O campeão mundial de surf Italo Ferreira se prepara para a estreia da categoria nos Jogos Olímpicos

O campeão mundial de surf Italo Ferreira se prepara para a estreia da categoria nos Jogos Olímpicos

Mesmo com tantas adversidades azucrinando 2020, o potiguar Italo Ferreira não ficou a reclamar da vida. Sabiamente, o atual campeão mundial do esporte das pranchas tratou apenas de exercitar Grande Mandamento dos surfistas – ou seja, fugir de ondas ruinsPara isso, montou em casa uma academia não parou de surfar em praias desertas de Baía Formosa, balneário com nove mil habitantes a 90 quilômetros de Natal, no Rio Grande do Norte, onde nasceuAinda bem que deu certo, porque 2021 vai exigir muita saúde deletanto nos campeonatos de praxe como nos Jogos Olímpicos de Tóquio, no Japão 

FOTO SERGIO BOCHART

 

Venha o que vier por aíItalo Ferreira não parece muito tenso. Aos 26 anos, mostra gás de sobra para encarar qualquer desafioLigado em 220 volts e, sobretudo, sempre bem-humorado, o campeão esbanja carisma e alegria, fazendo crescer sua torcida. No Instagram, por exemplo, tem 800 mil seguidores. 

Não é de hoje que Italo Ferreira desperta admiração. Claro que a praia sempre esteve ao alcance de todos em Baía Formosa, mas o garoto logo mostrou que tinha mesmo talento com as pranchas – se é que podemos chamar de pranchas os pedaços de isopor que ele usava para deslizar sobre as ondas naquela época de dureza. Dentro do possível, Luiz e Katiana Ferreira, seus pais, deram força para o surfista-aspirante, e tudo deslanchou. 

Coruja assumida, Dona Katiana derrete-se: “Italo é um orgulho muito grande. No começou não foi nada fácil, mas ele é muito determinado no que quer, e a gente só podia incentivar. Não tenho nem como explicar. É muita emoção, é tudo de bom. Ele aqui para gente é tudo”. 

 

FOTO JÉRÔME ALBUGUES | FLICKR

 

É justamente o que diz o campeão, quando perguntado sobre o que a família significa para ele: “Tudo! Para chegar até aqui tive que batalhar muito, enfrentar diversos desafios, mas sempre tive a família ao meu lado, sou muito grato por isso”, conta ele, diretamente do Havaí, às vésperas do início da temporada 2021 da World Surf League, o maior campeonato do surf mundial. 

Todo esse afeto só rendeu bons frutosDesde garoto, sua carreira foi surpreendente. Conseguiu o primeiro patrocínio aos 12 anos e logo começou a viajar. Acumulou prêmios nas categorias de base, cresceu, foi conquistando espaço e fazendo seu nomeJá na sua primeira participação no torneio da elite profissional, em 2015, foi eleito o estreante do ano ao ficar em sétimo lugar no ranking. Não é pouca coisa. Entre ganhar a primeira prancha (baratinha, porém de verdade) e o campeonato mundial, em 2019, passaram-se apenas doze anos.  

 

FOTO WSL | POULLENOT

 

É por essas e por outras que o sujeito agitado por natureza certamente continuará a dar trabalho aos seus concorrentes. Concorrentes, sim, mas sobretudo parceiros de batalha como o paulista Gabriel Medina, bicampeão mundial, e o australiano Mick Fanningtricampeão mundial. Desde que se profissionalizou no surf, há cinco anos, é com essa turma que Italo Ferreira tem se encontrado em praias de todos os continentes. 

Eles são veteranos nos circuitos, são atletas que estão por aí há muito mais tempo que eu. Aprendo com todos, mas o Mick Fanning é minha referência dentro e fora d’água. Ele era um cara muito focado no que fazia, o primeiro a chegar na água para treinar, quase o último a sair. Tinha suas metas definidas e foi três vezes campeão mundial, deixando um legado muito grande, admira. É essa a linha de trabalho que Italo adota.  

Em um ano complicado como 2020, em que foram cancelados praticamente todoos campeonatos importantes do surf profissional, o potiguar conseguiu manter a rotina de pegar pesado no aprimoramento da forma física e da técnica. São pelo menos seis horas surfando dia após dia, divididas em três sessões. É uma preparação também psicológica, reforçando a experiência adquirida nos últimos anos. “Muitas das derrotas que eu tive foram aprendizados que me deixam mais forte para alcançar meus objetivos”, diz ele, no melhor estilo Nietzsche, antigo surfista das ideiasE o maior desafio a cada competição é ser melhor que na última. 

