O ator Reynaldo Gianecchini desfruta de sua liberdade e investe em novos formatos e narrativas. Este mês, ele estreia em seu primeiro Musical, “Priscilla, a Rainha do Deserto”, no teatro Bradesco
Ícone máximo no universo drag, RuPaul fez história na televisão norte-americana ao apresentar para a sociedade sua arte e inspirar milhares de meninos do mundo todo a seguirem o mesmo sonho. Seu reality de competição “RuPaul’s Drag Race”, lançado em 2009, foi um sopro de ar fresco para aqueles que queriam se ver representados e ter coragem para assumir suas verdadeiras identidades e sexualidades.
Mais de uma década antes, em 1994, um filme também quebrou barreiras e foi fundamental para que artistas como RuPaul viessem com mais força: “Priscilla, a Rainha do Deserto” (do diretor australiano Stephan Elliott), que conta a história de duas drag queens e uma transexual contratadas para fazer um show em Alice Springs, cidade no deserto da Austrália. Para chegar ao destino, elas viajam a bordo do ônibus Priscilla e, claro, passam por diversas aventuras ao longo do percurso. Com tamanho sucesso, a obra foi adaptada para os palcos em 2006, virou um hit na Broadway e ganhou versões no mundo todo.
Agora, o espetáculo chega ao Brasil, no Teatro Bradesco, em uma temporada que vai de 7 de junho a 1º de setembro, e traz no papel principal Reynaldo Gianecchini – que estreia no gênero musical e promete fazer jus ao clássico, mas com um tempero brasileiro. “Nossa versão é bastante atualizada e traz essa drag que canta e dança, ao contrário de antigamente, que era mais dublagem. Não será super fiel à Broadway e ao filme. Terá toques brasileiros bem interessantes, como o nosso humor”, avisa. Para viver o personagem Anthony “Tick” Belrose, que se transforma em Mitzi Mitosis, Gianecchini fez um mergulho profundo na arte drag e teve como maior inspiração RuPaul, de quem virou fã após assistir a todos os episódios do reality.
Aos 51 anos, com mais de 20 de carreira, o eterno galã da Globo diz estar pronto para alçar novos voos, especialmente fora da televisão – seu último papel em novela foi em “A Dona do Pedaço”, em 2019, como o vilão Régis – e investir em papéis e narrativas diferentes, que o desafiem e permitam mostrar sua versatilidade como ator. É o caso do thriller “Uma Família Feliz”, lançado este ano e que traz Grazi Massafera como companheira de cena, e da série de sucesso “Bom dia, Verônica”, da Netflix, em que interpreta o arquivilão Matias.
Em entrevista exclusiva à 29HORAS, o artista fala sobre esse novo momento em sua carreira, revela suas expectativas para a estreia da peça, relembra papéis icônicos na televisão e reflete sobre a maturidade. Leia, nas páginas a seguir, os principais trechos dessa conversa.
“Priscilla, a Rainha do Deserto – O Musical” é sua estreia nesse gênero. Como surgiu o convite?
Eu já estava flertando com essa ideia há bastante tempo, quase atuei com a Cláudia Raia na peça “Cabaré”, em 2011, mas fiquei doente naquela época. Concluí que estava na hora, ainda mais com esse personagem que é muito lindo, em um espetáculo que tem muita coisa legal e atual para falar, sobre a liberdade e a beleza de ser. O convite veio pela produção e eu de cara – mas com bastante medo – aceitei e estou muito feliz de ter encarado esse desafio.
Você já tinha feito algum trabalho com canto? Como foi o processo de imersão no personagem?
Venho trabalhando o canto há um tempinho, não exatamente com o objetivo de fazer musical, mas porque eu gosto de cantar e sempre tive muita vontade de ampliar a minha percepção musical. Gostaria de tocar mais instrumentos também, mas como não tenho muito tempo, o canto é algo importante na minha profissão, porque conhecer o seu aparelho vocal te ajuda na interpretação e a trabalhar as nuances da voz. Mas encarar um musical é outra coisa, é um trabalho muito mais vertical para o canto. Então a preparação se deu muito pela voz, claro, mas pela dança também, porque fazer uma drag queen exige expressão corporal, tem que estar com o corpo bem molinho e solto para interpretar danças que são tradicionais do mundo drag, principalmente o jazz. E muito da composição acontece nas trocas com os diretores (Mariano Detry e Jorge de Godoy) e com o resto do elenco maravilhoso.
Como o espetáculo da Broadway te inspirou e influenciou na composição do seu Anthony “Tick” Belrose?
Não vi o espetáculo da Broadway nem lá e nem aqui no Brasil, quando teve a versão anterior. Eu assisti ao filme quando lançou (em 1994) e revi há pouco tempo novamente. Acredito que ele está um pouco antigo, hoje em dia uma drag, principalmente depois do RuPaul, atinge outro patamar! Então a nossa versão é bastante atualizada, tem todos os tipos de drag e traz a moda e essa drag que canta e dança, ao contrário de antigamente, que fazia mais dublagem. A minha inspiração tem sido na presença dos meus colegas incríveis e me alimento de ver tanta gente boa ao meu redor.
