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Regina Casé encanta o Brasil com seu “amor de mãe”

por | fev 1, 2020 | Pessoas & Ideias | 0 Comentários

Confundir-se com personagens de ficção é algo natural para Regina Casé. “Me confundo mesmo. Minha grande qualidade como atriz é de fato ser a Regina o tempo todo. Disponibilizo meu corpo, todos os meus defeitos, todos os meus sofrimentos, todas as minhas alegrias para meu personagem. É tudo junto e misturado, e sempre foi”, diz a atriz. É por isso que não sabemos onde termina Regina e onde começa Lurdes, a protagonista da novela “Amor de Mãe”.

Na história escrita por Manuela Dias e dirigida por José Luiz Villamarim, a atriz se entrega inteira, com todo seu talento e carisma, à essência dessa nordestina batalhadora, mãe de cinco filhos, que encabeça uma trama repleta de luta e transformação.

Após um hiato de 18 anos, Regina Casé voltou às novelas como a Lurdes, de "Amor de Mãe". Foto: João Pedro Januário

Após um hiato de 18 anos, Regina Casé voltou às novelas como a Lurdes, de “Amor de Mãe”. Foto: João Pedro Januário

Lurdes, segundo Regina, é “uma fábrica de amor”. “Ela vale mais do que mil palavras”, enfatiza. “Estou colocando todo o amor do meu coração nesse personagem. Estou buscando tudo o que eu já passei como mãe, como mulher. E todas as mulheres que fui conhecendo pelo Brasil. Os gestos, as expressões. É como se eu tivesse um tesouro guardado dentro de mim que posso levar a público”, diz a atriz, com sua intensidade peculiar. No dia em que ela recebeu a 29HORAS para bater um papo nos estúdios Globo, seu semblante, no início, parecia cansado.

Afinal, vinha emendando vários dias e noites de gravação, praticamente sem pausas. Mas foi só se sentar para falar sobre Lurdes e sua energia se acendeu, assim como o sorriso largo, uma das marcas de Regina. Vestida como a personagem, com a bolsinha a tiracolo repleta de itens essenciais – como o guarda-chuva e uma toalhinha bordada com a frase “Meu filho, minha vida” –, ela confessa a alegria de fazer novamente uma novela. “Eu não lembrava o exercício maravilhoso que é poder corrigir, diariamente, o que se fez na véspera, se assistir, melhorar. Em um filme, você filma um ou dois meses e não se vê. Na novela é diferente”, ressalta a atriz. O último folhetim em que ela atuou foi “As Filhas da Mãe”, de Silvio de Abreu, em 2001.

Outro ponto importante é a conexão com o público pela via da emoção. Algo essencial nos tempos atuais de polarização de opiniões, intolerância, pouco diálogo e escuta. Momento, segundo a atriz, de falar menos e procurar atalhos para chegar ao outro – criando pontes e não muros, como costuma dizer.

Regina Casé, como Lurdes, com sua família em "Amor de Mãe", ao lado dos atores Clara Galinari, Juliano Cazarré, Jéssica Ellen, Nanda Costa, Thiago Martins e Humberto Carrão. Foto: Divulgação

Regina Casé, como Lurdes, com sua família em “Amor de Mãe”, ao lado dos atores Clara Galinari, Juliano Cazarré, Jéssica Ellen, Nanda Costa, Thiago Martins e Humberto Carrão. Foto: Divulgação

“A dramaturgia é o melhor lugar para se estar neste momento. Você pode ter raiva de alguém, mas se a pessoa faz você rir, a raiva se quebra. Você pode estar irredutível e com os olhos fechados, mas se ela lhe provoca uma lágrima ou risada, tudo muda. Emoção, você não contém. Estou encantada com essa arma poderosíssima de chegar ao outro”, afirma.

