Atração turística da cidade e adorado ponto de encontro, o Parque Ibirapuera completa 70 anos como um verdadeiro centro de difusão cultural e ambiental
Uma das regiões consideradas mais bonitas de São Paulo já foi uma área alagadiça e pouco aproveitada. De origem tupi-guarani, Ibirapuera (“Ypy-ra-ouêra”) significa supreendentemente “pau podre”. Vislumbrar um projeto de um enorme parque no bairro poderia soar loucura até a década de 1950. Mas superar o comum e materializar ideias recheadas de ousadia e autenticidade era o que os arquitetos modernistas sabiam fazer de melhor.
Concebido por Oscar Niemeyer, Ulhôa Cavalcanti, Zenon Lotufo, Eduardo Kneese de Mello, Ícaro de Castro Mello, além do paisagista Augusto Teixeira Mendes, o Parque Ibirapuera foi inaugurado em 21 de agosto de 1954 como um marco na comemoração dos 400 anos da cidade e representava um espaço inovador de lazer e cultura para os paulistanos. Sete décadas depois – com uma área de 1.584 mil m² – o local recebe mais de 18 milhões de visitantes a cada ano e é tombado pelo Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo (Conpresp) e pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo (Condephaat).
Abrigadas entre o verde, Niemeyer também criou diferentes estruturas icônicas para o parque, como o Pavilhão da Bienal, o Auditório Ibirapuera, a Oca e o Museu de Arte Contemporânea. Hoje, essas obras são exemplos notáveis da arquitetura moderna brasileira e atraem visitantes interessados na história e na estética do período.
“O projeto urbanístico do Parque Ibirapuera enfrentou inúmeros desafios, desde sua concepção até a implementação, e ao longo de toda a sua trajetória. A história do parque compreende um período que vai da euforia pelo desenvolvimento do pós-guerra, ao qual a arquitetura moderna se encaixou, ao desencanto por este mesmo ‘desenvolvimento’ que vivemos nos dias de hoje”, explica a arquiteta e museóloga Fernanda Curi, que já atuou como pesquisadora do Arquivo Histórico Wanda Svevo da Fundação Bienal de São Paulo.
O Ibirapuera teve como referências parques americanos e europeus, como o Central Park e o Flushing Meadows, em Nova York, o Bois de Boulogne, em Paris, e o Hyde Park, em Londres. Entretanto, há diferenças importantes entre as inspirações estrangeiras e a realidade da versão brasileira, que reflete contextos históricos e econômicos aprofundados por São Paulo. “O parque foi concretado e rodeado por edifícios, túneis e avenidas, reforçando o domínio do construído sobre o natural, do transporte individual motorizado sobre o transporte público e a mobilidade sustentável.”
Mesmo assim, o coletivo se impõe e notavelmente abraça o “Ibira” – como é conhecido pelos paulistanos. Visitantes se deslocam de diferentes regiões da cidade, do estado e do país para aproveitar o oásis verde todos os dias. “É um dos poucos espaços na capital onde se observa um convívio relativamente harmonioso entre diferentes classes sociais e faixas etárias, uma vez que o lugar oferece possibilidades culturais, esportivas e de lazer que são acessíveis a todos, o que promove a inclusão social e a interação entre diversas comunidades.”
Para a arquiteta e museóloga, a revitalização e a integração das áreas verdes e culturais são essenciais para consolidar o papel do parque como um verdadeiro centro de difusão cultural e ambiental, permitindo que renasça aos 70 anos como um espaço mais relevante e adaptado às necessidades atuais. “O futuro do Ibirapuera dependerá das escolhas feitas hoje”, enfatiza.
Biodiversidade na metrópole
Segundo a empresa Urbia Gestão de Parques – agora responsável pela administração do parque – o Ibirapuera abriga 314 espécies de animais que dividem espaço com milhares de usuários; a sua fauna comporta 44 borboletas, 10 peixes, nove répteis (cágados, tigres-d’água e serpentes), um anfíbio, mamíferos (incluindo morcegos e gambá-de-orelha-preta) e cerca de 200 espécies de aves. Entre essas, destacam-se: sabiás, joão-de-barro, canário-da-terra e pintassilgo, bandos de papagaios, maracanãs e periquitos.
