No ano em que completa 40 anos de carreira, Nando Reis celebra os encontros e suas muitas parcerias na arte

por | set 30, 2022 | Noticias, Pessoas & Ideias | 0 Comentários

O cantor e compositor Nando Reis se lança no metaverso e investe alto em parcerias com artistas da nova geração

Nando Reis não compõe todos os dias. Pelo contrário, a religiosidade do hábito dessacraliza seu processo. “O jeito como eu faço música não obedece a uma rotina. A vida me nutre, e é do tempo dela que nasce o que eu quero dizer”, explica. Nesses momentos fortuitos em que, esporadicamente, o tempo da vida e o tempo da arte se encontram, ele se mune de papel, caneta e um violão, se senta em meio ao silêncio absoluto de um quarto de hotel ou de uma sala de estar vazia, e deixa as palavras e melodias fluírem, naturalmente. “A calmaria é meu ritual. Gosto do silêncio porque ele me permite ser atravessado, exclusivamente, pelo ruído de minhas ideias.”

Parece curioso que um processo criativo tão solitário esteja nas gênesis de um artista de tantos encontros. Em quatro décadas de carreira, Nando compartilhou suas letras com vozes que não eram suas e viu seus acordes se multiplicarem entre o público quando divididos com outros artistas da imortalizada amizade com Cássia Eller, com quem viu nascer o “Segundo Sol” em 1997, ao match recente com os moderninhos Jão, Anavitória e Melim.

Para celebrar essa trajetória de colaborações, no dia 8 de outubro, Nando pisa com seu All Star no palco da novíssima casa de shows Qualistage, na Barra da Tijuca, para a estreia carioca da turnê “As suas, as minhas e as nossas”. Ao lado da roqueira Pitty, ele performa um repertório recheado de canções suas, dela, dos dois e de outras pessoas.

 

Foto Carol Siqueira | Divulgação

Foto Carol Siqueira | Divulgação

 

Sujeito low profile e pouco afeito às regras sociais da internet, Nando só se aventura no mundo digital se for para continuar promovendo esses encontros. Em agosto deste ano, lançou seu “Nandoverso”, espaço onde fãs de todo o mundo podem se encontrar, interagir e ter acesso a NFTs, shows, documentários e outros conteúdos produzidos para circularem, exclusivamente, no metaverso. Enquanto descobre esse novo mundo, também prepara, a papel e caneta, mais um álbum, com lançamento previsto para o segundo semestre de 2023. Se der tempo e há de dar, ainda planeja reservar “algumas horas de desincumbência” para torcer pelo Brasil na Copa do Mundo do Catar, em novembro.

Nesta entrevista para a 29HORAS, Nando Reis revive parcerias célebres, expõe os desafios da vida artística em tempos digitais, relembra seu tempo como jogador e colunista de futebol e medita sobre o futuro político do país. Confira os principais trechos dessa conversa a seguir:

Suas canções versam sobre os mais diversos assuntos, da beleza dos encontros à efemeridade da vida. Qual temática mais te inspira? O que move suas letras?
Engraçado, eu nunca me agarrei muito às temáticas. Não sei dizer sobre o que escrevo, a vida é tão múltipla que a cada dia me pede algo diferente. Gosto de falar sobre amor, encontros, desencontros, chegadas e partidas, e sobre todo o resto. Os assuntos são detalhes. Me interessa mais a forma como as coisas são ditas. É o desenho das palavras que me atrai, o invólucro do sentimento. A música é estimulante porque permite que embalemos nosso abstrato interior e o apresentemos ao mundo. E aí pouco importa o que foi dito, mas que está lá, vivo.

Como é um dia de composição na vida de Nando Reis? Como funciona o seu processo criativo? Algum exercício para manter a mente sempre em um turbilhão de ideias?
Eu não tenho exatamente um processo, o jeito como eu faço música não obedece a uma rotina. Acho que meu exercício diário é viver. Estar atento, absorver as coisas ao meu redor. A vida me nutre, e é do tempo dela que nasce o que quero dizer. Quando o momento chega, gosto de trabalhar com violão, papel e caneta, invariavelmente. Escrever manualmente me permite criar uma relação visual com a obra, além de me impedir de incorrer em um erro típico de quem se acostumou à lógica do computador. No papel, não fico tentado a apagar o que, à primeira vista, desagrada. Num processo de composição, nem sempre o que você substitui é melhor do que o que veio antes. E o que desagrada pode ser o que instiga.

