Marco Nanini encena peça “Traidor”, de Gerald Thomas, e reflete sobre seus 50 anos de carreira

Marco Nanini encena peça “Traidor”, de Gerald Thomas, e reflete sobre seus 50 anos de carreira

Em cartaz no Teatro Antunes Filho, no Sesc Vila Mariana, com o espetáculo “Traidor”, dirigido por Gerald Thomas, Marco Nanini reflete – no palco e nesta entrevista – sobre esse momento pré-apocalíptico que vivemos, mas sempre com a leveza, a emoção e o humor que lhe são peculiares

Na estreia do espetáculo “Traidor”, em novembro, Marco Nanini tropeçou em uma das pedras do cenário, caiu e machucou o nariz, que pôs-se a sangrar abundantemente. A apresentação no teatro do Sesc Vila Mariana foi suspensa e, depois de 20 minutos de atendimento médico, o ator voltou ao palco para terminar a peça. Ao final, foi ovacionado de pé não só por seu talento, mas também por causa de sua garra e sua devoção à sagrada arte do teatro. Um reles calhau cenográfico jamais seria capaz de deter esse gigante ator, que em 2023 está completando 75 anos de vida e 50 de carreira!

 

foto Carlos Cabéra

 

E a plateia paulistana mostrou que se emociona, sim. Ainda mais quando está diante desse fera nascido no Recife e radicado no Rio desde o final da década de 1960, dono de um currículo eclético e recheado de sucessos – seja na TV (onde atuou em dezenas de novelas e, entre 2001 e 2014, brilhou como o Lineu da sitcom “A Grande Família”), no cinema (em produções como “Carlota Joaquina” e “O Bem Amado”) ou no teatro, em comédias como “Doce Deleite” (com Marília Pêra) e “O Mistério de Irma Vap” (contracenando com Ney Latorraca e dirigido por Marília Pêra, ela de novo!) ou em dramas como “ O Burguês Ridículo”, de Molière, e “A Morte do Caixeiro Viajante”, de Arthur Miller .

“O Nanini é o ator mais intenso que eu conheço. Como dirijo em pé, a um metro de distância, sinto cada respiração dele. Depois, chego no hotel e continuo ouvindo a sua voz. Que prazer é escrever para ele e dirigi-lo. Ter Marco Nanini pela frente é tudo”, celebra o diretor. Em entrevista à 29HORAS, Nanini fala de seu ofício, das redes sociais, da miséria e de aquecimento global. Confira essa conversa nas páginas a seguir!

Em maio, você completou 75 anos de idade e mais de cinco décadas de carreira como ator, mas nem a pandemia te impediu de lançar uma biografia (“O Avesso do Bordado”), fazer cinema (“Greta”), TV (a série “João Sem Deus” e uma participação em “Sob Pressão”), teatro filmado (“Cadeiras”) e agora um espetáculo presencial. Você cuida da sua saúde para trabalhar ou o trabalho que é a sua “receita de longevidade”?
A pandemia realmente foi um período difícil para todo mundo. Depois daquele pesadelo inicial, fiz o “Sob Pressão” e o “João de Deus”, que estão disponíveis no streaming. E conseguimos filmar “As Cadeiras” naquele momento em que tudo estava sem horizonte algum para a cultura, sem vacinas… E fomos filmar, seguimos todos os protocolos, o Nando (Fernando Libonati, diretor de ‘As Cadeiras’, meu sócio na produtora Pequena Central e produtor de todos os meus espetáculos) organizou uma maneira de ensaiar e filmar de uma forma em que ficamos completamente isolados, em uma espécie de bolha. Tudo isso foi também um jeito de conseguir seguir trabalhando e fazendo teatro da forma que era possível naquele momento. O trabalho nos dá esse oxigênio, mas é claro que comecei a cuidar mais da saúde, fazer exercícios, parei de fumar há sete anos e hoje cuido da alimentação, não como mais carne de origem alguma. E o processo do teatro, com ensaios, temporada, nos faz ter uma rotina, é preciso estar preparado para enfrentar tudo isso aos 75 anos.

