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Jesuíta Barbosa é pura profundidade, simplicidade e inteligência

por | jan 1, 2020 | Pessoas & Ideias | 0 Comentários

Desde que irrompeu no teatro, no cinema e na TV, há onze anos, ele só tem chamado a atenção. Ano após ano, Jesuíta Barbosa colhe elogios de diretores, cineastas e atores com quem contracena. O jovem de 28 anos que cresceu no sertão de Pernambuco, filho de uma cabeleireira e um bancário, é conhecido por sua grande entrega ao encarnar seus personagens.

Como seu próprio nome deixa antever, Jesuíta cresceu em um ambiente católico. Foi batizado, crismado, fez primeira comunhão e participou de grupos musicais religiosos. Tinha futuro na igreja, não fosse o teatro descoberto na adolescência, que o tomou por inteiro, sem reservas.

Jesuíta Barbosa

Foto: Fabio Audi

Com sua inteligência cênica, hoje ele se multiplica em papéis e cenários diversos. Até o final de outubro de 2019, estrelou o musical “Lazarus”, último trabalho do cantor inglês David Bowie (1947-2016). Também causou como o militar homossexual Fininha em “Tatuagem”, no filme de Hilton Lacerda, atuação que o fez conquistar, com apenas 22 anos, o prêmio de melhor ator nos festivais de Cinema do Rio e de Cinema de Língua Portuguesa, em 2013.

Um ano depois, estreou na TV em “Amores Roubados”, da Globo. E emendou, na mesma emissora, “Rebu” (2014), “Ligações Perigosas”, “Justiça” e “Nada Será Como Antes” (2016), além de “Onde Nascem os Fortes” (2018). No cinema, esteve em grandes produções como “O Grande Circo Místico” (2018), “Malasartes e o Duelo com a Morte” (2017), “Reza a Lenda” (2016), “Praia do Futuro” (2014) e “Serra Pelada” (2013). Em 2019, experimentou ser protagonista da Globo na novela “Verão 90”.

No papo a seguir, Jesuíta fala da sua criação no Nordeste, de como o coletivo cearense As Travestidas expandiu os seus sentidos e a sua consciência como ator e explica por que, em sua opinião, o feminino é a energia mais poderosa do mundo.

Recentemente, você foi protagonista de novela da Globo em “Verão 90”. O que experimentou a partir daí?

A minha avó, para quem pedi que me assistisse pela TV, parou de ver a novela porque estava me achando muito ruim, maldoso (risos). Eu achei fantástico e argumentei: “Mas, vó, tô fazendo a novela para a senhora ver”. E ela: “Não vou ver mais isso, não. Nojento!” Acabou comigo, foi engraçado. Bom, os paparazzi não me perseguiam pelas ruas (risos). Dei sorte. Apesar de não me achar reservado demais, eu não sou uma celebridade, não virei essa coisa. E também não acho que seja parte do meu trabalho. Mas sempre tive curiosidade de fazer novela. Houve, sim, uma superexposição que não havia experimentado. Por outro lado, é algo que vem e vai rapidamente.

Musical “Lazarus”. Foto: Flavia Canavarro / Divulgação

Você nasceu e se criou no Nordeste. Retorna às suas raízes com frequência?

Nasci em Salgueiro, mas cresci em Parnamirim, sertão de Pernambuco, para onde viajei no início do ano passado. É nossa função, enquanto ser humano, resgatar a memória. Quando percebemos que não mais recordamos ou não temos uma memória afetiva sobre algum momento da vida, da infância, de uma descoberta, do crescimento, da passagem do tempo, a gente começa a morrer por dentro. Prefiro viver bastante, guardando boas memórias. Por isso, retorno para lá. Hoje, engraçado, estava lembrando da casa de uma tia. É o local do qual mais me recordo, onde cresci com primos. Esses lapsos vêm com força quando eu estou muito cansado.

Fale um pouco mais da sua criação por lá.