Como era o seu contato com o universo drag queen antes da peça? Quais são as maiores descobertas com esse trabalho?
Comecei a me interessar pelo universo drag queen na pandemia, porque comecei a assistir a todas as temporadas do programa ‘RuPaul’s Drag Race’ e fiquei absolutamente fascinado! Eu via com a minha mãe, que estava comigo, e ela também amava. Descobrimos um universo, a arte drag é de muito talento e, hoje em dia, você tem que saber cantar, dançar, atuar, ter senso de humor, ser maliciosa e sexy. Comecei a ampliar o meu horizonte vendo documentários e séries, o que me fez admirar ainda mais essa arte e quem a faz com tanta excelência. São verdadeiros artistas completos, raros de se ver!
O que o público pode esperar do musical? Terá algum toque brasileiro?
O público pode esperar um grande show, porque os números musicais são muito espetaculosos. Também pode esperar diversão, humor, emoção – tem vários momentos lindos que tocam demais –, hit atrás de hit para querer levantar da cadeira e dançar junto. Tem tudo! O figurino é um personagem à parte, muito lindo e criativo, e o elenco é incrível e diverso, com gente talentosa de vários lugares. É um espetáculo de encher os olhos. Tenho certeza de que todo mundo vai sair muito tocado e leve. A peça não será super fiel à montagem da Broadway e ao filme, não é uma franquia, e tem sim toques brasileiros bem interessantes, como o nosso humor. Apesar de se passar na Austrália, tem muitas referências ao Brasil, tem o nosso jeitinho, o que deixa tudo mais especial.
Seu último trabalho na TV foi em 2019, como o Régis na novela “A Dona do Pedaço”. Qual foi o motivo do afastamento? Pretende voltar às novelas?
Depois da pandemia, mudei bastante o meu direcionamento e surgiu o desejo de experimentar coisas novas. Eu venho fazendo novelas há 20 anos, então quis me exercitar em outras narrativas, outros jeitos de contar histórias, mais curtas principalmente, que desgastam menos. A novela toma muito tempo e eu queria aproveitar mais a vida, por isso decidi que, pelo menos por enquanto, eu quero me aventurar em outras áreas e fazer outros tipos de personagens. Quero explorar outros caminhos, como o streaming, que ainda está engatinhando, mas vai crescer. Há muitas possibilidades novas e agora que não tenho um contrato fixo, tenho liberdade de poder escolher e não ficar preso a nada. Como artista, essa liberdade é fantástica, estou gostando bastante dessa fase!
Já se passaram 24 anos desde a sua estreia na TV, na novela “Laços de Família”. Quais recordações você tem desse primeiro trabalho e quais foram os maiores aprendizados nessas mais de duas décadas?
Eu tenho lembranças maravilhosas dessa primeira novela, porque quase me misturei ao meu personagem. Assim como o Edu, eu também estava descobrindo o Rio e morava no Leblon. Tinha um lado muito lúdico, com colegas incríveis e pessoas que admirei a vida inteira. Por outro lado, talvez tenha sido o ano mais difícil da minha vida, porque trouxe muita mudança e responsabilidade. E agora olhando, depois desse tempo todo que passou, sou muito grato por ter adentrado nesse universo da televisão e por ter recebido tantos convites depois para que pudesse continuar a minha carreira. Fui aprendendo, especialmente com tantos excelentes profissionais, atores e diretores incríveis com quem trabalhei, e ganhando repertório, experiência e ferramentas para trabalhar cada vez melhor. Fui conquistando tranquilidade, o que é fundamental para o trabalho do artista, ficando cada vez mais presente e me divertindo mais.
Qual é seu personagem favorito na TV?
É muito difícil escolher um personagem, tenho seis planetas em libra (risos), para mim é muito difícil escolher qualquer coisa. Parece clichê, mas de fato a gente aprende com todo papel. Mas claro que tem alguns que são ‘turning points’. O Edu de ‘Laços de Família’ foi um, porque me deu uma oportunidade incrível. Em ‘Esperança’, fazia um italiano, então mexeu muito comigo e com as minhas origens. Até hoje assisto e falo ‘que beleza!’, tenho muito orgulho de ter feito.
O Pascoal de ‘Belíssima’ também foi importante, porque ele me inseriu no mundo da comédia. Em ‘Da Cor do Pecado’, eu fiz os gêmeos Paco e Apolo e é uma novela que até hoje as pessoas falam muito. Amei fazer o remake de ‘Guerra dos Sexos’, pois foi logo após meu autotransplante de medula e eu era apaixonado pelo meu personagem Nando desde os anos 1980, quando estreou a original. Depois veio ‘Verdades Secretas’, que para mim é uma das melhores coisas que a televisão fez até hoje. Adorei fazer o vilão Fred em ‘Passione’, ao lado de Fernanda Montenegro, foi um exercício gigante! Na última, ‘A Dona do Pedaço’, começava vilão e depois me apaixonava, tinha uma curva bonita e eu gosto de personagens que começam de um jeito e terminam de outro, que trazem várias camadas.