E como é compor dessa maneira, livre, nos dias de hoje? Nesses tempos digitais, abarrotados de referências estéticas, remixes e hits do TikTok surgindo e desaparecendo em poucas horas, imagino que haja certa pressão sobre a arte…
O mundo digital tem essa coisa do imediatismo e da finitude. É um universo dispersivo, que nos rapta a atenção e os sentidos e nos faz perder tempo precioso com inutilidades. Eu não me dou muito com essa coisa volátil das redes sociais. Gosto de fazer discos, de apostar nas embalagens de ideias que duram. Na realidade, enquanto José Fernando Gomes dos Reis (minha pessoa física), só uso o Instagram e olhe lá. A questão é que para o artista Nando Reis toda essa lógica digital se tornou necessária. A internet é uma importante ferramenta de trabalho, que me ajuda a divulgar minhas mídias e mantê-las circulando. Então eu lido com ela. Lanço singles, faço o que o fluxo me pede. Mas do ponto de vista da composição, acho que nada muda. Minha vida está muito mais fora das telas e, enquanto for da vida que me saírem inspirações, minha arte seguirá na mesma essência.

Ainda assim, você tem mergulhado fundo no universo digital ultimamente. Em agosto deste ano, lançou o “Nandoverso”, seu próprio canal no metaverso. Quais são suas impressões sobre esse novo mundo? Você é ou pretende ser usuário assíduo do metaverso?
Por essa vertente específica do mundo digital, eu tenho me encontrado particularmente atraído. Essa ideia de existir um espaço virtual capaz de promover encontros muito me encanta. Através da “Nando Reis Wallet”, minha loja de NFTs, e do Nandoverso, tenho conseguido levar minha arte a pessoas de todo o mundo e aproximá-las ainda mais do que eu produzo. É uma sensação semelhante à de se estar distribuindo filipetas de divulgação de um show nas ruas de São Paulo, só que por dentro de uma tela de computador e com um alcance inestimavelmente maior. Em agosto, comemorei os 22 anos do meu álbum “Para Quando o Arco-Íris Encontrar o Pote de Ouro” com um show virtual e o lançamento do documentário “Cordas de Aço – Em Busca do Pote de Ouro” (dirigido por Raimo Benedetti e realizado pela Relicário Produções, que revive os bastidores da gravação do álbum), em um evento exclusivo no Nandoverso. Fãs de todos os cantos puderam acompanhar esses e outros conteúdos em primeira mão. Foi algo realmente fascinante! Mas, ainda não me considero um usuário do metaverso, estou mais para um agente em aprendizado.

 

Nandoverso, em agosto de 2022 | Foto Reprodução

Nandoverso, em agosto de 2022 | Foto Reprodução

 

E por falar em encontros, você é um artista de muitas parcerias. Da saudosa Cássia Eller aos jovens Jão, Anavitória e Melim, a coleção de “feats” é extensa e tem crescido ainda mais com seu projeto NandoHits, em que você apresenta regravações de grandes sucessos da carreira ao lado de artistas da nova geração. O que mais te atrai nessas trocas? O que significa dividir uma música com alguém?
Eu amo o inusitado. Novas interpretações me emocionam. Acho muito interessante observar como outros artistas, de outras gerações, outros estilos e outras referências conseguem reimaginar e ressignificar meu trabalho. Ver como a voz deles traz novos ângulos para as minhas letras e novos caminhos para as minhas melodias é algo que me rende muito aprendizado. Me unir a essas pessoas, além de me permitir alcançar públicos diversos que vão muito além do meu, é uma maneira de manter o que faço atualizado, fresco e sempre em movimento. Por mais que eu goste de compor sozinho, sou um cara apaixonado pelas trocas da vida. Nasci artista no meio de bandas, cresci vendo minhas letras ganharem vida na voz de outras pessoas. Acho que, no fim, o barato da arte é que ela deixa de ser só sua quando ganha o mundo.