 

Em uma cena da minissérie “João Sem Deus” – foto Mariana Cladas

 

O que te dá mais prazer no teatro, no cinema e na TV? Você tem preferência por alguma dessas formas de expressão? Você acredita que as mídias sociais “estragam” os espectadores e os afastam das salas de espetáculo ao viciá-los em histórias curtas e sem profundidade? Tem gente hoje que acha longuíssimo um episódio de série com 50 minutos…
Cada veículo tem os seus códigos, a sua graça e o seu jeito de fazer bem específico. O “Greta”, que você mencionou, foi rodado em Fortaleza, com uma equipe pequena e amorosa, enquanto outros trabalhos de TV são feitos em grandes estúdios, com um time enorme, um elenco imenso, como o de uma novela. O teatro já traz um processo artesanal, em que a gente consegue se dedicar a estudar cada intenção, cada frase. Meses de ensaio. Com “As Cadeiras”, tivemos um processo de teatro, mas que foi filmado. Foi uma experiência muito interessante! Eu gosto de transitar entre todas essas mídias e descobrir o prazer de atuar em cada uma. Sobre as redes sociais: hoje em dia tenho um Instagram, mas gosto de ver vídeos de natureza, animais e crianças. Gosto de YouTube e faço muita pesquisa por lá. Cada meio tem o seu público também. Acredito que trabalhos de duração mais longa encontrem o seu público, tem filmes e peças de longa duração que fazem sucesso mesmo nesse mundo tão veloz e hiperconectado de hoje.

Com Gerald Thomas, você já fez “Um Circo de Rins e Fígados” e agora se uniu novamente a ele para criar “Traidor”. Dá para dizer que a Marília Pêra foi a sua grande parceira nos tempos em que você focava mais nas comédias e que o Gerald é o seu maior parceiro agora que você se dedica mais a textos dramáticos?
O texto do Gerald tem muito humor, já tinha no “Circo” e agora no “Traidor” também tem. A Marília foi realmente uma parceira em espetáculos de comédia inesquecíveis e na TV, assim como outras atrizes com quem trabalhei muito, como a Marieta, minha companheira nos quatorze anos de “Grande Família” e com quem já dividi o palco diversas vezes. E o Guel Arraes é outro parceirão, com quem já fiz teatro, TV e cinema. Quando me dei conta, o espetáculo anterior com o Gerald já tinha 18 anos –eu achava que tinha sido ontem! Nesse intervalo, a gente continuou se falando, se encontrando e até planejando outros trabalhos juntos, mas que acabaram não saindo, como um filme e uma outra peça. Dessa vez, o processo foi parecido com o do “Circo”, ele mandava e-mails diários com o texto que ia escrevendo e trocávamos impressões, foi uma construção longa, entre o final do ano passado e o início deste.

 

Com Marília Pêra no pôster da comédia “Doce Deleite” – foto reprodução

 

Em “O Traidor”, seu personagem é um camarada atormentado e cheio de angústias, medos e crises de identidade. É a vida contemporânea que enche o planeta de gente assim?
Na peça, meu personagem está inquieto, emenda assuntos e frases que aparentemente não fazem sentido, quase como um esquizofrênico ou alguém que está enlouquecendo nesse mundo de hoje. O personagem tem meu nome e, para o Gerald, representa uma soma de todos os atores do mundo, mas também dialoga com coisas que eu já fiz, como o próprio “Circo”. E tudo naquele exercício de estilo do Gerald, que mistura assuntos contemporâneos, tem uma série de citações e referências. É um espetáculo que fala muito mais da vida do que da morte. Ainda que a seja sobre a vida nesse mundo de hoje, repleto de problemas. O texto diz que pelo menos não estamos queimando nas fogueiras – o aquecimento global está aí, mas com a “vantagem” de que o calor é para todos. Tem uma visão apocalíptica de que estamos em um momento muito complexo para o mundo e para a humanidade, mas com algum humor, com um olhar que não é trágico.

 

Nanini com Gerald Thomas nos ensaios de “Traidor” – foto Instagram

 

E como você, Marco Nanini, é afetado por esses tempos apocalípticos – com fenômenos climáticos extremos, milícias e traficantes brincando com suas armas poderosas nas cidades, terríveis viroses se espalhando pelo ar e ainda guerras na Ucrânia e na Palestina?
Não tem como não se afetar pelo que acontece. A guerra é uma temeridade, algo que nos pegou durante o processo de ensaios. Já o aquecimento global é uma realidade. Quando estreamos, as temperaturas beiravam os 40°C. Voltei a São Paulo após anos e vi dezenas de pessoas morando e dormindo no Trianon, na Paulista, pelo Centro. A miséria é algo que me sufoca e me entristece. Estamos dentro de um momento histórico meio apocalíptico e o Gerald usa muito isso no texto também. O espetáculo tem esse perfume dos dias em que vivemos.

