No Brasil há mais de uma década, o pai do Ítalo-paulistano Nino, Rodolfo de Santis, inventou sua própria cantina. E não parou nisso, ele agora desembarca suas casas em Ipanema e em outros cantos do país
Dez marcas de gastronomia, vinte anos de cozinha, um restaurante novíssimo e um a caminho na Cidade Maravilhosa, mais de 300 colaboradores, mais de uma tonelada de massa fresca, de 50 mil clientes e de alguns milhões de reais de faturamento por mês. Todo mês. Há dezenas de meses.
“Sou igual ao corpo humano, cinquenta por cento é meu coração, é a cozinha. Cinquenta por cento é minha cabeça, é o escritório, é quem manda. Sou 99% business e 1% chef”. Se as estáticas de Rodolfo de Santis parecem confusas, a aritmética não deixa dúvidas: o italiano que mudou a cena da cozinha de seu país natal deste lado do Atlântico segue avançando.
“Tem gente que acha que porque a (empresa de investimentos) XP entrou na nossa sociedade, ganhei dinheiro e não vou mais trabalhar. Eu ganhei dinheiro, mas estou trabalhando dez vezes mais e de uma forma diferente para melhorar os negócios”, desabafa. Ao que tudo indica, os sócios da investidora estão igualmente empenhados desde o aporte de R$ 100 milhões no grupo Alife-Nino – rede com 31 bares e restaurantes, todos esses sob a batuta de Rodolfo, a grande maioria em São Paulo. “Não é abrir coisa no país todo só por abrir, é investir em identidade, profissionalismo, marcas com essência e acelerar uma expansão com estrutura.”
Palavra de gestor autodidata. Na prática, a filosofia ganhou fôlego com a abertura do Aquiles, taberna de inspiração grega, em dezembro passado, e do Vito Mozzarella Bar, em março deste ano, ambos no Itaim, em São Paulo. Agora se reforça com o Nino, aberto recentemente no Rio de Janeiro e com outro daqui a um mês, em Goiânia.
Fosse pouco, antes do final do ano, nasce a versão carioca do Da Marino, em Ipanema, o Ninetto ganha seu primeiro filhote e, ao que tudo indica, no comecinho de 2023 o Giulietta (uma cozinha italiana de brasa e fogo, com foco em carnes) pega a Ponte Aérea e segue o mesmo percurso.
“Quando comecei, tinha Gero em Brasília, no Rio e em São Paulo, e vários ‘tipo’ Gero. Hoje, depois que a gente abriu o Nino, tem uma cópia, um ‘cucina’ em cada cidade do Brasil. Eu chego em um lugar e falam que fui a inspiração. Eu gosto disso. Esse é meu caminho agora.”
É mais Brasil
Sem se autoexplicar, o emigrante da Apúlia sabe que pode reivindicar a fermentação de um miolo inédito para a gastronomia ítalo-mediterrânea por aqui. Uma camada apetitosa e rejuvenescida entre os estabelecimentos italianos caríssimos e as cantinas apoiadas no legado da Mooca, do Bixiga e do Brás.
Afinal, desde sua primeira inauguração, em 2015, Rodolfo se tornou o principal “culpado” pelo alastramento de carbonaras, massas com polvo e com burrata, assim como de parmegianas mais sexys que as convencionais, caso da sua já clássica cotoletta de porco à milanesa com molho pomodoro, basílico e mozzarella.
O trajeto sem voltas tem um bocado de chão adiante. Com os novos Ninos, De Santis quer manter as boas experiências evidenciando particularidades: “Em Goiânia, pegamos o ponto de um restaurante histórico, com um jardim na frente. Vai ser uma das casas mais bonitas do grupo e vai ter de volta o primeiro menu do Nino. No Rio, é uma casa tombada na Barão da Torre, em Ipanema, e minha mãe está orgulhosa, porque Rio de Janeiro é mais Brasil.”
