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Um ciclista na quarentena: Entrevista com Bruno Uehara

Um ciclista na quarentena: Entrevista com Bruno Uehara

O arquiteto, urbanista, professor e mecânico de bicicletas Bruno Uehara fez uma pausa na sua rotina para conversar sobre a bicicleta como meio de transporte durante a pandemia.

Bruno Uehara

Bruno Uehara

Bruno é autor de livros e manuais para quem quer entender melhor sua magrela. Ele escreveu Anatomia da Bicicleta (download gratuito) e mais recentemente lançou O Manual da Mountain Bike. Confira o ping-pong:

Como você está passando a quarentena e o que acha que ela pode nos ensinar?

Tenho muita sorte de poder trabalhar remotamente com as consultorias e com meus produtos digitais, pois as aulas presenciais de mecânica foram canceladas. É uma fase dolorosa para os microempreendedores, pois se já não era fácil, agora tornou-se ainda mais complicado. São justamente esses, os pequenos negócios, que devemos apoiar, pois os grandes sobreviverão. Acho que a quarentena mudou, para sempre, a forma de trabalhar. Tanto empresas quanto funcionários estão percebendo isso. Outra coisa é que os grandes centros urbanos, como São Paulo, já viram uma redução drástica na poluição e não é somente a do ar: o silêncio e o horizonte agora podem ser vistos e percebidos. Antes, com os carros realizando trajetos pendulares, era impossível.

O uso da bicicleta é recomendado na quarentena, seja para lazer ou meio de transporte?

Quem não puder trabalhar de casa, é recomendável que utilize a bicicleta, sempre com o uso da máscara. O transporte de massa é importantíssimo para o desenvolvimento e a mobilidade de qualquer centro urbano, mas a bicicleta tem se mostrando inquestionavelmente a melhor solução para a mobilidade urbana e para evitar aglomerações, no mundo inteiro. Inclusive, desde o início da quarentena, o Governo do Estado de SP enquadrou o serviço de oficinas e bicicletarias como essenciais para a população, para quem utiliza a bicicleta como meio de transporte.

Aproveitando que temos tempo livre nessa quarentena para refletir, o que você sugere para quando voltarmos à chamada normalidade (que não é tão normal assim)? Como podemos melhorar a nossa mobilidade?

As ruas estão vazias e acredito que ninguém está sentindo falta das buzinas, da fumaça, do calor dos motores e dos congestionamentos (sem falar da violência verbal). Esta é a lição: potenciais ciclistas escolhem o carro ou o saturado sistema de transporte público e deixam de pedalar nas cidades por falta de infraestrutura cicloviária. Enquanto não tivermos incentivo ao uso da bicicleta (como tem feito Bogotá, com plano de expansão cicloviária em plena pandemia) não teremos um aumento considerável no número de ciclistas, a exemplo do que ocorreu na última gestão da Prefeitura de São Paulo.

Investir fortemente em ciclovias é a solução?

Sim. Mais ciclovias significam mais ciclistas, menos morte no trânsito, mais qualidade do ar, mais saúde e redução do estresse. Cidades desenvolvidas são caracterizadas por terem muitos ciclistas, porque costumam ter infraestrutura, leis que protegem e incentivo ao uso. Algumas pessoas acreditam que o futuro será maravilhoso quando tivermos drones e veículos voadores urbanos, mas não precisamos de nada disso. A bicicleta já está aí, não é necessária nenhuma invenção mirabolante. Ela é acessível, eficiente, saudável e garante o sorriso no rosto.

Na onda da pergunta número 3, você tem sugestões de livros, filmes etc. sobre mobilidade urbana sustentável e bicicleta para esta quarentena?

Sim, tenho algumas recomendações ótimas: “O Leão da Toscana“, que conta a emocionante história do ciclista italiano Gino Bartali. E o extraordinário documentário “Um Domingo no Inferno”, de 1977, sobre a centenária prova ciclística Paris-Roubaix. Bom, esses são sobre ciclismo de estrada especificamente, mas inspiradores. Sobre mobilidade, tem o documentário “Bikes vs Cars”, o excelente livro “Bikenomics” e o livro “BikeSnob NYC”, que foi traduzido para o português com o título “O Ciclista Esclarecido” pela Ed. Odisseia.

