Há cinco décadas no ar, o “Fantástico” marcou a cronologia do jornalismo televisivo brasileiro. Rosto conhecido na TV, Poliana Abritta comanda o programa em anos decisivos para a história recente do país, revezando investigações aprofundadas com assuntos leves
Em 5 de agosto de 1973, nascia um programa que marcaria a história da televisão brasileira. O “Fantástico” – uma revista eletrônica que dita o clima de final de domingo – revela em suas primeiras notas musicais da abertura o ritmo do fim, ou melhor, do começo da semana. O que aconteceu de importante nos últimos dias, os temas quentes nas esferas política, cultural e comportamental, além de entrevistas esperadas pelo público e investigações, estão no DNA do programa há cinco décadas.
Nos estúdios do “Fantástico”, passaram nomes relevantes do jornalismo nacional, como Zeca Camargo e Glória Maria. Há nove anos, quem imprime sua marca à frente das câmeras no programa semanal é Poliana Abritta, que divide a apresentação com a também jornalista Maju Coutinho. Natural de Brasília, ela começou na Globo como repórter em coberturas políticas. Com o tempo, experimentou diferentes editorias e ganhou experiência como âncora, no “Jornal Hoje” e no “Jornal da Globo”.
Equilibrando leveza e seriedade, Poliana se diz entregue ao programa e conta que foi como apresentadora do “Fantástico” que teve a cobertura mais marcante de sua carreira. “Tenho a sensação de que todo meu trabalho jornalístico, ao longo de 26 anos, me preparou para aquele momento”, define. Ela compartilha os detalhes dessa cobertura e de sua rotina de trabalho em entrevista à 29HORAS, a seguir:
O ‘Fantástico’ faz 50 anos, um marco importante, ainda mais para um programa na TV aberta. Há alguns anos, os números musicais e até o humor tinham destaque. Hoje, vemos uma cobertura policial maior. Como é feita essa dosagem entre as diversas editorias?
O ‘Fantástico’ é um grande mosaico de assuntos. Costumo dizer que quem ouve a música tema já é remetido a essa diversidade. Nos últimos tempos, demos um espaço interessante ao humor, com o quadro ‘Isso a Globo Não Mostra’ e, mais recentemente, com o ‘Avisa Lá Que Vou’, apresentado pelo Paulo Vieira. Também temos música toda semana, me revezo com a Maju para entrevistar artistas que estão lançando álbuns e eles fazem um pocket show no estúdio. Não enxergo que demos um peso maior para as coberturas policiais, na verdade, essa dosagem varia muito a cada semana. Temos o compromisso de abordar os temas mais relevantes da semana, e as investigações estão no DNA do ‘Fantástico’, denunciamos fraudes e corrupção. O Renato Nogueira, editor do programa, nos disse uma vez que ‘Quando o Fantástico compra uma briga, o Brasil melhora’, acho que isso sintetiza o nosso propósito.
Como fazer para continuar capturando o interesse dos espectadores nesses tempos de múltiplas telas, com internet e streaming ganhando cada vez maior audiência e a TV perdendo aderência entre os mais jovens?
Temos o desafio de nos manter atuais. A preocupação de ter um olhar para todas as gerações é semanal. Certa vez, destacamos uma reportagem sobre um aplicativo que aliciava menores de idade e possibilitava crimes sexuais. Esse assunto, por exemplo, é relevante para o adolescente, para os pais… então, contribuímos para trazer todos os telespectadores para a audiência, falamos com todo mundo. E o ‘Fantástico’ está em diferentes telas, no streaming com os nossos programas ao vivo e suas reprises.
Nossos tempos também são de intensa disseminação de notícias falsas, a exemplo dos períodos das eleições e da pandemia. Sendo jornalista de um grande veículo, como é esse trabalho de checagem e de passar a notícia verificada ao público? A profissão vive um momento desafiador nesse sentido, não?
O nosso trabalho não é apenas de checar e passar a informação verificada, é também de combater as fake news. Fazemos isso todos os dias, a checagem é importante desde sempre e penso que esse cuidado deveria ser passado nas escolas, para que os jovens pudessem aprender a verificar as informações que chegam até eles. A internet é uma porta para o infinito, é necessário apurar as fontes, quem diz o quê, e ter um olhar crítico. Na pandemia, foi muito difícil o trabalho nesse sentido, às vezes me sentia enxugando gelo, mas percebi que não podia desistir. Enxergo que o combate às fake news se tornou o compromisso número 1 do jornalismo. É a maior prestação de serviços que podemos oferecer nesse momento. Não conseguimos combater a corrupção sem antes desmentir as notícias falsas, não podemos denunciar as dificuldades na saúde se não combatermos as fake news, é algo em cadeia.
Ainda falando de ‘Fantástico’, uma grande figura que passou pelo programa foi a Glória Maria, uma jornalista que foi referência para o país. Quais lembranças você guarda dela? O que ela compartilhava com você nos bastidores?
