado. Por outro lado, é algo que vem e vai rapidamente.

Musical “Lazarus”. Foto: Flavia Canavarro / Divulgação

Você nasceu e se criou no Nordeste. Retorna às suas raízes com frequência?

Nasci em Salgueiro, mas cresci em Parnamirim, sertão de Pernambuco, para onde viajei no início do ano passado. É nossa função, enquanto ser humano, resgatar a memória. Quando percebemos que não mais recordamos ou não temos uma memória afetiva sobre algum momento da vida, da infância, de uma descoberta, do crescimento, da passagem do tempo, a gente começa a morrer por dentro. Prefiro viver bastante, guardando boas memórias. Por isso, retorno para lá. Hoje, engraçado, estava lembrando da casa de uma tia. É o local do qual mais me recordo, onde cresci com primos. Esses lapsos vêm com força quando eu estou muito cansado.

Fale um pouco mais da sua criação por lá.

Minha família materna é de Pernambuco e a paterna do Ceará. Eu ficava dividido entre os estados. Até que uma hora nos estabelecemos em Fortaleza, para que eu fizesse o ensino médio. No sertão pernambucano, porém, pude crescer em meio a muito primo, ocupar a rua. Parnamirim é pequena e pude usar a cidade inteira para correr e brincar de tudo. Era um espaço de tranquilidade, longe de perigos. A família se dividia por todo o município, a cidade era nossa.

Como você passou pela adolescência?

Cena de “O Grande Circo Místico”. Foto: Divulgação

É uma das fases mais difíceis da vida. A obrigação de definir a profissão a ser exercida no futuro é bem debilitada no sistema educacional vigente. Capitalista, ele prega que temos de ser alguma coisa definida e para sempre. Com a tecnologia, porém, as pessoas estudam de olho em uma profissão, mas sabem que, provavelmente, terão de procurar outra. A minha família primava que eu fizesse uma faculdade que me desse retorno rápido, pudesse me sustentar. A cabeça das pessoas é nesse lugar: trabalho não tem a ver com diversão; é suor, sofrimento. Demorei um tempo para entender que o meu trabalho poderia ser algo que me deixasse são, mais forte e que eu pudesse me divertir com ele.

Foi aí que procurou o teatro?

O teatro foi um portal para mim desde a quinta série. No colégio, ele era oferecido aos sábados. Quando eu não me saía bem em exatas, o colégio me proibia de fazê-lo. O que hoje é o meu trabalho era, naquela época, tirado de mim. É um erro educacional não valorizar as artes, a educação artística como um todo, seja musical, visual, enfim, a educação primordial para qualquer um se perceber diferente do outro. No fim das contas, acabei fazendo faculdade de teatro. Demorou, mas percebi que poderia trabalhar com teatro e conhecer pessoas que se sustentavam com a arte.

O que o teatro entrega a você?

Jesuíta, na minissérie da Globo “Justiça”. Foto: Divulgalção

Adoro perceber o meu corpo no teatro. Ele fica dilatado, diferentemente do audiovisual, cuja forma de atuar é mais minimalista, naturalista. O teatro pede uma vivacidade, uma dilatação de energia que vira quase um exercício físico. O meu corpo responde bem e a minha mente fica mais tranquila. Em “Lazarus”, eu cantei na peça e não acreditava que poderia cantar bem daquele jeito no palco. Também pintei o cabelo de loiro, talvez para me aproximar do personagem, ou do Bowie mesmo.

Bowie é uma referência para você?

Hoje, estou bem por dentro da obra dele, mas, antes, não. Tinha referência icônica do Bowie no mundo pop. Só que ele tem um trabalho plástico muito bonito. Foi importante ler e pesquisar sobre o artista e as suas canções. Gosto muito de “Sunday”, estou bem viciado nessa música. Não curto dizer que sou eclético (risos), mas ouço muita coisa, como Caetano Veloso; a irmã dele, Bethania; Gal Costa, Devendra Banhart e o Thiago Nacarato, um cantor português.

