Bebel Gilberto transforma saudade em música em novo álbum em homenagem ao pai

por | ago 31, 2023 | Entrevista, Música, Pessoas, Pessoas & Ideias | 0 Comentários

A cantora e compositora Bebel Gilberto lança álbum-tributo a seu pai e sai em turnê levando a Bossa Nova a diferentes países do globo, assim como fez João Gilberto

Tudo na vida de Bebel Gilberto envolve família e música, ambos se misturam. Seu pai, o baiano João Gilberto, foi um dos criadores da Bossa Nova – gênero que provocou uma revolução na música brasileira e a projetou no mundo. Talvez o estilo musical continue o mais conhecido por estrangeiros e é, verdadeiramente, sinônimo de Brasil para muitos. João faleceu em 2019 – o universo da música perdeu um gênio, mas Bebel perdeu seu pai. Ficaram a saudade e uma extensa obra produzida pelo ícone.

Os dois eram próximos, as primeiras lembranças de Bebel remontam a ver seu pai tocar violão, aperfeiçoar aquelas canções clássicas e deixar a mágica acontecer bem diante de seus olhos de criança – que ainda não tinham a dimensão do que testemunhavam. Essas memórias todas vieram à tona com a partida de João Gilberto e, assim, era a hora de cantar e gravar novamente.

 

foto Salvador Cordaro

 

Em seu novo álbum, “João”, que chega às plataformas digitais neste mês, a cantora realiza uma homenagem à arte duradoura do artista, mas também manifesta um ato incrivelmente tocante de devoção de uma filha a seu pai. Em entrevista exclusiva à 29HORAS, Bebel Gilberto compartilha os detalhes desse processo criativo carregado de afeto. “Muitas vezes tive que parar, chorar… colocar esses sentimentos para fora e começar de novo. Tive que trabalhar duro para abraçar essa situação”, divide. Acompanhe, a seguir, os principais trechos da conversa.

Bebel, falamos em 2020 no lançamento de seu álbum “Agora”, o primeiro após a morte de seus pais. Era um ano difícil para todos nós, mas atravessamos a maré turbulenta e, três anos depois, você nos presenteia novamente com música, com um álbum dedicado a João Gilberto. Como foram os últimos anos para você? Por onde andou e com quem esteve?
Estive morando no Brasil durante a pandemia, onde tenho meu apartamento, no Rio de Janeiro. Quando tudo melhorou, voltei a Nova York. Ficamos preparando o disco ‘João’, estudando as canções e arranjos com o produtor Thomas Bartlett, nos Estados Unidos, no Reservoir Studio. É um espaço único, um estúdio lendário! Também cuidei da minha cachorrinha Ella, que vem comigo para todos os lados e é uma verdadeira companheira.

 

A cantora com sua cachorrinha, Ella – foto Vicente de Paulo

 

Em que os álbuns “João” e “Agora” se assemelham? E em que se diferenciam?
Os dois discos têm como semelhança o mesmo produtor, o Thomas, o que de uma certa forma já era também uma maneira de me comunicar com meu pai naquela fase tão difícil, que foi quando ele adoeceu e logo antes da morte da minha mãe. Eu diria que o álbum foi meio catarse naquele momento. E os trabalhos se diferenciam porque ‘Agora’ traz meus amores pelo mundo e toda bagagem cultural que carrego, há ainda bom humor, tudo isso diluído pela atmosfera dos arranjos eletrônicos. Já ‘João’ é uma homenagem a meu pai, é meu olhar sobre a sua obra.

 

Bebel com seu pai nos últimos anos de vida do ícone – foto acervo pessoal

 

Como você contou, o novo álbum foi construído ao lado do produtor Thomas Bartlett, que também esteve presente em “Agora”. Como foi trabalhar novamente com ele? Como é a criação conjunta de vocês?
Thomas é incrível, uma pessoa muito orgânica, muito artística e que confia totalmente no meu estilo musical. Ele me trata como músico também, o que me deixa muito à vontade quando quer tomar decisões em termos de arranjos, do conceito do disco, não é apenas cantar e compor. Thomas Bartlett é com certeza um dos meus parceiros preferidos, se não o favorito mesmo!

Você evitava visitar a obra de seu pai em seus projetos musicais, mas agora lança um álbum inteiro dedicado a ele. O que mudou? Por que lançar esse trabalho neste momento?
Muitos têm me perguntado o porquê de fazer apenas agora um disco sobre o meu pai, mas, na verdade, me sinto mais confiante e à vontade neste momento e, sem dúvida nenhuma, com muita saudade de meu pai, João Gilberto. Por isso quis fazer uma carta de amor e cantar as músicas que nunca pensei que um dia fosse cantar e gravar.