 

No documentário “Mise en Scène”, sobre o ofício do ator – foto divulgação | TV Globo

 

Traidor
Em cartaz até o dia 17 de dezembro no Teatro Antunes Filho, no Sesc Vila Mariana.
Rua Pelotas, 141, Vila Mariana,
Tel. 5080-3000.
Ingressos de R$ 18 a R$ 60.

Fernanda Lima roda o mundo com sua família em novo projeto “Minha Viagem”

Fernanda Lima roda o mundo com sua família em novo projeto “Minha Viagem”

Sentindo-se inteiramente livre após 17 anos de contrato com a Globo, Fernanda Lima juntou a família e partiu em uma jornada sem data para acabar, explorando novas paisagens, culturas, aromas e sons. E esse rolê todo deu origem a uma série de micro documentários, postada semanalmente em suas redes sociais

Rodando o mundo desde a adolescência, quando começou a trabalhar como modelo, Fernanda Lima resolveu unir o útil ao agradável e agora dedica-se ao projeto “Minha Viagem”, uma série de vídeos documentais curtos, postados em seu perfil no Instagram e espelhados em suas contas no TikTok e no Facebook. Trata-se de um projeto familiar intimista. Afinal, os filhos da Fernanda estão crescendo, e num futuro próximo trilharão seus próprios caminhos. Assim, ela e Rodrigo arranjaram um jeito de aproveitar ao máximo o convívio com eles, em busca de uma conexão mais plena com o mundo.

Curiosa pelo ser humano, por diferentes culturas e pelos aromas, sabores, sons e cores das mais variadas paisagens, Fernanda embarcou com a família nessa jornada ao ver-se totalmente livre, depois de 17 anos de contrato com a Globo e outros tantos com a MTV.

 

foto MARINA BAGGIO | divulgação

 

“Esse projeto ‘Minha Viagem’ nem sempre implica um movimento para longe, pode ser para dentro de mim, seja numa prática de yoga, numa caminhada ou numa meditação. Pode ser também uma escuta atenta sobre o que o outro sente ou faz, um ponto de vista, um olhar diferente”, filosofa Fernanda, que em junho completou 46 anos de idade. Autodefinindo-se como itinerante, ela e sua família são nômades modernos, que vivem entre São Paulo e Portugal, não morando nem lá e nem cá.

Em entrevista à 29HORAS, Fernanda Lima fala sobre o prazer de viajar, diz se sentir a gerente de Recursos Humanos de sua família e revela algo surpreendente: o seu maior defeito e as piores falhas de Rodrigo Hilbert. Sim, eles têm defeitos! Veja nas quatro páginas a seguir os principais trechos dessa conversa.

Defina para a gente a proposta desse projeto “Minha Viagem” e conte como surgiu a ideia de colocá-lo no ar em seus perfis nas redes sociais.
“Minha Viagem”, como o nome já anuncia, é o que me vier à cabeça e ao coração. Esse projeto nasceu de uma vontade de olhar para fora, para os outros e, ao mesmo tempo, sair um pouco do universo pepeta, Peppa Pig e mamadeira. Minha filha vai fazer 4 anos e já tem certa autonomia. Agora posso me reinventar outra vez, aos poucos, criando linguagens para me comunicar. Acredito que as redes democratizaram a opinião e por isso podem ser um espaço muito bom para as pessoas como eu se expressarem. Através dos meus perfis, compartilho tudo o que me atravessa e me transforma.

Por onde você esteve viajando como parte desse projeto?
Eu sempre viajei muito, antes solteira e sozinha e agora com minha trupe. Mudamos muito de casa, de cidade e de país. A série não tem linearidade, e por isso pode ter material de qualquer lugar por onde estive nos últimos quatro anos. No Brasil, na África, na Europa… Entre outros lugares, já passamos por Paris, Londres, Bolonha e Marrakech, no Marrocos. Onde vai terminar, eu não sei. Vou para onde minha intuição e minha curiosidade mandarem. Sempre tem algo que pode despertar o olhar de quem assiste e tocar num recanto singular da nossa alma. Essa é a beleza da coisa – e pode acontecer em qualquer lugar.