Você vive bastante na ponte aérea, já morou no Rio e agora está em São Paulo. Como vive as duas cidades?

Amo o Rio e também gosto de São Paulo, uma cidade construída com muito trabalho. São Paulo foi construída por nós, nordestinos. Nas duas capitais, vivo de um jeito simples, curto ficar em casa. Limpo as coisas, cozinho. Faço um risoto bom, viu? E preparo uma moqueca, quando quero festejar algo. Me faz bem, é quase uma feitiçaria.

Se não fosse artista, o que gostaria de ser?

São tantas as possibilidades na arte. Há o bailarino, o ator, o artista circense. Depois de ver um grupo de bailarinos atuando em um filme, decidi que queria dançar e provocar sensações com o movimento, com o corpo. Eu seria bailarino,
se não fosse ator.

A arte o destravou de lugares que o sufocava?

Completamente. É nela que a gente encontra a dureza da busca pela verdade, pelos nossos demônios, a nossa morada nesse planeta estranho e bonito ao mesmo tempo. Arte consolida disparidades, a beleza, a feiura, os medos e a coragem. Possibilita uma leveza ao nos livrar da ignorância, da verdade única estabelecida pelas instituições sociais e religiosas, porque questiona. Ir ao cinema e sair de lá completamente mudado, ouvir uma música que nos transforme, são provas de sua força.

Foi no coletivo “As Travestidas” que você deu os primeiros passos como ator. Qual a importância dessa experiência?

Jesuíta Barbosa e Clécio Irandhir Santos em cena do filme “Tatuagem”. Foto; Divulgação

As Travestidas é um coletivo de Fortaleza com uma importância imensa no Ceará. É formado por diversos atores e atrizes e coordenado pelo Silvero Pereira (que interpreta o cangaceiro Lunga em “Bacurau”), grande ator e diretor da capital cearense, e tem um repertório bem interessante de teatro transformista e sobre a questão de gênero. O coletivo me possibilitou uma salvação; fazer o contrário do que o mundo pré-datado, ditado pelo Estado e pela Igreja, costuma impingir. Foi a partir d’As Travestidas que passei a entender o feminino. E entendi, nessa sociedade extremamente machista e violenta, que existe uma beleza e grandiosidade no feminino. Ela é tão absurdamente grande e fantástica que precisa ser condenada pela sociedade, porque do contrário ela toma para si o poder. O feminino é a energia mais poderosa do mundo.

Considera-se feminista?

Não me coloco como feminista, porque sou homem e, portanto, não posso sê-lo. Não quero tomar para mim essa bandeira, porque é delas. Mas é minha função, também enquanto homem, dar vigor ao poder feminino. A forma como eu me percebo hoje e a criação que recebi da minha mãe me colocam em função de defender o meu lado feminino, defender a mulher.

Como frear a reprodução de arquétipos como macho, fêmea, gay, hétero, homossexual etc.?

Pela educação. Quando souberem que educar é conhecer a ciência. Quando começarmos a discutir gênero e entender as diferenças de sexualidade, a sociedade será menos doente e mais acolhedora. A gente tem um défi cit gigante na educação, e não apenas em termos de sexualidade. Hoje, por exemplo, o acesso à arte tem sido restringido. Há cortes de incentivo ao audiovisual e a censura está dando as caras novamente no nosso país.

Aos 28 anos, seus trabalhos têm sido muito elogiados. O que espera que o correr do tempo entregue a você?

Espero muito não. O que interessa é o caminhar, não o correr dos anos. Quero que o tempo possibilite a percepção das coisas e que elas não passem despercebidas. Gosto de viajar pelo interior do Brasil, quero conhecer praias e mais ainda o sertão do Nordeste, onde se vive outro tempo. A caatinga é o nosso deserto, não existe em outro lugar. Só de imaginar que plantas passam anos ali esperando uma chuva e, ainda assim, permanecem verdes… Além de interessante, essa vegetação é a metáfora do povo nordestino, resistente e forte.