 

João Gilberto com Bebel, ainda bebê – fotos acervo pessoal

 

Como foi a escolha do repertório? Imagino que muitas canções carregam memórias afetivas, quais delas mais vierem à tona nessa produção artística?
Foram três álbuns que mais me inspiraram: o disco da capa branca ‘João Gilberto’, ao vivo em Montreux, com aquela gravação inesquecível do ‘Pato’; os discos antigos como ‘Chega de Saudade’ e, mais do que nunca, o ‘Amoroso’, com arranjos do Claus Ogerman. Tive que aprender tantas músicas, ouvindo-as repetidamente. Apreciava cada fraseado, buscando compreender por que ele escolhia cantar daquele jeito e a razão pela qual selecionou essas ou aquelas palavras. É um álbum-tributo, mas nele também atuo como criadora. Muitas vezes, tive que parar, chorar… colocar esses sentimentos para fora e começar de novo. Tem sido difícil. Eu lido com isso profissionalmente, como um adulto. Mas é difícil. Tive que trabalhar duro para abraçar essa situação. Meu pai e eu éramos muito, muito, muito próximos. Já se passaram quatro anos, mas eu adoraria ligar para ele e pedir conselhos. É algo que nunca vai acabar.

 

Os dois durante a infância da cantora e compositora – foto Helga Ancona

 

Os significados dessas músicas de João Gilberto mudaram ao longo do tempo para você? Como essas canções te impactaram na infância e como te atravessam hoje?
Nunca imaginei que aquilo que eu presenciava era tão importante. Para mim, era só a vida acontecendo. Acordava, levava café para ele e o ouvia tocar violão. Era normal, fazia parte do meu cotidiano. Mas adorava ouvi-lo tocar seus exercícios de aquecimento todas as manhãs. Com certeza, o significado de canções como ‘Adeus América’ mudou muito na minha cabeça, como várias outras. Acho que de tanto escutar as pessoas sempre me ligavam, mas eu não vivia tanto as letras, agora que eu amadureci finalmente entendo mais profundamente e as sinto de uma forma muito diferente.

Como é o seu processo criativo? Para além de repertórios musicais de outros artistas, o que te inspira a gravar e a cantar?
Adoro compor, acho que essa é minha maior inspiração, mas definitivamente fazer um cover de uma música que eu amo é uma delícia, adoro recriar as canções. Eu me identifico um pouco com meu pai nisso, tentando sempre dar um toque Bebel a músicas que já existiram quando eu as regravo, esse exercício todo me inspira a cantar e a gravar também.

 

João Gilberto no palco com a filha, em 1978 – foto acervo pessoal

 

Por falar em repertório, como sua mãe, a Miúcha, atravessa seu trabalho ainda hoje? O que você mais aprendeu com ela?
Acho que a mamãe realmente me ensinou a cantar, harmonizar e curtir a música de uma forma mais aberta, mais louca, sem tanta rigidez como meu pai, que era muito mais perfeccionista. Com minha mãe era diferente, ela era mais maluca como uma boa sagitariana, uma mãe nada convencional, muito animada e divertida. E amorosa do jeito dela, isso me atravessa e equilibra até hoje.

Nos próximos meses, você segue em turnê pelos Estados Unidos e pela Europa. Como esses públicos recebem a música brasileira, na sua opinião?
Lancei ‘Tanto tempo’ há mais de 20 anos, quase 25 anos, e rodei pelo mundo afora e isso me dá uma certeza de que eu tenho um público, que já está conectado comigo. Isso é a minha maior paixão e o meu maior incentivo. Aprendi muito tocando pelos lugares do mundo, com culturas diferentes, mas no fundo vejo que todos se unem por amor ao Brasil e à música brasileira.

E como é sua ligação com o Rio de Janeiro? Morando fora do país por muitos anos, o que a cidade significa para você? Por onde você passeia na Cidade Maravilhosa?
Eu adoro o Rio! Tenho uma vida pacata, gosto muito de andar pela praia, estar com os amigos, cozinhar em casa, malhar, tenho uma vida saudável, e amo estar perto da família. Mais do que tudo, curto a Ella, a minha cachorra! Realmente morando no Rio fica tudo mais fácil, tenho amigos maravilhosos da vida toda na cidade e isso sempre me traz muita tranquilidade e, sem dúvida nenhuma, uma qualidade de vida diferente do que em Nova York.

Pelo mundo afora

Bebel Gilberto roda países da Europa, Ásia e América do Norte, levando sua música em homenagem ao pai. Neste mês, a cantora passa por Montreal e Quebec, no Canadá, nos dias 7 e 9. Depois, viaja pelos Estados Unidos, fazendo shows em Seattle, Portland, São Francisco e Los Angeles, entre os dias 11 e 17 de setembro. Em seguida, Bebel se apresenta em Tóquio, Dubai, Amsterdã, Milão, Atenas, Londres, Paris, Barcelona e Madri, até o dia 27.

 

Bebel Gilberto em show no Rock in Rio, em 2011 – foto A.Paes | Shutterstock

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