De volta às novelas e estreando no Rio o espetáculo que produziu originalmente só para ser encenado em ruas e praças de cidades do interior do país, Cláudia Abreu festeja este momento especial de sua carreira fazendo teatro da maneira mais genuína ao lado de queridos colegas de profissão e interpretando uma personagem que leva à TV o debate sobre um tema importante como a saúde mental
Com 54 anos, quatro filhos e dezenas de prêmios conquistados por seus trabalhos na TV, no teatro e no cinema, Cláudia Abreu é uma mulher bem-sucedida e realizada profissionalmente e também no plano pessoal. Capaz de interpretar com a mesma desenvoltura a cantora de eletroforró de uma novela como “Cheias de Charme” ou uma escritora à beira do suicídio em uma peça teatral densa como o monólogo “Virginia”, ela acaba de retornar à TV aberta para ser uma das protagonistas da nova novela da faixa das 19h da TV Globo, “Dona de Mim”, e estreia no Rio o espetáculo “Os Mambembes”, originalmente concebido para ser encenado em praças de pequenas cidades do Brasil Profundo.
Soberana dos rumos de sua trajetória, Cláudia é também a produtora dessa adaptação da comédia clássica escrita em 1904 por Artur Azevedo, que conta as aventuras de uma trupe mambembe viajando pelo Brasil. A vida imita a arte para o elenco composto por atores consagrados como Cláudia, Deborah Evelyn, Julia Lemmertz, Leandro Santanna, Orã Figueiredo e Paulo Betti, que literalmente caíram na estrada em novembro de 2024, para apresentações no interior de Minas, Pará, Maranhão e Espírito Santo. No dia 15 de maio, a montagem chega ao Rio, ficando em cartaz no Teatro Casa Grande até 22 de junho, com apresentações de quinta a domingo.

Cláudia Abreu – foto Manoella Mello
“Montar ‘O Mambembe’ com amigos queridos era um sonho antigo. Uma celebração ao teatro e à alegria de atuar. Essa peça é um clássico brasileiro. Fizemos um espetáculo pensando para todo tipo de público, seja ele popular, sofisticado, jovem, idoso, de uma cidadezinha do interior ou da Zona Sul carioca”, sintetiza Cláudia.
Em conversa com a reportagem da 29HORAS, a atriz fala sobre Filipa, a mulher sonhadora e emocionalmente instável que ela interpreta na novela “Dona de Mim”, analisa os desafios que pais e mães têm de enfrentar para criar seus filhos em um mundo cheio de perigos virtuais/digitais e reflete também sobre as dificuldades crônicas vivenciadas por quem se propõe a produzir Cultura neste país. Confira nas páginas a seguir os principais trechos da entrevista.
Seu último trabalho na TV foi na novela “A Lei do Amor”, em 2016. Além da pandemia, quais as outras razões desse seu afastamento?
Quando terminei a novela “A Lei do Amor”, ficou acertado com a Globo que meu próximo trabalho seria uma série. Daí fiz duas temporadas de “Desalma”, sendo que a segunda foi gravada durante a pandemia. Depois, fui morar por um ano em Lisboa. Na volta, produzi e escrevi meu monólogo “Virginia”, sobre a escritora Virginia Woolf, que estou fazendo há dois anos e meio por todo o Brasil. Uma alegria! Já levei a peça até para o México e Portugal. Fiz ainda os filmes “Silêncio da Chuva” e “Tempos de Barbárie” e fui convidada para protagonizar meu primeiro trabalho na Amazon Prime, a série médica “Sutura”. E no final do ano passado estreamos o espetáculo “Os Mambembes”, no qual atuo e também produzo. Eu tenho uma produtora, a Zola Filmes, para a qual escrevi, atuei na série infanto-juvenil “Valentins”, que criei junto com a Flávia Lins e Silva para o canal Gloob.
Sempre gostei de fazer muitas outras coisas além de novela, mas estou feliz em voltar. Quando chegou o convite do diretor artístico Allan [Fiterman] e da autora Rosane [Svartman], foi irresistível, um combo impossível de recusar. Ele é um parceiro antigo e eu já tinha um desejo de trabalhar com a Rosane. Além disso, tinha uma cobrança muito forte do público de TV aberta me pedindo para voltar às novelas. Percebi isso claramente ao rodar o Brasil com a trupe de “Mambembes”. Comecei na TV com 16 anos, esse trabalho é um reencontro com o público que me acompanha há tantos anos, muita gente que não tem acesso ao streaming, ao cinema ou aos teatros e encontra na novela o seu principal entretenimento.