JOGO RÁPIDO

Apelido

“Jesus. Mas nunca tive cabelo comprido”.

Mania

“Sexo. É uma mania saudável”.

Superstição

“Não tenho. Mas não passo embaixo de escada, não” (risos).

“Não adoro um Deus. Estou pesquisando a ciência, entendendo a natureza, as plantas, o silêncio. Tudo isso me provoca muitas sensações e emoções que não me deixam cético. Preciso entender muito sobre o universo, o tamanho e o tempo das coisas”.

Vaidade

“Minha vaidade é mais relacionada à saúde e menos à beleza externa”.

Traço marcante

“Às vezes, sou imediatista, ríspido demais. Isso não é muito bom, não. Tento ponderar as minhas falas e moderar o que ouço, para conseguir entender e responder melhor. Daqui a pouco, quem sabe, faço uma terapia. Tive uma sessão boa contigo, agora. Quer ser meu terapeuta?”

Confira nosso Ping Pong com o ator:

Com grandes produções, Jesuíta Barbosa é um dos principais talentos de sua geração

Com grandes produções, Jesuíta Barbosa é um dos principais talentos de sua geração

Desde que irrompeu no teatro, no cinema e na TV, há onze anos, ele só tem chamado a atenção. Ano após ano, Jesuíta Barbosa colhe elogios de diretores, cineastas e atores com quem contracena. O jovem de 28 anos que cresceu no sertão de Pernambuco, filho de uma cabeleireira e um bancário, é conhecido por sua grande entrega ao encarnar seus personagens.

Como seu próprio nome deixa antever, Jesuíta cresceu em um ambiente católico. Foi batizado, crismado, fez primeira comunhão e participou de grupos musicais religiosos. Tinha futuro na igreja, não fosse o teatro descoberto na adolescência, que o tomou por inteiro, sem reservas.

Jesuíta Barbosa

Foto: Fabio Audi

Com sua inteligência cênica, hoje ele se multiplica em papéis e cenários diversos. Até o final de outubro de 2019, estrelou o musical “Lazarus”, último trabalho do cantor inglês David Bowie (1947-2016). Também causou como o militar homossexual Fininha em “Tatuagem”, no filme de Hilton Lacerda, atuação que o fez conquistar, com apenas 22 anos, o prêmio de melhor ator nos festivais de Cinema do Rio e de Cinema de Língua Portuguesa, em 2013.

Um ano depois, estreou na TV em “Amores Roubados”, da Globo. E emendou, na mesma emissora, “Rebu” (2014), “Ligações Perigosas”, “Justiça” e “Nada Será Como Antes” (2016), além de “Onde Nascem os Fortes” (2018). No cinema, esteve em grandes produções como “O Grande Circo Místico” (2018), “Malasartes e o Duelo com a Morte” (2017), “Reza a Lenda” (2016), “Praia do Futuro” (2014) e “Serra Pelada” (2013). Em 2019, experimentou ser protagonista da Globo na novela “Verão 90”.

No papo a seguir, Jesuíta fala da sua criação no Nordeste, de como o coletivo cearense As Travestidas expandiu os seus sentidos e a sua consciência como ator e explica por que, em sua opinião, o feminino é a energia mais poderosa do mundo.

Leia a matéria completa em nosso site no Rio.

De origem humilde na Penha ao sucesso na TV, Paolla Oliveira é amorosa, mandona e feliz

De origem humilde na Penha ao sucesso na TV, Paolla Oliveira é amorosa, mandona e feliz

No ar como a influenciadora digital Vivi da novela “A Dona do Pedaço”, a atriz faz um mergulho profundo em suas origens na zona leste de São Paulo. Fotos: Leo Faria

Paolla Oliveira é, digamos assim, a pessoa jurídica da consagrada atriz que prestou serviço para o SBT e a Record antes de pavimentar de vez seu talento na Globo. Em quinze anos de carreira, participou de vinte novelas e doze filmes. Não são poucos os que a admiram, muito além de sua beleza, pelo talento e pela versatilidade no ofício de interpretar personagens tão distintas como a mocinha de época, a policial militar com sangue nos olhos e a garota de programa. Longe das telas, porém, é Caroline Paola Oliveira da Silva, 37 anos, o nome escolhido pelos pais, quem entra em cena.