Minha família materna é de Pernambuco e a paterna do Ceará. Eu ficava dividido entre os estados. Até que uma hora nos estabelecemos em Fortaleza, para que eu fizesse o ensino médio. No sertão pernambucano, porém, pude crescer em meio a muito primo, ocupar a rua. Parnamirim é pequena e pude usar a cidade inteira para correr e brincar de tudo. Era um espaço de tranquilidade, longe de perigos. A família se dividia por todo o município, a cidade era nossa.

Como você passou pela adolescência?

Cena de “O Grande Circo Místico”. Foto: Divulgação

É uma das fases mais difíceis da vida. A obrigação de definir a profissão a ser exercida no futuro é bem debilitada no sistema educacional vigente. Capitalista, ele prega que temos de ser alguma coisa definida e para sempre. Com a tecnologia, porém, as pessoas estudam de olho em uma profissão, mas sabem que, provavelmente, terão de procurar outra. A minha família primava que eu fizesse uma faculdade que me desse retorno rápido, pudesse me sustentar. A cabeça das pessoas é nesse lugar: trabalho não tem a ver com diversão; é suor, sofrimento. Demorei um tempo para entender que o meu trabalho poderia ser algo que me deixasse são, mais forte e que eu pudesse me divertir com ele.

Foi aí que procurou o teatro?

O teatro foi um portal para mim desde a quinta série. No colégio, ele era oferecido aos sábados. Quando eu não me saía bem em exatas, o colégio me proibia de fazê-lo. O que hoje é o meu trabalho era, naquela época, tirado de mim. É um erro educacional não valorizar as artes, a educação artística como um todo, seja musical, visual, enfim, a educação primordial para qualquer um se perceber diferente do outro. No fim das contas, acabei fazendo faculdade de teatro. Demorou, mas percebi que poderia trabalhar com teatro e conhecer pessoas que se sustentavam com a arte.

O que o teatro entrega a você?

Jesuíta, na minissérie da Globo “Justiça”. Foto: Divulgalção

Adoro perceber o meu corpo no teatro. Ele fica dilatado, diferentemente do audiovisual, cuja forma de atuar é mais minimalista, naturalista. O teatro pede uma vivacidade, uma dilatação de energia que vira quase um exercício físico. O meu corpo responde bem e a minha mente fica mais tranquila. Em “Lazarus”, eu cantei na peça e não acreditava que poderia cantar bem daquele jeito no palco. Também pintei o cabelo de loiro, talvez para me aproximar do personagem, ou do Bowie mesmo.

Bowie é uma referência para você?

Hoje, estou bem por dentro da obra dele, mas, antes, não. Tinha referência icônica do Bowie no mundo pop. Só que ele tem um trabalho plástico muito bonito. Foi importante ler e pesquisar sobre o artista e as suas canções. Gosto muito de “Sunday”, estou bem viciado nessa música. Não curto dizer que sou eclético (risos), mas ouço muita coisa, como Caetano Veloso; a irmã dele, Bethania; Gal Costa, Devendra Banhart e o Thiago Nacarato, um cantor português.

Você vive bastante na ponte aérea, já morou no Rio e agora está em São Paulo. Como vive as duas cidades?

Amo o Rio e também gosto de São Paulo, uma cidade construída com muito trabalho. São Paulo foi construída por nós, nordestinos. Nas duas capitais, vivo de um jeito simples, curto ficar em casa. Limpo as coisas, cozinho. Faço um risoto bom, viu? E preparo uma moqueca, quando quero festejar algo. Me faz bem, é quase uma feitiçaria.

Se não fosse artista, o que gostaria de ser?

São tantas as possibilidades na arte. Há o bailarino, o ator, o artista circense. Depois de ver um grupo de bailarinos atuando em um filme, decidi que queria dançar e provocar sensações com o movimento, com o corpo. Eu seria bailarino,
se não fosse ator.

A arte o destravou de lugares que o sufocava?

