Considerado um dos melhores bailarinos deste século, Thiago Soares traz para o Rio o espetáculo “Último Ato”

por | abr 28, 2023 | Entrevista, Pessoas, Pessoas & Ideias | 0 Comentários

O bailarino que já se apresentou com as principais companhias de dança do mundo, Thiago Soares traz para o Rio a sua última turnê internacional, intitulada “Último Ato”. O espetáculo brinca com a despedida, com o envelhecimento e até com a morte, mas também mostra que, na dança, ‘prazo de validade’ e ‘limite’ são palavras que não têm vez

Consagrado entre os maiores bailarinos do mundo, Thiago Soares ocupou por mais de dez anos o cobiçado posto de primeiro bailarino do Royal Ballet de Londres e já se apresentou em mais de 30 países. Nos dias 25, 26, 27 e 28 de maio, ele traz ao palco do Teatro Multiplan (dentro do Village Mall, na Barra) o espetáculo “Último Ato”, sua última turnê internacional. “É uma produção que brinca com a ironia de ser de fato uma despedida. Dizem que o bailarino tem sua primeira morte quando deixa de dançar. O espetáculo mostra que as coisas não são bem assim, que é possível ir além, se desconstruir e se reinventar, com novos formatos e novas linguagens. Hoje apenas apago uma luz para acender tantas outras”, diz.

A estreia mundial foi em Lisboa, no final de abril, e a turnê deve rodar o Brasil nos próximos meses, sempre que a agenda de Thiago permitir – afinal, atualmente ele trabalha como diretor do Ballet de Monterrey e passa a maior parte de seu tempo no México.

Thiago Soares - Foto Lina Nunes

Thiago Soares – Foto Lina Nunes

 

Nascido em São Gonçalo e criado em Vila Isabel, o interesse de Thiago pela arte surgiu aos 9 anos, quando começou a frequentar uma escola de circo. A paixão pela dança foi despertada quando ele tinha 15 anos e integrava um grupo de Street Dance. Depois de passar pelo corpo de baile do Theatro Municipal do Rio, conquistar uma medalha no Concurso Internacional de Dança de Paris e vencer o Concurso Internacional do Ballet Bolshoi, dançou com o Ballet Kirov (de São Petersburgo) e, por fim, chegou ao Royal Ballet britânico.

Agora quarentão, em um universo em que a alta performance da juventude é tão valorizada, ele investe em novos projetos – sempre ligados ao movimento e à dança. Em entrevista à 29HORAS, Thiago fala de sua volta ao Rio, de seus planos para o futuro e do filme que está sendo rodado sobre a sua trajetória. Veja a seguir os principais trechos dessa conversa:

 

ThiagoSoares - Foto Angela Zaremba

Thiago Soares – Foto Angela Zaremba

 

O espetáculo “Último Ato” está sendo apresentado como sua derradeira turnê internacional. É a sua despedida dos palcos como bailarino?
Trabalhando no México e tocando o meu estúdio de dança no Rio, eu não consigo mais me enxergar rodando o mundo com toda a estrutura que um grande espetáculo requer. É por isso que digo que esta é a minha última turnê. Mas vou seguir trabalhando como bailarino, coreógrafo, diretor… Não me vejo sem dançar.

Como foi a estreia em Portugal?
Foi muito emocionante. Nos apresentamos lá no final de abril. O Teatro Tivoli, em Lisboa, é um lugar muito especial para mim. Ele me acolheu desde que eu comecei a desenvolver projetos pessoais. A interação com o público foi linda – os portugueses amam os artistas brasileiros.

 

Thiago com o elenco da turnê “Último Ato” - Foto Lina Nunes

Thiago com o elenco da turnê “Último Ato” – Foto Lina Nunes

 

E qual a expectativa para a sua temporada carioca? Você já dançou nos principais templos do balé pelo mundo todo, mas se apresentar no Rio é diferente?
Para mim, dançar no Rio é sempre um acontecimento formidável. É o meu lugar no mundo, é onde me sinto em casa. Foi onde as danças da minha vida começaram. Voltar para cá é como fechar um ciclo, depois de rodar o mundo e passar pelo Scala de Milão, pelo Lincoln Center de Nova York, pela Royal Opera House de Covent Garden e tantos outros palcos magníficos. As minhas expectativas são as melhores possíveis. Espero que a interação com a plateia seja plena e que tenhamos noites inesquecíveis.