A Glória foi uma amiga muito querida. Não a conheci enquanto ela trabalhava no ‘Fantástico’, foi em um jantar aqui no Rio de Janeiro. Nós tivemos uma conexão imediata, ficamos conversando por horas, a noite inteira e, logo, nos tornamos próximas. Fizemos algumas viagens juntas, com as filhas dela e meus filhos. Tenho a Glória Maria como ídolo, inspiradora na profissão, que desbravou o mundo e foi um exemplo para todas nós. Ela foi uma mulher livre, sinônimo de liberdade. E tenho ainda uma outra Glória, uma amiga cuidadosa, que sempre estava por perto de quem amava. Nunca trabalhei com ela, mas desfrutei de uma convivência e uma troca de carinho que sempre vou guardar comigo.
Para além da Glória, quais outras jornalistas te inspiram na profissão?
O primeiro nome que vem à cabeça é a Sonia Bridi, nossa repórter no ‘Fantástico’. Ela é uma mulher ‘braba’, como dizem por aí. Destaco também a Flávia Cintra, que recentemente fez uma reportagem especial para o programa, fiquei muito tocada pelo trabalho dela, é corajosa e um exemplo de determinação e de profissional. Eu tenho a honra de apresentar o ‘Fantástico’ com a Maju, nos inspiramos mutuamente e ela tem uma trajetória maravilhosa. E atrás das câmeras, a Silvia Faria, que foi diretora de Jornalismo da Globo por quase dez anos, foi a minha grande mentora na emissora, ela me ensinou a apurar, a trabalhar com conteúdo e é uma grande referência para mim.
Você começou a carreira em Brasília, na cobertura política. Como foi a transição para apresentar um programa semanal? O que mais você aprendeu naquela época?
Foram 17 anos em Brasília, aprendi muito. Com o passar do tempo, eu também fiz séries para o ‘Jornal Nacional’, sai da esfera apenas política e comecei a reportar outras realidades. Fiz um programa, o ‘Globo Mar’, que foi muito importante para a minha transição, me abriu portas para outras possibilidades na emissora. Em seguida, cobri férias como apresentadora do ‘Jornal da Globo’ e tive uma experiência de apresentação que tornou possível o caminho para o ‘Fantástico’. Em 2014, recebi a proposta para o programa e já completo, em novembro, nove anos nessa jornada.
Na sua carreira até agora, qual foi a cobertura mais marcante? Por quê?
Sinto que toda a minha trajetória profissional me preparou para uma cobertura específica, como âncora no ‘Fantástico’. Foi a cobertura do 8 de janeiro deste ano, quando manifestantes em Brasília tentaram um golpe e invadiram as sedes dos três poderes. Eu estava de plantão na Globo naquele domingo e tivemos pela primeira vez o sinal conjunto da TV aberta e da Globonews. Fui para o estúdio da Globonews e ancoramos todos juntos os acontecimentos naquela tarde. À noite, apresentei o ‘Fantástico’, foram três horas de programa. Tenho a sensação de que todo meu trabalho jornalístico, ao longo de 26 anos, teve esse objetivo e me preparou para aquele momento.
Tendo conquistado espaço na TV e no jornalismo, quais outros desafios você gostaria de realizar ainda na carreira? Você deseja estar em outros formatos de mídia no futuro?
Sou tão inteira e intensa no que faço, que não consigo dizer como será o futuro. Continuarei sendo uma comunicadora, mas hoje estou entregue ao ‘Fantástico’. Pensar o que acontecerá no futuro e em como será o trabalho mais para frente me tiraria o foco no aqui e no agora. Estou totalmente no presente. Acho que o mundo de possibilidades está se abrindo cada vez mais, mas a minha atenção agora é a televisão, e eu adoro isso.
Hoje, como é a sua rotina de trabalho?
Folgamos às segundas, a minha semana começa invertida, sempre comemoro as segundas-feiras, ao contrário de todo mundo. Temos uma reunião de avaliação do programa na terça, em que fazemos autocriticas e nos permitimos elogios também. Em seguida, vamos para uma reunião de pauta e acompanhamos as matérias que estão em andamento. Nós brincamos que o ‘Fantástico’ é um vestido de noiva, não é feito assim de uma vez, é bordado e rebordado, temos material que está em produção há meses. Na quarta-feira, gravamos os musicais, na quinta, as chamadas e acontece a reunião de fechamento, já na sexta gravamos as pílulas do programa. Aos sábados, revezamos o plantão, eu e a Maju, e no domingo o programa vai ao ar. Temos ainda os quadros de cada uma, no meu caso tenho a série ‘Mulheres Fantásticas’, que em breve terá episódios no ‘Saia Justa’, do GNT.
Quando você não está trabalhando, o que gosta de fazer no Rio de Janeiro?
Sou apaixonada pela cidade, sou brasiliense e vim para o Rio com 39 anos, adoro morar aqui, mesmo com todas as dificuldades que a cidade impõe. Eu me casei novamente na cidade e tenho meus filhos e mais três enteados no Rio, aproveitamos de diferentes formas. Costumo ir à praia às segundas, quando está mais vazia e gosto quando meu marido me apresenta pontos da cidade ainda pouco explorados e fora do roteiro, como bares de Santa Teresa e sambas na Praça da Harmonia, e espio também a programação do Circo Voador – adoro um show!
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