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Especial Brasil-Japão: A história dos 110 anos da imigração

por | jul 11, 2018 | Cultura | 0 Comentários

Descendo a Rua São Joaquim a caminho da Sociedade Brasileira de Cultura Japonesa e de Assistência Social, o Bunkyo, algumas coisas passam pela cabeça. A primeira e mais visível são as luminárias japonesas do bairro da Liberdade. A segunda, são os pensamentos.

Nós paulistanos estamos tão acostumados com a cultura nipônica que às vezes não percebemos o quão fantástico é ter essa presença em nossa cidade. Ainda na própria Rua São Joaquim: você sabia que ali, descendo apenas alguns quarteirões da estação de metrô que leva o mesmo nome da rua, você encontra um templo budista? E descendo mais um pouco se chega à Rua Galvão Bueno, que leva até a Thomaz Gonzaga, rua esta que rendeu uma matéria neste especial dedicada apenas à sua riqueza gastronômica.

É simples, mas poderoso: quase que inconscientemente o pedestre entra em um novo mundo, em um microcosmo no centro de São Paulo, um pedaço do Japão.

Quem recebeu a 29HORAS no Bunkyo foi a senhora Célia Abe Oi, Coordenadora de Comunicação. Jornalista e historiadora, Célia atuou entre 1998 e 2007 como diretora executiva do Museu Histórico da Imigração Japonesa. Hoje, aos 68 anos, ela cuida da assessoria da entidade. Simpática, de cabelos curtos e óculos ovais, fala sorrindo sobre o aniversário de 110 anos da imigração japonesa.   

“Mais do que qualquer coisa, essa é a hora de celebrar”, ela frisa. “A palavra que define esse momento é “kansha”, gratidão em japonês. Gratidão com os pioneiros, que graças ao seus trabalhos deixaram uma imagem positiva dos japoneses aos brasileiros. E gratidão também pelo Brasil, que permitiu que os imigrantes construíssem suas vidas aqui”.

O navio Kasato Maru, que trouxe os primeiros imigrantes. / Crédito: Acervo do Museu Histórico da Imigração Japonesa no Brasil

Ela lembra, claro, que no começo nem tudo eram flores. O Japão de meados do século XIX era totalmente diferente do Japão que conhecemos hoje: um país fechado, feudal e com uma população empobrecida. Com o início da era Meiji, em 1868, começa a abertura e a modernização do país.

Uma das medidas adotadas pelo governo foi estimular a emigração de japoneses, inicialmente para o Havaí e depois para os EUA, Canadá e Peru. Enquanto isso, no Brasil, o fim da escravatura e a expansão da cafeicultura no final do século XIX trazem crescentes necessidades de mão de obra imigrante. Assim, no início do século passado, os dois governos estabelecem um acordo que traria trabalhadores japoneses para os cafezais do Brasil.

Foto dos imigrantes da província de Kagoshima em visita ao templo Suwa, em Kobe, antes da partida /Crédito: Acervo do Museu Histórico da Imigração Japonesa no Brasil

Os primeiros que vieram, no navio Kasato Maru, traziam consigo o espírito “dekassegui”. O termo vem da união de dois verbetes da língua japonesa que significam “sair” e “ganhar dinheiro”. Então podemos entender isso como “sair em busca de enriquecimento” ou “trabalhar distante de casa”.

“Eram pessoas que buscavam condições melhores. O Japão passava por uma fase difícil e as propagandas do governo mostravam o Brasil como um país de oportunidades. Então, a ideia inicial era enriquecer para depois retornar ao Japão. Eles não pensavam em se fixar por aqui”. 

Quando o Kasato Maru ancorou no Porto de Santos em 18 de junho de 1908, as 167 famílias de japoneses encontraram um lugar muito diferente do que prometia toda aquela publicidade. Primeiro, havia a dificuldade linguística. Depois as diferenças na alimentação, na religião, nos costumes, no clima e, pior, o preconceito e a exploração que sofriam. O contrato de trabalho dos fazendeiros era desfavorável às famílias, que iam aos poucos perdendo a esperança de retornar ao seu país de origem.

