O estrelado Oteque, do chef Alberto Landgraf, detentor de duas estrelas MIchelin pelos deliciosos pescados, é um dos próceres dessa “onda”, assim como o recém-inaugurado Spicy Fish, restaurante que consumiu investimentos de R$ 4 milhões.
Como um restaurante de três anos de idade continua tido como novidade? Por persistir singular e moderno? Por ser seletíssimo, superlativo também no ticket médio (bem acima de R$ 1.000) e objeto de desejo gourmand? Sim, sim e sim. São várias as respostas corretas no que se refere ao Oteque, em Botafogo. Contudo, nenhuma é mais sagaz do que o fato dele ter evidenciado o valor do peixe fresco para quem vive tête-à-tête com as ondas.
Foi preciso um paranaense marrento, com experiências na Europa, fama em São Paulo e talento reconhecido por chefs do mundo todo para revelar o óbvio à Cidade Maravilhosa. Enquanto digeria o encerramento de seu paulistano Épice, Alberto Landgraf voltou-se ao elementar – a geografia e o lifestyle de sua nova morada. Resultado: elegeu frutos do mar de excelência para servi-los com o rigor de sempre e um minimalismo como jamais. Para além de sua emblemática tostada de brioche, foie gras e sardinha, Landgraf hoje causa euforia nos foodies com véus de olhete, vinagrete de algas e caviar; com ostras carnudas que deixam seu aquário e são apuradas ao vapor; com ouriços entre declinações de aipim.
“O carioca gosta de natureza, de esporte e de uma comida mais leve. Não dá para servir orelha de porco, nem receitas com tanta acidez como havia no Épice, mas consigo fazer alta gastronomia me divertindo”, confessa o cozinheiro detentor de duas estrelas Michelin. Não que seus menus de oito etapas sejam fit ou cetogênicos, porém, proteínas magras na brasa reinam, ao passo que carboidratos estão mais para figurantes.
“Na maior parte dos lugares, é carne na brasa e pescados e frutos do mar na frigideira. No Oteque, é o inverso, a gente tem como diferencial pescados preparados em uma churrasqueira de tijolo que trouxe de Tóquio até aqui no colo”, explica Alberto. Em suas grelhas, cada item atinge a perfeição em termos de suculência e laqueamento, sem perder a ternura.
Onda saborosa e criativa
Se o premiado restaurante trouxe bons ventos para o Rio não é possível afirmar, já que ele não fez nada sozinho… Seguindo a filosofia de otimizar ingredientes nativos, sazonais e sustentáveis, outros cozinheiros foram atrás de pescadores. Depararam-se com atuns, buris, prejerebas, lulas e lagostins. Botaram a criatividade à prova para surpreender.
Aberto em fevereiro, o Escama é ilustrativo. Em um sobrado charmoso no Jardim Botânico, Ricardo Lapeyre divide-se entre uma cozinha fria, dedicada a ostras, ussuzukuris, saladas e conservas; e outra quente, comandada pela churrasqueira. “Eu sonhava com um bar de ostras, e acabei montando um projeto de vida com cavaquinhas, pargos e garoupas”, conta o chef.
Embora atribua ao duo pesca-do-dia-e-grelha o protagonismo de sua casa, Lapeyre brilha mesmo no flerte de sua ascendência francesa com sua vida de botequim. Vai daí que gourgères de siri e dendê, croquetes de polvo, pirarucu en croûte, guiozas de cavaquinha com caviar ou o mesmo crustáceo em mil-folhas vêm e vão no menu. São sempre a maior curtição para os comensais, que já incluem habitués como Chico Buarque.
Com vibe também descontraída e bistronômica, há outros belos pontos de mergulho na capital fluminense. De Paris para a Barra da Tijuca, o Itacoa, do chef Rafael Gomes, traz a praia em versão comfort food, seja no nhoque de baroa com frutos do mar, seja no polvo com molho romesco e farofa de milho. Já a cozinha aberta do Mäska, inaugurada em junho último, acena com arrozes generosos, coroados por camarões ou peixes chamuscados na grelha, e revisita ícones como o britânico fish and chips e o peruano ceviche.
De certa forma, contemplar pescados e clássicos praianos e buscar mais contemporaneidade é recorrente no efervescente cenário gastronômico da cidade. Um exemplo? O velhusco Satyricon, que há décadas esbanja elegância na hora de servir itens marítimos, investiu em uma seção de peixes crus, com direito a carpaccios, tartares e sashimis. Falando desses, o Mitsuba aproveitou a maré para trocar a Tijuca, na Zona Norte, pelo Leblon. De quebra, ganhou um pseudo glamour e modernizou seu cardápio.