A mobilidade urbana no mundo pós-pandemia

A mobilidade urbana no mundo pós-pandemia

É fato que nada será como antes quando a crise da Covid-19 passar. Estaremos diferentes e o mundo à nossa volta também. “Depois de um evento extremo e global como esse, muitas tendências que já estavam em curso serão impulsionadas”, explica o filósofo e historiador Leandro Karnal. Segundo ele, há três fatores que aceleram processos que já vinham despontando. São eles as guerras, as revoluções e as pandemias.

“E o importante é transformar o tempo de crise em tempo de oportunidade. O mundo conectado e com uma causa comum irá alterar, definitivamente, o nosso valor à vida e para melhor”, diz Karnal.

O isolamento devido à pandemia tem nos mostrado outros horizontes – inclusive o céu claro e limpo, sem poluentes –, e é bem provável que haja uma grande mudança no campo da mobilidade urbana. Especialistas preveem que, após vencermos a batalha do vírus, haverá uma valorização dos transportes sustentáveis e ativos, que favorecem a saúde.

O valor à vida ficou muito mais urgente e nítido com a pandemia, e é inegável o impacto poluidor dos veículos a combustão. As escolhas de mobilidade tendem a ser mais reconhecidas, até mesmo pela experiência, durante o isolamento, de vivenciar o home office, respirar um ar mais puro e perceber a inviabilidade de perder tempo e saúde em congestionamentos. Em São Paulo, a população passa, por ano, o equivalente a um mês e meio parada no trânsito.

As tendências para o mundo pós pandemia incluem modais mais sustentáveis e saudáveis

As tendências para o mundo pós-pandemia incluem modais mais sustentáveis, saudáveis e coletivos

Veja algumas tendências mundiais que tendem a favorecer a mobilidade na pós-pandemia:

1.

Devido ao home office e o teletrabalho, ela estará bem mais fluida e prazerosa. Afinal, boa parte das pessoas não precisará sair nos horários de pico. A tendência é que elas, ao se mover, também procurem modais saudáveis e sustentáveis, como a bicicleta e o pedestrianismo.

2.

Além de valorizar moradias nas regiões centrais, perto de eixos de transporte coletivo e próximas de serviços que podem ser acessados a pé, haverá a necessidade de suprir, com transporte coletivo, ciclovias, escolas, empregos e equipamentos públicos, os bairros periféricos das grandes cidades, criando oportunidades para que as pessoas se mantenham e se desenvolvam nessas regiões.

3.

A coletividade e a empatia são palavras-chave nesse momento de pandemia. E são esses valores que devem nortear os próximos passos da sociedade, segundo refletem historiadores e especialistas. O individualismo será criticado, e haverá um grande incentivo ao desenvolvimento do transporte coletivo, seja ele o metrô, o trem ou o ônibus.

4.

As pessoas se sentirão mais responsáveis pelos impactos no planeta. SUVs e carrões levando apenas uma pessoa, estarão em baixa. Caem ainda mais a ostentação e o status na mobilidade e sobem a bicicleta, a caminhada e o uso do transporte coletivo (agora sempre com uso de máscara).

5.

Haverá uma busca maior por espaços abertos, como parques, jardins e praças, evitando aglomerações e lugares fechados. Essa tendência irá impulsionar uma transformação urbanística, tornando as metrópoles mais agradáveis, com ruas fechadas para carros, calçadas largas, mais verde e ciclovias. É o conceito de “Cidades para pessoas”, difundido pelo urbanista dinamarquês Jan Ghel, que há anos constrói cidades mais humanas, cicláveis e felizes.

Mobilidade: Grupo Metrópole Fluvial busca transformar os rios paulistas em hidrovias ativas

Mobilidade: Grupo Metrópole Fluvial busca transformar os rios paulistas em hidrovias ativas

Foi a partir do início do século 19 que os governantes brasileiros passaram a ver os rios como obstáculos ao progresso. A nossa urbanização foi feita de costas para os rios, usados como banheiro. Com o tempo, se priorizou cada vez mais o espaço para carros, desprezando a importância das águas correntes para as cidades. Em São Paulo, o rio Tamanduateí foi o primeiro a ser canalizado. Seguiram-se muitos outros que foram retificados, enterrados e esquecidos.