 

Fernanda, os gêmeos Francisco e João, a pequena Maria e o maridão Rodrigo Hilbert – foto reprodução Instagram

 

Outro dia, uma amiga minha falou que toda viagem tem três momentos: o sonho/preparação, a experiência e a recordação. Como você curte a excitação do primeiro tempo, as sensações do segundo e as reflexões e elaborações que fazem parte do terceiro?
Eu amo viajar. Mas viajar a trabalho é diferente de sair de férias, que muitas vezes também é cansativo, principalmente quando se tem filhos. Viajar gravando precisa de uma organização e disciplina arretada. Tem horários de luz, horário para dormir, equipamentos para carregar… é punk, mas captar momentos tem sua magia única, e isso também me fascina. Amo todas as etapas, mas voltar para minha cama é sempre a melhor, sem dúvida. Voltar para casa com as percepções alteradas e registrar as memórias é algo muito prazeroso. É uma forma de espichar a viagem depois que acabou. Ter referência de outros lugares e realidades ajudam a gente a ampliar o nosso olhar sobre a Humanidade.

Por falar em vida dentro de casa, como vocês enfrentaram o confinamento provocado pela pandemia? Foi uma fase de crescimento e de fortalecimento ou foi apenas um período de melancolia e tristeza – já que o seu pai morreu em decorrência da Covid?
A pandemia foi profunda, trágica e deixou marcas em todo mundo, e comigo não foi diferente. Infelizmente muitos tentaram ganhar em cima da tragédia e isso não mudou. O homem segue agredindo e matando não só seus semelhantes como a natureza. Certamente essa é uma das causas do aparecimento do coronavírus. Mas ainda tenho esperança de que as futuras gerações consigam atenuar e curar as mazelas do planeta.

Nesse quinteto dos Lima-Hilbert, qual é a função de cada um? O Rodrigo cuida da cozinha, os meninos adolescentes se encarregam da bagunça, a Maria entra com a fofura e você atua como regente, responsável pela saúde mental e pelo equilíbrio da família? Como num time de futebol, cada um tem uma função fixa ou vocês se alternam nas diversas posições?
É mais ou menos assim como você falou. Mas, agora, com os filhos mais crescidos, as funções vão se alternando e eles ganharam mais responsabilidades. Meus guris já têm 15 anos. Estão aprendendo a se virar. Minha filha Maria também já tem suas responsabilidadezinhas. E assim não fica tão pesado para os pais. Porque filho exige muita dedicação. Vejo mais como uma firma, uma empresa. Eu seria o RH – não de Rodrigo Hilbert, mas de recursos humanos mesmo. Sou eu quem conversa, escuta, acolhe e encaminha. O Rodrigo cuida do refeitório, das compras da semana e dos pagamentos mensais. Ah, eu também atuo como um vigia noturno – só sossego quando todo mundo já dormiu!

 

Fernanda Lima com o marido Rodrigo Hilbert no programa “Bem Juntinhos” – foto GNT | divulgação

 

Quando os gêmeos João e Francisco nasceram, você tinha acabado de sair de uma rotina alucinada de gravações de novela e logo depois mergulhou no projeto de “Amor & Sexo”. Agora com mais tempo para curtir a Maria Manoela, a experiência está sendo muito diferente para você? E como você acha que ela tira proveito disso?
Quando os meninos nasceram, foi insano, pois além de maternar e trabalhar como louca, ainda arrumei uma pós-graduação, que acabei largando no último ano. Minha vida mudou muito daquele tempo, hoje tenho mais tempo para administrar a família. Vivo cada dia com eles. Aprendi muita coisa com o João e o Chico e, doze anos depois, fui ser mãe de novo e aprendi muito mais com a Maria. Hoje estou me cobrando menos. A maturidade é boa, mas às vezes dá um siricutico…

 

 

E agora, depois de 17 anos de contrato com a Globo, como tem sido a sensação de liberdade, de ser a dona do seu destino, com plenos poderes para aceitar ou recusar convites e propostas de trabalho?
É diferente a vida sem contrato. Agora sou eu que cuido da minha história. E está sendo legal, bem tranquilo. Tenho recebido uns convites bem interessantes, mas ainda não apareceu nada que me fizesse falar: “Vou parar minha história, vou me dedicar a esse trabalho”. Vamos ver o que vou conseguir fazer.