Nando Reis e Jão | Foto Carol Siqueira

Nando Reis e Jão | Foto Carol Siqueira

 

Nando Reis e Ana Vitória - Juntos | Foto Carol Siqueira

Nando Reis e Ana Vitória – Juntos | Foto Carol Siqueira

 

Uma dessas parcerias, com Pitty, rendeu uma turnê duo especial, que tem rodado o país e agora em outubro passa pelo Rio de Janeiro. O que o público pode esperar desses shows? Como é trabalhar com Pitty?
Pitty tem uma voz autêntica e autônoma, não se amarra a nada que não seja sua crença na liberdade para o ser, na singularidade do suingue, no barato da universalidade. Esse gerúndio que criamos, o “Pittynando”, é uma simbiose do que construímos e acreditamos enquanto artistas. Eu a vi cantar uma versão de “Relicário” no programa ‘Saia Justa’ (GNT), e me emocionei muito com aquela presença fortíssima. Daí nasceu nosso primeiro “feat”, “Tiro no Coração” (2021) e, agora, essa turnê. Em um setlist com aproximadamente vinte músicas, cantamos composições minhas, dela e nossas, em versões que conectam nossos estilos e histórias. Tem sido lindo. Até o fim do ano, ainda passamos por Porto Alegre, Curitiba, Salvador, Belém… E no dia 8 de outubro, estaremos no palco do Qualistage, no Rio de Janeiro.

 

PittyNando | Foto Lucca Miranda

PittyNando | Foto Lucca Miranda

 

Foto di MITRI LEE

Foto di MITRI LEE

 

Ainda nessa onda de parcerias, recentemente você se reuniu em São Paulo com Peter Buck, Barrett Martin, Alex Veley, Walter Villaça e Fernando Nunes, colegas de trabalho de longa data. Fizeram shows comemorativos na capital paulista e no Nandoverso, e agora estão gravando um novo álbum juntos. Depois de tanto tempo, muita coisa mudou no trabalho em conjunto? Ou se reencontrar é como se o tempo não tivesse passado?
Com a gente é sempre tudo igual e, ao mesmo tempo, sempre tudo diferente. Nós trabalhamos muito bem juntos, sempre saem frutos memoráveis. Foi assim nos anos 2000, quando gravamos “Para Quando o Arco-Íris Encontrar o Pote de Ouro”, álbum que me rendeu tantas recordações e conquistas profissionais, e desta vez não foi diferente. Igualmente frutífero. Tanto que nossa ideia era que esse reencontro gerasse uma ou duas músicas, e, no fim, acabamos com 15 canções gravadas e um álbum duplo em mente. O lançamento está previsto para o segundo semestre de 2023 e é uma celebração desse nosso quinteto.

Você também gosta muito de futebol, já escreveu músicas sobre o esporte… O que espera do Brasil na Copa, que está chegando?
Para falar a verdade, eu não espero nada. O futebol tem seguido uns caminhos estranhos, a camisa verde e amarela foi contaminada por um ideal ao qual sou avesso. Essa coisa toda de “patriotismo” a mim não diz nada. Hoje, vestir a camisa da seleção significa carregar simbolismos que vão além do futebol e que não me representam. Mas, falando sobre bola na rede, eu sigo torcendo. Sou louco por futebol, já joguei, inclusive. Também mantive, por anos, uma coluna sobre o esporte no jornal ‘Estado de São Paulo’. Isso sem falar da minha alma são paulina, hereditária, que me levou inúmeras vezes ao Estádio do Morumbi e me inspirou músicas que chegaram a virar trilha sonora de documentários sobre o clube. Acho que no futebol brasileiro eu ainda tenho esperanças. Há alguns meses, assisti a um jogo da seleção e me surpreendi com a qualidade técnica. Pode ser que tenhamos chance de comemorar vitórias no final do ano.

 

Studio Portraits | Foto Carol Siqueira

Studio Portraits | Foto Carol Siqueira

 

Falando em fim de ano e recomeços, no single “Espera a Primavera”, lançado no auge da pandemia, você versa sobre a vida, a diversidade, o amor, a mudança e o futuro. Para além da estação, o que Nando espera da primavera?
Nesta canção, a primavera é mais que as flores: é uma metáfora para “transformação”. A primavera de que falo representa a superação desse obscurantismo em que nos encontramos. Em vias de superação do vírus da Covid, ainda precisamos aniquilar o vírus da ignorância que ronda esse governo inepto e negacionista. Estamos vivendo um inverno enquanto nação, reduzidos a patriotismos e significados vazios. Não sei exatamente quando nossa primavera virá ou exatamente como ela se manifestará, mas sei que trará de volta as cores, a diversidade, a liberdade e a riqueza que é, de fato, o Brasil. Para o país e para nós, espero a liberdade. Um primeiro de janeiro que traga de volta quem somos.

 

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