Imigrantes trabalhando em cafezal/ Crédito: Acervo do Museu Histórico da Imigração Japonesa no Brasil

No entanto, eles enfrentaram as adversidades e muitos conseguiram prosperar. “A primeira coisa que os europeus fazem quando chegam em um novo país é construir igrejas – já os japoneses fazem associações”, brinca Célia.

Assim surgem as primeiras associações, responsáveis pelas atividades econômicas, sociais, de educação e de relações com o Japão. 

Em 1939 eclode a Segunda Guerra Mundial e, com a entrada do Brasil no lado dos Aliados em 1942, a relação diplomática com o Japão é rompida. O presidente Getúlio Vargas proíbe o uso da língua japonesa e as manifestações culturais nipônicas passam a ser consideradas ações criminosas. As entidades são dissolvidas. Esse é conhecido como o período branco: torna-se proibida a entrada e a saída de japoneses do país.

“Existe uma grande tragédia com o final da Segunda Guerra”, reflete Célia. “O Japão fica reduzido às cinzas e isso muda por completo a filosofia dos imigrantes. O espírito dekassegui, de retornar à terra natal, some. Os imigrantes então começam a ver o Brasil como um lugar para recomeçar a vida”.  As relações com o governo japonês se estabilizam e o fluxo de imigrantes volta a crescer. Neste período, além das lavouras, muitos japoneses buscavam as grandes cidades para trabalhar na indústria, no comércio e no setor de serviços.

Hoje percebemos o impacto da imigração japonesa no Brasil: temos a maior população de japoneses fora do Japão. Estima-se que a comunidade nikkei (japoneses e seus descendentes) aqui conte com cerca de 1,9 milhão de pessoas. A maior concentração é em São Paulo, mas estados como Paraná, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Goiás e Pará têm também seu percentual.

Célia reflete sobre o legado dos japoneses no Brasil, que engloba as mais variadas áreas. “Acho que a primeira é a herança agrícola. Os japoneses aperfeiçoaram as técnicas de cultivo e hoje vemos que o Brasil está entre os maiores produtores de soja, por exemplo. No esporte, os brasileiros abraçaram o judô, que começou a ser lecionado em muitas escolas. Nos anos 80 vimos um boom da cultura japonesa, com a culinária, os mangás e animes. No final de tudo, acho que o Japão ficou bem mais acessível”. Sim, certamente o Japão está mais perto de nós.

Para mergulhar na cultura japonesa

Pavilhão Japonês: 

Inaugurado em 1954, o Pavilhão Japonês é um espaço dentro do Parque Ibirapuera inspirado no Palácio Katsura, em Kyoto. Lá o visitante pode apreciar um belo jardim, além de conhecer um pouco mais sobre o Japão.

Aberto às quartas-feiras, sábados, domingos e feriados

Parque Ibirapuera – portão 10 (próximo ao Planetário e ao Museu Afro Brasil), tel. 5081-7296.

Museu Histórico da Imigração Japonesa no Brasil:

O museu ocupa o 7º, o 8º e o 9º andares do prédio do Bunkyo. Tem um acervo de mais de 97 mil itens pertencentes aos imigrantes japoneses, desde documentos, fotos e jornais até discos, quimonos, utensílios domésticos e de trabalho. Um belo legado dos imigrantes no Brasil.

R. São Joaquim, 381, Liberdade, tel. 3209-5465

Japan House:

Crédito: Rogério Cassimiro

Aberta em maio de 2017, apresenta aos visitantes uma perfeita tradução do Japão do século XXI sem esquecer suas raízes e tradições, combinando arte, tecnologia e negócios como forma de reforçar a ponte entre os dois países. Até 30/09, o espaço está com a exposição interativa e sensorial “Aromas e Sabores”.

Av. Paulista, 52, Bela Vista, tel. 3090-8900

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