Durante quase vinte anos, Regina planejava equilibrar seu trabalho de apresentadora com o de atriz. Nunca conseguiu. As produções como apresentadora consumiram praticamente todo o seu tempo livre, com viagens pelo Brasil. Desde “Brasil Legal” (1994), ela conduziu brilhantemente programas diversos, como “Muvuca” (1998) e “Esquenta” (2011), entre outros.

Vez ou outra conseguia encaixar, a duras penas, trabalhos na dramaturgia. No cinema, dois destaques foram “Eu, Tu, Eles”, de Andrucha Waddington (2000) e “Que Horas ela Volta”, de Anna Muylaert, em 2015, trabalhos que lhe renderam vários prêmios – nacionais e internacionais.

No ano passado, decidiu voltar aos palcos, após 23 anos, com o “Recital da Onça”, no Rio. O projeto foi dirigido pelo marido, Estevão Ciavatta, e por Hamilton Vaz Pereira, e vai rodar o Brasil tão logo se encerrem as gravações da novela.

A atriz com a família. Foto: Acervo pessoal

Mas agora quem fala mais alto no seu coração é mesmo a Lurdes, a heroína que saiu do Rio Grande do Norte para procurar o filho, vendido pelo marido a uma traficante de crianças do Rio de Janeiro, e foi trabalhar como babá na casa da advogada Vitória, vivida por Taís Araújo. “A compensação maior é representar, no sentido mais amplo da palavra, tantas mulheres guerreiras que chefiam seus lares sozinhas”.

Mãe de Benedita Casé Zerbini, de 30 anos, e de Roque, de seis anos, a carioca Regina Casé conta que conversou bastante com os filhos e com o marido antes de assumir a sua Lurdes. O tempo para a família tem sido pequeno, mas ela lembra que é um período, e que está sendo “muito bonito e compensador”.

E o que a atriz tem em comum com a personagem? “Sou uma ótima mãe. Encho a boca para dizer isso. Minha filha, que já é mãe (de Brás, de dois anos), me reconhece como uma ótima mãe, o que é a maior alegria da minha vida. Eu achava que não seria boa mãe. Sempre me interessei mais pelo trabalho, por viajar, do que pela maternidade. Mas tenho uma história de aprendizado e agradeço muito à Benedita. Não conheço uma única pessoa que não seja apaixonada pela minha filha”.

Regina Casé

Elenco do filme “Eu, Tu, Eles”. Foto: Divulgação

Essa mãe e avó coruja vive uma das melhores fases de sua carreira. O filme “Três Verões”, de Sandra Kogut, que teve sua estreia mundial no Festival de Toronto, rendeu à Regina o prêmio de Melhor de Atriz no Antalya Golden Orange Film Festival, na Turquia, e o prêmio Redentor de Melhor Atriz do Festival do Rio.

No longa, previsto para estrear no dia 19 de março em circuito nacional, Regina é Madá, uma caseira que comanda uma equipe de empregados na mansão de uma família – e que tem a vida afetada pelo envolvimento de seus patrões nas investigações da Lava Jato.

Ela diz que quem viu a Val em “Que Horas ela Volta” e está acompanhando a Lurdes, em “Amor de Mãe”, encontrará em Madá uma personagem completamente diferente, cheia de nuances. Sandra Kogut é amiga de longa data e dirigiu Regina em “Brasil Legal” e no curta “Lá e Cá”, nos anos 1990.

Regina conheceu, ao longo da sua história, dezenas de mulheres como Val, Lurdes e Madá – em especial quando viajou pelo Brasil com seus programas –, mas não se acostumou a vê-las na tela. “Isso me motivou a querer devolver a essas mulheres tudo o que elas deram ao Brasil até hoje”, observa.

De certa forma, a atriz vem fazendo exatamente isso ao longo da vida: sendo ponte, dando visibilidade a temas e a pessoas “invisíveis”.