Fotomontagem do Canal Pinheiros na altura da raia olímpica da USP. Foto: Divulgação

Estima-se que São Paulo tenha de 300 a 500 rios embaixo dos nossos pés, sob ruas, casas e edifícios. São, de acordo com a iniciativa Rios e Ruas, que desde 2010 mapeia o ciclo das águas subterrâneas da capital paulista, cerca de três mil quilômetros de rios, riachos e córregos sob o asfalto. “Queremos trazer os rios para perto do nosso olhar, é impossível cuidar do que não vemos”, diz o geógrafo Luiz de Campos Jr, da Rios e Ruas. A iniciativa tem expedições para sensibilizar as pessoas a respeito da proteção fluvial. Se esses rios enterrados corressem livres e limpos, a céu aberto, não teríamos as enchentes atuais, causadas pela impermeabilização do solo, entre outros fatores.

E os que estão visíveis, poluídos e repletos de esgoto, como os rios Pinheiros e Tietê? Para Alexandre Delijaicov, que coordena o Grupo Metrópole Fluvial, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP, é preciso resgatar e integrar novamente os rios urbanos. A navegação fluvial é um dos sistemas mais baratos e limpos que existem e pouquíssimo usada no Brasil, dependente do transporte rodoviário.

O grupo desenvolveu um projeto para a construção de um hidroanel metropolitano e prevê a conexão e o pleno aproveitamento das hidrovias que circundam 14 cidades da Grande São Paulo, melhorando a mobilidade urbana, reduzindo a poluição e fazendo uso inteligente e sustentável das águas. Delijaicov estuda o assunto há mais de três décadas e se inspirou em países como Holanda, Alemanha, França, Estados Unidos e China, usuários de vias navegáveis para transporte de cargas e pessoas. Além dos ganhos econômicos, a pegada ecológica é expressiva. “Com a potência de um motor de caminhão podemos transportar, em uma embarcação, o equivalente a carga de 40 caminhões. E a proposta do Grupo Metrópole Fluvial é usar embarcações ‘autopropelidas’, com motores elétricos”, diz Delijaicov, lembrando que o transporte hidroviário pode ser 7 a 8 vezes mais barato que o rodoviário, e 3 a 4 vezes mais barato que o ferroviário.

O projeto, que estima uma redução de 30% no tráfego de cargas em São Paulo, prevê a construção de um ambiente urbano com uma infraestrutura que preserve as águas, ao mesmo tempo que oferece espaços públicos de convivência e lazer na orla fluvial. As embarcações seriam destinadas ao transporte de cargas e passageiros, como também ao lazer e passeios turísticos. Utopia? Isso já é comum em grandes cidades do mundo e é possível também aqui. Mas é preciso a união de todos – universidade, governos, empresariado e sociedade – para que seja concretizado. O ganho é imenso em todas as áreas, para as pessoas e a cidade.

Mobilidade: fundador da Vitacon, Alexandre Frankel defende a moradia conectada com meios de transporte coletivo

Mobilidade: fundador da Vitacon, Alexandre Frankel defende a moradia conectada com meios de transporte coletivo

Há 16 anos, o paulistano Alexandre Frankel passava a maior parte do seu tempo no carro, pois morava longe da faculdade e do trabalho. “Era uma catástrofe: eu vivia irritado e sem energia. Em 2005, me casei e fui morar em um apartamento pequenininho perto de onde trabalhava. Ganhei de cara cinco horas e entendi que existe um outro caminho para quem decide largar o carro. É uma cidade nova, com mais mobilidade, saúde e qualidade de vida.

Essa percepção me motivou a transformar isso em um negócio”, ele conta. A construtora Vitacon, fundada poucos anos depois, em 2009, nasceu dessa descoberta e hoje conta com 70 edifícios projetados para quem quer viver a cidade de São Paulo de outra forma.

Alexandre Frankel, na ciclovia da Faria Lima. Foto: Luciano Pinotti

Alexandre não renovou mais sua carteira de habilitação e só se move de bicicleta, patinete, metrô e carona (que pega no carro da esposa). “E minha vida está maravilhosamente bem”, pontua. Autor, com o jornalista Leão Serva, do livro “Como Viver em São Paulo sem Carro”, e do app Sem Carro, ele montou uma incorporadora finamente conectada com a mobilidade ativa e coletiva.

Seus edifícios têm zero vagas de garagem e muitas opções de compartilhamento de bicicletas, patinetes e carros elétricos. Erguidos em regiões próximas a estações de metrô e trem, eles buscam aproximar as pessoas – de diferentes classes sociais – de seus locais de trabalho. Por isso, as metragens são diminutas. Quando ele lançou o primeiro empreendimento, na Vila Olímpia, com 43 m², recebeu uma saraivada de críticas. “As pessoas estavam numa onda de vender condomínios distantes, em beira de estrada, apartamentos maiores, e eu entendi que era exatamente o inverso: que a pessoa podia encolher o tamanho, mas morar nos lugares centrais, para chegar a pé em três minutos”.

