Débora Falabella protagoniza monólogo de grande sucesso internacional e consolida formas próprias de contar histórias nos palcos e nas telas

por | abr 29, 2024 | Cultura, Entrevista, Pessoas & Ideias | 0 Comentários

Pela primeira vez num monólogo, atriz Débora Falabella encena versão brasileira de peça de grande repercussão  internacional que discute a violência contra a mulher

Desde a sua estreia em Londres, em 2022, “Prima Facie” seguiu uma trajetória meteórica. Escrito por Suzie Miller, o texto conquistou a Broadway e o West End inglês, virou objeto de disputa entre produtores e inspirou debates e esforços para mudar leis britânicas envolvendo crimes de abuso e agressão sexual. Neste mês de maio, a peça faz sua estreia no Brasil, no Teatro Adolpho Bloch, na Glória.

A montagem é estrelada por Débora Falabella, que assume o desafio de encenar o primeiro solo de sua carreira. No palco carioca, ela explora uma forma autêntica de dar vida a uma personagem que ganhou adaptações em países como Alemanha, Austrália, Nova Zelândia e Turquia. No papel da advogada Tessa – que tem acusados de violência sexual entre seus clientes – a atriz faz ainda uma imersão nas complexidades do sistema judiciário. “Acredito que o resultado e a sensação de estar em cena serão completamente diferentes, para mim e para o público”, revela.

 

foto Jorge Bispo

 

Mineira e filha de artistas, Débora se diz tímida e afirma que foi em sua profissão que encontrou uma maneira para se expressar. Em entrevista à 29HORAS, ela também reflete sobre a fama e o equilíbrio necessário na atuação, destaca montagens importantes para sua trajetória no teatro e antecipa novos e desafiadores projetos. 

“Prima Facie” é o seu primeiro monólogo. Como foi a preparação para estar sozinha no palco diante do público?
Nunca tinha sentido a vontade de fazer um monólogo, porque sempre entendi o teatro como uma troca com o outro em cena. Mas, recentemente, esse desejo surgiu em mim, impulsionado pela curiosidade de me arriscar em algo novo. Foi assim que decidi me aventurar nessa experiência e buscar um projeto que me desafiasse. E encontrei o texto de ‘Prima Facie’, que me encantou profundamente. A preparação para um monólogo vai muito além do momento solitário em que estou no palco. É um esforço colaborativo que envolve uma equipe talentosa e dedicada, incluindo uma diretora experiente, profissionais de voz, corpo, direção, cenografia, figurino e iluminação. A construção desse trabalho exige uma preparação minuciosa e um alinhamento preciso de todos os elementos envolvidos.

Por mais que a sensação seja de estar sozinha em cena, sei que tenho o respaldo de uma equipe sólida e comprometida. Isso me dá uma tranquilidade grande! A preparação para esse solo acabou não sendo muito diferente dos outros espetáculos que já participei. Mas acredito que o resultado e a sensação de estar em cena serão completamente diferentes, para mim e para o público.

 

Débora Falabella como advogada Tessa, na peça “Prima Facie” – foto Jorge Bispo

 

A peça ganhou montagens em diversos países e foi estrelada por Jodie Comer, na Broadway. Quais são as especificidades da montagem brasileira?
Quando se compra os direitos de uma obra, um mundo de possibilidades criativas se abre para a montagem da peça. Penso que cada equipe artística traz sua própria visão e sensibilidade para o palco, resultando em interpretações únicas. Desde a direção até a interpretação dos atores, cada montagem reflete a singularidade e criatividade do grupo envolvido. Eu acho muito bonito observar como a mesma obra pode ser interpretada de maneiras tão diversas, ampliando seu impacto e relevância em diferentes contextos. Por aqui não será diferente, vamos imprimir algo singular nesse texto. 

Por que trazer essa peça ao Brasil?
A questão da violência contra a mulher e a agressão sexual é sensível e muito recorrente em diversos países. No caso do Brasil, essas questões são especialmente impactantes, porque os números relacionados a esses crimes são mesmo alarmantes! Na peça, além de falarmos de um tema de extrema importância, também podemos provocar reflexões e debates sobre como lidamos com essas questões em nosso país. 

O que mais chamou a sua atenção na atuação de Jodie Comer? E como foram seus estudos para fazer a imersão na personagem?
Confesso que evitei assistir às montagens anteriores da peça para não ser influenciada. Já tinha visto pequenos trechos e conhecia o texto. Mas preferi desenvolver a personagem a partir das minhas próprias experiências, porque acredito que cada atriz tem sua essência e abordagem única para os papéis. Depois da estreia, pretendo assistir às outras montagens. Mas claro que fico super curiosa! Quero muito assistir à maravilhosa Jodie Comer dando um show! Sou fã!

 

Na série “Aruanas” – foto Maurício | Globo

 

A peça tem uma temática sensível, em que a sua personagem, a advogada Tessa, defende acusados de violência sexual. Como mulher e atriz, como é vivenciar esse tema em um trabalho?
Como mulher e atriz, interpretar o papel da advogada Tessa é uma experiência desafiadora e muito impactante. Tessa é uma advogada criminalista que acredita firmemente no princípio fundamental de que toda pessoa tem direito à defesa, independentemente da culpa do acusado. Ela não escolhe seus clientes e aceita os casos que chegam ao seu escritório, o que muitas vezes a leva a defender pessoas que enfrentaram situações complicadas, como casos de agressão sexual.