Neste mês de maio, você completa 42 anos, e o seu corpo é o seu instrumento. Ele ainda está tão afinado como quando você era o primeiro bailarino do The Royal Ballet, de Londres? Quais os efeitos do tempo você já percebe em seus movimentos?
Esta celebração do meu aniversário vai ser ainda mais peculiar e feliz, por causa das apresentações de ‘Último Ato’ no Rio. De fato, a maioria das carreiras na dança têm uma duração curta, e eu não tenho mais o perfil para interpretar jovens príncipes e outros personagens típicos dos balés clássicos. Mas há alguns anos eu mesmo dei início a um processo de transição, abandonando esses papéis e focando em protagonistas de outro tipo, mais apropriados para as minhas habilidades. Acredito que, quanto antes você inicia esse processo, menos doloroso, agressivo e sofrido ele será. Comigo foi assim, suave e gradual. Me sinto muito bem com o meu corpo hoje, creio estar em ótima forma. Ainda não percebo nenhuma limitação ou fraqueza. Me considero livre e estou me divertindo.

 

O bailarino Thiago Soares com sua ex-esposa, a argentina Marianela Nuñez, na montagem de 2012 de “Lago dos Cisnes”, no Royal Ballet de Londres - foto Dave Morgan | The Royal Ballet

O bailarino Thiago Soares com sua ex-esposa, a argentina Marianela Nuñez, na montagem de 2012 de “Lago dos Cisnes”, no Royal Ballet de Londres – foto Dave Morgan | The Royal Ballet

 

O balé e a dança são cruéis nessa questão da idade e da “vida útil” de suas estrelas. Mas, ao mesmo tempo em que a juventude é tão valorizada, temos também muitos e extraordinários exemplos de artistas que foram longe com a dança, como Martha Graham, Kazuo Ohno, Alicia Alonso, Ismael Ivo, Marcia Haydée… Até quando você pretende dançar? Existe um limite?
Sinceramente, eu não acredito em “limite de idade” para a dança. Todos esses artistas que você citou souberam seguir dançando até quando quiseram, criando novos formatos, novas linguagens e formas muito próprias de se expressar. É um caminho assim que eu quero trilhar. Nos últimos anos, abracei outros projetos – como o filme “Vermelho Quimera”, o trabalho como diretor do Ballet de Monterrey, a coordenação de um estúdio de dança para a formação de bailarinos no Rio – e quero ainda explorar muitas outras possibilidades. Cada artista traça as suas metas e suas rotas, com sua inteligência, suas motivações, suas particularidades.

Desde 2021, você dirige o Ballet de Monterrey, no México. Como vem sendo esse trabalho, essa nova fase?
Quando me desliguei do The Royal Ballet de Londres, recebi vários convites. Escolhi o Ballet de Monterrey porque me identifiquei muito com as propostas e os objetivos apresentados pelo comitê que decide os objetivos e os rumos da companhia. Tenho aprendido muito nessa nova missão. O trabalho do bailarino é algo muito autocentrado, quase solitário. O do diretor é o contrário – é uma ação coletiva. Ele é o maestro de uma grande orquestra, ele tem de gerenciar as propostas, as visões e as expectativas de vários profissionais envolvidos na produção de um espetáculo.

E como foi a experiência de dirigir e atuar no filme “Vermelho Quimera”, exibido em 2021 no Festival de Cannes?
Quando começamos a produzir essa adaptação de “O Pássaro de Fogo” (de Stravinsky), a ideia era fazer uma coreografia para a web, já que todos os palcos estavam fechados por causa da pandemia. Mas o projeto foi crescendo e acabou virando um filme. Para mim foi uma experiência nova e enriquecedora, pois eu atuei como dançarino, ator, coreógrafo, dramaturgo e diretor. Junto com o Oskar Metsavaht, fiz também a direção de arte, e a atriz Lana Rhodes vestiu como uma luva a sua personagem, meu par romântico na trama. O resultado ficou lindo, com uma narrativa diferente e movimentos pequenos que funcionavam como palavras. Esse trabalho me trouxe muitas alegrias e teve uma ótima receptividade – além da estreia em Cannes, foi exibido em vários outros festivais pelo mundo. Ao final, me deixou com a fome de embarcar em novos projetos audiovisuais.