Filha de Daniele Oliveira e do ex-policial militar José Everaldo Oliveira, que verteram suor para ganhar a vida na Penha, bairro da zona leste paulistana, Paolla experimentou, bem antes das benesses do show business, uma educação rígida, imposta pelo pai, extremamente austero. “A criação dos filhos foi muito dura, mas não sem amor”, recorda-se a atriz, que têm três irmãos e mora no Rio de Janeiro com uma tia, cachorros e gatos.

Nesta entrevista, ela fala de suas origens, de como Caroline se transformou em Paolla, e de sua atual personagem na novela “A Dona do Pedaço”, a influenciadora Vivi Guedes.

Como foi crescer na zona leste paulistana?

Tenho muito carinho por aquela época. Eu morava na Penha, acordava muito cedo para pegar ônibus e estudar no Ascendino Reis. Eu ia babando de sono e geralmente alguém me acordava para eu não perder o ponto para descer. Depois da condução, eu subia a rua Tuiuti inteirinha a pé, como um zumbi de tanto sono, para chegar ao colégio. Eu gosto do Rio do Janeiro, onde moro, mas a minha vida, a essência, é São Paulo, na zona leste da cidade.

Sua família ainda mora na Penha?

Sim. Lá estão meus amigos de colégio, foi onde aprendi muita coisa, onde vivi. Lembro de vizinhos ficarem bravos porque a gente jogava bola. Tenho três irmãos e jogava com eles. Eu era a goleira. Gosto muito de esporte, faz parte da minha personalidade, talvez por ter tido uma infância na rua, por frequentar clubes, sítios. Até carrinho de rolimã eu curti, que loucura! Eu era um moleque praticamente.

Começou a trabalhar cedo?

Depois de terminar o ensino médio, fui fazer faculdade de fisioterapia e também comecei a trabalhar com teatro. Mas desde os 14, 15 anos, eu voltava da escola, estudava um pouco em casa e ia ajudar na confecção dos meus pais. Eu era ótima em dobrar, embalar e arrematar roupa. Curioso que em entrevistas a gente costumeiramente fala do presente, do que almeja para o futuro, mas pouca gente sabe onde os nossos pés foram e estão fincados. Por que eu sou tão dedicada hoje e me saio bem no trabalho? Porque eu aprendi a dar valor a isso cedo.

Como era a relação com os seus pais?

A gente tem de ser uma versão melhorada dos nossos pais. Falo isso porque lá em casa não tinha muita conversa. Era muito claro quem mandava, quem obedecia, tudo muito militar. Com o meu pai não havia papo sobre namoro, sensibilidade não entrava em pauta. Não se questionava quais eram as nossas dúvidas. A criação dos quatro filhos foi muito dura, mas não sem amor. Mas eu quero ser uma pessoa melhor em comparação aos meus pais. Quero que as pessoas em volta possam resolver coisas com o diálogo. Isso tudo eu não vivi dentro de casa, onde a arte não tinha espaço. Ouvíamos pouca música, o meu pai não entendia os filmes. Até hoje ele só vai ao cinema para ver os filmes nos quais eu atuo. Nunca houve alguém na nossa família inteira que trabalhou com arte.