Por falar nisso, para que tipo de projeto você está aberta neste momento? O que gostaria de fazer? Pretende seguir investindo na sua trajetória como apresentadora? Pensa em voltar a atuar? Quer se aprofundar nos trabalhos como roteirista?
Eu deixo meu coração sempre aberto. Posso fazer qualquer tipo de projeto desde que me apaixone e que consiga montar uma logística para deixar meus filhos bem. Nunca fui atriz e não estudei para esse lindo e difícil ofício, mas atuei em duas novelas. Me joguei naquelas aventuras, porém descobri que aquilo – definitivamente – não era o meu sonho. Também não sou exatamente uma roteirista, fui me tornando. É um trabalho difícil para mim, que toma muito do meu tempo, pois fico costurando assuntos, pesquisando e vendo com quem quero falar.

 

Como apresentadora do “Superstar” – foto João Miguel Junior | TV Globo

 

Você é uma empresária de sucesso – e o restaurante Maní, do qual você é uma das sócias-fundadoras, é a prova disso. Como expert em yoga, respiração, alimentação saudável e bem-estar, tem planos de abrir um spa? Ou uma filial do Maní em Portugal, para ampliar a presença internacional da moderna gastronomia brasileira?
Nunca me passou pela minha cabeça ter um spa, mas para o Maní eu tenho algumas ideias. O Maní é um projeto que nasceu de um sonho, de uma paixão e de amizades. Eu queria muito abrir um Maní fora do Brasil, mas estamos investindo na inauguração de casas com esta marca pelo Brasil e ainda tenho que convencer meus sócios a apostarem na internacionalização do restaurante. Tenho muito orgulho do Maní e do que é feito lá. Os funcionários trabalham felizes, os clientes saem felizes e nós, os sócios, nunca tivemos uma discussão.

Por fim, as pessoas idealizam sua relação com o Rodrigo e têm a certeza de que vocês são um casal perfeito. Depois de duas décadas juntos, o que essa relação tem de maravilhoso e onde vocês ainda têm de trabalhar para manterem a coisa funcional? E o mais importante: o que eu e todos os leitores queremos saber, na verdade, é qual é a sua pior falha e qual é o maior defeito do Rodrigo? Não é possível que vocês sejam seres humanos sem imperfeições!
Nosso casamento é de muita harmonia. Nos apoiamos e nos admiramos. Ao longo do tempo, amadurecemos, entendemos que cada um é um, com a sua criação, seus valores, suas virtudes e seus defeitos – temos vários! O que posso expor é que o Rodrigo é bem ansioso e eu bem orgulhosa. Mas vamos bem juntos porque eu o acalmo e ele quebra meu orgulho. Outra coisa: eu sou super-pontual e ele está sempre em cima da hora. Aí ele me relaxa e eu o coloco na linha. E eu acho que ele come um monte de tranqueira que eu evito. Aí ele come melhor e me tira do trilho! Ele é também mais conservador na educação e eu sou bem mais flexível. Aí ele puxa o freio e eu converso e libero. Em geral é assim, mas não sei… tem vez que é tudo o contrário disso!

 

foto MARINA BAGGIO | divulgação

 

Maitê Proença encara seus traumas e revisita alegrias em peça autobiográfica

Maitê Proença encara seus traumas e revisita alegrias em peça autobiográfica

De 13 a 25 de novembro Maitê Proença volta aos palcos dos teatros com a peça autobiográfica “O Pior de Mim”, que será encenada em Fortaleza, Belo Horizonte e Porto Alegre. No espetáculo, que estreou em setembro de 2020 em transmissões online e pela TV e reuniu uma plateia de mais de dois milhões de pessoas, a atriz revisita a sua vida, revelando ao público sua face mais escondida. “Aquela que nem eu mesma tinha coragem de bisbilhotar”, ela diz.

Dirigida por Rodrigo Portella, a montagem é um dos trabalhos mais corajosos dessa atriz premiada, conhecida por suas personagens no teatro, na TV e no cinema, em mais de quatro décadas de atuações.

Na peça, Maitê reflete sobre traumas e memórias desde a infância. Uma autoanálise em que expõe fragilidades e feridas profundas como a morte da mãe, assassinada pelo pai da atriz em 1970, quando ela tinha apenas doze anos. Nessa época, Maitê foi viver em um pensionato com o irmão caçula; o pai, absolvido em dois julgamentos, se internou em um manicômio. Tempos depois ele se matou e o irmão mais velho também tirou a própria vida.