Agora, verdade seja dita, ninguém soube tão bem rever a própria trajetória e a da gastronomia carioca quanto Pedro de Artagão. Não bastasse completar uma década como restaurateur, nos últimos meses, o chef abriu o Boteco Rainha, um bar high-low que celebra a cultura de boteco luso-carioca e já é um dos maiores hotspots do Leblon.
Ao lado dele, desde meados de agosto, abriga sua casa mais autoral, o Irajá. “Cada vez mais quero ter lugares que me deem vontade de frequentar e consumir, daí o Boteco com sugestões como sardinha frita, croquete de lagosta, rissoles de camarão, camarão VG empanado ao catupiry com arroz à grega. Por outro lado, sentia falta de dar um twist a clássicos franceses e é com isso que estou me divertindo no novo Irajá: menu degustação com vichyssoise de ostras, polvo assado com bouillon de jambon, coração de filé com béarnaise de king crab…”, conta o apresentador do programa “Rio de Barriga Cheia”, exibido no canal de TV por assinatura Sabor & Arte.
Sem ressaca
Mas o responsável pela principal novidade deste semestre de retomada do setor de gastronomia e hospitalidade no Rio é Léo Rezende, empresário dono de restaurantes italianos, gregos e franceses que agora decidiu fazer uma incursão pela Ásia. Ele investiu nada menos que R$ 4 milhões em seu mais novo parque de diversões gourmet: o hiperbólico Spicy Fish.
Em uma esquinona de Ipanema, o megaempreendimento ocupa um imóvel de três andares e um rooftop e, apesar de ter capacidade para 200 comensais e de acabar de ser inaugurado, já tem fila na porta. O cardápio apresenta uma versão tropicalizada da cozinha asiática. O dono desse mix é Emerson Kim que, além de ser um exímio sushiman e profundo conhecedor de receitas coreanas, tem ainda o mérito de ser um expert em pesca.
Kim é adepto da ikejime, técnica japonesa que traz os pescados suavemente à superfície da água, evitando o stress e preservando ao máximo a qualidade de sua carne. “Quando trabalhei em Santa Catarina, pescava 80% do que o restaurante consumia. Aqui, recebo peixe fresco do Sul, da Espanha, de Portugal e da costa fluminense, mas a médio prazo minha intenção é aumentar e ser responsável por essa presença”, revela. Tais insumos serão maturados em uma câmara especial e convertidos em sashimis, sushis, robatas etc.
Como o nome dá a entender, os pescados (quase sempre acompanhados de molhos provocantes) são as estrelas no Spicy Fish. Nem por isso eles nadam de braçada – o ambiente sofisticado e cozy de selva, o staff elegantemente trajado e bem treinado, a playlist vibrante e detalhes como louças personalizadas ou vasos e ombrelones trazidos de Bali conduzem igualmente a permanência in loco. “Para mim não há nada como os hotéis asiáticos e tentei trazer um pouco dessa vivência para o Rio”, explica Rezende.
E já que o assunto é hotelaria de alto padrão, difícil não citar o Fairmont, grife da Rede Accor. Seu restaurante, o Marine, vai de vento em popa. OK, ter Copacabana a seus pés e uma bela piscina de borda infinita ao lado valoriza qualquer refeição, todavia, o menu de Jérôme Dardillac faz jus à paisagem.
Ali, o chef francês brinda o Brasil com ingredientes de terroires distintos. Dos tempos que passou em Manaus, por exemplo, resgatou o tucupi que banha com delicadeza o mer et terre de vieiras, chorizo e ovas de salmão, assim como o cumaru que perfuma o chantili da vacherin de coco com maracujá.
Em contrapartida, junto à comunidade de pescadores à frente do hotel, Jérôme seleciona o poisson du jour, peixe fresquinho que junto à batata baroa vai parar no Josper, equipamento espanhol que sintetiza como nenhum outro o poder de assar, grelhar e defumar. Vez por outra, ele ainda consegue mexilhões ou camarões de altíssimo padrão para povoar sua amável vinaigrette de frutos do mar.
Por ora, para alegria de Yemanjá – divindade que é considerada a mãe dos peixes e a padroeira dos pescadores – a maré alta da gastronomia carioca não indica ressaca. Mais: com homenagens do Botafogo à Barra, do Jardim Botânico ao Leblon e mais um monte de oferendas deliciosas em Ipanema e Copacabana, a orixá só pode estar em festa!
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