Ana Thaís Matos tem opinião e será comentarista da Copa do Mundo de Futebol Feminino

por | jun 29, 2023 | Entrevista, Pessoas, Pessoas & Ideias | 0 Comentários

No torneio disputado em campo por grandes feras do futebol feminino, os jogos do Brasil terão o reforço de uma craque a mais, atuando como comentarista nas transmissões da TV Globo: Ana Thaís Matos, uma mulher que não pipoca na hora de expor suas opiniões

A partir do dia 20 de julho, as jogadoras das seleções de 32 países entram em campo para disputar a Copa do Mundo de Futebol Feminino, na Austrália e na Nova Zelândia. Para quem estiver acompanhando o torneio pela TV, entra em cena também Ana Thaís Matos – uma comentarista que não titubeia na hora de expor suas opiniões e de “cornetar” jogadores, técnicos e juízes, sempre que necessário. Por causa dessa coragem e da pertinência de seus pitacos, já ganhou duas vezes o prêmio de melhor comentarista esportiva da Aceesp (Associação dos Cronistas Esportivos do Estado de São Paulo), concorrendo sempre com homens.

Em razão de seu trabalho apontando o dedo para o que está certo e errado no futebol, despertou a ira de torcedores fanáticos que não toleram uma opinião diferente da sua e é constantemente espinafrada nas redes cada vez menos sociais por haters insanos. Hoje, depois de muita terapia, ela tenta não se aborrecer mais com isso e segue sua trajetória exitosa.

 

Foto João Miguel Jr | TV Globo | Divulgação

 

Nascida no Centro de São Paulo há 38 anos e formada em Jornalismo na PUC, Ana iniciou sua carreira profissional como estagiária do jornal “Lance”, em seguida passou pelo canal BandSports e depois brilhou nas rádios Globo e CBN. Desde 2018, trabalha nos canais esportivos do Grupo Globo na TV e na internet. Em 2019, fez sua estreia como comentarista na transmissão de um jogo do Campeonato Paulista. De lá para cá, voou cada vez mais alto – esteve na Copa do Catar, participa de mesas-redondas no canal SporTV e conquistou um quadro semanal no programa “Encontro”, nas manhãs da TV Globo.

Em entrevista à 29HORAS, Ana Thaís fala de futebol, de sua luta contra a violência de gênero, de suas perspectivas para a Copa do Mundo Feminina e até de casamento. Veja a seguir os principais trechos dessa conversa:

Você defende que o esporte é um eficiente agente de transformação social e você é um bom exemplo disso, não? Como ele mudou a sua vida?
Minha família era muito simples, minha mãe trabalhava como faxineira. Nasci em São Paulo, mas cresci numa cidade pequena do litoral paulista, Itanhaém. Nesses lugares onde a presença do Estado é quase nula, as oportunidades são escassas, e é aí que entra o esporte. Ele abre portas, tira crianças e adolescentes da rua, estimula a disciplina, ensina um sentido de unidade, faz você aprender a se relacionar com outras pessoas. Para mim, foi fundamental. Eu tentei ser jogadora de futebol, mas não deu certo. Depois, estudei Jornalismo – graças a uma bolsa do Prouni – e quando me formei resolvi trabalhar com esporte, uma área que sempre me trouxe coisas boas.

Você é uma das pioneiras nessa abertura de espaços para a presença feminina no comentarismo esportivo, mas ainda falta muito para esse universo deixar de ser tão esmagadoramente masculino, não?
Estou no jornalismo esportivo desde 2009. Nesses 10-15 anos, caminhamos muito. Saímos do nada, mas ainda tem muito para acontecer. Qualquer movimento parece um grande passo, e é por isso que eu acho que devemos comemorar as nossas conquistas. Somos poucas, mas estamos abrindo o caminho para muitas outras. Quando eu cheguei na Globo, estava sozinha. Hoje somos várias! Precisamos seguir ampliando a nossa participação, mas a gente tem também de celebrar o que conseguimos e curtir o momento.

