Professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP), Nabil Bonduki foi relator do Plano Diretor e Secretário de Cultura de São Paulo. Na entrevista a seguir, ele reflete sobre o modelo urbano das cidades e a relação com os alagamentos, que também envolvem uma mobilidade focada no automóvel.
O que deve ser feito para evitar tragédias como a de São Sebastião, já que os eventos climáticos extremos serão cada vez mais comuns?
É essencial garantir que as cidades sejam mais permeáveis e arborizadas. As Áreas de Proteção Permanente (APP), faixas nas beiras dos córregos e rios, precisam ser protegidas e/ou recuperadas. As águas pluviais devem ser retidas nos lotes (e reutilizadas), antes de chegarem nos sistemas de drenagem, evitando os alagamentos. A impermeabilidade está vinculada ao modelo de desenvolvimento urbano do século 20, voltado para o automóvel, que gerou avenidas nos fundos de vale e estacionamentos nos subsolos, que são péssimos para a drenagem urbana.
Na mobilidade, o que é importante fazer?
Promover a transição energética, abandonando gradativamente os combustíveis fósseis, e priorizar os modais coletivos e ativos. Trens, metrôs, ônibus elétricos, bicicletas e andar a pé são as melhores alternativas; o automóvel é a pior e precisa ser desestimulado.
É possível mudar essa lógica?
Possível é, mas é necessário um esforço conjunto do poder público, do setor privado e dos cidadãos. Os governos precisam sair do discurso e da demagogia e priorizar os investimentos em transporte coletivo movido a energia limpa. Os modais coletivos e ativos precisam ter faixas exclusivas para aumentar velocidade e segurança. Significa reduzir drasticamente os investimentos voltados para os carros e limitar seu espaço no viário, além de aumentar o seu custo para circulação.
Como educar a população para usar menos o carro?
Com educação desde a primeira infância para criar uma nova mentalidade. Precisamos formar pessoas que estejam conscientes de que a mudança é inevitável para sobreviver no planeta. Sem apoio da população, as mudanças não serão viabilizadas do ponto de vista político.
O que é prioritário fazer em São Paulo nesse sentido?
Por um lado, investir na formação de professores e na cultura urbana, contribuir na formação de uma mentalidade baseada na sustentabilidade. Por outro, promover um novo modelo de desenvolvimento, contendo o crescimento horizontal das cidades, ocupando terrenos e edifícios vazios ou subutilizados e adensando ao longo do transporte coletivo, de modo que a moradia esteja mais próxima do trabalho. O transporte coletivo precisa ter conforto, rapidez, segurança e custo acessível. As ciclovias e calçadas precisam ser mais seguras, iluminadas e articuladas. Sem melhores condições, o cidadão continuará desejando usar o automóvel. A formação para a cidadania será insuficiente.
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