Comemorando 70 anos de história, a Bienal deste ano traz a resiliência como tema principal e tem número recorde de participação de artistas indígenas.
Em outubro de 1951, o Brasil fazia sua estreia no circuito mundial de arte contemporânea, com a primeira edição da Bienal de São Paulo. De lá para cá, a capital paulista acompanhou 33 edições do evento, com a exibição de mais de 70 mil obras, produzidas por aproximadamente 11 mil artistas, vindos de 140 países. Considerada a terceira maior exposição artística do mundo, atrás apenas da Bienal de Veneza e da Documenta de Kassel, na Alemanha, a mostra comemora seu septuagésimo aniversário com uma programação especial, marcada por ineditismo e recordes de representatividade.
Além da tradicional exposição presencial de entrada gratuita – em cartaz, este ano, entre os dias 4 de setembro e 5 de dezembro no Pavilhão das Culturas Brasileiras, no Parque do Ibirapuera – desta vez o evento se desdobra em intervenções culturais também no ambiente online. Através do catálogo “Tenteio”, o primeiro inteiramente virtual da história da Bienal, o público tem acesso a um dossiê completo das obras sem precisar sair de casa.
Para uma experiência sensorial ainda mais completa, os visitantes virtuais podem mergulhar no arquivo histórico do evento assistindo ao curta-metragem documental “O passado em perpétua construção”, lançado em julho no canal do YouTube oficial do evento. Outra opção é escutar os dez episódios do podcast “Bienal, 70 anos”, produzidos pela Fundação Bienal em parceria com o UOL. Com narração da apresentadora Marina Person e trilha sonora original de Fernando Cespedes, os áudios resgatam curiosidades sobre a mostra e estão disponíveis gratuitamente em todas as plataformas de streaming.
Após um ano de adiamentos devido à pandemia, a 34ª edição do evento se desenrola em meio a um apagão cultural, evidenciado pelas tragédias recentes em instituições artísticas, como o Museu Nacional do Rio de Janeiro e a Cinemateca Brasileira. Não à toa, o tema deste ano é “Faz escuro, mas eu canto”, título inspirado em um verso do poeta amazonense Thiago de Mello, que, segundo os organizadores da mostra, resume com excelência o momento presente. “Embora tenha sido escolhida antes da pandemia, é uma frase extremamente atual. Em tempos de escuridão e silenciamentos, queremos mostrar que fazer arte é um ato corajoso de resistência e esperança no amanhã”, explica Jacopo Crivelli Visconti, curador geral da exposição.
O diferencial desta edição também está na diversidade. Pela primeira vez, entre os 91 artistas selecionados, a distribuição entre homens e mulheres é equilibrada, e cerca de 4% dos expositores identificam-se como não-binários. Prezando pela pluralidade, o evento se destaca pelo protagonismo inédito da arte indígena, representada por cinco nomes brasileiros e quatro de povos originários da Colômbia, Groenlândia, Chile e Estados Unidos – que, juntos, correspondem a 10% dos artistas confirmados.
“Este tema diz muito sobre quem somos. Os povos indígenas vivenciam a escuridão há mais de 520 anos, o apocalipse não é uma coisa nova para nós”, pontua Daiara Tukano, muralista, professora, ativista e uma das expositoras desta edição. Ela apresenta a obra “Dabucuri no Céu”, um conjunto de quatro pinturas suspensas que representam os pássaros sagrados do clã Tukano: gavião-real, urubu-rei, garça-real e arara-vermelha. “São essas aves que, para meu povo, seguram o céu e impedem que o sol queime a terra fértil. Na minha origem, quando a situação está difícil, dizemos que o céu desabou. No momento que estamos vivendo, de crise sanitária, destruição ambiental e diante de todos os retrocessos do governo, o céu realmente caiu. Mas essas aves-guia, trazidas à terra nas pinturas, nos ajudam a resistir”, conta.
E “resiliência” é a palavra que norteia a produção de Gustavo Caboco, multiartista descendente do povo Wapichana, situado na fronteira entre Paraná e Roraima. “A obra que exponho nesta edição leva o nome ‘Kanau’kyba’, que, na nossa língua, significa ‘caminho das pedras’”, diz. São obras que misturam fotografias, animações, bordados e performances ao vivo, produzidas no que Gustavo nomeou como “ateliê em deslocamento”. “Partimos em grupo para várias partes do Brasil, seguindo o caminho dos nossos antepassados, que foram vítimas do deslocamento forçado. A inspiração para a arte veio e continua vindo da nossa própria história. Fomos tirados da nossa terra, mas nunca nos esquecemos do nosso caminho”, finaliza.
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