Paolla Oliveira na novela “A Dona do Pedaço”, estrelando Vivi Guedes

Tento imaginar a situação dos seus namorados quando apresentados ao seu pai…

Ele falava algo marcante: “Essa aqui é minha filha. Bonita, né? Vai namorar somente quando estiver com 30 anos”. Enfim, eu convivi com privilégios para os meus irmãos. Eu amo dirigir, só que o meu irmão mais novo teve a chance de guiar um carro antes de mim. Quando eu tirei a carta de motorista, meu pai falou: “É, você dirige bem, mas nunca irá guiar como o seu irmão.” Talvez, hoje, eu deva me sair muito melhor do que o meu irmão em um rally, por exemplo. A força feminina e a luta contra o machismo passam pela educação, por um pai educando uma menina, uma mulher educando um homem. Eu tento passar para os meus pais ensinamentos que nos tornam melhores. Esse é o caminhar equilibrado da vida.

Como conseguiu convencer o seu pai a aceitar a sua opção pela carreira artística?

Fiz um booking com fotos minhas e ele perguntou o que era aquilo. Aí tive ajuda da minha mãe, que foi muito guerreira e enfrentou devagarzinho, com calma, a situação naquele ambiente militar. Fui fazendo um trabalho aqui, outro ali, e quando meu pai percebeu já sentia orgulho da minha opção. Hoje é fã, o primeiro a elogiar, fica feliz com as minhas conquistas. E eu fico feliz de ter trazido, com persistência, o velho José Everaldo para o mundo das artes.

Conviver com um policial militar em casa deve ter facilitado a sua vida quando fez a policial Jeisa em “A Força do Querer”, em 2017.

O meu pai não entendia a minha profissão e a questionava duramente até entendê-la. Passa o tempo e ele vê a filha interpretando uma policial na novela das 21h da Globo. A Jeisa foi uma homenagem a ele. Brinquei, dizendo que me tornei major em bem menos tempo do que ele levou para ser coronel (risos).

Na pele da policial Jeisa, em “A Força do Querer”

Qual o grande ônus de uma vida sob os holofotes?

Tive uma criação focada para que eu não errasse, com um pai severo e sem muita conversa. Volto nisso porque diz sobre o lugar no qual me encontro. Quando a gente está exposto, o limite para errar é pouco. Quando estreei em uma novela, lembro de muita gente reparando em mim ao desembarcar em um aeroporto. Comecei a olhar para a minha roupa e ver se havia algo errado. Eu não me dei conta de que eu fazia parte de uma novela e as pessoas estavam apenas me reconhecendo. A minha primeira reação sempre foi procurar o que eu havia feito de errado. Quando eu equalizei tudo isso, ou seja, que a exposição traz bônus e ônus, eu me apeguei ao bônus, ao carinho e ao elogio, à credibilidade que o meu trabalho passa às pessoas. E o restante foi ficando cada vez mais longe. Mas isso demorou e hoje a gente tem uma nova questão.

Qual?

O mundo passa por um julgamento muito maior. A internet parece ser feita para julgar. Antes, eu sentia muito medo daquela pressão. Atualmente, é muito fácil ser julgada, há mais poder na mão das pessoas e parece que todas as coisas estão aí para serem julgadas. Até hoje fico procurando um equilíbrio.

Você citou a internet e eu lembrei que, durante a pesquisa, a primeira notícia que apareceu quando digitei seu nome era “Paolla Oliveira quebra a internet ao dançar música de Beyoncé”.

Olha, relutei muito contra as mídias sociais, não as entendia, achava que eram mais uma maneira de me expor. Eu já tenho exposição suficiente e gosto de ser reservada em alguns aspectos da minha vida. Mas ou a gente faz as coisas do nosso jeito ou assiste os outros fazerem. Optei por encontrar uma maneira de não me expor além da conta e ficar feliz de compartilhar algo para quem acompanha o meu trabalho. Então, a minha rede social diz muito sobre mim: é real, espontânea, tem humor.

Mas você já foi vítima de rede social. Fotos nas quais aparecia seminua em uma gravação foram compartilhadas por um integrante da equipe técnica que prestava serviço para a série “Assédio”.