 

Ana Thaís com o uniforme que usa nas transmissões de jogos na Globo e no canal SporTV – Foto Manuella Mello | TV Globo

 

Quem foram os grandes comentaristas esportivos da TV que serviram de referência para a sua evolução profissional?
Tive a oportunidade de trabalhar com muita gente bacana, mas eu tomei como referência principalmente o trabalho de comentaristas de fora do esporte. Entre os grandes do comentarismo esportivo, admiro o Casagrande, justamente porque ele não se limita apenas a falar de esporte, tem um lado humano e uma preocupação social. E a Renata Fan foi também muito importante para mim. Eu trabalhei como produtora dela e posso dizer que é uma profissional incrível. Ela chegou como miss – é uma mulher lindíssima – e poderia pegar o caminho mais fácil, se sustentando só por isso. Mas contrariou muita gente, não foi apenas o que queriam que ela fosse. Estudou Direito e Jornalismo, é uma empresária, comanda a sua carreira e enfrentou muitas barras até chegar onde chegou. É uma mulher fenomenal. Sua trajetória foi muito inspiradora para mim.

Você estuda esquemas táticos para ter uma melhor “leitura” dos jogos?
Sempre. Antes de cada transmissão, tenho uma rotina de duas a três horas de estudo. Não uso estatísticas e números sem inseri-los em um contexto, acho que esses dados servem para embasar meu raciocínio, mas tenho de usá-los como ferramenta de apoio para o mais importante do meu trabalho, que é explicar porque um time está ganhando ou perdendo, qual o problema da equipe que está sendo derrotada, qual o ponto positivo que justifica a vitória de quem está ganhando. O jogo é uma história com começo, meio e fim, e eu decifro e traduzo essa trama para quem assiste.

Em uma entrevista recente, você disse que “está comentarista” e que gostaria de um dia voltar a ser repórter. Essa ideia ainda está de pé?
Repórter eu sempre vou ser, mas esse é um projeto que, no momento, está em ‘stand by’. Perdi o contato com todas as minhas fontes quando comecei a atuar como comentarista – não faz sentido eu ligar para uma pessoa cujo desempenho eu eventualmente vou criticar na TV. Quando comecei, nunca pensei que um dia eu seria comentarista. Trato essa posição não como um lugar que é meu e será assim para sempre. No futuro as coisas podem tomar rumos diferentes. Não me fecho para nenhuma outra possibilidade – me espelho em Fátima Bernardes, a maior comunicadora do país e a maior camaleoa. Uma mulher que teve a coragem de mudar.

 

A paulistana curte uma tarde de futebol e resenha na arquibancada do Maracanã – Foto reprodução Instagram

 

E você usa o seu espaço também para discutir questões como machismo estrutural, violência contra a mulher e a naturalização do abuso sexual. Nunca deixou de expor suas convicções sobre esses temas nos casos Robinho, Dani Alves e Cuca. Você se sentiu solitária, uma vez que parte de seus colegas da mídia, dos jogadores e das torcidas ainda insiste em “passar pano” para esses comportamentos tóxicos e criminosos?
Eu vejo uma evolução nisso. Quando a Eliza Samúdio, há 15 anos, foi aos jornais avisar que estava sendo ameaçada pelo goleiro Bruno, foi chamada de ‘Maria Chuteira’ a fim de holofotes. Só não enxerga o abuso quem não quer. Eu sempre falei e seguirei falando dessa questão de violência de gênero, não porque eu me resuma a isso, mas por achar que uma mulher no lugar que eu ocupo tem a obrigação de contar a história de uma maneira diferente do que ela vinha sendo apresentada. Esse, para mim, é um princípio básico, e nunca vou recuar ou abrir mão disso. No caso Robinho, alguns homens já vieram junto, se tocaram de que um caso de estupro não pode ficar impune. No caso Daniel Alves, ficou ainda mais óbvia a gravidade. E, no caso Cuca, revisitamos o passado para ver como esse assunto era tratado de forma condescendente. Já me senti sozinha, sim. Nem sempre sou ouvida e respeitada. Mas, hoje, creio que tem mais gente pensando como eu e lutando pelas mesmas ideias e causas que defendo.