Você lançou este ano o filme “Uma Família Feliz”, ao lado de Grazi Massafera, que chamou a atenção por ser um suspense, gênero ainda pouco trabalhado no cinema nacional. Como foi o processo de produção e atuação? E como foi a recepção do público?
Eu adoro esse filme e tenho muito orgulho! É um gênero que a gente não faz muito no Brasil, mas ele é muito bem-feito, tem todos os elementos que um bom cinema de gênero precisa. Tenho um carinho gigante por essa equipe, pela Grazi, pelo diretor José Eduardo Belmonte e pelo escritor Raphael Montes, com quem já tinha feito a série ‘Bom dia, Verônica’. O processo foi muito feliz e rápido, fizemos tudo em menos de um mês e foi filmado em Curitiba, o que é bacana porque foge do eixo Rio-São Paulo. O filme exigia uma interpretação que não fosse óbvia, era tudo meio escondido, eram as camadas que estavam por trás que interessavam – foi bem difícil de fazer. Eu percebi que o público gostou muito, impressionante a repercussão nas minhas redes sociais, como as pessoas vibraram e ficaram impactadas. Fico muito feliz, porque esse é o grande objetivo do ator: impactar de alguma forma a audiência. É muito legal fazer cinema e é algo que eu quero explorar mais.
Quais gêneros você mais gosta de trabalhar? Há ainda um estilo ou formato que deseja experimentar na atuação?
Gosto de me experimentar em todas as frentes e cada vez mais quero tentar novas narrativas. O fundamental é sempre contar uma boa história, com bons personagens. Quando exploramos o universo do personagem, estamos explorando esse universo dentro de nós também. Então, crescemos muito como seres humanos e como artistas. Esses processos me interessam cada vez mais, tanto no cinema quanto no teatro e na televisão, mas eu não tenho preferência, gosto de intercalar. Eu não tenho preconceito com nada, acho que o ator tem que se testar mesmo em tudo, ter um olhar atento para todas as artes. Agora estou testando o formato musical e sinto que está começando uma fase muito legal de experimentação na minha vida.
Você sempre foi considerado um galã brasileiro. Ao longo de sua carreira, quais foram os prós e contras desse rótulo?
Nunca briguei com esse rótulo, porque acho que tem um lance legal em ser galã. Mas também nunca me vi preso ou resumido a isso, sempre quis experimentar outras coisas. No teatro, tive a oportunidade de fazer uns personagens mais diferentes, e mesmo na televisão tive várias chances de fazer o anti-herói e quebrar um pouco isso do galã perfeitinho, do mocinho, do príncipe. No streaming, por exemplo, o Matias de ‘Bom dia, Verônica’ é um personagem muito forte. Eu não acredito muito em rótulos, em gavetas fechadas, acho que tudo é aberto e muda o tempo todo, não tem nada estático ou definitivo na vida, podemos sempre mudar de ideia, criar, recriar.
E como você definiria o Reynaldo Gianecchini hoje?
Difícil a gente se definir em poucas palavras. Mas quando penso em mim, penso sempre nessa pessoa que quer muito ampliar o horizonte, tentar ver além do microcosmo em que vivemos. Estou nessa fase de descobrir coisas novas, olhar para o novo e achar beleza e potência em muita coisa que não eu enxergava antes. Precisamos discutir, sair da bolha e do nosso umbigo e olhar mais adiante, com empatia. Eu amo viajar, explorar e descobrir novas culturas e novos jeitos de ver a vida. O grande objetivo é a gente aprender a amar e ter mais autoconhecimento, abrir o coração.
Como está sendo a vida aos 50 anos? É melhor do que aos 20?
Estou amando a vida depois dos 50, é uma maravilha essa coisa da maturidade. Definitivamente me sinto muito melhor hoje do que qualquer década atrás. Ainda tenho muito vigor, virilidade e prazer de viver. Sou menos ansioso e mais consciente de mim. Estou pegando a rédea da minha vida. Quando você se conhece mais, fica mais confortável, forte e não liga tanto para o que as pessoas pensam, não se preocupa mais em agradar tanto. Quero viver em paz na minha verdade, com o meu prazer, fazendo as coisas de que gosto.
Como enxerga o futuro? Ainda tem algum grande sonho para realizar?
Nunca faço planos a longo prazo, porque entendo que a vida surpreende o tempo todo. Eu deixo a vida me levar, vou sentindo o fluxo, vivendo muito a partir do que ela me apresenta e fazendo as escolhas diante do que eu sinto que é melhor, seguindo minha intuição e minha verdade. Além de curtir a vida, ter espaço para as amizades, para me sentir na natureza e viajar, eu sinceramente me vejo trabalhando até velhinho, porque eu amo minha profissão e ela me leva para lugares e pessoas incríveis, além de me proporcionar muito autoconhecimento.
Foto da capa: Soul; TZ Assessoria; TZ Produções; fotógrafo: Muraca
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