 

Fora d’água 

Enquanto os campeonatos não retomam sua força total, o potiguar ensaia voos mais altos que suas manobras radicais, que tanto têm surpreendido os amantes do surf. Agora em 2021, por exemplo, ele deve dar sinal verde para os projetos do Instituto Italo Ferreira. “A intenção é ajudar as crianças da minha cidade e desenvolver um projeto de proteção ambiental em Baia Formosa, promovendo atividades extracurriculares, educação ambiental para pais e filhos, reciclagem… Nossa equipe está cuidando para que esses projetos se concretizem e que possamos ajudar muitas pessoas e a minha cidade, que amo. Precisamos nos comprometer mais com a natureza, que tanto nos dá.” 

A natureza, de fato, está precisando de uma força, sobretudo de quem vive enfronhado nela, até mesmo quando está de folga. É bem o caso do Italo, que não sabe viver longe da água. Em novembro, por exemplo, ainda fora das competições, ele partiu para Portugal, onde se meteu nas lendárias ondas gigantes de Nazaré (casa da brasileira Maya Gabeira, que você conheceu na edição de março de 2020 da Revista 29HORAS). “Foi uma experiência incrível. Amo me desafiar no esporte. Peguei a maior onda da minha carreira e pude treinar em ondas que ainda não tinha surfado. 

Mas essa descoberta não o fez dar nova guinada na prancha e se bandear para as ondas gigantes. “É um outro estilo de surf, que curto fazer pelo desafio, mas não pra carreira profissional”, analisa. 

 

O surfista na conquista do Mundial, no Havaí, em 2019 – FOTO WSL | DIVULGAÇÃO

 

Sonho olímpico 

Entre milhões de problemas provocados pela Covid-19 em todo o mundo, o adiamento da Olimpíada de Tóquio 2020 pode nem parecer uma questão tão relevante para a maioria da humanidade. Porém a gente reconhece que, embora tenha sido uma medida necessária, empurrar os Jogos para julho e agosto de 2021 foi um banho de água fria em atletas e fãs do surf, que finalmente estrearia como esporte olímpico. Mas pelo menos, é bem verdade, surfistas não têm medo de água fria. 

Marolas à parte, a regra é clara: o chamado Festival Olímpico de Surf terá 40 competidores – 20 no feminino e 20 no masculino, sendo dois representantes por país em cada categoria. Pelo Brasil, entrarão nas ondas de Tsurigasaki, a 40 quilômetros de Tóquio, os preparadíssimos Silvana Lima, Tatiana Weston-Webb, Gabriel Medina e, claro, Ítalo Ferreira. Os gringos que tremam na base. 

Para o surfista potiguar, o negócio é treinar com a seriedade de sempre, manter a tranquilidade e cortejar o ouro olímpico. Será a primeira vez do surf na competição”, diz o campeão brasileiro, lembrando de uma questão primordial para o fortalecimento do esporte: “O surf no Brasil veio para ficar, e agora, como esporte olímpico, precisamos de empresas que apoiem as categorias de base pensando no futuro. Já temos empresas no país que estão visando o surf, mas precisamos de mais. 

E é verdade. A Olimpíada é uma vitrine gigantesca para patrocinadores inteligentes em busca de consumidores. Ajudar os quatro brasileiros a aumentarem a popularidade das pranchas no país é uma boa sacada. Há que se considerar que existem por aqui cerca de três milhões de praticantes do esporte, que movimenta 2 bilhões de reais ao ano e emprega, direta ou indiretamente, cerca de 140 mil pessoas, segundo estudo divulgado pelo Instituto Brasileiro de Surf. E lembremos que o que não nos falta é litoral a ser explorado. 

Vamos, então, torcer pelas medalhas. A depender do cronograma divulgado pelo Comitê Organizador da Olimpíada, e se as condições do mar em Tsurigasaki permitirem, a estreia do surf nos Jogos Olímpicos será em 25 de julho, domingão, com duas competições. No dia seguinte será disputado o round três; no dia 27, quartas-de-finais e semifinais. A decisão fica para o dia 28, com as baterias da disputa do bronze e a grande final. “Seria incrível trazer essa medalha para o nosso país”, finaliza E nós estaremos lá, ansiosos e torcendo, mesmo que à distância. 

 

FOTO WSL DIVULGAÇÃO