Deve ser duro ser comentarista profissional e perceber que existe um monte de comentaristas da vida alheia opinando sobre a sua, né? Gente que diz que o seu lugar é na cozinha, e não na Copa…
Já sofri muito com coisas que ouvi e li sobre mim, mas trabalhei isso na terapia e me distanciei desse círculo de ofensas. Os haters precisam muito mais de mim do que eu deles. A minha opinião é muito importante para eles, e a deles é irrelevante para mim. Mas o que eu acho mais bizarro é o tratamento que a mídia mais sensacionalista dispensa a mim. Nesse vale-tudo por cliques, muito do que eu digo ou posto na web é distorcido para gerar polêmica. E isso acontece em especial comigo, porque essa gente parece acreditar que uma mulher jamais poderia ter dito aquilo. Isso é uma tentativa de silenciamento e uma desqualificação do meu pensamento, que apenas é valido se for reafirmado e chancelado por outra pessoa – em geral, um homem. Mas deixa para lá, segue o jogo…

Voltando para o esporte, o que falta no futebol feminino para ele ter no Brasil a popularidade e o peso que já tem em outros países?
Acho que ele precisa de investimento, de investidores que acreditem de verdade no produto. Não adianta a lei exigir que o clube tenha um time feminino e a agremiação colocar as meninas para jogar num gramado esburacado, sem estrutura para treinos, uniformes decentes e aquele apoio todo de fisioterapia, nutrição e até psicologia. A criação de equipes femininas não é um “favor” que o clube está fazendo, é uma imposição da Fifa. E essa obrigação legal precisa ser cobrada. Todo grande time deveria não só cumprir a exigência da lei, mais ir além e oferecer mais, em nome do esporte e da qualidade do espetáculo. O futebol feminino merece isso e aqui no Brasil pode ser muito maior do que é hoje. Com jogos mais atraentes, é mais fácil o investimento gerar o tão desejado retorno.

 

Ana Thaís antes do desfile 2023 da escola Mocidade Unida da Mooca – Foto reprodução Instagram

 

Quais são suas expectativas para essa Copa do Mundo da Austrália/Nova Zelândia. Quem são as candidatas mais fortes ao título?
Essa Copa será muito equilibrada. A pandemia atrapalhou a preparação de todas e “nivelou” as seleções. Uma equipe supertradicional no futebol feminino, a China, teve sua programação de treinos toda comprometida por causa dos lockdowns. Os Estados Unidos seguem sendo a potência da modalidade, mas as seleções europeias evoluíram muito, como Espanha, Alemanha, Inglaterra e França. Acho que podemos ter uma campeã inédita.

A seu ver, a seleção brasileira está em um bom caminho?
A seleção tem um trabalho de quatro anos, comandado pela técnica Pia Sundhage. Ela mudou a forma de jogo do futebol brasileiro. Abriu mão de um estilo calcado nas individualidades e no improviso em nome de um esquema mais coletivo, tático e físico. Ela fez muitos testes, rejuvenesceu o time e fez uma boa preparação, enfrentando as principais seleções do mundo. Dá para dizer que o Brasil chega forte para a competição.

Como vai ser a equipe da Globo na cobertura desse evento?
Lá na Austrália, as reportagens ficarão a cargo de Marcelo Courrege, Denise Thomaz Bastos e Gabriela Moreira. As transmissões das partidas serão ancoradas daqui do Rio. Para os jogos do Brasil, a narração será de Renata Silveira, e eu e o Caio Ribeiro seremos os comentaristas.

E, por fim, para quando é o casamento? Até quando você vai ficar iludindo o Rafael?
A mãe dele vive me cobrando: “Quando é que sai esse casório? Não enrola muito, tá?”, e um pedido da sogra a gente tem mais é que obedecer, não é? Se tudo correr dentro do planejado, o casamento será em outubro de 2024.

 

Momento em que foi pedida em casamento por Rafael Falanga, que é presidente da agremiação – Foto reprodução Instagram

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