Além de repassar a sua história, a atriz de 63 anos, mãe de Maria e recente avó de Manuela, fala de machismo, misoginia e preconceitos que enfrentamos no nosso país. Tudo com intensidade, mas também com humor, como é próprio de sua verve.

Ansiosa para viver esse reencontro direto com o público após meses de reclusão e distanciamento na pandemia, Maitê conta também nessa entrevista sobre seu momento e suas emoções.

 

Maitê Proença em “O Pior de Mim” – Foto: Dalton Valerio

 

A peça “O Pior de Mim” foi indicada ao prêmio APTR e considerada um dos melhores espetáculos desde o início da pandemia. O que a levou a mergulhar nesse trabalho e que resposta você teve do público com as apresentações online?
Eu estava confinada como toda gente e reduzida a poucos entretenimentos. O Instagram, antes secundário, virou uma ponte para o mundo. Só havia pessoas felizes ali, cheias de amigos, bem-sucedidas, com a pele fulgurante. Inevitável se sentir um lixo por comparação. Todos nós já tão combalidos, e nas redes o mundo dos moranguinhos. Pensei: por que não mostrar o que não deu certo, as grandes frustrações, os fracassos? O público respondeu fortemente porque, ao abrir minhas mazelas, batia no mesmo lugar dentro da vida de quem assistia. O teatro faz você se visitar, mas sem que seja tão penoso, porque você revive, mas passando pelo filtro das experiências do outro. E aí, não se sente só.

O que você espera dessa turnê ao vivo em três capitais?
Estou muito feliz e ansiosa com o contato direto com o público. A peça não é para baixo, pelo contrário, ela dá vontade de sacudir a poeira e abraçar a vida, tem bom humor, energia. Vai ser maravilhoso voltar aos palcos e sentir o calor das pessoas!

O que foi mais difícil nessa imersão em que você apresenta à plateia a sua parte mais trágica?
Não conto fatos pelos fatos, mas sempre para ilustrar algo que eu não vi quando estive presa naquelas situações, e que hoje eu já consigo olhar e entender, eu consigo sanar.

Foram muitas perdas para uma criança, um trauma doloroso. O que você falaria hoje para essa menina de doze anos que se viu sozinha da noite para o dia?
Eu estou aqui para te pegar no colo hoje. Nunca é tarde.

 

Maitê Proença na sala de aula da Escola Americana de Campinas, aos nove anos - Foto: Arquivo Pessoal

Maitê Proença na sala de aula da Escola Americana de Campinas, aos nove anos – Foto: Arquivo Pessoal

 

Mesmo diante de tantas adversidades, você sempre sacudiu a poeira e foi se reinventando. O que a inspira?
Eu olho para fora e vejo o outro, vejo os pássaros, as ondas do mar, isso me inspira. O olhar para dentro é bom se a gente vai “arrumar a casa”, mas depois tem que sair dali. O umbigo é pequeno e atrofia o espírito se for só ele que conseguimos ver.

Quais lembranças você tem de Campinas, onde passou a infância?
Nasci na cidade de São Paulo porque vivíamos em Ubatuba, que era uma aldeia, e minha mãe preferiu parir em um hospital. Mais tarde fui morar em Campinas, onde tive uma infância solta, livre, campestre. A vinte minutos do centro havia montanhas e as cachoeiras mais lindas. Meus pais trabalhavam muito e eu saía pelas redondezas, de carona, de bicicleta, e me comunicava com os amigos em tupi guarani, que nós aprendemos para nos sentirmos ainda mais integrados com as belezas a nossa volta.

O que o teatro trouxe para sua vida?
A capacidade de sentir. Depois de todos esses traumas, eu teria me fechado em copas, não fosse o ofício do teatro. Na juventude, comecei a viajar bastante e depois mergulhei na dramaturgia. Por precisar dos sentimentos para desempenhar, ser atriz me salvou de um deserto emocional.

Durante a pandemia você começou a se expressar mais pelas redes e a ganhar seguidores. O que esse relacionamento significa para você?
Uma ponte contra a solidão. Sou uma pessoa que lê e tem vida interior, me mexo, canto, danço. Mas o contato humano é insubstituível.

