Para além da comédia, Monica Iozzi fala sobre militância, política e assédio

por | out 1, 2021 | Entrevista, Pessoas, Pessoas & Ideias | 2 Comentários

Dona de um humor mordaz, Monica Iozzi tem opinião formada sobre quase tudo. E sempre foi assim. Nascida em Ribeirão Preto, tinha apenas oito anos quando liderou sua primeira “revolução feminista”. “Fui a primeira coroinha menina da igreja que a minha família frequentava. Nunca fui religiosa, mas queria me exibir no altar, e só via meninos ali. Então eu chamei o padre em um cantinho, argumentei indignada e ele cedeu”, lembra. Foi essa personalidade embativa que, anos depois, usou para enquadrar políticos no Congresso, na época em que foi a única repórter mulher do “CQC” – programa da Rede Bandeirantes que trazia luz à tragicomédia da política nacional.

Sempre envolvida em assuntos que, para muitos, podem parecer espinhosos, Monica Iozzi sabe muito bem aliar delicadeza e intensidade – e faz questão de mostrar isso em seus muitos e diversos projetos. Fez o Brasil rir como apresentadora do “Vídeo Show”, tornou-se ícone de empoderamento em “Dona do Pedaço” (2019), na pele da blogueira Kim Ventura, e, em dezembro, invade as telonas como Dona Luísa, mãe da dona do Limoeiro, bairro de “Turma da Mônica – Lições”.

 

Foto Carlos Sales | Styling Bruno Uchôa | Make Edu Hyde

Foto Carlos Sales | Styling Bruno Uchôa | Make Edu Hyde

 

Para 2022, ela prepara sua estreia no streaming em “Novela”, série de humor da Amazon Prime Video com produção do Porta dos Fundos, na qual interpreta uma roteirista que sonha emplacar um folhetim no horário nobre. Em seguida, chega aos cinemas como uma workaholic que tem que lidar com as delícias e as dores da maternidade, no filme de Dainara Toffoli, “Mar de Dentro”. Para completar, em janeiro do próximo ano estreia “Fala Mais Sobre Isso, Iozzi”, programa do Canal Brasil idealizado e apresentado por ela, que promete combinar política e descontração em episódios semanais com convidados ilustres. Em entrevista à 29HORAS, Monica Iozzi falou sobre militância, posicionamento político, assédio, e refletiu sobre sua carreira e os rumos do país – sem renunciar ao bom-humor de sempre.

 

Foto Globo | divulgação | Victor Pollak Kim (Monica Iozzi)

 

É impossível desvincular sua carreira do universo político. Quando criança, você já se interessava pelo tema? Na sua casa, a política era muito presente?
Minha família tem origem simples, meu pai era eletricista e minha mãe, dona de casa, então eles não se envolviam tanto nessas questões. Mas me lembro de, ainda muito pequena, começar a gostar de política por conta própria. Aos oito anos de idade, eu era meio obcecada pelo horário eleitoral. Achava aquilo tudo muito esquisito. Eu via todas aquelas figuras histriônicas e quase teatrais – se lembra do Dr. Enéas nos anos 1990? – e sentia como se estivesse acompanhando um roteiro de novela. Mas nunca foi apenas um entretenimento, algo ali já me instigava.

Um de seus trabalhos mais marcantes foi justamente nessa área, como repórter do ‘CQC’. Hoje, o programa não está mais no ar, mas os eventos tragicômicos da política continuam. Conte algum acontecimento recente que você adoraria ter tido a oportunidade de cobrir.
Sinceramente, nós estamos vivendo um momento tão assustador e distópico que todo dia surge alguma pauta absurda. É só fazer plantão no cercadinho do presidente para ter acesso a um estoque interminável de escândalos. Mas, falando de momentos específicos, acho que teria sido muito interessante cobrir os bastidores da CPI da Covid. No “CQC”, a gente adorava colocar contra a parede pessoas que davam declarações divergentes, e nessa comissão isso aconteceu aos montes. Também queria ter tido a oportunidade de acompanhar a onda de manifestações pró-regime militar que tomou o país nas últimas semanas. Essa verve enlouquecida e inacreditável de retrocesso daria um quadro, no mínimo, bizarro.

