Encabeçando o elenco de um musical inspirado na comédia “Os Fantasmas se Divertem”, Eduardo Sterblitch mostra que é um ator completo. Versátil e multitalentoso, fora do palco ele investe em personagens menos cômicos e mais dramáticos, como o policial Sérgio na série “Os Outros” e o bandido Hermógenes, em uma inovadora versão para o cinema da obra de Guimarães Rosa
Em 1988, Michael Keaton interpretou o aloprado fantasma Beetlejuice no filme “Os Fantasmas se Divertem”, dirigido pelo excêntrico Tim Burton. Trinta anos depois, em 2019, o filme inspirou um musical da Broadway, indicado a oito Tony Awards. Até o dia 10 de dezembro, no teatro da Cidade das Artes, quem dá nova vida ao personagem é Eduardo Sterblitch, ator de 36 anos que – não por coincidência – é uma figura excêntrica. No palco, ele atua, canta, dança, emociona e faz rir. Tudo ao mesmo tempo, em uma versão abrasileirada da história do fantasma fanfarrão que “baixa” em um casarão assombrado toda vez que alguém grita o seu nome três vezes.
Nascido no Rio de Janeiro e conhecido nacionalmente desde que estreou no “Pânico na TV”, em 2009, de lá para cá Edu já mostrou sua verve em várias comédias no cinema e na TV, além de ter feito participações hilariantes e memoráveis em programas como “Amor & Sexo”, “Popstar” e “The Masked Singer Brazil”. Atuou também em uma novela (“Éramos Seis”) e, mais recentemente, começou a interpretar personagens mais sérios, como o policial Sérgio da tensa série “Os Outros” (Globoplay) e o bandido Hermógenes do longa “Grande Sertão: Veredas”, dirigido por Guel Arraes e com estreia prevista para o primeiro semestre de 2024.
Em entrevista à 29HORAS, Eduardo Sterblitch fala sobre sua preparação e seu trabalho de criação para o musical “Beetlejuice”, sobre seus personagens mais “sérios” e sobre a sua estreia como o papai do pequeno Caetano – fruto de seu relacionamento com a artista plástica e atriz Louise D’Tuani. Confira os principais trechos dessa conversa nas páginas a seguir.
Você se define como comediante, ator, apresentador, performer, gênio ou apenas um cara meio abestado?
Eu prefiro não me definir, mas me identifico como um criativo. No fundo, o que eu quero ser é um artista brasileiro. Penso que os artistas brasileiros são os melhores do mundo, porque eles têm uma habilidade muito grande de lidar com o erro e possuem uma enorme capacidade criativa.
Reza a lenda que o seu interesse pelo humor e pela atuação surgiu quando você se encantou com o show da dupla de palhaços Xuxu & Xuxuzinho, contratada para animar a festinha do seu 3º aniversário – pelo menos é isso que consta no seu verbete na Wikipedia! Você tem alma de palhaço?
Eu sou um palhaço, com certeza – estudei para ser palhaço! Sou um palhaço quando exploro o humor físico, que não é tão falado. Eu recorro a essa formação em todos os meus trabalhos, todos os meus personagens têm um pouco desse palhaço que tenho dentro de mim. Até os dramáticos.
Agora no musical “Beetlejuice”, o que você traz da sua personalidade para o personagem? O diretor do espetáculo, Tadeu Aguiar, disse que “a montagem tem um olhar brasileiro, um humor nosso, de artistas com características histriônicas”. De que forma a sua excentricidade e sua loucura enriquecem o personagem?
O conceito da composição do meu Beetlejuice tem como base a mistura de todos os personagens que existem dentro de mim, que podem existir dentro de mim. Meu fantasma nesse musical é a mistura de todas essas vozes, timbres, gestos, energias, ritmos e dinâmicas. Foi essa a sacada que eu tive para criar o meu Beetlejuice, um personagem cheio de camadas. O do filme é uma coisa, o da Broadway é outra e o daqui da montagem brasileira é uma terceira versão – cada uma com suas peculiaridades.
Foi difícil para você chegar a um bom resultado ao misturar interpretação, canto e dança no palco, tudo ao mesmo tempo?
Sou de uma geração formada no Tablado. Minha tia era professora e dava aulas lá. Ela sempre repetia que ‘o artista completo tem de saber cantar, dançar e interpretar’. Tento muito fazer tudo isso – que nem os palhaços, que têm de saber fazer cascata, acrobacias e tocar um instrumento. No palco, eu me esforço ao máximo para fazer de tudo, para ser um artista o mais completo possível e encher de orgulho os meus ancestrais. A preparação para esse espetáculo foi como a de um verdadeiro atleta, bem puxada – até para que tenha fôlego, não faleça ou me lesione e possa cumprir a missão durante toda a temporada.
Em “The Masked Singer”, “Amor & Sexo” ou mesmo em “Shippados” e “Éramos Seis” deu para perceber que você é um mestre no improviso e nos chamados “cacos”. Você gosta de atuar sempre com essa liberdade total? E como está se saindo em um musical, em que tudo é cheio de marcações e praticamente não dá para sair do script?