Cláudia Abreu na peça teatral “Virginia” – foto divulgação
Fale um pouco para a gente sobre a Filipa, de “Dona de Mim”.
A proposta é discutir saúde mental, já que é uma personagem instável emocionalmente, com picos de euforia e tristeza. Ela tem muitas questões profundas, como o fato de nunca ter se realizado como mãe, nem como artista. Mesmo assim, ela é luminosa, forte. Achei uma boa oportunidade de voltar à TV aberta falando de um tema tão relevante e que pode ser de grande ajuda para muitas pessoas. Mas obviamente não deixa de ser uma novela das sete — divertida, com cenas mais curtas e ritmo frenético. As novelas dessa faixa têm uma linguagem própria, mais leve e lúdica, e isso é muito bom. A Rosane é uma autora com uma antena fantástica para captar tudo o que está acontecendo na sociedade, a diversidade, a cultura, em segmentos diferentes.
A relação de Filipa com a filhinha adotiva de seu marido na trama, Abel (Tony Ramos), é ruim? É isso que leva a garotinha a se ligar tanto à babá Leona (Clara Moneke)?
A Filipa é uma personagem alegre e solar, mas que convive com várias frustrações do seu passado. Não deu certo como artista quando nova, depois não foi capaz de criar a própria filha, que vai morar em Portugal com a avó, e, por fim, não conseguiu se fazer aceitar pela própria enteada. A Sofia é uma criança que se sente muito sozinha naquela casa, onde todos são muito diferentes dela. A relação entre as duas não encontra um ponto de afinidade ou identificação, o que acaba frustrando a Filipa nas suas tentativas de aproximação. No entanto, Filipa mantém a esperança dentro de si. Ela sempre encontra uma novidade para se agarrar, na esperança de que finalmente conseguirá realizar algo. Sempre inventando novos sonhos e propósitos. Eu acredito que, apesar da enorme fragilidade e instabilidade emocional que a caracterizam, ela nunca perdeu a fé na vida.
Você trouxe para a Filipa alguma coisa da sua relação com os seus filhos na vida real, Maria, José Joaquim, Pedro Henrique e… Felipa?
Tenho uma relação completamente diferente com meus filhos, somos muito próximos, ligados. Já a experiência da Filipa como mãe não foi feliz.

A atriz ao lado de Tony Ramos, seu marido na novela “Dona de Mim”, que acaba de estrear na faixa das 19h da TV Globo, com texto escrito por Rosane Svartman – foto TVGlobo / Manoella Mello
Criar uma criança e um adolescente hoje em dia é uma tarefa cada vez mais complexa e desafiadora. Você assistiu à série “Adolescência”, da Netflix? Qual a sua “receita” para uma boa formação e um bom relacionamento entre pais e filhos?
Nada é mais difícil do que educar sem ser autoritária e, ao mesmo tempo, ter autoridade para poder dar limites. Sempre converso com os meus filhos, mas nunca sabemos até onde vai a escuta deles. O ideal é ter uma relação de confiança. Assisti à série e fiquei ainda mais ligada nesse assunto. É preciso ter muito cuidado com a internet. Mesmo com os seus filhos dentro de casa, ninguém está protegido, nem livre de fazer uma besteira achando que não vai ter consequências. Todo cuidado é pouco.
E como vai ser dividir o seu tempo entre as gravações da novela durante a semana e, de quinta a domingo, as apresentações do espetáculo “Os Mambembes”, no Teatro Casa Grande?
E ainda estou fazendo uma pequena turnê com “Virgínia”, que acaba na semana anterior à estreia de “Mambembes”! (risos) Sem dúvida, é um momento profissional especial. Estava programada para fazer as peças e montar o documentário que dirigi sobre a turnê de “Mambembes” pelas praças do país, mas fui surpreendida pelo convite da novela. Achei que seria uma boa oportunidade para voltar ao lado de pessoas de que gosto muito e falar desse tema de humor instável que atinge tantas pessoas. Mas agora é respirar fundo e dar conta de tudo com energia, dedicação e alegria.
Como foram as apresentações em cidadezinhas do Maranhão, do Pará, de Minas e do Espírito Santo? Conta para a gente algum fato inusitado ou imprevisto que rolou nessas performances de rua….
Inesquecíveis! Era o teatro feito da forma mais genuína, de graça e para plateias de duas, três mil pessoas. Passamos por muitos perrengues, com o ônibus da peça quebrando na estrada, chuva caindo de repente durante a apresentação etc. O documentário vai mostrar tudo isso. Foi muito lindo.