 

Maitê Proença - Foto: Divulgação

Maitê Proença – Foto: Divulgação

 

Quais são os planos para o futuro próximo?
Não sou de grandes decisões, sigo apenas, um dia após o outro. Temo que, de outra forma, não daria conta, ficaria tudo sufocante. Aos poucos, sem muitos planos, só os pequenos, vou assimilando cada mudança sutil e me adaptando, seguindo minhas setas internas, para onde elas apontam. Mas tem coisas acontecendo. Eu me tornei produtora orgânica, com amigos, estamos plantando para vender num esquema agroflorestal. A peça “O Pior de Mim” deve virar livro num formato ampliado. E haverá uma versão revisada do meu livro “Uma Vida Inventada”, cujas edições se esgotaram há muito.

E o coração? Em março, você escreveu que buscava um amor, alguém que soubesse velejar, e hoje está feliz ao lado da cantora e compositora Adriana Calcanhoto. Que ventos trouxeram esse novo amor?
Eu estava brincando quando disse que procurava alguém, nem seria possível fazer experiências amorosas no meio de uma pandemia, sem vacinas. E a Adriana é adorável, única, mas não sabe velejar. Nem eu. Estamos aprendendo sobre os ventos com barquinhos de papel.

Como começou esse projeto bacana que você faz no Instagram, falando de grandes mulheres da história?
Foi há três anos, e desde então eu posto três vezes por semana, no Instagram e no YouTube, histórias de mulheres desbravadoras, singulares e corajosas que abriram as portas para todas nós em um mundo que já foi muito mais masculino. Mulheres na ciência, nas artes, na literatura, na política e no ativismo. Aventureiras, piratas, tem de tudo. Muita gente gosta e eu adoro porque ao pesquisar acabo também aprendendo muito com nossas precursoras. Há filmes sobre algumas delas, outras caíram no esquecimento. Quem sabe um dia eu produza, dirija, escreva um roteiro ou ainda interprete alguma dessas grandes mulheres…

 

Maitê Proença - Foto: Divulgação

Maitê Proença – Foto: Divulgação

 

Você se posicionou algumas vezes sobre o atual governo e o desmonte cultural e ambiental que vem sufocando o Brasil. Como você vê o país e as eleições de 2022?
Tudo já foi dito. É uma tragédia criminosa o que acontece na saúde. Nossas florestas vão sendo derrubadas com as consequências que temos visto em forma de incêndios, pouca chuva etc., e o futuro ainda dirá se conseguiremos reverter os estragos da ignorância. E tem a educação, para qual nenhum governo – desde Dom Pedro – deu bola, essa é a verdade. Preferem um povo desinformado, manso, manipulável. Mas com a atual administração pelo avesso, tanto a educação como as artes, que são a forma de expressão de um povo, jamais foram tratadas com tamanho desprezo. Ficaremos ainda mais atrasados em relação ao resto do mundo. Temos o país mais belo e cheio de riquezas naturais, e ainda assim somos párias. Mas sonho com o melhor para todos, acredito nas pessoas, sou otimista. Precisamos de disposição, saúde e fé na caminhada. Sempre, todo dia.

Maestro Luiz Godoy, do interior de São Paulo, é um dos maiores nomes brasileiros da música de concerto

Maestro Luiz Godoy, do interior de São Paulo, é um dos maiores nomes brasileiros da música de concerto

Maestro de Mogi das Cruzes está à frente da Ópera de Hamburgo e deseja levar ritmos brasileiros para o público europeu.

Luiz Guilherme de Godoy se apaixonou pelos concertos quando tinha apenas cinco anos de idade. Incentivado pela mãe e pelo irmão, membros de um coral na cidade de Mogi das Cruzes, interior de São Paulo, não demorou muito para que seu caminho também se enveredasse pela música. Hoje radicado na Europa, ele é um dos maestros titulares da Ópera Estatal de Hamburgo, na Alemanha, e, aos 33 anos, já é um dos maiores nomes brasileiros da música de concerto.

 

Foto: Divulgação

Foto: Divulgação

 

Formado em piano pela Universidade de São Paulo e mestre em Regências Coral e Orquestral pela Universidade de Música e Artes Performáticas de Viena, Luiz Guilherme já trabalhou em mais de vinte países. Mas apesar de antigo, o sonho de conhecer o mundo sempre pareceu distante. “A única pessoa da minha família que, até então, tinha conhecido outros países era minha tia, gerente de hotel. Esse era o máximo de intercâmbio internacional que eu vislumbrava na época.”