Apesar da divisão desequilibrada de tempo entre planilhas e panelas, o menino da comuna de Galípoli sempre dá voz ao coração. “Minha mãe é bem simples, ela e os meus dois irmãos mais novos, um de 32 e um de 28. Meu pai faleceu dois anos atrás. Ficamos muito tempo sem falar com ele. No fim, tive que me aproximar até porque ele precisava e acabou todo mundo ficando mais unido.”
Rapidamente a cabeça assume a toada. Belo, bem-sucedido e determinado, o chef empreendedor não é nem besta de dar margem para ser acusado por “white people problems”: “Antes do Nino, Ninetto era a marca que a gente ia replicar. Não ia ser um Spoleto, estaria mais para empreendimentos como os de Danny Meyer (CEO novaiorquino por trás de grifes como Gramercy Tavern e Shake Shack), mas foi o ponto onde comecei a criar. É uma casa que significa muito pela história que carrega…”
Expansão passional
Para quem não sabe, o Ninetto ocupa o ponto discreto da Tappo Trattoria, na super paulistana Rua da Consolação, nos Jardins. Cantina de charme do chef Benny Novak por quase 15 anos que, pelos idos de 2013, teve como chef de cozinha De Santis. Embora já tivesse comandado os extintos Biondi e Domenico, foi ali que começou a chamar a atenção. Reza a lenda, aliás, que de tão chamativo foi convidado a se retirar…
“No meio da pandemia, achei uma maneira de comprar o lugar sem me apresentar. Aquela coisa que a gente se permite fazer menos pelo lado de negócio, mais pelo lado pessoal, do ego”, confessa. Com tamanha carga, não combinava transformá-lo em uma marca barata para pipocar Brasil adentro.
“O Ninetto é meu refúgio. Não vou mentir e dizer que fico de uniforme no fogão, mas me vejo nele, me faz lembrar de quem sou, de quando ganhava R$ 4 mil e de onde cheguei”. Por mais empresário e virginiano que se revele, Rodolfo é de fato passional. Sem mimimi, é ambicioso também. Nessas, aos 36 anos, acredita que sua “missão está quase acabando”, mas que ainda tem muito mais a mostrar.
Foi assim que não hesitou em relativizar sua noção: a partir deste mês, “seu refúgio” ganha uma versão no Shopping Morumbi – sua empreitada inaugural na zona sul de São Paulo e, quem sabe, um test drive para exportar a trattoria a outros cantos. Junto ao Giulietta, que já tem malas prontas para desembarcar em Goiânia.
Raiz e negócios sólidos
Apesar da fase mais empreiteira do que cozinheira, cozinha para o chef é assunto sagrado. A dos programas que via na TV quando era criança; a dos restaurantes em que trabalhou sem jamais ter provado um prato; a da mãe e a da avó; a que hoje se dá ao luxo de provar mundo afora e, com todo o direito, a que combina seu talento e dedicação desde os 14 anos de idade, mesmo que sem acumular estrelas, nem premiações internacionais.
É ela também que lhe garante superar os próprios complexos: “Me dediquei 99% para construir negócios sólidos e estruturados, mas tinha minha insegurança quando o fundo de investimento entrou. Agora sinto que é uma fusão incrível, são sócios que me levaram a fazer uma faculdade na vida que não existe, a faculdade que nunca pude fazer e eles ainda me agradecem por isso.”
Há momentos, porém, em que o tal do 1% vem à tona. Com força: “Esses dias achei uma foto antiga no closet. Eu na Itália, ano 2000, com chapéu de papel e um dos primeiros pratos que fiz. Lembro do cagaço que me dava naquela época, de não ter dinheiro para as coisas, de não poder comprar o que quisesse no supermercado. Minha vida era difícil, minha família, todo o resto. Olho para aquela foto e falo: agora não chora, pedala!”. Pois é, sem tirar os olhos do retrovisor, Rodolfo pedala. Sem dó.
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