Completamente. É nela que a gente encontra a dureza da busca pela verdade, pelos nossos demônios, a nossa morada nesse planeta estranho e bonito ao mesmo tempo. Arte consolida disparidades, a beleza, a feiura, os medos e a coragem. Possibilita uma leveza ao nos livrar da ignorância, da verdade única estabelecida pelas instituições sociais e religiosas, porque questiona. Ir ao cinema e sair de lá completamente mudado, ouvir uma música que nos transforme, são provas de sua força.

Foi no coletivo “As Travestidas” que você deu os primeiros passos como ator. Qual a importância dessa experiência?

Jesuíta Barbosa e Clécio Irandhir Santos em cena do filme “Tatuagem”. Foto; Divulgação

As Travestidas é um coletivo de Fortaleza com uma importância imensa no Ceará. É formado por diversos atores e atrizes e coordenado pelo Silvero Pereira (que interpreta o cangaceiro Lunga em “Bacurau”), grande ator e diretor da capital cearense, e tem um repertório bem interessante de teatro transformista e sobre a questão de gênero. O coletivo me possibilitou uma salvação; fazer o contrário do que o mundo pré-datado, ditado pelo Estado e pela Igreja, costuma impingir. Foi a partir d’As Travestidas que passei a entender o feminino. E entendi, nessa sociedade extremamente machista e violenta, que existe uma beleza e grandiosidade no feminino. Ela é tão absurdamente grande e fantástica que precisa ser condenada pela sociedade, porque do contrário ela toma para si o poder. O feminino é a energia mais poderosa do mundo.

Considera-se feminista?

Não me coloco como feminista, porque sou homem e, portanto, não posso sê-lo. Não quero tomar para mim essa bandeira, porque é delas. Mas é minha função, também enquanto homem, dar vigor ao poder feminino. A forma como eu me percebo hoje e a criação que recebi da minha mãe me colocam em função de defender o meu lado feminino, defender a mulher.

Como frear a reprodução de arquétipos como macho, fêmea, gay, hétero, homossexual etc.?

Pela educação. Quando souberem que educar é conhecer a ciência. Quando começarmos a discutir gênero e entender as diferenças de sexualidade, a sociedade será menos doente e mais acolhedora. A gente tem um défi cit gigante na educação, e não apenas em termos de sexualidade. Hoje, por exemplo, o acesso à arte tem sido restringido. Há cortes de incentivo ao audiovisual e a censura está dando as caras novamente no nosso país.

Aos 28 anos, seus trabalhos têm sido muito elogiados. O que espera que o correr do tempo entregue a você?

Espero muito não. O que interessa é o caminhar, não o correr dos anos. Quero que o tempo possibilite a percepção das coisas e que elas não passem despercebidas. Gosto de viajar pelo interior do Brasil, quero conhecer praias e mais ainda o sertão do Nordeste, onde se vive outro tempo. A caatinga é o nosso deserto, não existe em outro lugar. Só de imaginar que plantas passam anos ali esperando uma chuva e, ainda assim, permanecem verdes… Além de interessante, essa vegetação é a metáfora do povo nordestino, resistente e forte.

JOGO RÁPIDO

Apelido

“Jesus. Mas nunca tive cabelo comprido”.

Mania

“Sexo. É uma mania saudável”.

Superstição

“Não tenho. Mas não passo embaixo de escada, não” (risos).

“Não adoro um Deus. Estou pesquisando a ciência, entendendo a natureza, as plantas, o silêncio. Tudo isso me provoca muitas sensações e emoções que não me deixam cético. Preciso entender muito sobre o universo, o tamanho e o tempo das coisas”.

Vaidade

“Minha vaidade é mais relacionada à saúde e menos à beleza externa”.

Traço marcante

“Às vezes, sou imediatista, ríspido demais. Isso não é muito bom, não. Tento ponderar as minhas falas e moderar o que ouço, para conseguir entender e responder melhor. Daqui a pouco, quem sabe, faço uma terapia. Tive uma sessão boa contigo, agora. Quer ser meu terapeuta?”

Confira nosso Ping Pong com o ator:

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