Ao longo da peça, Tessa passa por uma transformação pessoal ao questionar e repensar o sistema jurídico em que trabalha. Essa descoberta representa um ponto crucial na trama, em que ela começa a enxergar as complexidades e injustiças do sistema legal, é realmente interessante!

A peça desencadeou discussões e debates mundo afora. Como você espera que seja a recepção e repercussão entre o público brasileiro?
Imagino que a repercussão será bem semelhante. Temos muito o que discutir ainda quando o tema é agressão sexual e como o sistema jurídico na maioria das vezes lida com isso. Conquistamos muitos avanços, mas é preciso ir além. A mulher continua sofrendo mesmo quando ela é vítima!

A versão brasileira tem Yara de Novaes na direção, que foi sua parceira no Grupo 3 de Teatro e em outros projetos. Como são as suas trocas?
Yara é uma parceira de longa data com quem eu queria trabalhar novamente como diretora, confio plenamente nela e no seu processo criativo. Ela sempre foi meu farol e minha inspiração! Para esse projeto, senti que não havia ninguém melhor para dirigir do que a Yara, alguém em quem confio totalmente e que eu sabia que faria o processo ser não apenas bom e prazeroso, mas também significativo, considerando toda a nossa história nos últimos anos. 

 

Débora em cena com Yara de Novaes, em peça do Grupo 3 de Teatro – foto divulgação

 

O que o Grupo 3 de Teatro significa para você? Quais foram as montagens teatrais que mais te marcaram desde o começo do grupo?
O Grupo 3 de Teatro foi meu primeiro e único grupo teatral até hoje. Ao longo dessa trajetória, participei de diversas montagens. Entre as que mais me marcaram desde o início, destaco “Love Love Love”, “Contrações” e “Neste Mundo Louco Nessa Noite Brilhante”. Esses espetáculos foram especialmente importantes do ponto de vista artístico e de identificação com as mensagens que eu queria transmitir. O Grupo 3 de Teatro é cheio de significado para mim! Foi onde construí minha história no teatro e o lugar onde pude me expressar e fazer escolhas importantes na minha carreira.

Voltando um pouco no tempo, você cresceu em um ambiente que incentivava a arte. Como as atuações de sua mãe (Maria Olympia Falabella), no coral lírico, e de seu pai (Rogério Falabella), como ator e diretor, te impactavam quando você era criança? Quando você decidiu também trilhar o caminho artístico?
O ambiente em que cresci teve mesmo uma influência enorme sobre a escolha de seguir na minha profissão. Com minha mãe atuando no coral lírico e meu pai ator e diretor, fui exposta desde cedo a esse mundo. Mas a decisão de trilhar esse caminho não foi diretamente influenciada por eles. Acredito que meu interesse pelo teatro foi despertado pela minha irmã Cynthia, que também começou a estudar artes cênicas. Observando sua trajetória, percebi que o teatro poderia me oferecer uma forma de expressão, uma voz que eu talvez não conseguisse encontrar em minha comunicação cotidiana. Sempre fui uma pessoa mais tímida, quieta, e vi no teatro uma oportunidade de me expressar de maneira diferente, de explorar novas formas de comunicação e interação.

 

A atriz na novela “O Clone” – foto Globo | divulgação

 

Houve um desejo de se distanciar dos estilos e marcas dos trabalhos de seus pais? Em quem você também buscava inspiração e referências?
Muito pelo contrário! Meu pai foi ator de TV na época da TV ao vivo e também atua no teatro. Ele sempre foi uma grande referência para mim. Mas é claro que fui encontrando a minha turma! Tenho muitas referências mineiras, de onde eu venho. Atores, grupos de teatro… No teatro, cada um encontra seu estilo e sua turma, o que considero um processo natural e importante para descobrir sua identidade como artista. Mas minha família seguiu me influenciando. Minha mãe, que era cantora lírica, me inspirou com sua abordagem à profissão, assim como meu pai, que sempre foi muito dedicado e respeitoso com seu trabalho. A reverência que ele tinha pela profissão certamente deixou uma marca em mim, e sinto um grande respeito por seguir seus passos!

Sua carreira na TV, em novelas e séries, é bastante extensa e diversificada, tendo interpretado protagonistas e personagens de destaque em produções como “O Clone” e “Avenida Brasil”. Como você lidava com a fama e a enorme repercussão entre o público na época? E hoje, o que a fama representa para você?
Penso que depender unicamente da fama pode ser perigoso, porque estar constantemente sob os holofotes pode ser cansativo e muito invasivo. É importante encontrar momentos de descanso e privacidade. Por outro lado, a fama também pode proporcionar oportunidades incríveis. Por exemplo, ela me permite levar meu trabalho para o teatro, onde muitos fãs que me acompanharam na TV têm a chance de me ver atuar ao vivo. Acho essencial saber utilizar a fama a seu favor, sem depender exclusivamente dela e sem deixar que ela nos sobrecarregue emocionalmente.

 

Como a personagem Nina, em “Avenida Brasil” – foto Alex Carvalho | Globo

 

Atualmente, como você escolhe seus projetos? O que você busca nos seus trabalhos?
Hoje, ao escolher os projetos em que me envolvo, busco oportunidades que me permitam explorar novas formas de contar histórias, é o que mais valorizo! Além disso, estou escrevendo meu primeiro longa-metragem, que pretendo dirigir, e estou muito animada com essa possibilidade que está se desenhando para mim em breve.    

Foto de capa: Jorge Bispo

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