Em tempos de isolamento, solidários em casa pela saúde de todos, quero sugerir que aproveitemos para ouvir de novo alguns discos fundamentais. Porque sabemos que a arte é uma ferramenta poderosa para manter a sanidade nesses dias difíceis.
O primeiro que vou indicar é o extraordinário “Amazing Grace” de Aretha Franklin, o disco de maior sucesso de toda sua carreira. Gravado em dois dias de janeiro de 1972 na Igreja Batista New Temple, em Los Angeles, o disco tem a participação do Reverendo James Cleveland – que canta e toca piano, e do Southern California Community Choir. Um clássico da música gospel, mas com aquele acento pop, soul e R&B que marcou a história musical de Aretha. Para ouvir inteirinho, você vai levar uma hora e meia passando pelas 14 faixas do disco. Se dê esse tempo. Tudo começa com “Mary Don’t You Weep”, um espiritual clássico que traz referências à história bíblica de Lazaro com mensagens de esperança e resistência.
A faixa entrega a genialidade de Aretha Franklin ao juntar o gospel ao pop registrando “You’ve Got a Friend” – sucesso de James Taylor naquele modo coro e cantora repetindo as frases da canção. Lindo! Não faltam momentos de catarse coletiva com o coro e a plateia batendo palmas e cantando junto. A faixa que dá nome ao disco é outro hino clássico e histórico, “Amazing Grace”, interpretado quase a capella com algumas intervenções do coro, do órgão e da plateia exatamente como acontece nos cultos da Igreja Batista.
E há a divina “WholyHoly”, composição de Marvin Gaye com Aretha ao piano acompanhada do coro e de sua banda. Para dar ainda mais graça à essa escuta caprichada de “Amazing Grace”, recomendo assistir ao documentário que também é cheio de histórias. Foi filmado por Sidney Pollack, mas só lançado em 2018 depois que a tecnologia permitiu acertar os problemas de som. Mick Jagger e Charlie Watts estão na plateia. Aretha tem 30 anos e está linda com suas túnicas e óculos escuros e, mais que tudo, entregue àquelas canções.
Vamos ao próximo disco, também dos anos 1970, mas brasileiríssimo. “Quem é Quem”, do mestre do balanço, João Donato. Um LP cheio de pérolas deliciosas como “A Rã”, ainda em versão instrumental (ganhou letra de Caetano Veloso depois e foi gravada por Gal Costa no excelente disco “Cantar”); “Até Quem Sabe” com letra do irmão de Donato, Lysias Enio; “Mentiras”, que tem a voz de Nana Caymmi muito jovem; e o divertido e clássico arranjo de “Cala Boca, Menino de Dorival Caymmi”. João Donato toca piano acústico e elétrico, e os arranjos são dele, de Dori Caymmi, Maestro Gaya, Laercio de Freitas e Marcos Valle. Um disco que reúne gigantes da música brasileira, para se ouvir sorrindo e ficar feliz.
Se você tem a sorte de ter esses LPs na sua discoteca ou se vai ouvir em um aparelho digital, não importa, apenas ritualize o momento. Ouça faixa a faixa. Descubra as informações a respeito, perceba as camadas de maravilhas que cada canção traz. Permita-se a distração de ser feliz aí dentro por algumas horas. Porque o mundo lá fora não está para brincadeira. Fique em casa, pelo bem do planeta. E boa escuta!
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