Na série “Sutura” da Amazon Prime Video – foto divulgação
Na Globo e nos filmes que você fez para o cinema, a produção é sempre caprichada e altamente profissional. Como foi fazer a turnê por esses locais sem infraestrutura, sem mimos e sem assistentes?
Em primeiro lugar, não gosto dessa coisa de mimos e assistentes. Nunca foi a minha. E fazer teatro dessa maneira me reconectou ao desejo primeiro e mais profundo da minha escolha de atuar profissionalmente como atriz. No entanto, apesar de ter sido concebida para ser apresentada na rua, a peça tem uma produção super caprichada. A maior diferença foi estarmos todos disponíveis para o inesperado que podia rolar durante as apresentações.
Além de produtora, você é uma das idealizadoras do espetáculo. Como surgiu a ideia de fazer essa recriação quase literal da peça sobre uma trupe de artistas mambembes?
A idealização foi minha e do diretor, o Emílio de Mello, e se traduz no desejo antigo de montar “O Mambembe” de maneira mambembe. Sair pelo Brasil com um ônibus que seria meio de transporte, camarim e cenário, com um grupo de atores amigos, parar nas praças e fazer teatro de graça. Nada mais divertido, mas bem trabalhoso também.
E o que mudou agora, nessa transposição de um espetáculo concebido para praças do interior para uma montagem num teatro de shopping no Leblon?
O ideal seria continuar fazendo na rua, mas para isso dependemos de patrocínio, como o que tivemos na turnê. A solução foi adaptar a peça para um teatro, pois como muitas pessoas estão envolvidas no projeto e contam com esse trabalho, não fazia sentido parar até aparecer outro financiador. Agora passamos a ter duas versões: para a rua e para o teatro!

Cláudia Abreu com Paulo Betti em cena de “Os Mambembes” – foto Annelize Tozetto
Depois de rodar o interiorzão do país, o chamado Brasil Profundo, se apresentando para pessoas que, em muitos dos casos, estavam assistindo pela primeira vez a um espetáculo teatral, podemos dizer que a cultura é uma atividade mambembe aqui no país, por ainda ser acessível a apenas uma pequena parcela da população?
Infelizmente, nem todos têm acesso à cultura, por isso foi tão importante levar teatro a lugares onde nem sempre tem um e, mesmo quando tem, nem todos podem pagar. Isso é um problema desde que “O Mambembe” foi escrito. Ter condições básicas para fazer teatro é o tema da peça, os artistas sempre estão com pires na mão. A cultura é tratada como algo menor ou como artigo de luxo que não merece um investimento permanente. Mas é justamente para poder ter condições de ser acessível a todos que a cultura precisa de investimento e de leis adequadas. É preciso também reforçar o entendimento de que cultura é a identidade de um país. Jamais poderíamos ter ido fazer teatro na beira do rio Tocantins, em Marabá, no Pará, se não tivéssemos um patrocínio.
Para finalizar, quais projetos você já tem engatilhados para depois do final da novela
Após “Dona de Mim”, levaremos “Os Mambembes” a São Paulo, para uma temporada no Tuca. E pretendo montar e lançar o documentário sobre essa aventura que foi fazer a turnê da peça. Vai ser minha estreia como diretora.

Cláudia com a trupe toda do espetáculo “Os Mambembes” após a apresentação em Açailândia (Maranhão) – foto reprodução Instagram
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