Neste momento de polarização e extremismos que estamos vivendo no Brasil, ainda é possível extrair humor da política?
Com certeza. O humor é um instrumento político poderosíssimo. Há uma capacidade transformadora e instigante no “rir do absurdo”. O que o Marcelo Adnet faz, por exemplo, com as sátiras, imitações e toda aquela ironia crítica é genial. E eu acredito muito que esse tipo de humor, consciente e ácido, tem o poder de fazer com que as pessoas comecem a prestar mais atenção nas atrocidades que estão acontecendo.

Você já chegou a comentar que se arrepende de ter aberto tanto espaço, no ‘CQC’, para as falas de Jair Bolsonaro. Se pudesse retornar ao ar, sua abordagem seria diferente? Para você, qual é o limite da liberdade de expressão?
Eu sempre me pergunto isso. Naquele momento, as matérias que eu fazia eram muito no intuito de denunciar o visível despreparo daquele, na época, deputado federal. O que não imaginava era que, ao invés disso, eu pudesse estar entregando um megafone na mão dele e dos seus discursos de ódio. Pode parecer uma comparação meio forçada, mas na Alemanha a população é proibida de fazer qualquer apologia ao nazismo. Aqui, talvez tenha chegado a hora de agirmos assim também. Não há mais escolha além de ser intolerante com pessoas intolerantes. Hoje, eu provavelmente teria preferido abafar muitos absurdos que ele disse contra a população LGBTQIA+, as mulheres, e as falas a favor da ditadura…

Na equipe do ‘CQC’, você passou três anos e meio como repórter em Brasília. Como foi a experiência de ser uma das poucas mulheres no ambiente majoritariamente masculino do Congresso?
Foram anos de muito aprendizado pessoal. Até aquele momento, eu nunca tinha trabalhado em um lugar onde o sexismo era tão claro e a misoginia, tão gritante. Para você ter uma noção, na época em que estive em Brasília, não existia nem banheiro feminino no Senado. Toda a estrutura do ambiente político foi construída de maneira a manter as mulheres, e todas as minorias, longe dali. Isso sem contar todos os galanteios desagradáveis, os “presentinhos” e os vários momentos em que me chamaram de “minha filha” e “menina” ao invés de Monica Iozzi. Por tudo isso, eu posso dizer que foi no Congresso que tomei consciência de que o feminismo seria a minha luta para a vida toda.

 

Foto Globo | Divulgação | Tata barret Os novos integrantes do Vídeo Show, Giovanna Ewbank e Joaquim Lopes, com os apresentadores Monica Iozzi e Otaviano Costa

 

Antes da pandemia, você participou da série “Assédio”, com direção de Amora Mautner. Qual é a importância de se falar sobre assédio e abuso?
Eu não conheço nenhuma mulher que nunca foi assediada. Até minha sobrinha de 13 anos já tem algumas histórias assim para contar. É preciso expor essa realidade, e a série faz isso com maestria. Também me deixa grata a forma como a produção conseguiu trazer uma mensagem de força feminina. Apesar de todas as personagens terem sofrido violência, elas estão longe de serem representadas com fragilidade. A série traz essa mensagem de que não podemos nos calar e que, unidas, conseguimos fazer com que as engrenagens comecem a mudar. Acho que muito disso vem da direção feminina, a Amora trouxe esse olhar de dentro para o tema.

Se posicionar e falar sobre política pode parecer espinhoso para muitos, mas você consegue equilibrar leveza e profundidade. Na sua rotina, o que você faz para se desligar um pouco das notícias e do que acontece no país?
É difícil me desconectar de tudo, mas toda noite eu me sento no sofá e devoro as plataformas de streaming. Tenho mergulhado fundo no cinema brasileiro, que é a área em que mais quero trabalhar na vida. Estou assistindo desde Mazzaroppi até Anna Muylaert, Renata Pinheiro e Felipe Bragança, revendo tudo, estudando e me apaixonando de novo pela nossa arte. E eu também jogo muito video-game! Tenho um aparelho que reproduz os jogos dos anos 1980 e 1990, e sou fissurada.