Com o tempo, ele foi encolhendo ainda mais o espaço – hoje tem um lançamento de apenas 10 m², em Higienópolis – e vendo o sucesso aumentar.

Para o empresário, a chave é morar de uma forma mais minimalista nas regiões centrais. “Nosso modelo de urbanização é cruel, pois exclui a população para as periferias, onde ela não tem infraestrutura, escola, serviços e gasta quatro ou cinco horas por dia para ir e voltar do trabalho. Acredito na densidade que gera desenvolvimento e torna a vida de todos mais fácil e produtiva”.

Bom exemplo da economia compartilhada, seus lançamentos contam com sala de jantar, cozinha, coworking, academia, lavanderia e vários outros serviços nas áreas comuns, convidando os moradores a sair mais de casa e interagir com as pessoas e com a cidade.

O mais recente lançamento da Vitacon são cápsulas de 2 m² – isso mesmo – na avenida Brig. Faria Lima, concebidas para quem participa de eventos ou precisa estar cedo no local no dia seguinte. Inspiradas nos hotéis-cápsulas do Japão, as cabines contam com vestiário com chuveiro fora e custam entre R$ 100 e R$ 120 por pernoite. “É uma locação on demand, a partir de uma hora”, explica o empresário, que irá lançar ainda este ano uma segunda unidade na avenida Paulista.

Tudo para tornar o vaivém das pessoas mais prático, fluido e prazeroso. Em uma vida sem carro.

Mobilidade: o impacto positivo da Quicko no cotidiano das cidades

Mobilidade: o impacto positivo da Quicko no cotidiano das cidades

Nos últimos anos têm surgido, no Brasil e no exterior, vários recursos para melhorar o trânsito nas cidades. São aplicativos para quem anda de ônibus (caso do Moovit e do Leve-me, por exemplo); para aluguel de bikes, patinetes e scooters; para caronas; além dos apps de GPS etc.

Escritório da Quicko

Equipe da startup Quicko no escritório em São Paulo. Foto: Divulgação

A tecnologia ligada à mobilidade não para de crescer, pois as demandas nesse setor são muitas e complexas: as pessoas querem se mover de forma mais rápida, barata, inteligente e sustentável. Os veículos automotores representam a principal fonte de poluição do ar (97% da emissão de monóxido de carbono (CO) são provenientes das emissões de gases veiculares, segundo a Cetesb), e esse é um problema de saúde pública que pode ser resolvido também com mudanças de hábitos e comportamento, além do investimento na frota elétrica e no transporte sobre trilhos.

Para melhorar esse quadro complexo, foi criado o app Quicko. Ele usa Big Data para oferecer ao usuário o caminho mais rápido ou mais barato para o trajeto escolhido. O aplicativo gratuito funciona como um roteirizador multimodal, integrando mais de sete modais diferentes, como ônibus, metrô, trem, carros por aplicativos, bicicletas, patinetes, entre outros.

“Nós acreditamos que mais alternativas para se locomover, com base em informações em tempo real, ajudam os usuários a decidir o melhor caminho de forma inteligente, conveniente e econômica. Isso melhora diretamente a qualidade de vida das pessoas”, explica Pedro Somma, Diretor de Relações Institucionais da Quicko.

Os usuários poderão saber a localização exata das estações de bikes compartilhadas e a quantidade disponível em cada uma, onde estão os pontos de ônibus, quais linhas param ali, a posição aproximada dos veículos no mapa e os horários de chegada de cada um em tempo real, além de enviar alertas sobre os acontecimentos no trajeto.

Após receber um investimento de US$ 10 milhões da J2L Partners e do Grupo CCR, a startup lançou o aplicativo, disponível para Android e iOS, por enquanto apenas em São Paulo. Uma novidade é que, em dezembro, o app agregou a funcionalidade de aluguel de guarda-chuvas. Os usuários da Linha 4-Amarela do Metrô que passarem pelas estações Oscar Freire, Higienopólis-Mackenzie e Butantã poderão usar o app da Quicko para localizar as estações de compartilhamento dos guarda-chuvas, em parceria com a Rentbrella. “Nós vamos levar os serviços às pessoas e não as pessoas aos serviços”, diz Somma.