Acho importante você estar muito dentro do roteiro, do script, da direção e de tudo o que está acontecendo para que o “caco” surja naturalmente. Eu me esforço para estar sempre absolutamente seguro do texto para que o improviso faça sentido e não seja só uma brincadeira aleatória, mas ajude a dar um respiro e enriqueça a história que está sendo contada. E “caco” não é necessariamente alguma palavra ou algo a ser dito. Pode ser uma forma diferente de se movimentar, de parar, de encostar no cenário. Para mim, é um recurso importante para evidenciar que o ator está vivo em cena, não é um ser que trabalha de forma repetitiva e mecânica.
Já na série “Os Outros”, da Globoplay, você interpretou o ex-policial Sérgio, um personagem-chave nessa trama que é bem séria, sem espaço para o humor. Foi difícil segurar a onda, ainda mais para você, que é um cara engraçado?
Ao contrário do que muita gente pensa – assim como você –, eu não sou um cara naturalmente engraçado. Sou uma pessoa extremamente infantil, e talvez essa minha criança interior bem presente passe aos outros a falsa impressão de que sou divertido e brincalhão desde o momento em que acordo e até a hora em que vou dormir. Eu apenas sou livre, faço o que estou a fim, sem muitos bloqueios. Não ligo para o que a sociedade pensa de mim. Aliás, acho a sociedade absurda e só trabalho para ela! A trama de “Os Outros”, naquele condomínio surreal, é uma amostra perfeita desse absurdo todo. Mas, voltando à sua pergunta, para mim é mais fácil fazer um personagem dramático do que um na chave do humor. Afinal, o drama está muito mais presente nas nossas vidas, não é?
Esse mesmo tom dramático também é a tônica da versão moderna de “Grande Sertão: Veredas”, que você acaba de rodar com Caio Blat, Luiza Arraes e Luis Miranda, não? O que podemos esperar da sua atuação como o bandido Hermógenes e desse filmaço dirigido por Guel Arraes, ambientado nas periferias urbanas da atualidade?
Em “Grande Sertão” a proposta é mais operística, é uma saga, uma coisa mais “hiper”. É supersônica, é uma linguagem diferente e muito instigante. É difícil de achar o tom certo, e para mim foi um desafio muito maneiro de encarar, quase uma guerra mesmo. Essa ideia de transpor a trama – que originalmente é ambientada no sertão mineiro – para uma comunidade periférica chamada Grande Sertão, que é supervigiada e militarizada, foi simplesmente genial! Meu personagem, o Hermógenes, que também é conhecido como “Demo”, é um diabo que toca o terror na área. Tive que mudar meu corpo, fiquei fortão para dar vida e veracidade a esse vilão da história.
Em março deste ano, você e sua esposa [a atriz e artista plástica Louise D’Tuani trouxeram ao mundo o pequeno Caetano. Como você está se saindo no papel de pai?
É muito bom ser pai e estou fazendo o possível para me sair bem, estou dando tudo de mim. Acho que não estou indo mal, mas a verdade é que só vai dar para saber se estou desempenhando bem esse papel quando o Caetano crescer. Apenas ele está habilitado para avaliar a minha performance. A opinião dele é a que interessa. A minha não vale nada, não importa.
Olhando para trás, você tem mais orgulho ou arrependimento de ter participado do “Pânico na TV”? Quais são as melhores lembranças que você tem daquele período e como você avalia os posicionamentos reacionários que aquela turma acabou assumindo nesses últimos anos?
Eu amo ter o “Pânico na TV” no meu currículo, tenho muito orgulho de ter feito parte daquele fenômeno. Foi a minha faculdade na televisão, entrei com 17 anos e foi lá que comecei a editar, escrever roteiro, dirigir, produzir e atuar, sempre com total liberdade. No ar, a gente não contava uma piada, a gente “sangrava” ela, muitas vezes extrapolava e passava dos limites, mas depois pedia desculpas no ar e seguia em frente. Tenho muitas lembranças maravilhosas daquele período, e alguns traumas – mas eu coleciono traumas de todo lugar: da faculdade, da vida amorosa, do trabalho… Enfim, sou muito grato por tudo que eu aprendi e vivi lá. Quanto aos recentes posicionamentos políticos da turma, prefiro não opinar.
E agora, olhando para a frente, onde você imagina que o Eduardo Sterblitch estará em 2033? Ele será visto recebendo um prêmio na cerimônia do Oscar, vai comandar um talk-show dadaísta no Metaverso ou estará morando em um sítio em Lumiar, se divertindo com seus sete filhos?
Cara, adorei essa ideia de fazer um talk-show dadaísta no Metaverso! Mas acho que ficaria ainda mais interessante se ele fosse transmitido direto de um sítio em Lumiar inserido dentro do ambiente do GTA [Grand Theft Auto] e com todos os meus nove filhos ao redor. Na verdade, o que eu quero é estar trabalhando, realizando sonhos que ainda nem cheguei a sonhar. Quero ser surpreendido e surpreender. E para isso preciso ter ideias, trabalhar para seguir em frente, sem perder a pedalada do mundo. Quero estar criativo e conseguindo me comunicar com a galera. Quero fazer todo mundo se divertir, se sentir provocado, se emocionar, se inspirar… A vida é muito pouco revolucionária, então cabe a nós, artistas, criar algumas cenas e canções para – de alguma forma – driblar o inexorável tédio.
“Beetlejuice, o Musical” na Cidade das Artes
Avenida das Américas, 5.300, Barra da Tijuca, tel. 21 3328-5300.
Sessões de quinta a domingo até 10 de dezembro. Ingressos de R$ 100 a R$ 300.
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