Essa sua dualidade também aparece nas telas. Seus próximos projetos no cinema são muito diferentes entre si. Em qual gênero você se sente mais confortável atuando?
Eu amo a magia da comédia, mas sou grata por, agora, poder explorar outros caminhos. Em “Novela”, minha personagem é leve e engraçada; em “Mar de Dentro”, vivo um drama absoluto; e em “Lições”, me delicio com a doçura maternal da Dona Luísa. Todas elas mostram lados meus que vão além do humor escrachado, que fez muitas pessoas me conhecerem. Antes de comediante, eu sou atriz, e quero experimentar de tudo.

Além da sua estreia nos streamings, um de seus próximos projetos é o “Fala Mais Sobre Isso, Iozzi”, programa sobre política que marca sua volta à TV como apresentadora. Por que esse retorno à política, por que agora e por que em um programa com esse formato?
Eu sinto que, no Brasil, ainda há muita gente que não se interessa por política, seja porque já está completamente descrente dos rumos do governo, ou porque realmente não entende como o mecanismo funciona. Meu desejo é, justamente, trazer a discussão política para mais perto do público, de uma forma didática, simplificada e que faça com que todos se sintam pertencentes a esse espaço, porque todos somos. Quero que o público se sinta em uma mesa de bar discutindo com os amigos. Juntamos uma galera incrível, de Pedro Bial a Djamila Ribeiro, Majur e Jubi do Bairro, para debater temas muito diversos e que dialogam diretamente com o nosso dia a dia, como “qual é a relação entre política e religião?” ou “o que podemos esperar da política no futuro?”.

E, para você, o que podemos esperar da política no futuro?
É difícil demais fazer qualquer tipo de previsão, mas o que eu espero é que as instituições voltem a se fortalecer no Brasil. Sem isso, é impossível começar a cavar uma saída desse buraco. E o primeiro passo para tudo voltar aos eixos é ter a nossa democracia de volta.

 

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2 Comentários

  1. Leo Jahn Ribeiro

    Gostei muito de ler essa entrevista com a Mônica Iozzi. Adorei ler essa matérias as perguntas foram muito boas. Adorei também as fotos. Perguntas e respostas interessantes da entrevistada. A Mônica Iozzi fala muito bem e tem um posicionamento perfeito sobre diversos assuntos Quando ela era apresentadora do Vídeo Show ela era uma comédia. Ela era muito engraçada junto com o Otaviano Costa. Tomará que o projeto dela o novo programa no GNT o ”Fala Mais Sobre Isso, Iozzi” seja um sucesso. Eu torço pra dar certo porque ela fala muito bem as opiniôes que ela dá e tem são muito divertidas sempre. Eu ainda sinto saudades de ver ela apresentando o Vídeo Show na Rede Globo. Gostei mais segunda foto em que ela está de cabelo loiro e usando uma roupa Branca. Mas também adorei a foto dela na bancada do Vídeo Show. Que bom que o Pedro Bial vai aparecer no programa dela. A Mônica Iozzi ela é muito lega e ela é muito engraçada. Também é bonita claro. Ela é uma atriz muito talentosa. Simpática e o que ela falou nessa entrevista eu gostei de ler. Eu acho que ela fez uma boa personagem na novela a Dona do Pedaço. Que legal saber que ela joga videogame. Ela tem um humor muito legal. Também eu lembro dos personagens em que ela fez em outras novelas foram sensacionais. Adoro ela. Eu não sabia que ela nasceu em Ribeirão Preto. Ela foi excellente. Eu tenho saudades de ver ela fazendo novelas. Como atriz a Mônica Iozzi sempre arrasa.

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  2. Aurelio Farias

    Ótima a entrevista com Monica Iozzi.
    Tenho enorme admiração por essa pessoa solar, plena de vida, essencial nestes nossos dias.

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