Em 2021, o músico assumiu a direção artística de um dos grupos vocais mais tradicionais do mundo, os Meninos Cantores de Hamburgo, e foi no trabalho com coros infantis que se reconectou a sua vocação. “Quando tinha a idade desses meninos, tudo que aprendia, eu ensinava. Queria que meus primos também tivessem acesso a esse conhecimento. Ser maestro foi a forma que encontrei de passar adiante tudo que tive o privilégio de aprender com a música”, explica.

 

Foto: Divulgação | http://lukasbeck.com/

Foto: Divulgação | http://lukasbeck.com/

 

Para nomear o gênero musical com que trabalha, Luiz Guilherme evita o termo “erudito”. “Essa palavra só é usada no Brasil e confirma nosso DNA colonial e escravocrata. Erudição pressupõe elitismo, distinção, desigualdade, e a música de concerto não precisa ser sobre isso.”

Quanto ao futuro, o maestro planeja levar à Europa os ritmos brasileiros, como congado, maracatu e samba de raiz. “Eu espero, um dia, de fato contribuir com a sociedade na qual eu vivo e a sociedade da qual eu venho, para que elas se libertem dos resquícios coloniais que ainda existem, e se conectem para além dos preconceitos enraizados. Ainda tem muito trabalho para fazer por aqui, e a música pode ser um agente dessa mudança.”

 

Foto: Divulgação | http://lukasbeck.com/

Foto: Divulgação | http://lukasbeck.com/

Para Rachel Maia, da RM Consulting, diversidade nas empresas é uma responsabilidade social

Para Rachel Maia, da RM Consulting, diversidade nas empresas é uma responsabilidade social

A empresária Rachel Maia ajuda corporações a apostarem na representatividade no ambiente de trabalho, fazendo com que inovem e ampliem seus negócios.

No início de 2021, segundo a Companhia de Estágios, empresa de RH, as contratações de estagiários negros triplicaram no Brasil. Foram 743 admissões no primeiro trimestre em relação às 250 nos primeiros três meses de 2020, um aumento de 197%. Conjunturas melhores e abertura para debates dentro das empresas estão no centro dessa mudança.

Para Rachel Maia, da RM Consulting, priorizar a representatividade nas companhias não é questão apenas de responsabilidade social, mas também de oportunidade. “O processo de letramento social consiste em entender que as empresas não operam no vazio, mas sim nas sociedades, em que as mudanças culturais, sociais, econômicas e políticas refletem nas práticas do universo corporativo. Ter pessoas diferentes em um mesmo ambiente proporciona ter vários pontos de vista para uma mesma situação; isso é essencial para o desenvolvimento de um negócio, porque amplia a capacidade de inovação e a pluralidade do debate.”

 

Rachel Maia, empresária - Foto: Divulgação

Rachel Maia, empresária – Foto: Divulgação

 

A empresária defende o conceito de letramento social para que os colaboradores passem a refletir criticamente sobre a sociedade e entender que a falta de pluralidade é um problema estruturalmente enraizado. “A partir daí é que haverá embasamento para a criação de ações afirmativas voltadas à empregabilidade de grupos historicamente minorizados, como PcD, negros, LGBTQIA+, mulheres, dentre outros”, explica Rachel, que dá consultoria a grandes empresas, como a XP e a JBS Brasil.

Uma das poucas mulheres negras a chegar ao topo do universo corporativo na América Latina – foi CEO da Lacoste, Pandora e Tiffany –, ela hoje se dedica a projetos próprios: além da consultoria RM, Rachel é fundadora do Capacita-me, voltado à educação e empregabilidade de pessoas em vulnerabilidade socioeconômica.

Por ter transitado em diferentes espaços e testemunhado a falta de representatividade em muitos deles, a empresária considera a diversidade e a inclusão parte importante da sua jornada. “Eu fui uma outlier! Nasci na periferia, estudei em escolas públicas e encarei preconceitos por ser negra e mulher. Mas tudo isso me fez acreditar nos meus valores e lutar pela inclusão”. Rachel Maia conta ainda que vislumbra um momento em que as pessoas se sentirão desconfortáveis em ambientes predominantemente compostos por um único grupo da sociedade: classe social, gênero ou cor. “Acredito que, em breve, por meio do letramento social e da educação, as pessoas serão genuinamente agentes da transformação social.”

 

Rachel Maia, empresária - Foto: Divulgação

Rachel Maia, empresária – Foto: Divulgação