Então, esse não é o outro lado da rede social, mas o outro lado do ser humano. Foi uma pessoa que teve a coragem de compartilhar o que não é correto. Eu estava trabalhando em uma situação delicada, um nu, que encaro sem pudor ou problema. O meu corpo está para o meu trabalho e continuo agindo assim. Mas agora tenho mais cuidado com quem está envolvido na produção, para que todos falem a mesma língua e sejam responsáveis.

Curioso que na atual novela das 21h você dá vida a uma influenciadora digital.

Eu agradeço a carreira que tenho. Ela me deu a possibilidade de fazer mocinha de época, policial militar e agora uma mulher moderna que teve uma infância humilde, foi abandonada aos cinco anos e hoje é segura, descolada, influenciadora digital da moda.

Na minissérie “Felizes para Sempre”, em que intepretou Danny Bond

Recentemente você afirmou se dar conta de que podia se achar bonita. Você não era feliz com a aparência?

Como adolescente que tem mania de dar muita atenção à opinião dos outros, é difícil conquistar maturidade sem o passar dos anos e os erros. Já quis ser mais magra, alta, ter o cabelo diferente, mas não quero mais. Essa convicção vem do fato de eu dar mais valor ao que eu penso e acho bonito em mim. Eu tenho a sorte de as pessoas pensarem coisas ótimas sobre mim (risos). Todo mundo dizia que eu era linda, mas eu queria ser diferente, parecer com alguém que estava distante da minha condição. Afastei as idealizações. Isso me trouxe calma, serenidade e segurança. O meu trabalho passa pelo meu corpo.

Você já fez análise?

Sim, quando vim para o Rio de Janeiro. Muita coisa havia mudado. Saí da casa dos meus pais, em São Paulo, cheguei sozinha aqui e não dava conta de fazer tudo. Eu faço análise ainda, não com a frequência que deveria. É uma boa maneira de me conhecer melhor. A minha última investida foi na corrente lacaniana, que é um pouco mais durinha em relação à freudiana que eu havia optado de início. Eu gosto porque coloca as coisas no lugar sem culpar ninguém. O inferno pode não ser os outros.

Li que você procura energizar a sua casa com vela de sete dias, imagens de Buda e Oxum e um cristal de Abadiânia, de Goiás, que trouxe da casa do João de Deus. Você ainda exibe o cristal aí?

Eu estive sim na casa do João de Deus, acompanhando alguns amigos, e fui muito bem recebida. O que tenho para dizer é que assédio tem de ser discutido e mudado culturalmente. João de Deus e Roger Abdelmassih são casos de polícia e têm de ser investigados sem nenhum tipo de perdão ou alívio. Eu tenho ainda o cristal dele aqui, no mesmo lugar, porque a imagem de quando estive em Abadiânia está preservada.

Fora do trabalho, você procura agito ou tranquilidade?

Eu sou inquieta. Se tem uma obra em casa, gosto de estar presente. Toco a rotina do sítio à distância, cuido da vida de todo mundo em São Paulo: pai, mãe, irmãos. Sou insuportavelmente amorosa. Como trabalho muito e praticamente vivo em função da carreira, estar em contato com todos é uma maneira de demonstrar o meu carinho. Eu delego, mas tenho prazer de liderar. E aprendi a me apropriar melhor do meu tempo livre me dedicando a leituras, teatro, cinema, meditação e yoga.

Conte uma mania que pouca gente saiba.

Tenho muitas. A maior é sair dirigindo por aí. Sempre que termino um trabalho, procuro viajar para um local em meio à natureza, que coloca a gente no nosso tamanho real. O meu trabalho, que faz com que o tempo inteiro eu esteja exposta, tira a gente da realidade. Muitas vezes é dado ao que a gente faz um tamanho muito maior do que ele é. E a natureza tem esse poder de nos reconectar ao tamanho real das coisas.

Confira o Ping Pong 29 com a atriz: