A nova corrente de bartenders que adapta as bases clássicas da mixologia aos elementos e combinações regionais, respeitando a sazonalidade de cada ingrediente e investindo em criações autorais
O movimento de valorização dos insumos locais não é novidade para chefs no Brasil e no mundo. Inclusive, essa é uma discussão que cada vez mais ganha adeptos, seja no universo da gastronomia, seja na coquetelaria. Percebo uma corrente de bartenders – da qual faço parte – que adapta as bases clássicas da mixologia aos elementos e combinações regionais, respeitando a sazonalidade de cada ingrediente e investindo em criações autorais.
De tanto ver e beber drinques com nomes internacionais, como Cosmopolitan, Moscow Mule, Boulevardier, a gente quase se esquece que o Brasil também tem as suas belezas no copo – e não estou falando apenas de caipirinha. Quem quiser brindar com um coquetel que seja a cara do nosso país, tem que se abrir ao amargor da jurubeba, à pungência da tiquira e ao intenso dulçor do mel de cacau. Tem, ainda, que substituir o mirtilo por seriguela e o cranberry por pitanga negra.
No Animus, restaurante da chef Giovanna Grossi em que tenho a honra de comandar o bar, resgatamos elementos que compõem a nossa história, a fim de ativar memórias afetivas e brincar com a criação de novas referências. Aprecio muito esse percurso de descobrir sabores, testar combinações, pesquisar ingredientes, escolher a partir da sazonalidade e apresentar ao brasileiro o que é nosso. Isso envolve um trabalho de formiguinha em busca de bons fornecedores locais, que toma tempo, requer um esforço extra, mas nos faz sair do óbvio.
Poderia citar aqui uma extensa lista de ingredientes e preparos pouco conhecidos pelo público geral, mas que começam a despontar em drinques de casas especializadas. Na nova carta que acabo de lançar no Animus, por exemplo, o Pacovã é feito a partir da maceração à frio da banana e da baunilha do cerrado. No coquetel Manacá, uso a uvaia em forma de purê, enquanto o Piscòn leva um concentrado com pera e poejo, que depois é clarificado em leite. Já o Maniva é à base de tiquira (destilado de mandioca ) e no Kamu extraímos o néctar do cambuci. Ou seja, aplicamos técnicas diferentes para cada insumo, justamente para alcançar os melhores resultados.
Nossa história está relacionada aos macerados de cascas, ervas e raízes,
às tinturas, às infusões, aos fermentados, aos xaropes. Temos uma indústria etílica nacional cheia de desbravadores, profissionais comprometidos, pesquisadores cuidadosos e um potencial de florescimento gigante. Depende de nós, seja na seara dos que ofertam (bares, indústria e restaurantes), seja na dos que consomem, abrir os olhos, as papilas e o coração para esses sabores, por vezes, esquecidos.
*Pedro Piton é chef de bar do restaurante Animus, em Pinheiros
0 comentários