Ao caminhar pelo parque, é possível ainda observar beija-flores, pica-paus, pombos silvestres e papa-moscas, além de aves migratórias. E um atrativo são as aves aquáticas, como as elegantes garças e os graciosos marrecos e mergulhões. “Trata-se de uma grande área verde localizada no centro de uma das maiores cidades do mundo, cumprindo um papel relevante para a manutenção da qualidade de vida da população”, afirma Juliana Gatti, pesquisadora e fundadora do Instituto Árvores Vivas.
O fato de ser um dos poucos parques com um cardápio impressionante de atividades culturais, esportivas, gastronômicas e sociais, gera também uma grande ocupação de visitantes e frequentadores, o que deve ser visto com atenção para a proteção da fauna e da flora locais. “O parque possui um acervo impressionante de espécies de todo o mundo e de diferentes biomas brasileiros. Conhecer, visitar, observar e apreciar a beleza das plantas e dos animais do Ibirapuera é um passeio único e muito valioso, que requer a conscientização coletiva.”
Para Juliana, é importante manter a sustentabilidade no pilar econômico do parque. “Destaco o planejamento e a implementação de estratégias para a gestão de resíduo do Ibirapuera, que já foi iniciada, e é importante apontar que ainda existe uma oportunidade grandiosa em relação ao resíduo compostável. Lembro também que é essencial criar caminhos para que equipamentos e serviços atendam de forma igualitária as pessoas com deficiência, contemplando suas necessidades e viabilizando acesso de forma justa”, reforça.
Percepções e sentidos no verde
Localizado dentro do Ibirapuera, o edifício do Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM) foi adaptado por Lina Bo Bardi e conta, atualmente, com salas de exposição, ateliê, biblioteca, auditório, restaurante e uma loja. Os espaços do museu se integram ao Jardim de Esculturas, projetado por Roberto Burle Marx.
Até setembro, o MAM apresenta para o público quatro exposições que reúnem obras de artistas do Piauí, Pará, São Paulo e dos Estados Unidos. Em cartaz estão as mostras “George Love: Além do Tempo”, na Sala Milú Villela, “Santídio Pereira: Paisagens Férteis”, na Sala Paulo Figueiredo, “Rodrigo Sassi: Rizoma”, no Projeto Parede, e “Emmanuel Nassar: Lataria Espacial”, na Sala de Vidro. Após o encerramento das exposições, o museu fechará temporariamente suas instalações para a reforma na Marquise.
Já o Museu Afro Brasil, no Pavilhão Padre Manoel da Nóbrega, reúne um acervo com mais de oito mil obras, entre pinturas, esculturas, gravuras, fotografias, documentos e peças etnológicas, de autores brasileiros e estrangeiros, produzidos entre o século 18 e os dias de hoje. Em agosto, estão em cartaz as exposições temporárias “Artistas Contemporâneos do Benim”, “As Vidas da Natureza Morta”, “Entre Linhas – Aurelino dos Santos e Rommulo Vieira Conceição” e “Wagner Celestino – Caminhos do Samba”.
Também neste mês, o Pavilhão Lucas Nogueira Garcez, popularmente conhecido como Oca, recebe a exposição imersiva “Harry Potter: The Exhibition”, que explora os bastidores, personagens, cenários e figurinos da saga inglesa e que já rodou diferentes cidades no mundo. Os ingressos começam no valor de R$ 50 (meia) pelo site Eventim.
Fora dos limites do parque, o MAC USP possui uma das maiores coleções de arte contemporânea da América Latina, com obras de artistas brasileiros e internacionais. O museu oferece exposições permanentes e temporárias, programas educativos, seminários e outras atividades culturais. E inaugurado em 2018 na cobertura do MAC, o restaurante Vista Ibirapuera evidencia a gastronomia brasileira sob o comando do chef carioca Pedro Oliveira. No menu, destacam-se as suculentas picanha de cordeiro com purê de castanha de caju e a costela suína crocante, servida com canjiquinha cremosa, legumes grelhados, couve crespa e glace com tucupi e limão.