Regina Casé

Regina Casé no grupo de teatro Asdrubal Trouxe o Trombone, no anos 1970. Foto: Divulgação

“Acho que ainda há muito a ser conquistado não só pelas mulheres, mas pelas minorias que são invisibilizadas. Mas uma coisa eu sinto: antes, eu precisava falar ‘olhem pro Mumuzinho, pra Ludmilla, quanta coisa acontece culturalmente na periferia’. Eu tinha que iluminar essas pessoas. Foi um trabalho braçal, durante anos. Hoje, vejo a representatividade de negros nessa novela, por exemplo. Dois negros advogados discutindo um caso sem que isso tenha uma explicação. Como mãe de um menino negro, acho importante”.

Seu sonho é continuar sendo ponte entre classes sociais, diferentes religiões – ela se define ecumênica – e diferentes posições políticas. Mas sem precisar falar pelas pessoas. “Que elas tenham voz própria”, defende Regina Casé, que vem fazendo história desde que começou nos palcos, nos anos 1970, com o grupo Asdrubal Trouxe o Trombone.

Para Regina, que completa 66 anos neste mês, é uma grande vitória poder tornar protagonistas mulheres do povo. E, sem dúvida, é um grande deleite para todos acompanhar esse fabuloso trabalho.

5 perguntas para Sandra Kogut, diretora de “Três Verões”

Sandra Kogut. Foto: Divulgação

Como é trabalhar com a Regina?

Ela é uma grande atriz, muito talentosa, e tem uma maneira de trabalhar que vai muito ao encontro do que me interessa. Nos meus filmes anteriores, trabalhei principalmente com não atores, pois me atrai essa naturalidade.

Como nasceu a personagem Madá?

Há anos eu queria fazer um filme com Regina. Surgiu o momento certo e a Madá, que se confunde com personagens anteriores que ela fez, é bem diferente porque está entre dois mundos. É empregada dos patrões e é a patroa dos empregados. É um personagem emblemático, que está ali se virando, fazendo mágica para dar um jeito na vida. São os personagens que eu acho mais comoventes.

Do que trata o filme?

O filme fala desse projeto neoliberal de sociedade, em que todo mundo quer ser patrão. Tudo é negócio e se transforma em produto para vender. É cada um por si, tudo o que é coletivo desmorona. O Brasil retratado nesse filme é o Brasil do momento exatamente anterior à ruptura que veio com a eleição de Jair Bolsonaro, entre 2015 e 2017. O filme surgiu do desejo de falar desse momento do país.

Como Regina contribuiu para a Madá?

Ela traz muito para o personagem. E, ao mesmo tempo, delega muito também. No cinema, o diretor é a única pessoa que vê o todo. E isso é interessante: um projeto coletivo, cheio de mentes criativas colo cadas juntas, mas cada um cuidando do seu, puxando para si. Essa tensão faz a riqueza de um filme. Por isso é importante uma relação antiga, de confiança, como a nossa. Regina tem uma riqueza emocional gigantesca, raríssima, espetacular. Tem uma compreensão dos personagens, das situações, uma inteligência única, uma capacidade de observação gigante. E uma capacidade de fazer tudo sem preconceitos, sem julgar, com muita verdade. A Regina é espetacular. E olha que já trabalhei com ela algumas vezes, mas nessa filmagem não cansei de me encantar.

Como vai a carreira internacional de “Três Verões”?

Muito bem! Existe algo de universal que funciona muito bem. Vem da qualidade humana da história, da interpretação, do trabalho coletivo. E o assunto ecoa em muitos países no mundo, como na Turquia, onde ouvi que o filme deveria ser obrigatório por lá. Tanto pelo lado do projeto neoliberal e dos escândalos de corrupção, quanto pelo lado humano. Em Cuba, na Turquia e nos Estados Unidos, as pessoas se encantam com os personagens, com a história, com a interpretação da Regina. O filme tem uma carreira intensa de festivais internacionais daqui para frente e será lançado nos cinemas na França no início de março, um pouco antes do Brasil, que é dia 19. É só o começo. Depois, ele irá para outros países.

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