As celebrações de fé e conexão que tomam conta do país até o final de julho se expressam lindamente na música popular brasileira
O Brasil talvez seja o lugar no mundo onde mais se mistura o pagão com o divino. Quando entramos no tema música, isso fica imenso. Lenine me contou divertidamente que, aos 8 anos de idade, assim como seus irmãos, foi chamado pelo pai em um domingo para dizer que a partir daquele momento ele poderia escolher como se comunicar com o divino: indo à missa com a mãe ou ouvindo música com o pai… o que acha que ele escolheu?
Independente da enorme fé que existe no povo brasileiro, seja ela qual for – e a escolha é livre, vale lembrar –, as festas cumprem esse papel de conexão. Pode ser em uma roda de candomblé com os tambores do ogan, pode ser nos hinos das igrejas católicas ou protestantes, pode ser em volta de uma fogueira com os pandeirões esquentando, como em São Luiz do Maranhão, e pode ser ainda em uma canção de sucesso de Maria Bethânia.
Nessa época do ano, junho, julho, as cidades do Nordeste se enfeitam e festejam São João, Santo Antônio, São Pedro e quem mais chegar. Nas cidades de pescadores, a procissão de barcos enfeitados com bandeiras vai para o mar e o padre sai junto para benzer as redes e as embarcações. Nas cidades do sertão, a fogueira não falta, nem o milho, nem as danças. O forró come solto! “Olha pro céu, meu amor, vê como ele está lindo…” canta Luiz Gonzaga.
As festas chamadas juninas acabam seguindo até o final da temporada de férias em julho. No Maranhão, a festa do Boi mobiliza todo o estado. Na capital e no interior, são muitas as celebrações e os diferentes sotaques: boi de orquestra, boi de pandeirão, boi de matraca. Zeca Baleiro é um artista maranhense que homenageia o Boi em seus trabalhos de um jeito muito bonito. Várias canções trazem o ritmo, o colorido da festa e aproximam a tradição do contemporâneo.
Um lindo exemplo é “Boi de Haxixe”, cantado por Zeca e pela mineira Ceumar em seu primeiro disco. Nos mais recentes, ela traz também o batuque e cantos para orixás como “Encantos de Sereia” do disco “Silencia” . De Minas, vem ainda Déa Trancoso, cantora e compositora do Vale do Jequitinhonha, que trouxe a congada e a folia para seus discos. Rita Benneditto, também do Maranhão, fez um disco inteiro chamado “Tecnomacumba”, que vai do tradicional tambor de criola ao ponto de Oxum. Fez imenso sucesso!
Escrevo esta coluna no dia 13 de junho cantarolando com Maria Bethânia: “Que seria de mim, meu Deus, sem a fé em Antônio…” de J. Velloso. Esse delicioso samba de roda dedicado a Santo Antônio foi lançado em uma festa em Salvador com os tambores no altar de uma igreja barroca. Uma lindíssima cerimônia!
E Gilberto Gil mistura o xote com o reggae há muitos anos e tem um disco que pode embalar seus festejos do mês sem medo de ser feliz. É o “Fé na Festa”, que resume em um título e no maravilhoso repertório o que trago para a sua leitura. Alegria é tudo que se quer e agradar os santos não custa nada. Acenda uma velinha se quiser e dance sempre como bem quiser, como dizia nossa inesquecível Rita Lee – também conhecida como Santa Rita de Sampa. Boa viagem e fé na festa!
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