Dos mesmos sócios – mas para quem quer se deliciar sem sair do Ibira – o Selvagem apresenta um amplo espaço com 660 metros quadrados, divididos entre a cozinha, bar e salão em forma de terraço aberto, disposto em 360°, oferecendo uma vista panorâmica dos arredores do parque. Por lá, o chef Filipe Leite também explora sabores brasileiros, dando ênfase a ingredientes sazonais e pequenos fornecedores.
Sob nova gestão
Parque Ibirapuera está sob nova administração desde outubro de 2020. A concessão tem duração de 35 anos e teve ganho estimado em mais de R$ 1,6 bilhão aos cofres públicos. A empresa responsável é a Urbia – Gestão de Parque que atua, também, na gestão do Horto Florestal e Parque da Cantareira e nas áreas de visitação dos Cânions Fortaleza e Itaimbezinho, no sul do país. Em entrevista à 29HORAS, a comunicação da empresa destacou reformas iniciadas e melhorias em andamento no parque.
Quais são os principais desafios na manutenção e conservação do Ibirapuera?
Em busca de atender às necessidades do público, manter o espaço conservado e oferecer uma infraestrutura de excelência, criamos um modelo de negócios inovador, que viabilizou melhorias aos visitantes do Ibirapuera que, hoje, encontram um parque com área verde e permeável maior, com estrutura de quadras esportivas renovadas, banheiros públicos modernos e limpos, com melhor prestação de serviços e mais opções de lazer.
Como a Urbia lida com questões ambientais e de sustentabilidade dentro do parque?
Um dos nossos primeiros passos foi criar um plano de ações de sustentabilidade. A partir disso, o Projeto Eco 360 foi desenvolvido e vem sendo colocado em prática, com diversas iniciativas de preservação do meio ambiente e atividades de educação ambiental.
Desde o início da concessão, milhares de toneladas de resíduos recicláveis e não recicláveis foram coletados. E, hoje, todo o material tem como destino a Central de Reciclagem, criada em conjunto com a Braskem, que garantiu que o Ibirapuera antecipasse seu planejamento em dois anos e conquistasse, em 2023, o título de ser um parque Aterro Zero. Em todo o parque há, também, 500 pares de lixeiras com informações sobre quais materiais, recicláveis ou orgânicos, podem ser descartados nelas. Além disso, houve a instalação de 15 coletores dedicados somente a resíduos recicláveis no Ibirapuera.
Quais foram as reformas e melhorias já entregues?
Hoje, o parque conta com um Cachorródromo, considerado o maior espaço a céu aberto da América Latina dedicado a cães. Com 9 mil metros quadrados e funcionamento diário, o local tem infraestrutura completa, é cercado e a entrada é gratuita.
Também criamos o Ibirabike e o Ibirabike Kids – serviço de aluguel de bicicletas para adultos e crianças, com opção de carrinho baby, para que as famílias aproveitem ao máximo o passeio no Ibirapuera. Em busca de tornar a experiência ainda mais fácil e completa, instalamos totens de autoatendimento para locação dos modais e lançamos um aplicativo para agilizar o pagamento e reduzir filas.
E os projetos futuros?
Sem dúvidas, uma das entregas mais esperadas pelos frequentadores do Ibirapuera é a Marquise, símbolo arquitetônico da cidade e ponto de encontro saudoso dos paulistanos. O espaço, projetado por Oscar Niemeyer, está em obras após a Urbia ter sido contratada pela Prefeitura de São Paulo para requalificar a edificação. A reforma do espaço entrou como um aditivo ao contrato de concessão. Outra obra que está caminhando é a da Serraria, localizada próxima à Praça Burle Marx. O local é bastante utilizado para práticas esportivas e conta com a presença frequente de grupos de aula de ginástica, ioga e outras atividades voltadas à saúde.
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