 

Thiago Soares com Lana Rhodes e Oskar Metsavaht durante as filmagens de “Vermelho Quimera” - Foto divulgação

Thiago Soares com Lana Rhodes e Oskar Metsavaht durante as filmagens de “Vermelho Quimera” – Foto divulgação

 

Com “Último Ato”, você diz que está desligando uma luz para acender outras, que está apagando uma estrela para estimular o nascimento de outras. Quais são os seus projetos e planos para o futuro?
No curto prazo, vamos ficar ainda cerca de um ano e meio rodando com a turnê de “Último Ato”. No longo prazo, como já falei, eu venho trabalhando em várias novas frentes, ultimamente, e espero que apareçam ainda mais possibilidades. Adoro esse formato de bailarino-ator, gostei muito de rodar “Vermelho Quimera” e estou muito satisfeito como diretor do Ballet de Monterrey e com o trabalho que estamos realizando com o estúdio TS+Dança aqui no Rio. Gosto de coreografar, de dançar, de criar, de me lançar em novos formatos, em projetos inovadores. Essas portas que estão se abrindo para mim estão me levando por um caminho muito prazeroso. É esse o futuro que eu quero para mim.

Thiago em uma das cenas mais bonitas do espetáculo que será apresentado este mês no Teatro Multiplan - Foto divulgação

Thiago em uma das cenas mais bonitas do espetáculo que será apresentado este mês no Teatro Multiplan – Foto divulgação

 

Nos últimos anos, a cultura no Brasil foi vítima de um desmanche terrível, e os artistas foram acusados de ser aproveitadores, mercenários e parasitas de verbas públicas. Como sair dessas trevas? Como você gostaria que o povo enxergasse os artistas e as pessoas que produzem cultura?
As artes passaram por momentos muito difíceis. É inaceitável uma liderança política atacar a cultura de um país. Ninguém ganha com isso, é óbvio que vai dar errado em algum momento. O Brasil tem a cultura com sua maior voz diplomática pelo mundo e como o combustível da nossa identidade. A cultura é tão prioritária quanto a educação e a saúde – e é importante que quem dirige o país entenda isso. Quem produz cultura deve ser tão valorizado quanto um professor ou um médico. O Brasil é riquíssimo em talentos, em criadores, mas essas pessoas precisam de oportunidades. Eu sou a prova viva disso. Se não fosse a cultura, talvez eu não tivesse levado o nome do Brasil ao Royal Ballet de Londres. Se não fosse a cultura, muita gente estaria envolvida na criminalidade.

Por fim, a quantas anda o filme “Um Lobo entre os Cisnes”, sobre a sua vida e sua exitosa trajetória profissional?
As filmagens na Europa já terminaram e muitas etapas a serem feitas aqui também estão adiantadas. A equipe envolvida é fantástica: o longa é dirigido por Marcos Schechtman e Helena Varvaki, a produção é uma parceria da TV Zero com a Globo Filmes, e o ator Matheus Abreu é quem interpreta o Thiago – eu – na juventude. O filme retrata um momento muito emocionante da minha história, quando descobri a minha vocação, o meu dom. Esse longa vai ser muito importante para o jovem espectador que ainda busca um norte, que ainda não sabe o que quer e não encontrou o seu propósito. Ele mostra como essa mágica aconteceu para mim. A estreia deve ser apenas em 2024. Tive o prazer de participar de algumas filmagens e da preparação do elenco. É uma grande honra ter inspirado uma obra reveladora, potente, humana e relevante como esse filme!

 

Matheus Soares na preparação do ator Matheus de Abreu para as filmagens de “Um Lobo entre os Cisnes” - Foto reprodução Instagram

Matheus Soares na preparação do ator Matheus de Abreu para as filmagens de “Um Lobo entre os Cisnes” – Foto reprodução Instagram

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