Rio, 11 de janeiro de 1985. Faltam apenas alguns instantes para às 18 horas e, no afastado bairro de Jacarepaguá, mais de 100 mil pessoas estão prestes a viver um momento inesquecível. “Uou Uou Uou Uou Uou Rock in Rio!”, o jingle do festival é entoado por metaleiros, hippies, punks, pais e até crianças que compartilham o gramado, erguendo luvas verde-fosforescentes para comemorar o fim de tanta espera.
Há vinte minutos que um helicóptero fez uma aterrissagem arriscada, próxima ao palco, para Evandro Teixeira entrar pelos bastidores para fotografar a capa do Jornal do Brasil; a multidão, iluminada sob os holofotes, está aglomerada na Cidade do Rock desde a hora do almoço; há dias, o tempo anda nublado, a cidade cheia, o trânsito parado, os hotéis lotados e os ingressos esgotados; por décadas, brasileiros anseiam pela chance de ver ao vivo seus ídolos internacionais; e nunca antes no país houve algo assim.
A espera acabou. Pontualmente às 18 horas, Ney Matogrosso faz a abertura e, nos próximos nove dias, o Rock in Rio faria história como um dos maiores eventos de música de todos os tempos. Com um público de quase 1,4 milhão de pessoas, o festival possibilitou uma reunião até então inimaginável de bandas, ritmos e nações.
Queen, Iron Maiden, Ozzy Osbourne, Rod Stewart, James Taylor, AC/DC, Scorpions, Rita Lee, Gilberto Gil, Barão Vermelho e Paralamas do Sucesso são alguns dos nomes dessa primeira edição. “O cardápio era perfeito. Pensávamos ‘faltou fulano?’ Então, víamos na lista e não, não faltava ninguém. Naquele momento, o Brasil passou a ser a capital da música, foi algo muito bonito e colorido”, conta Orlando Brito, editor de fotografia responsável pela cobertura do Rock in Rio para a revista Veja.
Se hoje em dia incontáveis artistas internacionais de peso visitam o Brasil para se apresentar é porque o Rock in Rio abriu os caminhos para isso. “Antigamente, a imagem do Brasil era um desastre lá fora”, conta o criador do festival, Roberto Medina. Na época, a maioria das bandas se recusava a vir para cá. Havia todo tipo de preconceito quanto ao show bizz brasileiro: músicos tinham medo de terem os equipamentos roubados, produtores temiam sofrer um calote e a descrença na competência técnica dos brasileiros era generalizada.
“Demos uma aula de profissionalismo com o Rock in Rio. Mostramos para o mundo inteiro que sabíamos fazer as coisas e ainda melhor do que os outros”, relembra Medina, orgulhoso, e declara que o Brasil hoje é exportador de infraestrutura para os espetáculos no exterior. A marca Rock in Rio é um sucesso global e conta também com os festivais em Lisboa, Madrid e Las Vegas. Partindo hoje para a 19ª edição do festival, Medina se sente realizado com esse sonho.
Quando o empresário começou a vislumbrar o festival que mudaria sua vida, havia também uma motivação política por trás: ele queria fazer um evento para comemorar a liberdade que vinha com o fim da ditadura. Em 1984, o Brasil vivia o último ano do regime militar e milhões de brasileiros tomaram as ruas exigindo eleição direta para presidente. O movimento ficaria conhecido como “Diretas Já” e, apesar do alvoroço, o projeto de lei não foi aprovado. Os brasileiros tiveram que esperar as próximas eleições para eleger seu presidente, mas ainda havia esperança no ar.
“Na ditadura, a minha família passou por uma época difícil e eu queria fazer um movimento da juventude pela paz. Eu achava que tinha que comemorar e foi um movimento político […] Na minha adolescência, o rock não era música, era um comportamento, era a liberdade. O Rock in Rio nunca foi para ver essa ou aquela banda. A ideia era se juntar para fazer festa e criar um momento inesquecível na vida das pessoas”, explica Medina.
Durante o Rock in Rio, o candidato das diretas, Tancredo Neves, foi eleito por voto indireto, o primeiro presidente civil eleito após vinte anos. O fotógrafo Evandro Teixeira, que cobriu o evento e as diretas, comenta: “O Brasil precisava desse evento para mudar tudo. O regime militar estava acabando e o povo precisava de mudanças. O Rock in Rio caiu como uma luva porque todo mundo precisa de alegria e mudança, e nada como a música para entrar no coração das pessoas.”
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